Pequenas causas

Supremo é competente para julgar HC de tribunal recursal

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2 de agosto de 2005, 18h19

O Supremo Tribunal Federal é competente para julgar Habeas Corpus de acórdão proferido por turma recursal de Juizado Especial. A decisão é do plenário do STF e diverge do entendimento do ministro Marco Aurélio, para quem não cabe ao Supremo julgar HC “considerados incidentes” e condenações de infração penal de “menor potencial ofensivo”. O voto do ministro foi embasado na Emenda Constitucional 22/96.

Os outros ministros, no entanto, decidiram fixar entendimento de acordo com a Súmula 690 do STF, segundo o qual “compete originariamente ao STF o julgamento de Habeas Corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais”. O voto de Marco Aurélio foi acompanhado pelo ministro Carlos Velloso. Para ele, o Supremo “não pode julgar essas questões pequenas, crimes de praticamente nenhuma significação em detrimento de questões constitucionais”.

No mérito, os ministros concederam o Habeas Corpus para trancar queixa-crime, contra o réu e os advogados de uma ação em que teriam ofendido a moral da parte. Posteriormente, o autor desistiu da ação penal privada apenas em relação aos advogados. O juizado especial criminal, no entanto, determinou o prosseguimento do processo alegando que a renúncia à ação foi posterior ao recebimento da queixa.

Os réus sustentaram que os advogados estão acobertados pela imunidade no exercício da profissão. Alegaram, também, que a desistência da ação penal privada pode ser feita a qualquer momento e, sendo a ação indivisível, deve ser estendida a todos.

As alegações foram acatadas pelo ministro Marco Aurélio, relator da ação, para quem o perdão é exercitável a qualquer momento do processo, com exceção do trânsito em julgado da sentença. Ele citou o artigo 51 do Código de Processo Penal, segundo o qual “o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem produzir, todavia, efeito em relação ao que recusar”.

Leia a íntegra do voto de Marco Aurélio

TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 83.228-8 MINAS GERAIS

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S): DENILSON MARCONDES VENÂNCIO

PACIENTE(S): DÁLCIO MOREIRA CARNEIRO

PACIENTE(S): EDSON LOBO MARQUES

IMPETRANTE(S): DENILSON MARCONDES VENÂNCIO

COATOR(A/S)(ES): TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DA COMARCA DE POUSO ALEGRE

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Colho da inicial que o paciente Edson Marques foi acionado para satisfazer pedido de reparação de danos morais e patrimoniais. Apresentada a defesa, os pacientes Denilson e Dálcio, advogados constituídos, apontaram, sob o ângulo da carência da ação proposta, que o autor José Capone de Melo não teria moral a defender. Tem-se a formalização de interpelação judicial contra o paciente Edson, reclamando-se explicações. Vindo a sucumbir na ação cível de reparação de danos, José Capone ajuizou queixa-crime contra não só os advogados que subscreveram a defesa, como também contra o representado, ou seja, o réu na citada ação cível.

Teriam eles cometido os crimes contra a honra de calúnia, difamação e injúria. O Juízo da 2ª Vara da Comarca de Santa Rita do Sapucaí designou audiência de conciliação, não surgindo campo para o almejado entendimento. O Ministério Público pronunciou-se pela seqüência da queixa-crime, vindo a ser recebida e designada data para o interrogatório dos querelados. Na audiência, o querelante desistiu, mediante petição, da queixa-crime, no que envolvidos os advogados Denilson e Dálcio. Suspendeu-se a audiência, abrindo-se vista aos querelados e ao Ministério Público.

O querelado Edson Marques evocou a inviabilidade de desistir-se, sob o ângulo subjetivo, do pedido formulado em ação penal exclusivamente privada, ante o princípio da indivisibilidade. O Ministério Público manifestou-se pela seqüência da queixa-crime considerada a circunstância de já haver ocorrido o recebimento. Então, decidiu o Juízo no sentido da impossibilidade de acatar a renúncia, afastando a retratação, entendendo-a imprópria no tocante à injúria. Designou-se data para o interrogatório. Deu-se a impetração de habeas corpus visando ao trancamento da ação penal.

Encaminhado à Turma Recursal do Juizado Especial da Comarca de Pouso Alegre, Minas Gerais, ocorreu o indeferimento da liminar. No julgamento definitivo, consignou-se que a hipótese não estava coberta pela inviolabilidade do artigo 133 da Constituição Federal, deixando de incidir o artigo 142, inciso I, do Código Penal, proclamou-se a necessidade de prova, isso quanto à ausência de justa causa. Quanto à extinção da punibilidade pleiteada pelo querelante, assentou-se que os próprios querelados é que deveriam se retratar. A ordem foi indeferida. Sustenta-se estarem os pacientes respondendo à queixa-crime, tendo em conta a defesa apresentada em ação civil de reparação de danos morais e patrimoniais.


A partir desse enfoque, reitera-se a inexistência de justa causa quanto a Edson Marques, porquanto apenas teria constituído advogado, subscrevendo procuração. Relativamente a Denilson e Dálcio, a hipótese ficou restrita à defesa consentânea com a ação ajuizada, no que se procurou demonstrar a improcedência do pedido. Ter-se-ia pertinência lógica do que veiculado com a questão debatida no Processo Cível nº 855-1. Citam-se precedentes sobre a matéria.

Em passo seguinte, busca-se o reconhecimento da possibilidade de, a qualquer tempo, o querelante desistir da queixa-crime. O pleito seria irrecusável, no que envolvidos os querelados Denilson e Dálcio. O recebimento da queixa não seria óbice, segundo a melhor doutrina – Mirabete, Frederico Marques, Celso Delmanto e Carvalho Filho, ao acatamento da vontade do querelante. Alude-se à outra queixa-crime, no que acolhido o pleito pelo mesmo Juiz que o refutou na espécie ora examinada. A partir desse dado, ressaltou-se a parcialidade e o caráter tendencioso da atitude adotada. Pleiteou-se a concessão de liminar, tendo em conta audiência designada para 5 de junho de 2003, vindo-se após a conceder a ordem em definitivo para trancar-se a queixa-crime – Processo nº 1.517-5, em curso no Juizado de Pouso Alegre – Minas Gerais. Com a inicial, vieram os documentos de folha 20 a 215. Impetrado este habeas no Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, ocorreu a declinação da competência, na forma do ato de folha 219 a 221, citando-se precedentes. À folha 225 despachei:

1. Processo é acima de tudo documentação de fatos jurídicos.

2. Registre-se a data de recebimento do habeas nesta Corte. A remessa de folha 221-verso, datada de 4 do corrente mês segue-se a folha da distribuição. Confirme-se como tal se for o caso, a constante deste último documento – 23.06.2003.

3. Com decisão em fita magnética.

Brasília, 28.06.2003

Indeferi, então, a liminar, consignando, em 28 de junho de 2003, o prejuízo do objeto. É que foi direcionada à suspensão da audiência designada para 5 de junho de 2003 (folha 226). À folha 229, certificou-se a remessa do processo a esta Corte em 4 de junho de 2003, às 15 horas e 31 minutos. Entretanto, noticiou-se “que a expedição dos autos a esta Corte foi realizada em 20 de junho de 2003, às 19 horas, por meio do registrado postal nº 191904385”.

O recebimento deu-se em 23 imediato, seguindo-se registro e encaminhamento à Coordenadoria de Autuação. Aos autos vieram as informações de folha 240 a 243, ressaltando-se que não houve na espécie interposição de recurso extraordinário contra a decisão proferida por força do habeas corpus originariamente impetrado. Nas informações salientou-se que “não cabe habeas corpus para decidir questões já examinadas e que desafiam recurso próprio”. Enviaram-se documentos. Mediante o parecer de folha 276 e 277, a Procuradoria Geral da República propugna o trancamento da ação penal.

Registra que o habeas corpus anteriormente impetrado, porque atacava decisão de Juiz de Direito, deveria ter sido julgado pelo Tribunal de Alçada, e não pela Turma Recursal, no que esta tem competência apenas para revisar as decisões dos Juizados Especiais. Aciona-se que a defesa apresentada no cível não se mostrou reveladora de excesso suficiente à responsabilização penal dos profissionais da advocacia, no que gozam de imunidade profissional e não podem ser cerceados pelas opiniões manifestadas no processo, ante o disposto na Lei nº 8.906/94 – artigo 7º, § 2º. A par desse aspecto, o cliente que não subscreveu o arrazoado não pode ser responsabilizado pelo teor respectivo. Os autos vieram-me conclusos para exame em 16 de outubro de 2003, sendo que neles lancei a seguinte decisão:

HABEAS CORPUS – INICIAL – SUBSCRIÇÃO POR PROFISSIONAL DA ADVOCACIA – ÓRGÃO JULGADOR – EXPRESSÕES INJURIOSAS – RISCADURA.

1. Na inicial de folha 2 a 19, o impetrante Denilson Marcondes Venâncio, inscrito na OAB/SP sob o nº 117.612 e na OAB/MG sob o nº 11.20-A, assaca expressões injuriosas contra o ilustre juiz Dr. Antônio Krepp Filho, que atua em ação penal privada. As partes, os advogados, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os juízes em geral devem-se respeito mútuo, sendo que, no campo da atividade profissional, a injúria ganha contornos nocivos. Essa premissa mais robustece quando se aponta, em relação a órgão investido do ofício judicante, em relação a magistrado, a atuação de maneira tendenciosa e parcial. No ordenamento jurídico vigente, há meio próprio para combater-se desvio de conduta do magistrado, não cabendo, em petição de habeas corpus voltado a trancar ação penal, lançar tais expressões de forma a denegrir a imagem do destinatário.

2. Aciono analogicamente o disposto no artigo 15 do Código de Processo Civil:


Art. 15. É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las.

Determino a riscadura do vocábulo “parcialidade”, contido no parágrafo terceiro da folha 15, nos parágrafos segundo e quarto da folha 16 e no parágrafo 1º da folha 17 da inicial, bem como da palavra “tendenciosidade”, inserta no parágrafo primeiro da folha 6 e nos parágrafos 2º e 4º da folha 16.

3. Antes de vir a ser implementada a providência, proceda-se à tirada de cópia da inicial, da peça glosada, a ficar envelopada e guardada na Secretaria Judiciária.

4. Publique-se.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Surge mais um elemento complicador na área da competência para julgar habeas corpus impetrado contra ato de Turma Recursal. Na espécie, a medida mostra-se substitutiva do recurso ordinário constitucional, e este apenas é cabível contra decisão proferida em habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção por tribunal superior, presente o caráter denegatório do que decidido.

A interpretação da Constituição Federal há de guardar harmonia com o sistema por ela revelado. Tem-se situação concreta a merecer reflexão e evolução, no que em um primeiro passo a Corte assentou competir-lhe o julgamento de habeas quando apontada como órgão coator Turma Recursal Criminal. Reitero que a competência constitucional está revelada em dispositivos exaustivos.

Pedagogicamente veio à balha a Emenda Constitucional nº 22/96, elucidando não competir a esta Corte o julgamento de habeas corpus impetrados contra atos de tribunais que não possuem a qualificação de superior, direcionando-se tais ações constitucionais ao Superior Tribunal de Justiça. Pois bem, se nem mesmo compete ao Supremo Tribunal Federal julgar tais ações, envolvidos tribunais que não sejam superiores, o que se dirá quanto às Turmas Recursais dos Juizados Especiais.

A conclusão até aqui prevalecente, além de sobrecarregar o Supremo Tribunal Federal, atribuindo-lhe dirimir incidentes em causas penais reveladoras de infrações de menor potencial ofensivo, não passíveis sequer de alcançarem os Tribunais de Justiça e os Regionais Federais, bem como o Superior Tribunal de Justiça na via do especial, deságua em outras perplexidades.

A primeira diz respeito ao elastecimento, mediante interpretação extensiva, da competência do Supremo Tribunal Federal, a segunda está ligada à circunstância de outra ação constitucional ser julgada pelo tribunal a que integrados os componentes da Turma Recursal. Refiro-me ao mandado de segurança, cuja competência para o processamento e julgamento está explicitado no artigo 21, inciso VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Lei Complementar nº 35/79.

Ora, conflita com o próprio sistema proclamar-se que o mandado de segurança contra ato de Turma Recursal é julgado pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal a que integrados os juízes componentes do órgão, enquanto o habeas corpus é pelo Supremo Tribunal Federal. A derradeira perplexidade surge em se admitir, em conflito com a alínea “a” do inciso II do artigo 102 da Constituição Federal, que, verificada a apreciação de habeas corpus em Turma Recursal, e sendo denegatória a decisão, cabível é o recurso ordinário constitucional, previsto na alínea “a” do inciso II do artigo 102 da Constituição Federal.

Sim, a admitir-se o habeas substitutivo de tal recurso, impetrado diretamente no Supremo Tribunal Federal, ter-se-á de caminhar da mesma forma se o impetrante lançar mão do recurso ordinário. A todos os títulos não cabe ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus impetrado contra ato de Turma Recursal, como também não o cabe – e isso já foi proclamado nos Mandados de Segurança nºs 23.354/SP, relator ministro Celso de Mello; 23.525/RS, relator ministro Celso de Mello; 23.826/RJ, relator ministro Moreira Alves; 23.945/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence; 24.295/PE, relator ministro Nelson Jobim; 24.325/BA, relator ministro Maurício Corrêa; 24.340/RJ, relator ministro Gilmar Mendes; 24.370/MS, relator ministro Sydney Sanches; 24.598/RS, relator ministro Carlos Britto; dentre outros – mandado de segurança em idêntica situação.

Voto no sentido de concluir pela incompetência desta Corte para julgar o habeas, assentando caber a atuação ao Tribunal de Alçada de Minas Gerais, justamente a Corte na qual impetrada a medida.

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