Autonomia municipal

Município pode legislar sobre regras de segurança em bancos

Autor

2 de agosto de 2005, 12h24

Município tem autonomia para legislar sobre a instalação de equipamentos de conforto e segurança nas agências bancárias. A decisão é do ministro Celso de Mello, no julgamento de Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal.

O recurso foi ajuizado pela prefeitura municipal de Sorocaba, interior de São Paulo, contra decisão do Tribunal de Justiça do estado. A segunda instância foi favorável a Febraban — Federação Brasileira das Associações de Bancos. A informação é do STF.

Segundo o ministro, o artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, e a jurisprudência do Supremo asseguram a autonomia municipal para a elaboração de leis destinadas a garantir o melhor atendimento e conforto aos usuários de serviços bancários.

No voto, o ministro cita como exemplo, no quesito segurança, a instalação de equipamentos como portas eletrônicas e câmeras filmadoras. Sobre o conforto dos clientes, o ministro destaca o oferecimento de instalações sanitárias, cadeiras de espera e bebedouros.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 251.542-6 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

RECORRENTE(S): MUNICÍPIO DE SOROCABA

ADVOGADO(A/S): FERNANDA RICCI RODRIGUES DE SCARPA

ADVOGADO(A/S): ULISSES DE OLIVEIRA LOUSADA

ADVOGADO(A/S): HAROLDO GUILHERME VIEIRA FAZANO

ADVOGADO(A/S): MARCELO TADEU ATHAYDE

ADVOGADO(A/S): DOMINGOS PAES VIEIRA FILHO

RECORRIDO(A/S): FEBRABAN — FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE BANCOS

ADVOGADO(A/S): GERALDO DE CAMARGO VIDIGAL E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): CRISTIANA RODRIGUES GONTIJO

EMENTA: ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, BEBEDOUROS E SANITÁRIOS DESTINADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS (CLIENTES OU NÃO). MATÉRIA DE INTERESSE TIPICAMENTE LOCAL (CF, ART. 30, I). CONSEQÜENTE INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

– O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou colocação de bebedouros, ou, ainda, prestação de atendimento em prazo razoável, com a fixação de tempo máximo de permanência dos usuários em fila de espera. Precedentes.

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto pelo Município de Sorocaba/SP contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 228):

“ESTABELECIMENTO BANCÁRIO — Lei Municipal nº 3.599/91, exigindo bebedouro e sanitários públicos — Ilegalidade — Matéria de competência da União — Lei Federal nº 7.102/83, preexistente, regulando a segurança dos estabelecimentos bancários, com atribuição da fiscalização do Banco Central — Segurança denegada — Recurso provido para a concessão da ordem.” (grifei).

A parte ora recorrente sustenta, em suas razões, que o Tribunal local, ao decidir a controvérsia suscitada nos presentes autos, violou a Constituição da República, por haver considerado que o Município não dispõe de atribuição para legislar sobre a instalação, nas agências bancárias, de equipamentos destinados a propiciar conforto aos respectivos usuários, como aqueles referidos no diploma legislativo ora em exame.

Passo a apreciar a postulação recursal em causa. E, ao fazê-lo, devo reconhecer que assiste plena razão ao Município recorrente, considerada não só a autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), mas, também, a própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame da matéria ora em julgamento.

Não vislumbro, no texto da Carta Política, ao contrário do que sustentado pela FEBRABAN, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a instalação de equipamentos destinados a propiciar conforto aos usuários de serviços bancários.


Na realidade, o Município, ao assim legislar, apóia-se em competência material – que lhe reservou a Constituição da República – cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sem qualquer conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local, (a) seja aquele vinculado ao conforto dos usuários dos serviços bancários, (b) seja aquele associado à segurança da população do próprio Município, (c) seja aquele concernente à estipulação de tempo máximo de permanência nas filas das agências bancárias, (d) seja, ainda, aquele pertinente à regulamentação edilícia vocacionada a permitir, ao ente municipal, o controle das construções, com a possibilidade de impor, para esse específico efeito, determinados requisitos necessários à obtenção de licença para construir ou para edificar.

Vale acentuar, neste ponto, por relevante, que o entendimento exposto — consideradas as diversas situações ora especificadas — tem o beneplácito do magistério da doutrina (JOSÉ NILO DE CASTRO, “Direito Municipal Positivo”, p. 294, item n. 3.2, 3ª ed., Del Rey, 1996; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, p. 464/465, item n. 2.2, 13ª ed., Malheiros, 2003, v.g.) e, sobretudo, da jurisprudência dos Tribunais, notadamente a desta Suprema Corte (RTJ 189/1150, Rel. Min. CARLOS VELLOSO — AI 347.717-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 347.739/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 208.383/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA — RE 246.319/RS, Rel. Min. EROS GRAU – RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO — RE 385.398– –AgR/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO — RE 432.789/SC, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Cumpre enfatizar, por oportuno, na linha dos precedentes que venho de referir, que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a constitucionalidade de diplomas legislativos locais que veiculam regras destinadas a assegurar conforto aos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), tais como as leis municipais que determinam a colocação de cadeiras de espera nas agências bancárias (AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO) ou que ordenam sejam estas aparelhadas, como sucede no caso, com bebedouros e instalações sanitárias (RE 208.383/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA).

Essa mesma orientação foi reiterada a propósito da legitimidade constitucional – que se reconheceu presente, por tratar-se de assunto “de interesse local” (CF, art. 30, I) – de diploma legislativo municipal que também determinava, às instituições financeiras, que disponibilizassem, no recinto das agências bancárias, aos usuários de seus serviços (clientes ou não), à semelhança do que ocorre na espécie, tanto bebedouros quanto instalações sanitárias adequadas (AI 347.739/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM).

Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria Constituição da República, somente por esta pode ser validamente limitada, consoante observa HELY LOPES MEIRELLES, em obra clássica de nossa literatura jurídica (“Direito Municipal Brasileiro”, p. 80/82, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros):

“A Autonomia não é poder originário. É prerrogativa política concedida e limitada pela Constituição Federal. Tanto os Estados-membros como os Municípios têm a sua autonomia garantida constitucionalmente, não como um poder de autogoverno decorrente da Soberania Nacional, mas como um direito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua Administração, nos limites que a Lei Maior lhes traça. No regime constitucional vigente, não nos parece que a autonomia municipal seja delegação do Estado-membro ao Município para prover a sua Administração. É mais que delegação; é faculdade política, reconhecida na própria Constituição da República. Há, pois, um minimum de autonomia constitucional assegurado ao Município, e para cuja utilização não depende a Comuna de qualquer delegação do Estado-membro.” (grifei)

Essa mesma percepção do tema já era perfilhada por SAMPAIO DORIA (“Autonomia dos Municípios”, “in” Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. XXIV/419-432, 1928), cujo magistério — exposto sob a égide de nossa primeira Constituição republicana (1891) — bem ressaltava a extração constitucional dessa insuprimível prerrogativa político-jurídica que a Carta Federal, ela própria, atribuiu aos Municípios.


Sob tal perspectiva, e como projeção concretizadora desse expressivo postulado constitucional, ganha relevo, a meu juízo, no exame da controvérsia suscitada em sede recursal extraordinária, a garantia da autonomia fundada no próprio texto da Constituição da República.

A abrangência da autonomia política municipal — que possui base eminentemente constitucional (só podendo, por isso mesmo, sofrer as restrições emanadas da própria Constituição da República) – estende-se à prerrogativa, que assiste ao Município, de “legislar sobre assuntos de interesse local” (CF, art. 30, I), tal como o fez o Município de Sorocaba/SP, em benefício do conforto dos usuários (clientes ou não) dos serviços bancários.

Tenho para mim — ao reconhecer que existe, em favor da autonomia municipal, uma “garantia institucional do mínimo intangível” (PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 320/322, item n. 7, 12ª ed., 2002, Malheiros) — que o art. 30, inciso I, da Carta Política não autoriza a utilização de recursos hermenêuticos cujo emprego, tal como pretendido pela FEBRABAN, possa importar em grave vulneração à autonomia constitucional dos Municípios, especialmente se se considerar que a Constituição da República criou, em benefício das pessoas municipais, um espaço mínimo de liberdade decisória que não pode ser afetado, nem comprometido, em seu concreto exercício, por interpretações que culminem por lesar o mínimo essencial inerente ao conjunto (irredutível) das atribuições constitucionalmente deferidas aos Municípios.

Em suma: entendo que o diploma legislativo do Município em referência reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional, pois, longe de dispor sobre controle de moeda, política de crédito, câmbio, segurança e transferência de valores ou sobre organização, funcionamento e atribuições de instituições financeiras, limitou-se, ao contrário, a disciplinar, em bases constitucionalmente legítimas, assunto de interesse evidentemente municipal, veiculando normas pertinentes à adequação dos estabelecimentos bancários a padrões destinados a propiciar, em suas agências, melhor atendimento e conforto à coletividade local (colocação de bebedouros e oferecimento de instalações sanitárias), tudo em estrita harmonia com o magistério jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria ora em exame:

“- O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes.”

(AI 347.717-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

O exame da presente causa e a análise dos precedentes jurisprudenciais firmados pelo Supremo Tribunal Federal permitem-me concluir que a pretensão jurídica deduzida pelo Município de Sorocaba/SP encontra suporte legitimador no postulado da autonomia municipal, que representa, no contexto de nossa organização político-jurídica, como já enfatizado, umas das pedras angulares sobre as quais se estrutura o próprio edifício institucional da Federação brasileira.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário, em ordem a denegar o mandado de segurança coletivo impetrado pela parte ora recorrida (FEBRABAN — Federação Brasileira das Associações de Bancos). No que concerne à verba honorária, revela-se aplicável o enunciado constante da Súmula 512/STF.

Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!