Omissão de fatos

Justiça gaúcha condena BMW por litigância de má-fé

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28 de abril de 2005, 19h19

A BM Point, que move ação indenizatória contra a BMW do Brasil por causa do descredenciamento, conseguiu uma vitória no processo. A BMW foi condenada pela Justiça gaúcha por litigância de má-fé por ocultar fatos e decisões sobre a discussão. Ainda cabe recurso.

O desembargador Marco Aurélio de Oliveira Canosa, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendeu que a BMW “não expôs devidamente os fatos (omissão), não agindo, assim, com lealdade processual”. Segundo ele, “desvirtuando os fatos, a embargante não procedeu com lealdade e boa-fé”.

A BMW foi condenada a pagar multa de 1% sobre o valor atualizado da causa e a indenizar a BM Point pelos prejuízos em 20% sobre o valor da causa — corrigido pelo IGP-M. A ação principal tramita no Foro Central de Porto Alegre.

Leia o acórdão:

Agravo de Instrumento: Décima Terceira Câmara Cível

Nº 70007093149 – Comarca de Porto Alegre

BMW FINANCEIRA S A CREDITO FINENCIAMENTO E INVESTIMENTO -AGRAVANTE

BM POINT DUSTRIBUIDORA DE VEICULOS LTDA — AGRAVADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo de instrumento, com decretação da pena de litigância de má-fé. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DRA. AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA E DR. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK.

Porto Alegre, 14 de dezembro de 2004.

DES. MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA CANOSA,

RELATOR.

RELATÓRIO

O SR. DES. MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA CANOSA (RELATOR) – Eminentes Colegas. Quando do exame do pedido de efeito suspensivo, assim relatei o feito (fls. 199/201):

“Vistos.

1. O recurso investe contra a r. decisão traslada à fls. 25-26, que desacolheu a “EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA” (Proc. n. 00113929070), incidental à “AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS DE CONTRATO DE ABERTUTA DE CRÉDITO ROTATIVO” (Proc. n. 00113629688, em curso na 7ª Vara Cível, 2 Juizado da Comarca de Porto Alegre), na qual a agravante BMV FINANCEIRA S/A – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO litiga com a recorrida BM POINT DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA.

Sustenta, em síntese, o seguinte:

(a) que, “…o fato de tratar-se de um contrato padrão não implica, automaticamente, em sua figuração como adesivo.” (fl. 06);

(b) que, “As concessionárias não são obrigadas de qualquer forma a contratar financiamento com a Agravante. Tal contratação é uma faculdade das concessionárias, que têm à sua disposição crédito mais rápido, com juros menores e período de carência maior”(fls. 07);

(c) que, “O contrato foi realizado entre duas pessoas jurídicas e seus respectivos representantes, com o mesmo nível de intelecção, configurando negócio jurídico válido, perfeito e eficaz.”(fls. 09);

(d) que, “… não há que se falar em hipossuficiência da Agravada, quer em relação à Agravante, quer em relação a qualquer outra empresa, sob pena de total desvirtuamento do conceito.”(fls. 07);

(e) que, “… o curso do processo na Comarca de São Paulo não causará nenhuma dificuldade à Agravada, representada por advogados extremamente respeitados, que já a assistiram muito antes da presente demanda…””(fls. 11);

(f) que, “A agravante… não possui e jamis possuiu qualquer agência, sucursal, representante ou sequer um único funcionário instalado na Comarca de Porto Alegre ou em qualquer outra. Suas instalações e pessoal estão todos localizados na cidade de São Paulo, local de seu único escritório.”(fls. 12);

(g) que, é validada a cláusula de eleição de foro, nos termos da Súmula 335 do Superior Tribunal de Justiça;

(h) que, não existe continência, conexão ou prevenção com a ação de indenização ajuizada pela agravada contra a BMW do Brasil Ltda.;

(i) que, a Ação de Busca e Apreensão foi ajuizada em 03.07.2003, sendo que “… antes de ser citada para a ação revisional, a Agravante ingressou com a ação cautelar de busca e apreensão em face da Agravada …” (fls. 19);

(j) que, “Em 07.07.2003, a liminar de busca e apreensão foi concedida e efetivamente cumprida em 10.07.2003.” (fls. 19);

(k) que, “…. a Agravada foi citada para aquela ação na mesma data, ou seja, em 10.07.2003 (doc 13).” (fls. 19); e,

(l) que, “…. a citação válida da Agravante para a ação revisional ocorreu em 18.7.2003, por ocasião da representação de sua petição suscitando a nulidade da citação promovida pela Agravada.” (fls. 19).

Objetiva, com a interposição do recurso, a reforma da decisão hostilizada para ver julgada procedente a exceção. Postula, ainda, seja concedido efeito suspensivo ao recurso.”


Em complementação a este relatório, acrescento o seguinte:

Pelas razões alinhadas às fls. 201-212, deixe de atribuir efeito suspensivo ao recurso.

Intimadas as partes (fl. 214), a agravante informou o seguinte (fls. 216/217):

“…anteriormente à ação revisional que ensejou a oposição da exceção de incompetência cuja sentença é atacada no presente recurso, tramita ação indenizatória movida pela ora agravada contra a BMW DO BRASIL S.A., em que postula supostos danos que teriam origem na relação contratual estabelecida entre as partes. Também àquela ação foi oposta exceção de incompetência, tendo-se em vista as disposições do contrato ajustado entre as partes, sendo esta, igualmente, rejeitada pelo juízo da 7ª Vara Cível de Porto Alegre.

Contra tal sentença foi interposto agravo de instrumento, o qual restou provido pela 18ª Câmara Cível deste E. Tribunal (processo n.º 70006533764), em julgamento realizado em 18/09/2003, sendo determinada a remessa dos autos da ação indenizatória ao juízo da Comarca de São Paulo.” (fl. 216).

Em continuação (fl. 220-224), apresentou a recorrente pedido de reconsideração, juntando documentos (fls. 225-226). Requereu, ainda, caso não atendido o postulado, fosse a “… petição recebida como Agravo Regimental, a ser processado na forma de direito.” (fl. 224).

A agravada BM POIT DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA, por sua vez, apresentando resposta (fls. 228-237), juntou documentos (fls. 238-317). Assegura, em resumo, o seguinte:

(a) que, “… o processo no juízo singular em Porto Alegre/RS (Ação Revisional) já está com a instrução praticamente encerrada, sendo que eventual admissão do recurso interposto geraria um enorme prejuízo processual ao feito, INCLUSIVE com realização de audiência prévia, onde foi levada a termo com mais trinta fls. de esclarecimentos, de parte a parte.” (fl. 228);

(b) que, “… a agravante tem recursos idênticos ao presente sendo julgado pela 5º Câmara Cível e sequer informado a este juízo, em ato desleal.” (fls. 228-229);

(c) que, “… A parte agravante é empresa do grupo econômico BMW, vinculada ao contrato de concessão mercantil em discussão junto a 7ª Vara Cível de Porto Alegre/RS, no processo nº 00112769733 …”, sendo que “Dita ação foi ajuizada em abril deste ano e esta em fase final de instrução, onde se discute a relação da agravada com todo o grupo econômico da agravante.” (fl. 229);

(d) que, “A agravada ingressou com ação indenizatória contra a BMW, empresa do mesmo conglomerado econômico da recorrente, como dito e percebido, inclusive pelo d.juízo de São Paulo/SP, como se vê da anexa decisão. O fato é que a recorrente, tem o mesmo comando da BMW do Brasil, mesmos diretores, endereço, sede, onde se localizam no mesmo andar em prédio comercial na Av Engº Luis Carlos Berrini, 901, 1º andar. De tal fato, se utiliza, reiteradamente, de manobras e expedientes para descumprir a decisão originária exarada no processo n.º 00112769733 – fatos que deverão receber forte sanção judicial.” (fl. 229);

(e) que, em relação a existência de continência, afirma “…que a BM Point foi descredenciada pela BMW do Brasil Ltda. mandatária da ora recorrida, sem qualquer indenização, em fevereiro do ano corrente e que, por força de nefasta atitude, ingressou com ação ordinária ampla que tramita na 7ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre/RS sob o nº 00112769733. Dita ação foi interposta em 26 de março de 2003, onde restou consolidado o foro competente como sendo o de Porto Alegre/RS e fora deferida liminar de tutela antecipatória parcial para continuidade dos negócios da ré BM Point por seis meses a contar da notificação de descredenciamento da BMW.” (fl. 230);

(f) que, “…uma vez configurada a continência deste feito, com o processo antes citado, para evitar decisões conflitantes é de ser mantida a competência do juízo da 7ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre/RS.” (fl. 231);

(g) que, no que tange a prevenção, assevera: “A agravante foi citada no dia 03 de julho de 2003, consoante atesta o documento incluso. De forma sorrateira e maliciosa logo após o recebimento citatório desta demanda ingressou com medida cautelar de busca e apreensão em Foro Distrital de São Paulo/SP, no dia 4 de julho (informação inclusa), omitindo a existência da ação revisional, bem como do processo nº 00112769733. Nesta ação, em boa-fé, a agravada noticiou o ingresso da demanda ao procurador da agravante Luiz Renato Ferreira, que procedeu a cópia integral do feito, no mesmo dia em que foi despachada, inclusive procuradores da recorrente contataram com a ilustrada julgadora para prestar informações, ou seja tinham conhecimento inequívoco da demanda desde a sua propositura – ver cópia do e.mail remetido no dia 1º para recorrente e seus advogados – cópia em anexo.” (fl. 231);


(h) que, “…O juízo prevento para conhecer das discussões em torno dos contratos de financiamento é o de Porto Alegre/RS. Hoje a agravante opera seus financiamentos na Capital, em endereço de empresa autorizada, Rua Edu Chaves 223, nesta Capital.” (fl. 233);

(i) que, “Afora a prevenção verificada, há também a continência deste feito com a ação ordinária 00112769733, artigo 105 cc/ 102 e 104 do CPC, cujo caso esta ação é quase um filho ou um apêndice – mais um motivo relevante a assegurar a competência da 7ª Vara Cível de Porto Alegre/RS.” (fl. 233); e,

(k) que, “…em contratos desta natureza, é ineficaz a cláusula de foro de eleição, a benefício da concedente, e causadora de dificuldade ao concessionário para ter acesso à Justiça. (R.Esp. 36.975-4-RJ, III T., Rel. Min. Cláudio Santos, DJU, 08-08-94, p. 19.563).” (fl. 234);

Requereu, por fim (fl. 237), o improvimento do recurso: “…com a manutenção do decisório recorrido, condenando os recorrentes e seus procurados nas penalidade de má-fé evidenciadas nos procedimentos adotados, até mesmo porque dito processo já está em fase bastante evoluída de cognição, COM AUDIÊNCIA PRÉVIA JÁ REALIZADA PARA OITIVA DAS PARTES, com réplica e tréplica apresentadas, sendo que a perícia será realizada na Comarca de Porto Alegre/RS e o objetivo manifesto da agravante é impossibilitar seu acesso ao Poder Judiciário pela parte fragilizada que é a agravada, hipossuficiente em relação ao gigante BMW…”.

Mantive a decisão inaugural e determinei a distribuição do pedido de reconsideração como Agravo Regimental, nos termos do requerimento da agravante(fls. 319). O Agravo Regimental ganhou o n.º 70 007 553 647 (fls. 320) e encontra-se pautado para esta sessão.

Em continuação, a recorrida, BM POIT DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA, por meio da petição de fl. 321, informou que, com o julgamento dos Embargos de Declaração n. 70 007 457 484, pela colenda 18 Câmara Cível desta Corte, “…permaneceu resguardada a competência do Juízo da 7.ª Vara Cível …” .

Juntando documentos [cópias do v. acórdão nos Embargos de Declaração n.º 70 007 457 484 (fls. 328-337) e do v. acórdão no Agravo de Instrumento n.º 70 006 835 599 (fl. 332-338)], renovou seu pedido à fl. 327,

É o relatório.

VOTOS

Des. Marco Aurélio de Oliveira Canosa (RELATOR)

Eminentes Colegas. Quando do exame do pedido de efeito suspensivo requerido, assim me pronunciei:

“(…)

2. O Contrato de Abertura de Crédito Rotativo trasladado a fls. 163-167 é típico contrato de adesão, possuindo cláusulas pré-impressas e estandardizadas, estando sujeito as normas do Código de Defesa do Consumidor.

Do trabalho do advogado LUIZ ZENUN JUNQUEIRA, publicado na Revista AJURIS n. 42, fls. 212 e segs, retiro as seguintes passagens:

Contrato bancário.

Trajano de Miranda Valverde, já na década de 1940, em conferência pronunciada no Instituto dos Advogados de São Paulo, a respeito da ‘Evolução do Direito Comercial’, quanto aos ‘contratos bancários’, advertia que:’ Atualmente, porém, as fórmulas dos contratos bancários mais comuns, como de abertura de crédito, simples ou conta corrente, com ou sem garantias, de adiantamentos, etc., tendem à uniformização. E comercialistas há que já os incluem na categoria dos contratos de adesão. Realmente. O cliente limita-se, em regra, a aceitar as condições constantes das fórmulas impressas, cujos poucos claros se destinam ao nome, à fixação do prazo, dos juros e das comissões’ (Rev. For., 92/ 640).

O ‘contrato bancário’ contém mesmo inúmeras cláusulas redigidas prévia e antecipadamente, com nenhuma percepção e entendimento delas por parte do aderente. Efetivamente — é do conhecimento geral da pessoa de qualidade média — os ‘contratos bancários’ não representam natureza sinalagmática, porquanto não há válida manifestação ou livre consentimento por parte do aderente com relação ao suposto conteúdo jurídico, pretensamente convencionado com o credor.

……..

A propósrto, Carlos Alberto da Mota Pinto, descrevendo a respeito destes ‘contratos de adesão’, após exato quadro dos agrupamentos todo-poderosos, até mesmo monopolistas e oligopolistas, diz mesmo que: ‘As tendências organizatórias, em que esse processo se plasma, não se estendem apenas ao plano técnico, científico, econômico ou laboral. Não Ihe poderão escapar também as relações jurídicas com terceiros, designadamente com os clientes. A uniformização das condições contratuais respectivas — a tipicidade ou a ‘estandardização’ dos contratos correspondentes — constitui a forma necessária da racionalização neste domínio.

Assim se gera o fenômeno da predeterminação unilateral das cláusulas contratuais, pois o regulamento contratual ‘estandardizado’ vem a ser elaborado pela empresa ou por uma associação de empresas. Sendo os homens e as coisas o que são, a elaboração da disciplina contratual por um só, e sempre o mesmo, contraente dos milhares de contratos futuros a que esse ordenamento se destina, constitui um meio — não desaproveitado — para ditar uma regulamentação de interesses favoráveis a essa parte. Na verdade o autor da estipulação normalizada a que a outra parte se limitará a aderir, ou seja, a empresa estipulante, encontra-se, relativamente ao cliente singular, numa situação de força propícia à exploraçao, à lesão ou ao desfavorecimento. Posição de força e debilidade decorrente, desde logo, da circunstância de, muitas vezes, o particular se encontrar perante uma empresa monopolista, oligopolista ou com grande poder econômico (o bargaining power dos americanos), com a qual se vê forçado a contratar, não tendo alternativa em virtude da sua necessidade dos bens — mesmo que haja várias empresas do ramo, o cliente não encontra quem Ihe esteja disposto a fornecer em melhores condições aquilo de que necessita.


‘O utente do serviço ou o consumidor do bem fornecido mediante o contrato de adesão encontra-se, ainda, por outra razão, na situação de parte mais fraca relativamente ao seu contratante. É que, normalmente, não se apercebe das claúsulas que Ihe são desfavoráveis, por estas estarem disseminadas no extenso e compacto conteúdo do contrato, por estarem impressas em caracteres minúsculos, por não ter tempo para as ler ou confiar, pura e simplesmente, no conteúdo eqüitativo do texto escrito. A inferioridade do aderente resulta, ainda, igualmente da circunstância de a iniciativa da predeterminação das cláusulas pertencer à outra parte, o que Ihe permite circunscrever os limites das suas vinculações e prever todas as eventualidades e vicissitudes na execução do contrato.

‘A diferenciação entre ‘forte’ e ‘fraco’ resulta, pois, também, do fato de o estipulante ter feito uma previsão refletida, alicerçada na experiência, dos seus interesses contratuais, tais como estes se ligam a uma operação reiterada, de realização múltipla e indiferenciada, e o aderente fazer uma operação avulsa, na elaboração de cuja disciplina não participou e na qual procurava, pura e simplesmente, uma prestação em condições, acerca de cuja definição confia na outra parte.

‘Normalmente, portanto, o cliente cede ao regulamento contratual pré-elaborado pelo fornecedor, sem sequer o ler. Todo aquele conjunto de regras está normalmente impresso em caracteres tão miúdos e densos que logo sugere a decisão de não ler. Se se trata de bens ou serviços cuja aquisição não é normalmente precedida de um contato prolongado entre os interessados, a tentação de assinar sem ler é reforçada em muitas pessoas pela impressão de que, se lêem, não se comportam como o consumidor normal e são olhadas de soslaio.

‘Acresce que o cliente duvida da sua capacidade para compreender as fórmulas técnicas e complicadas em que as condições do contrato, muitas vezes, se oferecem. Outras vezes é o tempo que Ihe escasseia para estudar uma regulamentação cuja leitura carece de ser feita refletidamente; decide, por conseguinte, não ler.

‘Aliás, mesmo que lesse e compreendesse em todo o seu sentido e alcance o regulamento do contrato, só Ihe restaria, na hipótese de desacordo com uma ou mais claúsulas, a perspectiva de uma longa, aborrecida e, talvez, pouco amistosa discussão, ao cabo e ao resto inútil, pois, também o empregado ou representante do fornecedor está vinculado a fazer valer as condições gerais constantes do impresso do contrato. Acontece, ainda, que o cliente acredita, amiúde, estar perante uma regulamentação eqüitativa, tradutora de uma ponderação e um tratamento equilibrados dos interesses contrapostos. Finalmente, mesmo se leu e compreendeu e protestou sem resultado, adere ao regulamento por precisar do bem ou serviço, com vaga esperança de não se verificar a eventualidade desfavarável.

‘Necessidade, falta de conhecimento, ingenuidade, tudo concorre para tornar mais fraca a posição do cliente. Em face dela a empresa, autora do padrão de todos os seus contratos, tem a superioridade resultante destas deficiências da posição do cliente, bem como as vantagens da sua qualidade de ente organizado e, em muitos casos, poderoso, em contraste com a dispersão e, em muitos casos, debilidade social e econômica dos consumidores.”

Mesmo que assim não fosse, é irrelevante a discussão se o contrato é de adesão ou por adesão. Do magistério de NELSON NERY JÚNIOR (in Código de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, Editora forense Universitária, 6ª edição, páginas 445 a 447.) retiro,

“7. Contratos de adesão

Com o crescimento da sociedade de consumo, que teve início marcante no início deste século, surgiu a necessidade de contratação em massa, por meio de formulários com cláusulas preestabelecidas de sorte a agilizar o comércio jurídico. Neste contexto não há mais lugar para as tratativas contratuais, onde as partes discutiam tópico por tópico do contrato que viria a ser formado entre elas.

A denominação contrato de adesão foi dada a essa forma de contratação por Saleilles, em estudo sobre a parte geral do Código Civil alemão. Ganhou imediata aceitação tanto no Brasil como no exterior, nada obstante existirem críticas a essa denominação, no sentido de que seria às estipulações unilaterais palo Poder Público, não abrangendo as estipulações pelos particulares (contratados por adesão) nem as cláusulas gerais dos contratos.

A crítica da doutrina, especialmente de Orlando Gomes, funda-se na idéia de que a denominação contrato de adesão para significar as demais estipulações unilaterais, cujas cláusulas não sejam irrecusáveis pelo futuro aderente.

Evidentemente, a definição desse tipo contratual é feita pela forma de contratação e não pelo objeto da da relação negocial. A essa denominação de contrato de adesão opõe-se aqueloutra de “contrato de comum acordo”, que indica ter havido discussão, pelas partes, sobre o conteúdo do futuro contrato.


O Código fez uma opção nessa matéria e definiu como contrato de adesão “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo” (art. 54, caput). Nessa definição estão abrangidas ambas as formas de contratação vislumbradas por Orlando Gomes como sendo contrato de adesão e contrato por adesão, de modo que não foi olvidada nenhuma das facetas daquele fenômeno, não havendo, por conseguinte, prejuízo para a dogmática do Direito Contratual. A discussão da doutrina e a superveniência do conceito legal de contrato de adesão pelo art. 54 do CDC.

Assim, tanto as estipulações unilaterais do Poder Público (“aprovadas pela autoridade competente”, art. 54, caput, CDC) como as cláusulas regidas prévia e unilateralmente por uma das partes estão incluídas no conceito legal de contrato de adesão.”

Cumpre reafirmar, neste passo, que as normas do Código de Defesa do Consumidor, segundo entendimento deste Órgão Fracionário e do egrégio Sétimo Grupo Cível desta Corte, tem aplicação nas operações bancárias. Neste sentido temos Apelação Cível n. 197 153 091, da 13ª Câmara Cível, relatada pelo eminente DES. MÁCIO BORGES FORTES (j. em 18.06.98) e os Embargos Infringentes ns. 598 289 817 e 598 440 956, do Sétimo Grupo Cível, ambos relatados pelo eminente DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK (j. em 04.12.98).

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também firmou orientação no sentido de encontrarem-se as instituições financeiras sujeitas aos princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor. Entre os inúmeros julgados destaco os Recursos Especiais n. 57974/RS (94/0038615-0), da relatoria do eminente MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR e 142799/RS (97/0054586-5), da relatoria do eminente MINISTRO WALDEMAR ZVEITER

Acórdão RESP 57974/RS; RECURSO ESPECIAL (94/0038615-0)

Fonte DJ

DATA:29/05/1995

PG:15524

Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) Ementa

CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLAUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%.

1. OS BANCOS, COMO PRESTADORES DE SERVIÇOS ESPECIALMENTE CONTEMPLADOS NO ARTIGO 3., PARAGRAFO SEGUNDO, ESTÃO SUBMETIDOS AS DISPOSIÇÕES DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A CIRCUNSTANCIA DE O USUARIO DISPOR DO BEM RECEBIDO ATRAVES DA OPERAÇÃO BANCARIA, TRANS-FERINDO-O A TERCEIROS, EM PAGAMENTO DE OUTROS BENS OU SERVIÇOS, NÃO O DESCARACTERIZA COMO CONSUMIDOR FINAL DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO BANCO.

2. A LIMITAÇÃO DA CLAUSULA PENAL EM 10% JA ERA DO NOSSO SISTEMA (DEC. 22.926/33), E TEM SIDO USADA PELA JURISPRUDENCIA QUANDO DA APLICAÇÃO DA REGRA DO ARTIGO 924 DO CC, O QUE MOSTRA O ACERTO DA REGRA DO ARTIGO 52, PARAGRAFO 1., DO CODECON, QUE SE APLICA AOS CASOS DE MORA, NOS CONTRATOS BANCARIOS.

RECURSO NÃO CONHECIDO.

Data da Decisão 25/04/1995

Orgão Julgador T4 – QUARTA TURMA

Decisão

POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO.

Do voto do eminente MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR , no Recurso Especial n. 163616-RS (RG 98 83430), retiro a seguinte passagem:

4. Quanto ao tema da incidência do CDC, tenho que nessa parte o recurso não pode ser conhecido porque a instituição financeira está sujeita aos princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor, conforme está na lei e tem sido admitido nesta Turma:

“Código de Defesa do Consumidor. Bancos. Cláusula penal. Limitação em 10%.

1. Os bancos, como prestadores de serviço especialmente contemplados no artigo 3°, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco.

2. A limitação da cláusula penal em 10% já era do nosso sistema(DEC. 22.926/33), e tem sido usada pela jurisprudência quando da aplicação da regra do artigo 924 do CC, o que mostra o acerto da regra do artigo 52, parágrafo 1°, do CODECON, que se aplica aos casos de mora, nos contratos bancários.

Recurso não Conhecido”(Resp 57974-RS, 4ª Turma, de minha relatoria, DJ 29-05-95).

Do voto do eminente MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, no RESP 208.793 – Mato Grosso, apreende-se as seguintes passagens:

“A corte deve fixar a interpretação do art. 2° do Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo o alcance da expressão “destinatário final”. A questão tem suscitado controvérsias, como mostra Cláudia Lia Marques e sua excelente monografia “Contratos no Código de Defesa do Consumidor” (RT, 3ª ed., pág. 147 e segs.). E é compreensível que assim seja, considerando que o sistema de proteção ao consumidor oferece soluções mais velozes, com uma ampla lista de benefícios para o consumidor, constituindo um verdadeiro sobredireito. Daí a cautela necessária que deve ter o intérprete para evitar que o sistema sirva de anteparo para outros tipos de relações jurídicas que não devem estar sob o alcance das regras de proteção criadas pelo Código.


Em princípio, o destinatário final é aquele que adquire o bem ou o serviço para seu próprio desfrute. Isso quer dizer que a aquisição encerra uma operação sem curso para um terceiro, com o intuito de lucro. Todavia, freqüentemente ocorre que as pessoas físicas e jurídicas que estão na cadeia produtiva adquirem bens ou serviços necessários ao seu trabalho profissional. E nessa situação é que surge a dificuldade maior. De fato, pode uma determinada empresa comprar matéria-prima que será utilizada na sua produção, o que quer dizer que o bem adquirido, no caso, será transformado, integrando o novo produto que será destinado ao publico; ou, ainda, pode a mesma empresa adquiri um bem que seja necessário ao seu fim, mas que seja consumido por ela própria, sem que participe diretamente do produto que será oferecido, após o ciclo da produção, ao mercado. São duas situações bem nítidas que pode facilitar o trabalho do interprete. Na primeira, a matéria-prima integra o ciclo produtivo, na segunda, não; na primeira, evidentemente, não é a empresa destinatária final; ma segunda, claro, é.

Claudia Lima Marques apresenta um conceito que pode ajudar na melhor interpretação da parte final do art. 2° do Código de Defesa do Consumidor. Para a autora da monografia festejada, o “ destinatário final é o Endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que colaca um na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor-final, ele está transformando o bem utilizando para oferecê-lo por sua vez ao cliente, seu consumidor” (pág. 150).”

E mais adiante:

“A meu sentir, esse cenário mostra que o agricultor comprou o produto na qualidade de destinatário final, ou seja, para utilizá-lo no preparo de sua terra, não sendo este adubo objeto de nenhuma transformação. Na verdade, a compra foi de mercadoria com utilização final, ou seja, para o preparo da terra em que seriam plantadas as sementes de arroz sequeiro. Como destacou o Acórdão recorrido, o “apelado adquiriu o adubo como consumidor final, isto é, para utilizar o produto na adubação do solo” O adubo é consumido pelo agricultor, não sendo matéria-prima destinada a outro consumidor; não há beneficiamento do adubo para revenda. Não se pode afirmar que o adubo seja incorporado ao produto agrícola. Na verdade, ele é, apenas, necessário ao produtor para que seja feito plantio, tal e qual um veículo comprado pelo produtor é necessário ao escoamento da produção e não é transformado ou beneficiado para revenda. Como assinala João Batista de Almeida, a definição legal não inclui o intermediário que “ é aquele que compra com o objetivo de revender após montagem, beneficiamento ou industrialização. A operação de consumo deve encerrar-se no consumidor, que utiliza ou permite que seja utilizado o bem ou serviço adquirido, sem revenda” ( A Proteção Jurídica do Consumidor, Sariva, 1993, pág. 28). É o que ocorre neste feito: o agricultor utilizou o adubo para o preparo da terra, para criar condições necessárias ao seu trabalho profissional como agricultor.”

Assim, no caso em exame, a agravada é consumidora final. “A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco.” (RESP 163616-RS e RESP 57974-RS, MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR , – acima mencionados)

Dos “CONTRATOS BANCÁRIOS EM JUÍZO”( JORGE FRANKLIN ALVES FELIPE,1ª Edição Eletrônica EDITORA FORENSE, Rio de Janeiro, 2001) retiro a seguinte passagem:

“5 – ASPECTOS PROCESSUAIS

5.1. Competência territorial

A competência relativa, em razão de território, via de regra se firma pelo domicílio do réu (CPC, art. 94, caput).

Segundo o comando do art. 100, IV, “b”, do mesmo CPC, é competente o foro do lugar onde se acha a agência ou sucursal quanto às obrigações que ela contraiu.

A competência, nesses casos, pode ser modificada por convenção das partes, nos termos do que dispõe o art. 111 do CPC, princípio reafirmado pela Súmula nº 335 do STF, que dispõe:

“É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato”.

Assim, a maioria das questões relativas à discussão dos contratos bancários teria que ser proposta no foro onde os bancos tem sua sede ou agência, por força do que dispõe o art. 100, IV, “b”, ou na própria sede do réu, em razão do foro eleito.

Partindo-se, contudo, do pressuposto de que é competente o foro do domicílio do autor, nas relações submetidas ao Código de Defesa do Consumidor (art. 101, I), as questões entre os mutuários e os bancos podem ser discutidas neste foro, ainda que haja cláusula contratual de foro de eleição, dado o caráter protecionista das normas contidas no CDC. Embora o consumidor deva argüir a incompetência por via de exceção, há juízes que a concedem de ofício. No mesmo sentido decisões do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a possibilidade da declaração da incompetência de ofício (por exemplo CC nº 21.331-MG, Rel. Min. Nílson Naves, DJU de 03.05.1999, apud DJ-MG de 11.06.1999).


Decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“Código de Defesa do Consumidor. Competência. Banco. Foro do domicílio do autor. O consumidor pode promover a ação de indenização contra o banco comercial no foro do seu domicílio. Art. 101, I, da Lei nº 8.078/90. Recurso conhecido e provido” (R.Esp. nº 155.168 – RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 01.06.1998, apud DJ – MG de 13.06.1998).

Ainda que se entendesse que, na espécie, valeria o foro de eleição (o que não nos parece admissível em face ao CDC), é preciso considerar a circunstância de que essa eleição dificulta substancialmente a busca da prestação jurisdicional para o mutuário, devendo ser reprimida.

No mesmo sentido, quanto a contrato de alienação fiduciária, decisão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, no julgamento de agravo contra decisão que proferimos em primeiro grau, sendo relator o eminente Juiz DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA:

“Processual civil – Recurso – Agravo de instrumento – Competência – Foro de eleição – Contrato de adesão – Alie-nação fiduciária – Código de Defesa do Consumidor.

– O contrato de alienação fiduciária, firmado entre a instituição financeira e pessoa física, afigura-se como contrato de adesão, visto que as condições ali estipuladas não são discutidas previamente entre as partes, mas, sim, impostas por uma delas, às quais adere o consumidor.

– De tal sorte, a cláusula de eleição do foro deve ser interpretada em favor da parte aderente (consumidor), sendo considerada abusiva na hipótese de acarretar-lhe ônus excessivo, a teor do que dispõe o art. 51, § 1º, III, da Lei nº 8.078/90” (Agravo de Instrumento nº 212.966-8, em 15.05.1996).

Outra decisão recente do STJ:

“Processual Civil – Contrato de adesão – Relação de consumo (art. 51, I, da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor) Foro de eleição – Cláusula considerada não abusiva – Conclusão extraída da análise dos fatos (Enunciado nº 7 da Súmula/STJ) – Recurso inacolhido.

I – A cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão somente não prevalece se abusiva, o que se verifica quando constatado:

a) que no momento da celebração, a parte aderente não dispunha de intelecção suficiente para compreender o sentido e os efeitos da estipulação contratual;

b) que da prevalência de tal estipulação resulta inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Judiciário;

c) que se trata de contrato de obrigatória adesão, assim considerado o que tenha por objeto produto ou serviço fornecido com exclusividade por determinada empresa.

II – Entendimento que se afigura aplicável mesmo quando em causa de consumo regida pela Lei nº 8.078/90.

III – Recurso não conhecido” (R.Esp. nº 160.879-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 21.09.1998, apud DJ – MG de 03.10.1998).

Por outro lado, não há notícia no presente agravo se foi interposto recurso contra a decisão que declinou a competência para julgar a ação de busca e apreensão. A decisão proferida naqueles autos, portanto, é plenamente eficaz. Da decisão de fls. fls. 166-168 do traslado, lançada em 15/07/2003, retiro a seguinte passagem:

“Apensem-se estes autos de nº 00113629688 à precatória encaminhada pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível do Foro Regional II de Santo Amaro/Ibirapuera, extraída dos autos do processo de nº 002.03.038182-9.”

“O apensamento determinado tem em vista, embora medida atípica e sem qualquer similitude e amparo em regra processual e procedimental, face as peculiaridade da lide, medida de economia processual e para evitar maior tumulto e prejuízo.” “Dá-se o apensamento, até o decurso do prazo de recurso da decisão proferida na cautelar de busca e apreensão, da qual extraída a precatória.”

“Isto porque o Meritíssimo Juízo deprecante, ao deferir a busca e apreensão, ato contínuo, deu-se por incompetente para processar a cautelar, reconhecendo a conexão desta ação com a que tramita nesta Vara (Sétima Cível, 2º Juizado).”

“Com isto, reconheceu a prevenção do Juízo da Sétima Vara, inobstante tal, mantendo a decisão, menciona que a manutenção desta ou sua revogação, relega ao Juízo que entende competente.”

“Claro que há que se observar que a referida decisão é passível de modificação, pela interposição de recurso e não há notícia de que a autora da cautelar tenha deixado fluir in albis o prazo recursal.”

3. Deixo, assim, de atribuir efeito suspensivo ao recurso.”

Cumpre, agora, acrescentar o seguinte:

A recorrente, após negado efeito suspensivo ao presente recurso (decisão acima transcrita), conforme anteriormente narrado, em 14 de outubro de 2003 (fls. 224), encaminhou pedido de reconsideração (fls. 220/224), apoiada em fato novo. Com efeito, entre os argumentos lançados, asseverou:


“… a BMW do Brasil Ltda. apresentou exceção de incompetência nos autos da ação indenizatória que a Agravada ajuizou contra ele, baseada na eleição de foro pactuada pelas partes no contrato de concessão. Em 23.05.03, o incidente foi julgado improcedente pelo D. Juízo monocrático. Contra tal decisão, a BMW do Brasil Ltda. interpôs agravo dirigido a esse E. Tribunal de Justiça, em 06.06.2033. “ (fls. 221);

“… na sessão de julgamento realizada no dia 18.09.2003, a Colenda 18ª Câmara Cível desse E. Tribunal deu provimento ao recurso da BMW do Brasil Ltda., reconhecendo ser competente para conhecer e julgar a lide o Foro da Comarca de São Paulo, por ser este o foro eleito pelas partes(doc. 1). Entendeu-se, portanto, ser válida a cláusula de eleição do foro pactuada no contrato de concessão que deu ensejo à propositura de ação indenizatória pela Agravada em face da BMW do Brasil Ltda.” (fls. 222);

A agravada, contudo, em seqüência, informou fato superveniente, ou seja, que a Colenda 18ª Câmara Cível acolheu os Embargos de Declaração n. 70 007 457 848, com efeitos infringentes (fls. 328 e seguintes).

A questão, assim, restou superada. O eminente Relator, DESEMBARGADOR BRENO PEREIRA DA COSTA VASCONCELLOS, ao alcançar provimento aos Embargos de Declaração, conforme se verifica a fls. 330, manteve o voto vencido, de sua lavra, quando do julgamento do Agravo de Instrumento n. 70 006 533 764 (fls. 329), afirmando ser “…aplicável ao caso o disposto no art. 100, V, alínea a, do CPC” (fls. 330), sendo nesta ocasião acompanhado por seus eminentes Pares (fls. fls. 331). O v. acórdão, nos Embargos de Declaração n. 70 007 457 484, está assim ementado (fls. 328):

“Embargos de declaração. Ação cominatória, cumulada com pedido indenizatório. Pleito de reparação de danos morais. Omissão. Existência de outras demandas em curso, inclusive na área criminal,em Porto Alegre.Lide, entre mesmas partes, na comarca de São Paulo, onde declinada competência para a de Porto Alegre. Impossibilidade financeira da excepta em acompanhar a demanda fora da comarca de Porto Alegre, sua sede. Andamento do feito principal em tela, com perícia designada. Alegação de coação quando da firmatura de contrato de concessão. Caráter de infringência. Cabimento. Embargos acolhidos.”

Do voto do eminente DESEMBARGADOR BRENO PEREIRA DA COSTA VASCONCELLOS, quando do julgamento do Agravo de Instrumento n. 70 006 533 764, obtido no site desta Corte, retiro

“Mantenho a decisão recorrida por seus próprios fundamentos, acrescidos aos proferidos nesta sede, fls. 391-392.

Tomada a envergadura das empresas litigantes, em especial pelo fato de a agravante deter o monopólio da comercialização de produtos no Brasil e a recorrida ser mera concessionária daquela, impõe-se a necessidade de afastamento da cláusula do foro de eleição.

Assim, a juíza, na origem, bem solucionou a questão, declarando ineficaz o ajuste do foro de eleição e aplicando a regra geral do CPC, art. 100, inciso IV, alínea d, i.e., a do local do cumprimento das obrigações avençadas.

No caso, o juízo competente é o da Comarca de Porto Alegre, porque em exame ação de rescisão contratual.

Precedentes acerca da temática já foram trazidos à colação no ato decisório atacado, inclusive um onde atuei no colegiado, cópia da decisão nas fls. 383-387 deste instrumento.

Como paradigma, adoto o a seguir transcrito e, já aludido, igualmente constante da decisão agravada.

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. FORO DE ELEIÇÃO. CONTRATO DE ADESÃO. Embora a empresa agravada não possa, por suas características individuais, ser considerada hipossuficiente, assim o é em relação à agravante, empresa que mantém o monopólio quanto a seus produtos, impondo à concessionária o regramento em relação ao contrato de concessão para venda. Presente a dificuldade a aderente em relação ao cumprimento no que diz com o foro de eleição, cabe ser afastada esta cláusula contratual. Agravo não provido. Agravo de instrumento nº 598531945, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Desa. Helena Ruppenthal Cunha, julgado em 24 de fevereiro de 1999.

Posto isso, nego provimento ao recurso.”

Conclui-se, daí, que já restou reconhecido pela Colenda 18 Câmara Cível desta Corte, a “Impossibilidade financeira da excepta em acompanhar a demanda fora da comarca de Porto Alegre, sua sede.” (trecho da ementa dos Embargos de Declaração 70 007 457 484), bem como a necessidade de ser afastada a cláusula de eleição de foro [ “Tomada a envergadura das empresas litigantes, em especial pelo fato de a agravante deter o monopólio da comercialização de produtos no Brasil e a recorrida ser mera concessionária daquela, impõe-se a necessidade de afastamento da cláusula do foro de eleição” – trecho do voto do eminente Relator no Agravo de Instrumento, o qual foi mantido quando do julgamento dos Embargos de Declaração, com efeito modificativo ( “… observo aqui manter o voto vencido…”fls. 330)]


As questões que dizem com a não existência de conexão entre as ações e a prevenção, argüida pela ora agravante, são matérias preclusas. Com efeito, foram as mesmas atacadas via Agravo de Instrumento n. 70 006 835 599, junto a Colenda 5ª. Câmara Cível desta Corte, em Regime de Exceção (interposto anteriormente, bastando para tanto assinalar que o presente recurso foi tombado sob n. 70 007 093 149), conforme se verifica a fls. 333 [ “BMW FINANCEIRA S/A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpôs agravo de instrumento da decisão judicial que veio a assentar a conexão entre as ações cautelar (promovida pela agravante contra a agravada BM POINT DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA), revisional ( promovida pela recorrida contra a recorrente) e indenizatória( ajuizada pela agravada contra a BMW do BRASIL), bem como a prevenção da 7ª. Vara Cível, 2º Juizado da Comarca de Porto Alegre.” ]

Impõe-se, assim, no meu sentir, a aplicação de pena por litigância de má-fé. Verifica-se que a agravante não expôs devidamente os fatos (omissão), não agindo, assim, com lealdade processual. Deixou de noticiar, como lhe cumpria, a interposição do Agravo de Instrumento n. 70 006 835 599, junto a Colenda 5ª. Câmara Cível desta Corte (em Regime de Exceção), onde já havia agitado as matérias que procura agora novamente debater. Do CPC NOS TRIBUNAIS (DARCY ARRUDA MIRANDA JUNIOR e outros, editora Jurídica Brasileira, art. 1 a 130, fls. 194/195 – passagem do v. acórdão da Ac. da 6ª C. do 1° TACV, nos EI 376.861, RT 636/108), relativamente dever de lealdade ou probidade, retiro a seguinte passagem:

“O dever de lealdade ou probidade, destacado por Frederico Marques (ob. e v. atrás cits, p. 374), abrange todas violações de caráter ético-jurídico, constituindo a atuação franca, ação honesta, o fair-dealing, o fair-play, consoante, observa Barbi (ob. , v e t., cits., p. 173, nº 154), o “dever de veracidade” (art. 14, I); o “dever de boa-fé” (art. 14,II, final) e o dever de não se formularem pretensões cientificamente despídas de fundamento (art. 14, III) são particularizações daquele princípio básico de lealdade (ou “princípio de probidade”, na preferência de Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1ª ed. V. II, pp. 77/78, anterior ao atual CPC, que se refere a “proceder com lealdade”, art. 14, II).

No seu item I, o citado art. 14 impõe o dever de verdade, isto é, o dever de veracidade, consistente em “expor os fatos em juízo conforme a verdade”; esse dever é a mais importante expressão prática do princípio da lealdade processual (Arruda Alvim, Curso de Direito Processual Civil, v. I, 1971, pp. 8/9), resultando da natureza do próprio processo, que é “instituto para o bem-estar social” (Wohlfahstseinrichtung), de acordo com a construção de Klein cf. Cappeletti, Processo e Ideologia, 1969, p. 19, nota 27).

Nesse “dever de veracidade” compreende-se não só a proibição de falsear a verdade, comissivamente, como também, a mera omissão de fatos, pois que esta configura também a infringência daquele dever (Arruda Alvim, cit., V.II, do Código de Processo Civil Comentado, p. 156); destarte, desdobra-se esse dever; “dever de dizer a verdade” (Wahrheitspflicht) e o “dever de nada omitir” (Vollstanding-heitspflicht) (v. Tornaghi, ob. e v. cits., p. 143).

O art. 17 do CPC específica os casos em que o litigante é considerado como litigante de má-fé, e em todos eles se encaixa a embargante.

Na sua defesa a embargante não expôs os fatos conforme a verdade (art. 14, I), tendo intencionalmente alterado essa verdade (ar. 17,II).

Ademais, desvirtuando os fatos , a embargante não procedeu com lealdade e boa-fé (art. 14, II).”

Sobre a matéria devemos observar, ainda, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça

Acórdão AGA 138100/RS ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO

(1997/0007774-8)

Fonte DJ DATA:30/06/1997 PG:31157

Relator(a) Min. FERNANDO GONÇALVES (1107)

Data da Decisão 09/06/1997

Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. LITIGANCIA DE MA-FE. DECRETAÇÃO DE OFICIO. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO, DESDE LOGO, DA INDENIZAÇÃO DO ART. 18, PAR. 2., DO CPC EM 20% DO VALOR DA CAUSA. CARATER DE VERDADEIRA MULTA. CORRETO O JULGADO RECORRIDO QUE ASSIM ENTENDEU.

1 – O ART. 18, “CAPUT”, DO CPC, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI 8.952/1994, PERMITE A DECRETAÇÃO DA LITIGANCIA DE MA-FE DE OFICIO.

2 – AS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI 8.952/1994 NÃO SUPRIMIRAM, COMO QUER O RECORRENTE, A MULTA, COMO PENA APLICAVEL AO LITIGANTE DE MA-FE. O PAR. 2., DO ART. 18, DO CPC, AO ESTABELECER QUE O JUIZ PODERA, DE PRONTO, FIXAR O VALOR DA INDENIZAÇÃO EM QUANTIA NÃO SUPERIOR A 20% DO VALOR DA CAUSA TEM, INDUBITAVELMENTE O CARATER DE MULTA, TANTO QUE NÃO ISENTA A PARTE DESLEAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA. E QUE, EM CASOS COMO O TRAZIDO A LUME, O JUIZ, DIANTE DAS DIFICULDADES PARA INVESTIGAR OS DANOS SUPORTADOS PELA PARTE INOCENTE, USA DA FACULDADE PREVISTA NO CITADO DISPOSITIVO, SIMPLIFICANDO E ACELERANDO OS ATOS E PROCEDIMENTOS, COM VISTAS A EFETIVIDADE DO PROCESSO.

3 – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

Decisão

POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL.

Assim, reconhecida a litigância de má-fé por parte da agravante tenho por bem propor seja imposta a mesma: (a) o pagamento de multa correspondente a 1% (um por cento) sobre o valor da causa, devidamente atualizada (art. 18, “caput” do CPC); e, (b) condenação, a título de indenização da parte contrária pelos os prejuízos que esta sofreu (art. 18, § 2º, do CPC), os quais fixo, desde logo, em 20% sobre o valor da causa (valor da causa: R$ 1.000,00 – fls. 73), devidamente corrigida pelo IGP-M.

Com estas considerações, ratificando as razões anteriormente expostas, nego provimento ao recurso. Reconhecida a agravante como litigante de má-fé, imponho-lhe, em conseqüência, o pagamento de multa equivalente a 1% sobre o valor da causa, devidamente corrigida, bem como a condeno ao pagamento, a título de indenização da parte contrária, em importância correspondente a 20% sobre o valor da causa devidamente corrigida pelo IGP-M.

É o voto.

Dra. Agathe Elsa Schmidt da Silva – DE ACORDO.

Dr. Sérgio Luiz Grassi Beck – DE ACORDO.

Julgador(a) de 1º Grau: HELENA MARTA SUAREZ MACIEL

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