Falta de recurso

Não cabe prisão de depositário sem recursos para cumprir ordem

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1 de agosto de 2005, 13h48

Descumprir ordem de remoção de bens penhorados por falta de recursos não caracteriza depositário infiel. O entendimento é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Os ministros desconstituíram o mandado de prisão expedido contra sócio de uma empresa de Mato Grosso do Sul.

Numa ação de execução movida contra a empresa de comercio de cereais para quitar dívida de R$ 3.168,45, foram penhorados uma máquina de ensacamento de cereais, um arquivo de aço e uma escrivaninha. O empresário, na qualidade de sócio, assumiu a obrigação de depositário judicial.

Quando a Fazenda pediu a remoção dos bens penhorados para o depósito judicial, foi expedido mandado para que o depositário fizesse a remoção dos bens. Como o empresário não tinha condições financeiras para providenciar a remoção dos bens, a ordem foi descumprida e decretada a prisão civil do depositário. A informação é do STJ.

O empresário apresentou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do estado. Na oportunidade, propôs que a dívida fosse paga em parcelas. O pedido, porém, foi negado. Segundo o TJ-MS, “não se configura constrangimento ilegal o ato do juízo cível que determina a prisão do paciente em face de ser ele o depositário dos bens por cuja guarda se responsabilizara, e mediante afirmação de que iria depositar os bens em juízo, deixa de cumprir ordem judicial que lhe exige a apresentação destes ou a satisfação de valor equivalente”.

O empresário recorreu ao STJ. Argumentou que a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul violou os princípios do contraditório e da ampla defesa. Asseverou não ter imposto qualquer obstáculo ou resistência para inibir a tomada dos bens penhorados, e que somente não providenciou a remoção ordenada por não dispor de condições mecânicas e financeiras.

O relator do recurso no STJ, ministro Luiz Fux, destacou a caracterização do depositário infiel exige prova inequívoca de alienação dos bens constritos, o que não se equipara ao descumprimento da ordem de remoção dos bens por falta de recursos financeiros. Além disso, a impossibilidade de remoção do bem descaracteriza a infidelidade, requisito essencial à.

No caso, “o depositário dos bens constritos, com o objetivo de adimplir débito de R$ 3.168,45, percebe mensalmente a importância de R$ 450,00, o que revela fato notório da impossibilidade da remoção dos bens ao depósito judicial”. E conclui: “constando que o depositário pretendia pagar parceladamente a dívida, revela-se ausente o dolo que caracteriza o atentado à seriedade da jurisdição”.

RHC 17.711

Leia a íntegra da decisão

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 17.711 – MS (2005⁄0073590-6)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Cuida-se de Recurso Ordinário em Habeas Corpus interposto por ADILSON FEITOSA NOGUEIRA, em face de acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que, nos autos do writ impetrado em favor do ora Recorrente, denegou a ordem pleiteada, ante a ausência de constrangimento ilegal no ato expedido nos autos de Execução Fiscal determinando a prisão civil do Recorrente, em virtude de infidelidade como depositário judicial.

A ementa do v. aresto ora recorrido restou vazada nos seguintes termos:

“HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

Não se configura constrangimento ilegal o ato do juízo cível que determina a prisão do paciente em face de ser ele o depositário dos bens por cuja guarda se responsabilizara, e mediante afirmação de que iria depositar os bens em juízo, deixa de cumprir ordem judicial que lhe exige a apresentação destes ou a satisfação de valor equivalente.

Aduz o Recorrente que o ato impugnado violou os princípios do contraditório e da ampla defesa. Assevera não ter imposto qualquer obstáculo ou resistência para inibir a tomada dos bens penhorados, e que somente não providenciou a remoção ordenada por não dispor de condições mecânicas e financeiras para fazê-lo. Assinala que, por perceber renda familiar de R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) por mês, só poderia efetuar o pagamento do débito exequendo de forma parcelada. Diz, ainda, que os bens penhorados pemaneceram na sede da empresa executada, local em que estavam quando da efetivação da constrição.

Em seu prol, colaciona precedentes deste Eg. Tribunal Superior.

O d. Representante do Parquet Federal opina pelo desprovimento do inconformismo.

É o relatório.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 17.711 – MS (2005⁄0073590-6)

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO.

CONCESSÃO DA ORDEM.

1. A caracterização do depositário infiel exige prova inequívoca de alienação dos bens constritos, o que não se equipara ao descumprimento da ordem de remoção dos bens por falta de recursos financeiros.

2. In casu, o depositário do débito de R$ 3.168,45 percebe mensalmente a importância de R$ 450,00, o que revela fato notório da impossibilidade da remoção (ad impossibilita nemo tenetur).

3. Constando que o depositário pretendia pagar parceladamente a dívida, revela-se ausente o dolo que caracteriza o atentado à seriedade da jurisdição.

4. Descaracterizada a infidelidade do depósito impõe-se a concessão da ordem.

5. Recurso Ordinário em Habeas Corpus provido para conceder a Ordem.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Presentes os pressupostos, conheço do recurso.

Em autos de Execução Fiscal movida em face da empresa Guanandy Comercial de Cereais Ltda. foram penhorados uma máquina de ensacamento de cereais, um arquivo de aço e uma escrivaninha. O Paciente, ora Recorrente, na qualidade de sócio da empresa executada, assumiu o ônus de depositário judicial. Impende salientar que o montante devido pela empresa executada é de R$ 3.168,45 (três mil, cento e sessenta e oito reais e quarenta e cinco centavos).

Requerida, pela Fazenda Exequente a remoção dos bens penhorados para o depósito judicial para posterior adjudicação, foi expedido mandado para que o depositário, ora Recorrente, procedesse a remoção dos bens para o referido depósito. Descumprido o referido mandado, foi decretada a prisão civil do depositário, ato contra o qual se insurgiu o ora Recorrente por via do Habeas Corpus, impetrado perante a Eg. Corte a quo, oportunidade na qual se propôs o ora Recorrente a pagar parceladamente o débito em questão.

A caracterização do depositário infiel exige prova inequívoca de alienação dos bens constritos, o que não se equipara ao descumprimento da ordem de remoção dos bens por falta de recursos financeiros. Ademais, ressalte-se que a impossibilidade de remoção do bem constrito descaracteriza a infidelidade, requisito essencial à prisão do depositário judicial. A esse propósito convém transcrever precedentes oriundos desta C. Corte Superior:

HC 32097 ⁄ SP; HABEAS CORPUS 2003⁄0217563-3 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123) Orgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 03⁄08⁄2004 Data da Publicação⁄Fonte DJ 13.09.2004 p. 188 Ementa

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. BENS CUSTODIADOS INTEGRANTES DO ESTOQUE ROTATIVO DA EMPRESA. FALÊNCIA. MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA.

1. A prisão civil é medida excepcional, que só deve ser adotada em situações extremas, quando comprovada inequivocamente a má-fé do depositário infiel.

2. Os sérios problemas de saúde enfrentados pelo depositário, cuja idade, já bastante avançada, tem o efeito de agravar, são fatores a ser considerados no relaxamento da ordem de prisão civil.

3. Habeas corpus concedido.

HC 35747 ⁄ SP ; HABEAS CORPUS 2004⁄0074465-8 Relator(a) Ministro FRANCIULLI NETTO (1117) Orgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 14⁄09⁄2004 Data da Publicação⁄Fonte DJ 28.02.2005 p. 256 Ementa

HABEAS CORPUS – DEPOSITÁRIO CONSIDERADO INFIEL – PRISÃO DECRETADA – PRETENDIDA REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL – NÃO-DEMONSTRADA A MÁ-FÉ DO DEPOSITÁRIO E VERIFICADA A SITUAÇÃO PARTICULAR DO PACIENTE EM DEPENDER DE CUIDADOS MÉDICOS ESPECIAIS – ACOLHIMENTO DO PEDIDO, DIANTE DA EXCEPCIONALIDADE DO CASO – PRECEDENTES.

– Em verdade, do exame acurado dos autos, não resta evidenciado que o paciente tenha incidido em má-fé ao deixar de cumprir seu munus. Do relato feito, infere-se que, após determinada a constatação dos bens, objeto da penhora, foi verificado que a empresa executada encontrava-se lacrada em razão de falência decretada. Em decorrência, em vista da lacração da empresa, não existia estoque rotativo, de modo que não havia matéria-prima suficiente para fabricação dos bens penhorados.

– Afastada a má-fé, incide o entendimento jurisprudencial esposado nos Habeas Corpus 32.097-SP, da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, e 35.405-SP, julg. em 2⁄9⁄2004, da lavra deste Relator.

– A ausência de tipificação da má-fé aliada à circunstância peculiar dos autos, notadamente o fato de o paciente contar com idade avançada e acometido de doença grave, demonstra a excepcionalidade que autoriza acolher o pedido.

– Concedo a ordem para desconstituir o decreto prisional.

RHC 16225 ⁄ SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2004⁄0083074-3 Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Orgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 28⁄09⁄2004 Data da Publicação⁄Fonte DJ 03.11.2004 p. 133 Ementa

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. DEPOSITÁRIO INFIEL. BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS. DOLO. AUSÊNCIA.

1 – O exame dos fatos depositados nos autos revelam que o recorrente não praticou ação dolosa voltada para fazer desaparecer os bens depositados. Não há dúvida de que grande parte deles são fungíveis, haja vista possuírem prazo de validade, o que demonstra a existência de dificuldades que impedem o depositário de zelar pela sua guarda e conservação.

2 – Não restando configurado, de modo patente, que o recorrente atuou com o propósito de se apropriar dos bens ou fazê-los desaparecer, a medida extrema de coerção prisional torna-se injustificada. Além disso, há a circunstância de que a infidelidade do depósito de coisas fungíveis não autoriza a prisão civil.

3 – Recurso provido para conceder a ordem de habeas corpus.

In casu, o depositário dos bens constritos, com o objetivo de adimplir débito de R$ 3.168,45, percebe mensalmente a importância de R$ 450,00, o que revela fato notório da impossibilidade da remoção dos bens ao depósito judicial (ad impossibilita nemo tenetur).

Ademais, constando que o depositário pretendia pagar parceladamente a dívida, revela-se ausente o dolo que caracteriza o atentado à seriedade da jurisdição.

Assim, restando descaracterizada a infidelidade do depósito, impõe-se a concessão da ordem.

Recurso Ordinário em Habeas Corpus provido para conceder a Ordem e desconstituir o mandado de prisão.

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