Súmula vinculante

Súmula vinculante é uma excrescência no sistema jurídico

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1 de agosto de 2005, 11h55

A Emenda Constitucional 3, de 17 de março de 1993, acrescentara ao artigo 102 da Constituição Federal de 1988 o parágrafo segundo, pelo qual as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produziam eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

Tal dispositivo foi modificado pela Emenda Constitucional 45 de 8 de dezembro de 2004, que lhe deu nova redação, segundo a qual as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

A súmula jurisprudencial havia sido reintroduzida em nosso direito processual por emenda ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal, em 28 de agosto de 1963.

O artigo 479 do Código de Processo Civil de 1973, através do incidente de uniformização de jurisprudência, estendeu o regime de adoção de súmulas a qualquer tribunal do país.

No sistema jurídico brasileiro vigente desde o advento da República, as proposições constantes das súmulas tinham caráter persuasivo e não vinculante, ou seja, não tinham obrigatoriedade equivalente à da lei. A sua finalidade era conferir estabilidade à jurisprudência, facilitando o julgamento das questões mais freqüentes.

Com a modificação operada pela Emenda 45, as decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, passam a ter eficácia contra todos e efeito vinculante, ou seja, constituem-se em normas cogentes, invadindo a esfera de competência do Poder Legislativo.

Regride-se ao tempo das Ordenações do Reino. Com efeito, as Ordenações Filipinas, livro I, título V, atribuíam à Casa de Suplicação de Lisboa o poder de baixar assentos a respeito da interpretação das ditas ordenações, com força vinculante para as relações e os juízes de direito, sujeitos à pena de suspensão em caso de desobediência.

A Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769, baixada pelo rei D. José I e chancelada por seu ministro Sebastião José, depois Marquês de Pombal, a pretexto de coibir abusos na interpretação da lei, determinou que os assentos da Casa de Suplicação tivessem força de lei, cominando pena de suspensão aos juízes que decidissem de maneira diversa.

No Brasil, o Decreto Imperial 2.684 de 23 de outubro de 1875 determinava que os assentos da Casa de Suplicação de Lisboa tomados até a Independência tivessem força de lei no Brasil. Após a Independência, conferia ao Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de baixar assentos obrigatórios para a inteligência das leis.

O Decreto Imperial 6.142 de 10 de março de 1876 regulava o modo por que deviam ser tomados os assentos do Supremo Tribunal de Justiça.

Tal poder foi abolido pela República, visto que, desde a Constituição de 1891, não foi atribuído ao Supremo Tribunal Federal, não havendo sido recepcionadas, portanto, as normas infraconstitucionais retro-mencionadas.

Rebatizado de súmula vinculante, o velho e rançoso assento regimental, instrumento de caráter autoritário, usurpador da função legislativa, volta a integrar o nosso direito.

A súmula jurisprudencial vem a ser a síntese da orientação predominante em determinado tribunal a respeito da exegese e da aplicabilidade da norma legal.

As súmulas, tal qual as normas legais, são proposições jurídicas genéricas, aplicáveis a um número indeterminado de casos. Na tarefa de aplicá-las, cabe ao juiz subsumir os fatos às normas ou súmulas genéricas, criando a norma concreta para decidir o caso em espécie.

Por conseguinte, ao aplicar uma súmula, o juiz atém-se à proposição genérica nela contida, não fazendo o cotejo dos casos que motivaram a sua edição com o caso em julgamento.

É uma operação lógico-dedutiva, de encontrar-se a norma genérica no ordenamento jurídico e aplicá-la ao caso concreto.

Coisa inteiramente diferente é o stare decisis da common law, instituto próprio do direito anglo-saxônico.

Stare decisis é a política que requer que as Cortes subordinadas à Corte superior que estabeleceu o precedente sigam-no e que não disturbem um ponto estabelecido.

Desse modo, estabelecido o precedente do caso, a Corte continuará a aderir àquele precedente, aplicando-o a casos futuros nos quais os fatos relevantes para fins decisórios sejam substancialmente iguais, ainda quando as partes não são as mesmas.

A doutrina do stare decisis não comporta a edição de súmulas, que contenham proposições jurídicas genéricas. Encontrados os precedentes, faz-se o cotejo dos fatos relacionados aos casos anteriores com o fato objeto do caso em julgamento. É uma operação lógico-indutiva, em que a regra geral é extraída pelo aplicador do exame dos casos anteriores, mediante a comparação dos fatos, para aplicá-la ao caso concreto.

Verifica-se então que o precedente vinculante da doutrina do stare decisis, pertencente ao sistema jurídico da common law, nada tem a ver com a súmula vinculante do direito brasileiro, que constitui uma excrescência no sistema jurídico romano-germânico, do qual o Brasil sempre fez parte.

BIBLIOGRAFIA

COLE, Charles D. Precedente Jurisprudencial – A Experiência Americana. In Revista de Processo, nº 92, outubro-dezembro de 1998, p. 71/86.

RAZUK, Paulo Eduardo. Súmula vinculante: novidade no direito brasileiro? In Tribuna do Direito, junho de 1998, p. 10.

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