Matemática do prejuízo

Banco é condenado a devolver título com correção de 5% ao mês

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1 de agosto de 2005, 17h00

O banco Bradesco está condenado a corrigir à taxa de 5% de juros ao mês os R$ 1.489 que reteve na devolução de título de capitalização do cliente Charles Alexandre Lourenço Pinto desde a data do resgate, maio de 2004. A decisão é da 3ª Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul.

Foi determinado, ainda, a restituição dos valores pagos durante os dez anos do título de capitalização e não somente a provisão matemática prevista originalmente no contrato. Segundo Lourenço Pinto, que atuou em defesa própria, o Bradesco mandou propagandas o estimulando a ficar até o final do contrato, só que depois de dez anos de investimento somando R$ 5.124, o cliente recebeu apenas R$ 3.636.

O cliente alegou que em abril de 1994 adquiriu um título de capitalização denominado “Pé Quente Goleada Bradesco”, com duração prevista de 120 meses. Induzido pela proposta do Bradesco, deixou de resgatar seu título de forma antecipada e levou o contrato até o final, crendo que, no vencimento do mesmo, seria restituído em 100% das mensalidades pagas, corrigidas monetariamente, e não mais 100% sobre o saldo da provisão matemática acordada na origem. Porém, no vencimento do título, foi restituído 100% da provisão matemática.

O juiz Eugênio Facchini Neto, relator do processo, entendeu que as cláusulas do contrato eram abusivas e justificou a pena para evitar enriquecimento sem causa do banco, além de desestimular condutas futuras semelhantes.

Para Facchini Neto, a comunicação utilizada pelo banco foi enganosa e chega a ser dolosa — “E se você quiser sacar agora? Pode? Sim, você pode. Mas não deve. Afinal, resgatando seu investimento antes do final contratado você não vai receber 100% do que pagou. Por isso tudo, confira o seu extrato no verso e saiba que o dinheiro todo vai voltar ao final do plano”.

“Creio, assim, que a solução passa por uma decisão que neutralize esse ganho indevido do banco, fazendo com que ele pague a mesma taxa de juros que cobraria de seus clientes no empréstimo que lhes faria do capital pertencente ao autor e por ele indevidamente retido”, concluiu o relator.

Leia a íntegra do acórdão

PLANO DE CAPITALIZAÇÃO. CLÁUSULAS ABUSIVAS. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS, DEVIDAMENTE CORRIGIDAS MONETARIAMENTE. MORA DO DEVEDOR CARACTERIZADA. PENALIZAÇÃO DEVIDA A FIM DE EVITAR UMA ESPÉCIE DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E PARA DESESTIMULAR CONDUTAS SEMELHANTES FUTURAS. JUÍZO DE EQÜIDADE. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO AUTOR.

RECURSO INOMINADO: TERCEIRA TURMA RECURSAL CÍVEL

Nº 71000672659: COMARCA DE PORTO ALEGRE

BRADESCO CAPITALIZACAO S.A: RECORRENTE/RECORRIDO

CHARLES ALEXANDRE LOURENCO PINTO: RECORRIDO/RECORRENTE

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA (PRESIDENTE) E DRA. KÉTLIN CARLA PASA CASAGRANDE.

Porto Alegre, 05 de julho de 2005.

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO,

Relator.

RELATÓRIO

O autor ajuizou a presente demanda alegando que em abril de 1994 adquiriu junto à empresa ré um título de capitalização denominado “Pé Quente Goleada Bradesco”, com duração prevista de 120 meses, sendo facultado o resgate antecipado na forma pactuada. Afirmou, ainda, que durante a vigência do referido contrato entre as partes, a demandada lhe teria enviado correspondências propondo novas vantagens caso permanecesse capitalizando seu título junto à instituição financeira, uma vez que, naquele momento, já poderia efetuar o resgate do mesmo sem qualquer perda em relação ao termo final da capitalização.

Assim, levado pela proposta da demandada, deixou de resgatar seu título de forma antecipada, crendo que, no vencimento do mesmo, seria restituído em 100% das mensalidades pagas, corrigidas monetariamente, e não mais 100% sobre o saldo da provisão matemática acordada na origem. Entretanto, no vencimento do título, aduziu o autor que somente lhe foi restituído 100% da provisão matemática, sendo a presente ação para cobrar a diferença econômica entre esta e a totalidade das mensalidades pagas, equivalente a R$1.489,08. Requereu, ainda, a condenação da ré ao pagamento de perdas e danos causados ao autor, bem como a indenização pelos danos morais sofridos por este.

“A ré contestou a ação alegando que foi pago ao autor o valor conforme disposição prevista nas Condições Gerais do título de capitalização comercializado entre as partes, não havendo diferença alguma a ser restituída. Impugnou, ainda, a existência de perdas e danos, bem como de lesões morais sofridas pelo autor. Por derradeiro requereu a improcedência da demanda” (relatório da sentença de fl. 69).

Após instrução do feito, sobreveio sentença de parcial acolhimento da demanda, condenando-se a ré a restituir a totalidade das parcelas pagas, corrigidas pela TR, deduzida a parcela já paga ao autor, excluindo quaisquer outros danos.

Recorrem ambas as partes. O réu pretende a improcedência da ação, ao passo que o autor pretende a concessão de perdas e danos.

VOTOS

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)

O recurso da ré não merece provimento. Para afastar a pretensão recursal da ré bastam os argumentos expostos na sentença recorrida. De fato, o contrato em tela contém cláusulas nitidamente abusivas. Não há a mínima comutatividade na relação contratual. Não intervindo o fator sorte (ser contemplado em um sorteio — o que ocorre com um ínfimo e insignificante percentual dos aderentes ao contrato), o contrato é escancaradamente prejudicial aos consumidores, pois jamais receberão de volta o equivalente ao que aplicaram.

A provisão matemática, ininteligível ao consumidor médio, garante ao banco um elevadíssimo benefício. Ainda que fosse aplicada a correção monetária integral, como aparentemente promete a propaganda (“Ao final do plano você tem de volta 100% do dinheiro investido atualizado monetariamente!” — “Bradesco Capitalização. Devolve 100% do que você aplicar. Mas só ao final de 100% do plano” — fl. 15), ainda assim perderia o consumidor, pois os valores seriam atualizados pela TR, sem incidência de juros, o que sabidamente não é suficiente para sequer cobrir a real desvalorização do capital.

Assim, para o afastamento da pretensão recursal do requerido, bastam os bons argumentos expostos na sentença, que nesse aspecto é mantida por seus fundamentos. Todavia, merece parcial provimento o recurso do autor.

Não é caso de aplicação do disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, pois não se trata de cobrança de quantia indevida.

Todavia, uma vez identificado que o requerido não restituiu integralmente as parcelas recebidas, devidamente corrigidas, nos termos da propaganda veiculada, sendo condenado, então a fazê-lo, resta decidir se isso basta para a recomposição do ilícito praticado pelo requerido. Trata-se, sim, de verdadeiro ilícito contratual, pois caracterizada a cooptação enganosa de clientes, sob a falsa aparência de que ao final do contrato terão a restituição integral das parcelas pagas, devidamente corrigidas, apesar de sabedor, desde o início, de que isso não ocorrerá.

A comunicação enganosa utilizada pelo requerido chega praticamente a ser dolosa no ofício direcionado ao autor (fl. 15), em que é dito “E se você quiser sacar agora? Pode? Sim, você pode. Mas não deve. Afinal, resgatando seu investimento antes do final contratado você não vai receber 100% do que pagou.” E mais adiante: “Por isso tudo, confira o seu extrato no verso e saiba que o dinheiro todo vai voltar ao final do plano”.

Pois bem, caso o requerido tivesse, por ocasião do pedido de resgate, restituído todas as parcelas pagas, devidamente atualizadas, o autor talvez tivesse se dado por satisfeito. Mas assim não procedeu o réu. Não creio que restaura o direito violado a simples devolução, agora, mais de ano após o pedido de resgate, do valor devido, simplesmente corrigido monetariamente e acrescido de juros legais a partir da citação.

Caso assim se procedesse, estar-se-ia sinalizando ao réu que essa é uma boa estratégia, pois com o dinheiro indevidamente retido ele obterá lucros que nenhuma outra atividade econômica lícita nesse país consegue, considerando a taxa de juros por ele cobrada nos empréstimos que faz a outros clientes, utilizando esse tipo de capital. Ou seja, a solução albergada na sentença, a esse respeito, garante indevido enriquecimento do banco, pois pagará apenas a correção monetária e juros moratórios a contar da citação.

Creio, assim, que a solução passa por uma decisão que neutralize esse ganho indevido do banco, fazendo com que ele pague a mesma taxa de juros que cobraria de seus clientes no empréstimo que lhes faria do capital pertencente ao autor e por ele indevidamente retido. Todavia, para se evitar mais delongas na identificação de tal taxa, e considerando que tanto o CDC quanto a Lei 9.099/95 permitem o julgamento por eqüidade, resolvo desde logo fixar em 5% a taxa de juros mensais a ser aplicada (não capitalizada), incidente sobre o saldo devido ao autor, a contar da data do resgate (21.05.04).

VOTO, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU e por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR, a fim de determinar que sobre o saldo devido ao autor, apurado conforme a sentença, incida, além da atualização monetária, taxa de juros de 5% ao mês, sem capitalização, desde 21.05.04 até a data do efetivo pagamento.

Suportará o recorrente vencido os ônus sucumbências, fixando-se os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação.

NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. UNÂNIME.

DRA. KÉTLIN CARLA PASA CASAGRANDE — De acordo.

DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA (PRESIDENTE) — De acordo.

Juízo de Origem: 2º JUIZADO ESPECIAL CIVEL PORTO ALEGRE — Comarca de Porto Alegre

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