Carência afetiva

STJ decidirá ação que discute danos morais por abandono do pai

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2 de agosto de 2005, 15h36

O Superior Tribunal de Justiça vai decidir se pai tem de pagar indenização por danos morais por abandonar o filho. O relator da questão é o ministro Fernando Gonçalves. O processo está com o Ministério Público Federal para que seja emitido parecer.

O que está em discussão é definir se o papel dos pais se limita ao sustento ou se a atenção emocional também é uma obrigação legal. Os ministros vão decidir se a ausência de afeto dos pais pode ser motivo de indenização por dano moral.

O direito a receber indenização foi reconhecido pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. A segunda instância derrubou sentença que entendeu não haver a comprovação do dano ao filho, hoje maior de idade. A informação é do STJ.

Segundo o processo, até os seis anos de idade, o filho (hoje com 24 anos) manteve contato com seu pai de maneira regular. Após o nascimento de sua irmã, fruto do segundo casamento, o pai se afastou e deixou de conviver com o filho.

O filho sempre recebeu pensão alimentícia, mas alegou que só queria amor e o reconhecimento como filho, porém recebeu apenas “abandono, rejeição e frieza”, inclusive em datas importantes, como aniversários, sua formatura no ensino médio e aprovação no vestibular.

O pedido do filho foi atendido com base no artigo 227 da Constituição Federal. Na ocasião, Unias Silva ressaltou que “a responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana”. A indenização foi fixada em 200 salários mínimos — hoje, R$ 52 mil, atualizados monetariamente.

Contra essa decisão, a defesa do pai pediu admissibilidade do recurso ao STJ. Sustenta que a indenização tem caráter abusivo, já que o filho ficou com a mãe após a separação e que, por causa de suas atividades profissionais, inclusive para fora do país, “chega-se às raias da loucura exigir que uma pessoa tenha o dom da ubiqüidade, para estar em dois lugares ao mesmo tempo”.

Jurisprudência

Apesar de inédito no Superior Tribunal de Justiça, essa não é a primeira vez que o tema é discutido no Brasil. Decisão da Justiça gaúcha de 2003 apontava para o mesmo entendimento. O juiz Mario Romano Maggioni, da 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa, condenou um pai a pagar 200 salários mínimos à filha, que alegou abandono material (alimentos) e psicológico (afeto, carinho, amor).

O juiz salientou, na sentença, que “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme”.

Maggioni comparou o dano causado pela rejeição paterna com o dano por acusação de débito injusta. “É menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer ‘fui indevidamente incluído no SPC’ a dizer ‘fui indevidamente rejeitado por meu pai’”, salientou.

No entendimento do juiz, negar afeto é agredir a lei. “Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho”, registrou a sentença. Nesse caso, a sentença já transitou em julgado (não cabe mais recurso) e não chegou às instâncias superiores.

Em São Paulo, houve decisão mais recente sobre o tema. Em junho de 2004, o juiz Luís Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível da capital paulista, condenou um pai a pagar indenização à filha no valor de R$ 50 mil para reparar o dano moral, além de custear o tratamento psicológico. Numa perícia técnica, foi constatado que a jovem apresenta conflitos de identidade, causados pela rejeição do pai. Ela deixou de conviver com ele ainda com poucos meses de vida, quando o pai separou-se da mãe. Ele constituiu nova família e teve três filhos.

O juiz Cirillo, em sua sentença, afirmou que “a decisão da demanda depende necessariamente do exame das circunstâncias do caso concreto, para que se verifique, primeiro, se o réu teve efetivamente condições de estabelecer relacionamento afetivo maior do que a relação que afinal se estabeleceu e, em segundo lugar, se as vicissitudes do relacionamento entre as partes efetivamente provocaram dano relevante à autora”. O pai já recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

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