Viagens oficiais

Contratos do governo com agências podem ser prorrogados

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28 de abril de 2005, 16h32

A questão da possibilidade de prorrogação dos contratos do governo com as agências de viagens vem causando polêmica entre gestores públicos e empresários, especificamente, no que diz respeito ao enquadramento ou não desses contratos no permissivo do artigo 57, inciso II, da Lei nº 8.666/93, que estabelece o seguinte:

“Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: (…) II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses”.

Os gestores públicos argumentam que estão seguindo entendimento do Tribunal de Contas da União, no sentido de que esses contratos de “fornecimento” de passagens aéreas “não possuem características de continuidade”, não trazem “obrigações de fazer de caráter permanente”, as agências de viagens simplesmente realizam “vendas” de bilhetes de passagens aéreas, além do que, as “vantagens” das prorrogações para o governo “não ficam demonstradas”. Em suma, a praxe atual em muitos órgãos públicos é estabelecer contratos com vigência de apenas 12 (doze) meses.

Com efeito, desde meados de 1995 e acentuadamente no ano de 2002, ocorreu uma construção jurisprudencial do Tribunal de Contas da União nesse sentido, podendo-se exemplificar essa circunstância com os acórdãos e decisões dos processos TC 013.721/1999-2, TC 005.235/2001-8 e TC 550.141/1998-7, entre tantos outros.

Para os dirigentes, gestores, pregoeiros, enfim, diversos servidores da Administração Pública, esse entendimento possui elevada carga de vinculação, conforme orientação do próprio Tribunal de Contas da União, correndo aqueles agentes públicos riscos de sanções administrativas caso realizem licitações ou prorroguem contratos em desacordo com o entendimento mencionado.

Por outro lado, levada a questão ao Poder Judiciário, o entendimento também parece ser no sentido de que o artigo 57, inciso II, da Lei 8.666/93 permite a prorrogação de contratos de “natureza continuada”, mas a prorrogação não é obrigatória para a Administração Pública, o que de certo modo é compreensível. Mas o fato é que, em muitos casos, as agências de viagens têm destacado cláusulas editalícias e contratuais que representam verdadeiras obrigações de natureza continuada, além de demonstrarem as vantagens financeiras que as prorrogações trarão para a Administração. E isso tudo precisa ser considerado.

O atual estado de coisas precisa mudar com a maior brevidade possível, a fim de evitar atos “anti-econômicos” para a própria Administração Pública, além dos gravames impostos às agências de viagens.

É preciso perceber que o objetivo legal da prorrogação de contratos, que é a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, não se coaduna com a transferência de custos que as agências se vêem obrigadas a inserir em suas propostas na licitação e nos respectivos contratos, por terem de, num curso espaço de 12 (doze meses), montare e desmontar postos de atendimento nas sedes dos órgãos públicos, contratar e despedir empregados, contratar e rescindir contratos de licenças com os sistemas internacionais de reservas de passagens, como o Sabre e o Amadeus (que são pagos em dólar).

Além disso, os gestores públicos não podem deixar de reconhecer que, apesar de denominados contratos de “fornecimento de passagens aéreas”, esses ajustes implicam muito mais do que meras “vendas parceladas” de bilhetes de passagens aéreas. Se assim não fosse, como se explicaria a assessoria prestada pelos empregados da agência na localização, indicação e sugestão das tarifas mais econômicas dentre as existentes em um mesmo vôo; a disponibilização do posto de atendimento permanente da agência dentro do edifício-sede do órgão público, inclusive, com funcionários contratados pela agência especificamente para isso, e dotado dos mencionados sistemas de reservas que devem estar disponíveis, sem interrupção, em especial, nos dias úteis e no mesmo horário de funcionamento da Instituição?

Os contratos do governo com as agências de viagens possuem ainda entre suas cláusulas obrigatórias a disponibilização de plantão em telefones fixos e celulares, durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, portanto, incluindo sábados, domingos e feriados; ou seja, é um contrato full time. Encontram-se ainda cláusulas com a obrigação de disponibilizar o serviço de antecipação do check-in, em caso de necessidade urgente de viagem dos diretores e outros servidores do órgão público; a obrigação de disponibilizar os serviços de emissões, remarcações e cancelamentos de bilhetes de passagens, quantas vezes for preciso, até quando o servidor público se encontrar no exterior e/ou também em horários noturnos e/ou dias de feriados e fins de semana.

Nesse contexto, surgem as perguntas cruciais:

1ª) algum órgão público se arriscaria ficar sequer um dia sem a cobertura de uma agência de viagens?

2ª) pode-se imaginar os Ministros da Justiça, da Defesa, da Saúde, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e de tantos órgãos estratégicos do governo sem uma agência de viagens disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano, para as necessidades permanentes e até imprevistas das suas funções?

3ª) se o critério para a prorrogação dos contratos de vigilância e telefonia, por exemplo, é o de se tratar de um serviço permanentemente disponível para as autoridades públicas, porque os serviços das agências de viagens, incluindo os plantões telefônicos em dias e horários diversos e as diligências em aeroportos, não justificam a prorrogação dos seus contratos?

4ª) se os serviços das agências de viagens não são considerados de natureza continuada, então porque o grande temor dos gestores públicos na sua interrupção, com tantos contratos emergenciais quando algum atraso acontece na realização de uma nova licitação?

5ª) essas não são necessidades essencialmente ligadas à atividade-fim diária de cada órgão público, pode-se dizer, on demand, por exemplo, da mesma forma que ocorre com o contrato de telefonia, cujo serviço sempre está “à mão” da autoridade pública, durante os 365 do ano, continuamente, mas só é utilizado mediante a “demanda”, assim como se pode acionar a agência de viagens para alguma eventualidade?

6ª) e como explicar a semelhança dos editais de licitações de telefonia e de agências de viagens quando ambos trazem a “estimativa” da “demanda de gastos”, ou seja, ambos não caracterizam “fornecimento parcelado de bens”, onde se possui um valor final predeterminado do contrato, mas sim uma estimativa de gastos, passível de oscilações exatamente por que os serviços estão permanentemente disponíveis e são utilizados, repita-se, por demanda?

7ª) e o que dizer do entendimento do Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 1089-1, no sentido de que as agências de viagens não recolhem ICMS, mas sim ISS, ou seja, não se equiparam às meras vendedoras de “água ou cafezinho” (vendas parceladas de bens, com preços fixos), mas sim prestadoras de um verdadeiro “serviço”, diga-se por oportuno, que nenhum administrador admitiria a sua interrupção?

Portanto, a afirmação de que contratos com as agências de viagens não implicam em “obrigações de fazer de caráter permanente” esbarra em uma contradição com os termos expressos das cláusulas inseridas nesses contratos e com a realidade prática de diversos órgãos públicos, a começar pelo próprio Tribunal de Contas da União, que decide nos julgamentos realizados pelo seu Plenário pela vedação à prorrogação, mas, internamente, prorroga o seu próprio contrato. Da mesma forma, prorrogam os contratos com as agências de viagens o Ministério da Justiça, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e muitos outros órgãos e instituições de relevância nacional. Aliás, essa não é uma realidade apenas brasileira, pois se sabe que países como os Estados Unidos possuem alguns contratos com as agências de viagens que podem chegar a até 7 (sete) anos de vigência, dependendo do caso; ou a como a Espanha, com contratos que podem chegar ao limite máximo de 4 (quatro) anos.

Todas essas circunstâncias, que demonstram a clara existência de “obrigações de fazer de caráter permanente” nos contratos do governo com as agências de viagens, ainda não foram efetivamente debatidas, em especial, junto ao Tribunal de Contas da União e ao Poder Judiciário.

É preciso, data vênia, mudar a jurisprudência sobre o assunto e mudar também as redações de muitos editais de licitação, que, ultimamente, têm se limitado a mencionar no objeto do certame a expressão “fornecimento de passagens aéreas” quando se verifica que, mais adiante, constam diversas cláusulas de obrigações de serviços outros que devem ser prestados pela agência de forma ininterrupta, desde a assinatura até o término da vigência do contrato. Aliás, mais adequado seria constar no objeto do edital a expressão “contratação da prestação de serviço de agência de viagens, de acordo com as especificações descritas no edital e no seu termo de referência”, e, no termo de referência, detalhar as obrigações de fazer de caráter permanente aqui exemplificadas.

Cabe agora às agências de viagens levantarem essas questões nas suas impugnações administrativas, ações judiciais e representações junto aos tribunais de contas, especialmente o Tribunal de Contas da União, de forma que se possa mudar esse quadro, lembrando que aqui não se defende a prorrogação automática e desmotivada de contratos, mas apenas a possibilidade de prorrogação nos termos do artigo 57, inciso II, da Lei nº 8.666/93, desde que respeitados os preços e as condições mais vantajosas para a administração.

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