Vôo baixo

Piloto com mais de 60 anos só pode pilotar vôo doméstico

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1 de agosto de 2005, 18h26

Pilotos comerciais com 60 anos ou mais de idade não podem comandar vôos internacionais, nem ser co-pilotos. A decisão é da 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A Turma confirmou a decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, permitindo que um funcionário da Varig realize vôos comerciais, mas o proibindo de conduzir aeronaves para fora do Brasil. Cabe recurso.

O piloto, que era funcionário da Varig, impetrou Mandato de Segurança por ter sido impedido de atuar como co-piloto em vôos para o exterior em razão da idade. A primeira instância entendeu que devem ser respeitadas as restrições impostas pela portaria 389, editada em 2000 pelo DAC — Departamento de Aviação Civil.

O órgão afirma que a norma que determina o limite de idade para pilotos internacionais estaria de acordo com a Convenção Internacional de Aviação Civil — ICAO (do inglês Convention on International Civil Aviation), da qual o Brasil é signatário. A informação é do TRF-2.

Acompanhando a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, a 6ª Turma do Tribunal entendeu que o Decreto 21.713, de 1946, só permite que um piloto sexagenário realize vôos domésticos.

O autor da causa trabalhou na Varig desde 1970. Alegou que estaria com seus certificados de Habilitação Técnica e Capacidade Física em ordem e, portanto, apto para desempenhar sua profissão. O piloto sustentou ainda que a Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer ofício, atendidas as qualificações profissionais exigidas por lei e proibindo a discriminação do trabalhador por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Segundo dados do processo, a ICAO estabeleceu os padrões mundiais para a segurança aérea. Entres outros itens, ela já fixava o teto de 60 anos de idade para os pilotos comerciais que fazem vôos internacionais. Dois anos depois, a convenção foi promulgada no Brasil por meio do decreto 21.713, de agosto de 1946. A limitação só vale para vôos internacionais, já que somente uma lei poderia criar esse obstáculo para as linhas aéreas domésticas.

Leia a íntegra da decisão

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL BENEDITO GONCALVES

APELANTE: UNIAO FEDERAL

APELADO: JOAO JACQUES GREEN

ADVOGADO: MARIA DE FATIMA DA SILVA MOREIRA

REMETENTE: JUIZO FEDERAL DA 12A VARA-RJ

ORIGEM: DÉCIMA SEGUNDA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200251010246351)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL contra sentença que concedeu parcialmente a ordem, nos autos do mandado de segurança preventivo, assegurando ao impetrante o direito de exercer a atividade de piloto de linha aérea doméstica, nos seguintes termos:

“Isto posto e na forma da fundamentação supra, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido registrado na inicial, concedendo a segurança para determinar que a autoridade impetrada se abstenha de restringir, em função da idade do impetrante, o exercício da profissão do mesmo em vôos domésticos e internacionais, observadas, nestes últimos, as restrições previstas na Convenção Internacional de Aviação Civil e as ressalvas da Portaria nº 389/DGAC.

Custas ex lege. Sem honorários advocatícios, consoante a Súmula 105 do Superior Tribunal de Justiça.

(…)”

(fls. 161/168).

Em razões recursais, a UNIÃO FEDERAL requer a reforma da sentença para denegar a ordem, ao argumento de que a vedação ao exercício da profissão de piloto com mais de 60 (sessenta) anos consta da Convenção Internacional de Aviação Civil, internalizada pelo Decreto nº 21.713, de 27/08/46, devendo ser recebida pelo ordenamento pátrio como se lei ordinária fosse, alegando, ainda, que essa proibição é razoável, atendendo “aos requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade”, que vôos internacionais exigem mais dos pilotos, em função de sua maior duração, e o caráter etário reduziria a capacidade exigida ao piloto para o comando da aeronave. No que se refere aos vôos domésticos, sustenta a não ocorrência de impedimento ao exercício da profissão, tendo em vista que a limitação se restringe aos vôos internacionais, acarretando, segunda a apelante, a falta de condição da ação, fls. 172/178.

Em contra-razões, JOÃO JACQUES GREEN defende que a convenção em tela não tem a força cogente que a recorrente lhe empresta, em virtude de não possuir força de lei, que “o Regulamento, o Decreto, e a Portaria devem ser secundum legem, jamais contra legem ou praeter legem, não podendo estabelecer normas criadoras ou extintoras do direito ou princípio novo, aberrante do direito preexistente, estender ou restringir benefícios ou fazer proibições não previstas”, que não poderá um Regulamento disciplinar o que a lei não prevê, caracterizando, dessa forma, a ofensa ao direito líquido e certo, amparado pelo presente mandamus, fls. 182/185.


O Ministério Público Federal opina pela manutenção da sentença (fl. 188).

É o relatório.

VOTO

Conforme já ensaiado no relatório, trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL contra sentença que concedeu parcialmente a ordem, nos autos do mandado de segurança preventivo, assegurando ao impetrante o direito de exercer a atividade de piloto de linha aérea doméstica.

Em razões recursais, a UNIÃO FEDERAL requer a reforma da sentença para denegar a ordem, ao argumento de que a vedação ao exercício da profissão de piloto com mais de 60 (sessenta) anos consta da Convenção Internacional de Aviação Civil, internalizada pelo Decreto nº 21.713, de 27/08/46, devendo ser recebida pelo ordenamento pátrio como se lei ordinária fosse, alegando, ainda, que essa proibição é razoável, atendendo “aos requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade”, que vôos internacionais exigem mais dos pilotos, em função de sua maior duração, e o caráter etário reduziria a capacidade exigida ao piloto para o comando da aeronave. No que se refere aos vôos domésticos, sustenta a não ocorrência de impedimento ao exercício da profissão, tendo em vista que a limitação se restringe aos vôos internacionais, acarretando, segunda a apelante, a falta de condição da ação, fls. 172/178.

Com efeito, o impetrante, piloto de linha aérea contratado pela VARIG Viação Aérea Rio Grandense S/A, encontrando-se com seus certificados de Habilitação Técnica e Capacidade Física em ordem, impetrou o presente writ contra ato administrativo consubstanciado na Portaria do DAC nº 1.457 DAC, de 05/10/00, que alterou o art. 6.145 do Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica – RBHA, vez que foi demitido da referida empresa por ter completado sessenta anos de idade.

A Convenção de Aviação Internacional, concluída em 07/12/1944 e promulgada pelo Brasil com o Decreto nº 21.713, de 27/08/1946, estatuiu, em seu Anexo I, que:

“2-1-10-1 – Um Estado contratante, tendo emitido uma licença de piloto, não deve permitir que o detentor da mesma atue como comandante de uma aeronave engajada no transporte aéreo internacional, regular ou não-regular, realizado com fins lucrativos, se o referido detentor da licença tiver atingido 60 anos de idade.

2-1-10-2 – Recomendação – Um Estado contratante, tendo emitido uma licença de piloto, não deve permitir que o detentor da mesma atue como co-piloto de uma aeronave engajada no transporte aéreo internacional, regular ou não-regular, realizado com fins lucrativos, se o referido detentor de licença tiver atingido 60 anos de idade”.

Depreende-se, pois, que a norma, de caráter cogente, proíbe o exercício profissional como co-piloto e comandante sexagenário de aeronave de transporte aéreo unicamente “internacional”.

No tocante ao Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 121, subparte M, ato de natureza administrativa, vê-se que, ao vedar o trabalho de piloto com 60 ou mais anos de idade, em aeronaves nacionais, violou os comandos constitucionais previstos no art. 5º, incisos II e XIII e 7º, inciso XXX, da CF/88.

Inexiste, portanto, lei interna que proíba ou restrinja o direito de exercer atividade de comandante e de co-piloto com mais de 60 anos em linhas aéreas de vôos domésticos. A fixação de limite de idade para o exercício de qualquer profissão somente tem validade se fixada por lei.

Nesse giro, é possível afirmar que, no que diz respeito à aviação nacional, o exercício da profissão de piloto e co-piloto somente deverá ficar condicionado à comprovação de habilitação técnica e capacidade física dos profissionais, que deverão ser auferidas através de exames periódicos, conforme se depreende do acórdão do colendo Superior Tribunal de Justiça abaixo transcrito:

“ADMINISTRATIVO. RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DEVIDO À IDADE (60 ANOS). PILOTO DE LINHA AÉREA. NORMA INTERNACIONAL (CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE CHICAGO) PROMULGADA PELO DECRETO Nº 21.713, DE 27/08/46. ATOS ADMINISTRATIVOS (REGULAMENTOS E PORTARIA Nº 252/DGAC, DE 29/07/88) PROVENIENTES DE AUTORIDADES AERONÁUTICAS. RECURSO ESPECIAL QUE SE RESUME À ALEGATIVA DE VIOLAÇÃO AO ART. 66, § 1º, DA LEI 7.565/86 (CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA). PRECEDENTE.

1. A fundamentação posta na petição de recurso especial pela União Federal cinge-se ao pedido de respeito à Convenção Internacional de Chicago que, em seu Anexo I, trata de licença de pessoal, recomendando que esta não deve ser liberada aos pilotos com mais de 60 anos de idade para pilotar.

2. Realizando-se o cotejo do pedido posto na inicial pelo impetrante (reconhecimento de ilegalidade/inconstitucionalidade da Portaria nº 252/DGAC, de 29 de julho de 1988, do Diretor Geral de Aviação Civil, que estendeu à aviação nacional o preceito estabelecido pela Recomendação Internacional) com as razões da sentença e do acórdão (impossibilidade de, por meio de uma Portaria, restringir-se direitos individuais), verifica-se que as alegativas do especial não se coadunam com o ponto fulcral da controvérsia em tela, já que, em nenhum momento, as instâncias ordinárias reconheceram o direito do ora recorrido exercer sua atividade profissional em espaço aéreo internacional.

3. Não há possibilidade, por conseguinte, de se reconhecer a infringência ao teor do art. 66, § 1º, da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), o qual teve seu preceito analisado e interpretado, oportunamente, pelas decisões de 1º e 2º graus, no sentido de que: “Não havendo lei, e não se podendo ampliar abusivamente o artigo 66, § 1º, do CBA, a administração apenas pode exigir exames mais freqüentes de pessoas com maior idade, de modo a nitidamente testar seus reflexos”.

4. Precedente da egrégia 1ª Turma desta Corte: REsp nº 251920/RJ.

5. Recurso não provido” Grifei.

(STJ, 1ª Turma, REsp 610607/RJ, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, v. un., DJU de 10.05.2004).


Neste compasso, o direito líquido e certo do impetrante diz respeito somente a linhas aéreas domésticas, consoante se infere dos seguintes julgados desta eg. Corte:

“MANDADO DE SEGURANÇA. AVIAÇÃO CIVIL. VÔOS DOMÉSTICOS E INTERNACIONAIS. CO-PILOTO. IDADE SUPERIOR A SESSENTA ANOS.

1- O art. 5º, incisos II e XIII, da Constituição Federal, estatui que ninguém será submetido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e, que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais a estabelecer.

2- A fixação de limite de idade para qualquer profissão, somente tem validade se fixada por lei e não por atos administrativos. No mais, tal ato constante do Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica nº 121/88, é inadmissível e inconstitucional, posto que, a capacidade do piloto deve ser aferida por exames técnicos e médicos realizados periodicamente pelo Departamento de Aviação.

3 – A Lei nº 7.565, que estatuiu o Código Brasileiro de Aeronáutica que autorizou a edição de Regulamentos específicos. Este Regulamento é o Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica RBHA 121, que na Seção 121.383, letra “c”, diz: “A nenhuma empresa aérea operando segundo este regulamento pode empregar como piloto uma pessoa que tenha 60 ou mais anos de idade, assim como nenhuma pessoa com essa idade pode trabalhar como piloto de aviões segundo este regulamento.”

4 – Esta recomendação tem origem na Convenção de Chicago, aderida pelo Brasil, para adoção de normas para a segurança da aviação internacional.

5 – A restrição para pilotar aviões aos profissionais com mais de sessenta anos de idade, abrange somente as aeronaves que praticam vôos internacionais, não podendo a mesma ser estendia através de mera Portaria, aos vôos domésticos e à co-pilotos internacionais. Assim, o exercício da referida profissão dos pilotos, deve apenas ficar condicionado aos exames periódicos de habilitação técnica e de saúde, e não pelo fato de se completar a idade de 60 anos.

6 – Deste modo, os arts. 5º, incisos II e XIII , e 7º, inciso XXX da CF, vedam expressamente a imposição ilegal de restrições ao exercício de qualquer trabalho, inclusive em função de idade.

7 – Precedentes desta Corte. 8 – Remessa conhecida, porém desprovida”

(TRF – 2ª Região, 6ª Turma, REO 97.02.09538-7, Rel. POUL ERIK DYRLUND, DJU de 11/02/2003)

“ADMINISTRATIVO. AVIAÇÃO CIVIL. VÔOS DOMÉSTICOS E INTERNACIONAIS. CO-PILOTOS. PROFISSIONAIS COM MAIS DE SESSENTA ANOS.

– A restrição para pilotagem de aviões por profissionais com mais de sessenta anos de idade, tratada na Convenção da OACI, em caráter cogente, abrange somente as aeronaves que praticam vôos internacionais, não se admitindo que se estenda tal regulamentação, através de mera Portaria, aos vôos de natureza doméstica e à co-pilotagem em vôos internacionais.

– A limitação prevista no RBHA 121 maltrata o disposto no inciso XIII, do art. 5º da Constituição Federal.

– O livre exercício de qualquer profissão é pleno, condicionado, no caso, a exames periódicos de habilitação técnica e de saúde.”

(TRF-2ª Região, 4ª Turma, AMS 98.02.00621-1/RJ, Rel. Des. Fed. FERNANDO MARQUES, v. un., DJU de 15/02/2002)

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PILOTO SEXAGENÁRIO. PROSSEGUIMENTO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL. INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO DE CHICAGO. VÔOS DOMÉSTICOS NACIONAIS. CABIMENTO.

I – A Portaria nº 252/DGAC foi editada com a pretensão de ampliar a normatização da Convenção de Chicago, a fim de também proibir o comando de aeronaves de grande porte, em vias nacionais, por profissionais com limite de idade fixado em sessenta anos.

II – Referida Portaria, de 29 de julho de 1988, do Diretor Geral de Aviação Civil, não foi recepcionada pela CF/88, haja vista que os arts. 5º, incisos II e XIII, e 7º, inciso XXX, vedam expressamente a imposição ilegal de restrições ao exercício de qualquer trabalho, inclusive em função da idade.

III – Remessa necessária improvida.”

(TRF-2ª Região, 1ª Turma, REO 96.02.09156-8/RJ, Rel. Juiz Federal Convocado LUIZ ANTONIO SOARES, DJU de 01/08/2002)

Assim, encontrando-se em sintonia com a jurisprudência de nossos Tribunais, impõe-se a manutenção da sentença.

Isto posto, nego provimento ao recurso e à remessa necessária.

É como voto.

BENEDITO GONÇALVES

Relator

EMENTA

CONSTITUCIONAL. PILOTO SEXAGENÁRIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE DOMÉSTICA. MANUTENÇÃO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. VÔOS INTERNACIONAIS. IMPOSSIBILIDADE (CONVENÇÀO INTERNACIONAL DE CHICAGO). PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA.

-A Convenção de Aviação Internacional – ICAO, concluída em 07/12/1944 e promulgada pelo Brasil com o Decreto nº 21.713, de 27/08/1946, sendo norma de caráter cogente, proíbe o exercício profissional como co-piloto e comandante sexagenário de aeronave de transporte aéreo unicamente “internacional”.

-Por outro lado, o Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 121, subparte M, ato de natureza administrativa, ao vedar o trabalho de piloto com 60 ou mais anos de idade, em aeronaves nacionais, viola os comandos constitucionais previstos no art. 5º, incisos II e XIII e 7º, inciso XXX, da CF/88.

-O direito líquido e certo do impetrante diz respeito somente a linhas aéreas domésticas.

-Recurso e remessa improvidos. Sentença mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e à remessa, na forma do Relatório e do Voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 04 de maio de 2005 (data do julgamento).

BENEDITO GONÇALVES

Relator

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