Abatida em vôo

MP entra com ação contra a empresa Top Avestruz

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19 de abril de 2005, 12h25

O promotor de justiça Alberto Camiña entrou com Ação Civil Pública contra a empresa Top Avestruz, com sedes em São Paulo e no Paraná. Ele alega que a empresa promove “inequívoca tentativa de captação de poupança popular, por meio de divulgação em meio de comunicação de massa, sem o preenchimento dos requisitos legais”.

Camiña pede que, com base no artigo 461 do Código de Processo Civil, seja decretado o “impedimento de atividade nociva praticada pela empresa ré, na parte que envolve comercialização do contrato em questão”. Segundo ele, “deve ficar claro que a interdição não deve alcançar o setor de criação de avestruzes, cujo manejo prossegue normalmente; até que se possa dar destino às aves”.

O promotor também pede à Justiça que “seja impedida, imediatamente, a continuidade de divulgação, na mídia, do negócio em questão”. E acrescenta: “Para tanto, requer-se a expedição de mandado ao oficial de justiça, para que se dirija, em São Paulo, à filial da ré, e, aí, intime o responsável, para que paralise a divulgação, em qualquer tipo de veículo de comunicação de massa, do investimento em questão”.

Leia a íntegra da ação:

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da …. Vara do Foro Central da Comarca de São Paulo.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por seu Promotor de Justiça, com fundamento nos artigos 127, “caput”, e 129, III, ambos da Constituição Federal, no artigo 2.º, inciso IX, da Lei 6.285/76, nos artigos 1.º, incisos IV e V, e 5.º, “caput”, da Lei 7.347/85 e nos artigos 1.º, 2.º e 3.º da Lei 7.913/89, vem, respeitosamente, perante V. Exa. propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

em face de Top Avestruz, Criação, Comércio, Importação e Exportação Ltda(1)., empresa sediada(2) (3) em Curitiba/PR, na rua xxx, xxx, sala xxx, Centro, CEP xxxx, com contrato social (doc. 1) arquivado na Junta Comercial do Estado do Paraná sob n.º xxx, inscrita no CNPJ/MF sob n.º xxx, Inscrição Estadual n.º xxx, cujo capital social atual é de R$ 200.000,00(4), que pode ser citada na pessoa do seu representante legal, sr. Onaireves Nilo Rolim de Moura(5) (6) (7), brasileiro, casado, RG xxx, CPF xxx, que pode ser encontrado na Rua xxx, xxx, xxx xxx, Curitiba, Estado do Paraná, pelas razões adiante expostas.

COMPETÊNCIA DESTE FORO.

A sociedade ré tem Escritório Central no Edifício Dacon, situado na Avenida Cidade Jardim, 400, 20.º andar, nesta Capital de São Paulo. Pela ampla divulgação do negócio da ré, ora questionado nesta demanda, em jornais de ampla circulação, como o é o Jornal Folha de São Paulo, os danos potenciais ocorrem nesta cidade.

Nos termos do art. 2.º da Lei 7.347/85, “as ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

Não bastasse, reza o art. 100, IV, “b”, do Código de Processo Civil, que é competente o foro do lugar onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu.

Em São Paulo ocorre a ilicitude praticada pela ré; portanto, São Paulo é foro competente para conhecer desta demanda.

FATOS — PARTE I

O NEGÓCIO ANUNCIADO.

O jornal Folha de São Paulo tem veiculado, desde o mês de janeiro, conforme notado por esta Promotoria de Justiça, de segunda-feira a quinta-feira(8) (em regra), anúncio(9) com a chamada “Investimento Seguro. Lucro Garantido”, depois modificada para “Rendimento ou Segurança. Na dúvida, os dois”

No início o anúncio dizia que “Avestruz é um negócio tão seguro que tem até seguro”.

Dizia ainda, em sua forma primeira: “parceria rural com base na Lei n.º 4.504/64 e no Decreto n.º 59566/66”.

Duas tabelas, a da evolução da ave e a da evolução do agro-business, eram estampadas. Tudo para prometer lucro líqüido em 12 meses de 60%.

Avisa que as aves são microchipadas com certificado de origem animal. Pede para que os leitores informem-se.

Diz, por fim, que o negócio conta com seguro-garantia da Companhia Mutual de Seguros. Há um símbolo no canto superior direito dos anúncios, que é um laço encimado por chapéu com uma assinatura por atravessado, em que se lê Beto Carrero, em tamanho diminuto(10).

Houve uma modificação do anúncio, que deixou de fazer referência ao contrato de parceria e à legislação do Estatuto da Terra; desapareceu o dístico do Beto Carrero.

O anúncio mais antigo, colacionado pelo Ministério Público, é do dia 17 de janeiro de 2005; e que perdura até estes dias.

Anúncio diferente foi estampado no dia 8 de março de 2004, agora com a chamada Caravana Top Avestruz. Informe publicitário. Afirma ser a maior empresa de estrutiocultura do sul do Brasil; promoveu almoço de confraternização de clientes, autoridades, colaboradores e imprensa. Mais de mil pessoas estiveram presentes. Anuncia ainda que Onaireves Nilo Rolim de Moura, “que desde o início da empresa, exerce a função de Diretor Administrativo e agora, com aporte de mais capital, tornou-se o maior acionista com 97,5% das cotas (…) A Top Avestruz está presente nos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina”.


2. O subscritor enviou e-mail para o endereço eletrônico constante do anúncio, que se encontra no site www.topavestruz.com.br, cujo e-mail é [email protected] e foi prontamente atendido, com a seguinte informação (doc. 6):

Caro Alberto,

A remuneração é de 3% mensal, juros simples; o resgate é no prazo de 90 dias, no vencimento.

Para maiores esclarecimentos ficamos a sua disposição nos fones nºs (11) 3818-8988/8987/8986.

Agradecemos a sua atenção.

Claudio Sarza de Souza

A mesma pessoa remeteu a agente de investigação do Ministério Publico e-mail contendo “modelos de contrato de vendas, apólice e tabela de preços”, que acompanham esta petição inicial.

FATOS — PARTE II

A PROIBIÇÃO DA CVM.

A Comissão de Valores Mobiliários, CVM, autarquia federal no exercício de seu poder de fiscalizar os serviços do mercado de valores mobiliários, deliberou, em 1.º de dezembro de 2004, alertar o público em geral que a empresa ré

não se encontra registrada perante esta Comissão de Valores Mobiliários — CVM como companhia aberta, não estando, portanto, habilitada a oferecer publicamente quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo…”

Além dessa advertência geral ao mercado de investidores em títulos mobiliários, entendeu a CVM de

determinar à empresa referida no item I que se abstenha de ofertar ao público quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo, em especial os contratos sob a designação de “Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra”, sem o competente registro nesta CVM, alertando que a não observância da presente determinação sujeita-la-á à imposição de multa cominatória máxima diária, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo de responsabilidade pelas infrações já cometidas, com a imposição da penalidade cabível, nos termos do art. 11. da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976”.

A despeito dessa proibição, a empresa ré continuou praticando sua atividade, agora já em desrespeito à deliberação da CVM; e, durante os meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2005, publicou no Jornal Folha de São Paulo, anuncio destinado á captação de clientela.

FATOS — PARTE III

O INSUCESSO NA JUSTIÇA

A sociedade ré, para livrar-se da proibição imposta pela CVM, impetrou mandado de segurança na Justiça Federal do Rio de Janeiro(11). Isso ocorreu no dia 12/01/2005. Aduziu, em síntese, que a Deliberação CVM 474, de 1.º/12/2004, violava o devido processo legal, pois não lhe fora dada oportunidade de defesa no procedimento administrativo que resultara na referida deliberação.

Concedida, inicialmente, a liminar (dia 13/1/2005) foi, posteriormente, com as informações da autoridade coatora (doc. 8), revogada (dia 25/01/05),o que gerou interposição de recurso de agravo de instrumento, ao qual foi concedido efeito ativo com a finalidade de suspender a exigibilidade da multa imposta pela CVM. Mas foi mantida a proibição de exercício de atividade.

O certo é que a ré continua a lançar anúncios em jornal e a exercer sua atividade, como se nada tivesse ocorrido.

Esses, em síntese, os fatos.

O DIREITO – PARTE I

INEXISTÊNCIA DE PARCERIA

A atividade desenvolvida pela empresa, na realidade, não pode ser enquadrada como parceria rural, como dizia, inicialmente, em seus anúncios, no contrato a que teve acesso esta Promotoria de Justiça (doc. 4), como continua dizendo no seu site, e como disse, também, na própria petição inicial do mandado de segurança (doc. 7). Na verdade, é investimento coletivo, que encontra disciplina própria na lei, senão vejamos.

Sabe-se que o nome com que se rotulam os negócios é irrelevante para a sua caracterização jurídica. Atende-se mais à essência do contrato do que às palavras expressadas.

O contrato de parceria, em suas diversas modalidades, é contrato típico, que se achava, inicialmente, regido pelos artigos 1410 a 1423 do Código Civil de 1916. Hoje encontra amparo especial no artigo 96 do Estatuto da Terra (Lei 4504/64), e no Decreto 59.566, de 14 de novembro de 1966, de sorte que o Código Civil tem aplicação supletiva(13).

Segundo a doutrina(14), “parceria ou parçaria, da raiz parc, pelo abrandamento de part-is, genitivo de pars (parte, porção, quinhão), é associação, união, ligação, reunião de pessoas para fim determinado, de interesse comum“. Já parceiro vem definido como “palavra oriunda do latim partiarius, significando o que tem parte“(15).

As duas noções são complementares, pois “define-se a parceria como o contrato pelo qual uma pessoa cede prédio rústico a outra, para que o cultive, ou entrega-lhe animais para que os pastoreie, trate e crie, partilhando os frutos e lucros respectivos”(16).


A parceria tem feição própria, “que se aproxima da sociedade, sem com ella se confundir”(17). Com efeito, conquanto seja reunião de pessoas para determinado fim, isso não significa que entre os parceiros há formação de sociedade: “…os parceiros não são sócios no sentido legal da expressão, pois não lhes cabem deveres e direitos tão amplos como os que exerceriam se participassem de uma sociedade como as disciplinadas pelo direito comercial”(18).

Existem cinco espécies de parceria, objeto de normatização pelo Estatuto da Terra e pelo seu Regulamento. Tem-se, pelo texto legal:

Parceria agrícola “quando o objeto da cessão for o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nele ser exercida a atividade de produção vegetal” (art. 5.º, inc. I, do Dec. 59.566). Pelo Código Civil é esta a definição: “Dá-se a parceria agrícola, quando uma pessoa cede um prédio rústico a outra, para ser por esta cultivado, repartindo-se os frutos entre as duas, na proporção que estipularem” (art. 1.410).

Parceria pecuária “quando o objeto da cessão forem animais para cria, recria, invernagem ou engorda” (art. 5.º, inc. II, do Dec. 59.566). Pelo Código Civil é esta a definição: “Dá-se a parceria pecuária, quando se entregam animais a alguém para os pastorear, tratar e criar, mediante uma cota nos lucros produzidos” (art. 1.416).

Parceria agroindustrial “quando o objeto da cessão for o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e/ou maquinaria e implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal” (art. 5.º, inc. III, do Dec. 59.566).

Parceria extrativa “quando o objeto da cessão for o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e/ou animais de qualquer espécie, com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal” (art. 5.º, inc. IV, do Dec. 59.566).

Parceria mista “quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de parceria” (art. 5.º, inc. V, d Dec. 59.566).

Esses contratos típicos têm o objeto definido em texto de lei e a transcrição acima feita vai nos permitir, no confronto com a denominada parceria constante dos contratos celebrados pela ré, verificar se se trata do mesmo contrato.

Para esse fim, ainda é útil a transcrição do disposto no artigo parágrafo único do artigo 4.º do Dec. 59.566/66:

“Para os fins deste regulamento, denomina-se ‘parceiro-outorgante‘, o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e ‘parceiro-outorgado’ a pessoa ou conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parceria definidas no art. 5.º “.

O dono da terra ou o dono dos animais é o parceiro-outorgante; o parceiro-outorgado recebe a terra ou os animais para exploração.

É da característica do contrato de parceria ser intuitu personae, eis que formalizado em função da pessoa do contratante(19).

Também merece destaque o fato de ser contrato aleatório, “em face da incerteza, entre as partes, quanto à vantagem esperada. Mas nada impede que seja, também, comutativo se o direito e a obrigação apresentarem-se equivalentes”(20).

Não se confunde, outrossim, o contrato de parceria com o contrato de depósito. Com efeito, “configura um típico contrato de parceria pecuária quando um parceiro entrega ao outro animais (bovinos) para os tratar, zelar e oferecer condições de reprodução pelo prazo de dois (2) anos, sob condição de, em troca, ficar com parte das crias. Nesse ajuste não se pode enxergar qualquer característica de um contrato de depósito (art. 1265 CC), pois um dos parceiros (o executado) não recebeu os animais para guardar até que o outro os reclamasse. Poder-se-ia admitir que os bovinos dados em parceria pecuária são infungiveis, se pudessem ser perfeitamente identificados, através, por exemplo, de nome, numero, origem, enfim, de características que os distinguissem de outros” (21).

Mister pôr em destaque, ainda, que “as cláusulas de contrato de parceria rural que contrariam o Estatuto da Terra são nulas de pleno direito“(22) . Isso porque “inspirando-se em valores de nítido alcance social, o chamado “Estatuto da Terra” visa a assegurar os objetivos político-fundiários a que se propõe, evitando a exploração do homem do campo pelo proprietário da terra. Este o fundamento básico e transparente de suas limitações à autonomia privada, nos contratos agrários, cujas cláusulas, desconformes com as regras imperativas da lei (ius cogens), se consideram nulas e inoperantes, por que irrenunciáveis os direitos e vantagens nela instituídos (art. 2º e parágrafo único do Decreto 59.566, de 14 de novembro de 1966). Daí, a invalidade das disposições negociais que, acordando participação nos frutos, desatendam aos princípios e aos limites máximos da cota do proprietário, qualquer que seja a natureza da lavoura”(23).


Como já enfatizado, a álea faz parte do contrato, como enfatiza a jurisprudência: “no contrato de parceria agrícola, a partilha de riscos, dos frutos, produtos ou lucros, com o parceiro-outorgante, suportados ou havidos pelo parceiro outorgado, é uma das suas características fundamentais, acarretando, sua ausência, a descaracterização de tal contrato”(24).

O contrato de parceria, como instrumento concebido pela lei para facilitar o uso da terra, é de celebração intuitu personae e, por isso, próprio para pessoas naturais. Assim, já se decidiu que: “Parceria agrícola. Contrato. Cessão a pessoa jurídica. Estatuto da terra. Inaplicabilidade. O Estatuto da Terra e as normas que o acolitam protegem social e economicamente pessoas físicas que diretamente cultivam o solo, não se estendendo tal proteção a pessoas jurídicas de cunho empresarial”(25). Em sentido semelhante: “Parceria agrícola. Contrato. Caracterização não verificada. Locação feita a empresa agropecuária reflorestadora não pode ser interpretada como arrendamento. Normas protecionistas do direito agrário que não se estendem a quem, notoriamente, não se encontra na situação de inferioridade presumida para o homem do campo” (26).

O que até aqui se expôs teve a finalidade de caracterizar o contrato de parceria. Para o que nos interessa, e em síntese, o contrato é celebrado intuitu personae, de risco, coberto por normas de ordem pública, e tem como destinatário o homem do campo, inaplicável a pessoas jurídicas.

Mister, agora, o confronto com os caracteres do contrato celebrado entre Topavestruz e os seus parceiros, para se concluir pela aplicabilidade ou não do contrato de parceria.

A teor do contrato que acompanha esta petição colhem-se os seguintes aspectos relevantes. Designação do instrumento como contrato de parceria rural em estrutiocultura com seguro garantia; designação dos contratantes como parceiro outorgado, que é a TOP AVESTRUZ e parceiro outorgante, que é o investidor; pela primeira cláusula contratual, o parceiro outorgado declara ter disponibilidade de espaços para hotelaria de avestruzes; pela cláusula 2.ª, as avestruzes objeto deste contrato serão entregues, na data do contrato, pelo parceiro outorgante no show room do parceiro outorgado, em Curitiba, que se obriga a tratar dessas aves (cláusula 3.ª); pela hotelaria há cobrança de certa importância (cláusula 5.ª).

A cláusula décima é muito importante. Dez dias antes do término do contrato, a TOP deve ser avisada, pelo parceiro outorgante, da intenção de remover as aves, vendê-las ou renovar o contrato.

Essa mesma cláusula 10.ª diz que:

“Transcorrido o prazo anteriormente suscitado sem que o parceiro outorgante tenha realizado a venda dos animais a terceiros, o parceiro outorgado obriga-se automaticamente a comprá-los pelo valor e prazo irretratáveis estipulados na presente cláusula, de forma à vista, em espécie, cheque ou TED/DOC, conforme for do interesse do parceiro outorgante”.

Tem-se, ao estabelecer o contraste entre o contrato celebrado e o contrato de parceria, que:

a) não se pode falar em contrato intuitu personae, já que centenas ou milhares de pessoas celebraram contrato de adesão com a TOP AVESTRUZ, mercê de forte campanha publicitária;

b) as pessoas jurídicas não podem celebrar o contrato em questão;

c) não há incerteza, aleatoriedade, que caracteriza a parceria, posto que pactuada expressiva remuneração de 3% ao mês; há promessa, anunciada ao público por meio de jornal, de 60% de lucro líqüido em 12 meses;

d) não há partilha de frutos e lucros;

e) não há reunião de pessoas para a prática de determinado fim comum;

f) não há parceiro outorgante, já que há entrega de dinheiro à TOP AVESTRUZ, nem parceiro outorgado, já que a TOPAVESTRUZ é pessoa jurídica.

g) Já se decidiu que descaracteriza a parceria agrícola o

“Contrato firmado por pessoa jurídica de forte estrutura financeira e administrativa – Estatuto da Terra que somente protege o trabalhador rural em atuação direta e pessoal – Inteligência dos arts. 13, V, da Lei 4.947/66 e 8º do Dec. 59-566/66”(27).

Com isso, resta a conclusão óbvia de que inexiste contrato de parceria. A roupagem dada ao contrato é a de cobrança de prestação de serviços pela hotelaria da avestruz; mas isso é apenas um pretexto e nada mais.

Em essência, há promessa de remuneração, e com garantia. É o que foi dito ao subscritor: remuneração de 3 por cento ao mês com resgate dentro de três meses; linguagem do mercado financeiro.

Há diversas decisões judiciais a prestigiar o entendimento ora exposto. Apenas para exemplificar, transcreve-se ementa de v. acórdão proferido em ação cautelar 735297-0/9, aforada em segundo grau de jurisdição:


“Contrato de parceria agrícola de “engorda de gado”. Natureza jurídica de investimento coletivo e não de compra e venda, nos termos do art. 1.º da lei 10.198/01”.

Essa decisão, do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, traduz a síntese precisa de tudo o que se disse, conforme se verá no item seguinte.

O DIREITO – PARTE II

O CONTRATO DE INVESTIMENTO COLETIVO

Legislando a reboque dos acontecimentos que envolveram a triste falência de Gallus Agropecuária S/A, a Medida Provisória 1.637, de 8/1/98, definiu:

“Art. 1º Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

§ 1º Aplica-se aos valores mobiliários a que se refere este artigo a ressalva prevista no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 6.385, de 1976.

§ 2º Os emissores dos valores mobiliários referidos neste artigo, bem como seus administradores e controladores, sujeitam-se à disciplina prevista na Lei nº 6.385, de 1976, para as companhias abertas”.

Essa Medida Provisória foi convertida na Lei 10.198, de 14/2/2001.

Posteriormente, por força de acréscimo ao artigo 2.º da Lei 6.385/76, o inciso IX declara que são valores mobiliários sujeitos aos efeitos dessa lei

“quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”.

Para WALDÍRIO BULGARELLI, “a noção de valores mobiliários vem sendo encaminhada no sentido de se enquadrar o papel à técnica de negociação em massa (Bolsa de Valores) indiferente à questão de que o papel constitua ou não título de crédito…”(28).

Em sua essência, o contrato em questão

“instrumentaliza a busca de uma renda pelo seu titular”

A expressão grifada, de Waldírio Bulgarelli, usada para a definição de valor mobiliário, no verbete já citado, p. 409, bem caracteriza o que se passa com os contratos celebrados com a TOP AVESTRUZ e seus pretensos parceiros. Estes pretendiam obter renda com o dinheiro. Nada mais. E isso fica claro das chamadas de jornais que a própria ré promove, tratando o negócio como investimento e prometendo remuneração.

É bastante considerável, senão mesmo irreal, a renda proposta no contrato: sessenta por cento ao ano de lucro líqüido; três por cento ao mês em 90 dias (cf. e-mail). Elevadíssima taxa de retorno. Tanto a Gallus Agropecuária S/A como a Fazendas Reunidas Boi Gordo S/A prometiam remuneração inferior. E faliram. Agora aparece o Avestruz Gordo com promessa de elevada remuneração.

Aliás, a caravana top avestruz, recentemente realizada, também ocorria tanto com a Gallus, em São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, como com a Boi Gordo, , em Itapetininga, também no interior, onde instalações luxuosas atraíam os investidores.

Há muita semelhança entre a prática dessas empresas falidas, que causaram prejuízo a milhares de pessoas, e a prática desenvolvida pela ora demandada.

Na verdade, o parceiro da TOP AVESTRUZ é um investidor (Investir é aplicar capital com o objetivo de obter lucros ou vantagens, cf. verbete investir, na Enciclopédia Saraiva do Direito), que entrega o seu dinheiro à sociedade ré, na expectativa de renda, num prazo determinado.

Eis como a própria CVM(29) define o que sejam contratos de investimento coletivo:

“São títulos lastreados em quaisquer produtos ou subprodutos destinados à comercialização e que geram direito de participação, parceria ou remuneração, inclusive de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Cabe ressaltar que esses títulos não devem ser confundidos com os contratos de parceria rural, nos termos do Estatuto da Terra e da Legislação sobre Parceria Pecuária do Código Civil Brasileiro”.

Colhe-se, da definição, que, ainda que se admitida a existência de parceria, ela depende de autorização da CVM.

Há captação de poupança popular; e o investidor deve ser protegido, entre outros, por meio da fiscalização da CVM.

Ao assegurar a recompra do avestruz, fica caracterizado, sem sombra de dúvida, o investimento coletivo.

DIREITO – PARTE III

Controle da entrada

É de interesse público a regulação do mercado de emissão de valores mobiliários. Os investidores desejam um sistema “seguro, contínuo, adequado e eficiente… Desejam que os fundos depositados estejam a salvo de mãos pouco honradas ou incompetentes… querem que os juros não sejam mais altos que o necessário e os rendimentos sejam tão altos quanto economicamente possíveis, sem menoscabo da segurança…porém, o interesse público nas organizações financeiras é ainda maior que os desejos razoáveis dos investidores…A prudência e acerto que tenham ao fazer investimentos ou ao estimular investimentos por outras pessoas são assunto do maior interesse. Contrariamente à crença de muitas pessoas mal informadas, que confundem o capital com dinheiro ou crédito, o capital é um artigo escasso, e é um artigo necessário para a produção eficiente e para níveis de vida mais altos. Os que se dedicam a dirigir esse fluxo[de capital] carregam uma obrigação da maior importância pública”.


Para isso, é decisivo que se estabeleça a regulação da entrada no negócio:

“O caráter público do negócio bancário [de captação de poupança popular] faz desejável que o governo controle o número e classe de companhias bancárias e forme juízo sobre a moralidade e aptidão das pessoas interessadas em fundar bancos. A duplicação desnecessária de instituições financeiras, a indevida concorrência entre os bancos e a desonestidade e incompetência na administração bancária são contrárias ao interesse público”(30).

Apesar de a referência transcrita dizer respeito a banco, aplica-se a valores mobiliários, por pertinente e de modo especial aos contratos de investimento coletivo.

Compete à CVM verificar se a oferta ao público contém todas as informações possíveis para que a decisão de investimento seja feita de maneira conscienciosa.

A CVM, na execução da tarefa regulatória estabelecida por lei para os valores mobiliários, precisa ter amplo conhecimento de quem é o candidato a explorar a atividade de investimento coletivo; e a empresa ré, com seu sócio-administrador, foge disso.

Conforme consta das informações da CVM, prestadas como autoridade coatora no mandado de segurança impetrado pela ré, cujo teor fica incorporado a esta petição inicial, como se aqui transcritas, a autarquia federal

“não se limita, entretanto, à divulgação da informação, mas também à sua fidedignidade e a todo o processo que envolve a ampla disseminação de informações…”

DIREITO – PARTE IV

IMPEDIMENTO DE ATVIDADE NOCIVA

A primeira providência que os fatos e o direito acima expostos estão a exigir é a interdição da atividade desenvolvida pela ré.

Com fundamento no artigo 461 do Código de Processo Civil, mister seja decretado o “impedimento de atividade nociva”(31) praticado pela empresa ré, na parte que envolve comercialização do contrato em questão.

Para bem delimitar a medida, deve ficar claro que a interdição não deve alcançar o setor de criação de avestruzes (eventualmente existentes), cujo manejo prosseguirá normalmente; até que se possa dar destino às aves.

A medida extrema da impedimento do prosseguimento de atividade nociva decorre do fato de a ré não atender à determinação da CVM, apesar da multa imposta (item II da Deliberação 474/04).

Tudo o que for preciso para que se dê a paralisação das atividades da ré de anúncio e comercialização de avestruz com promessa de remuneração sem prévia autorização da CVM, deve ser alvo de determinação judicial. O § 5.º do art. 461 do Código de Processo Civil, de caráter exemplificativo, dá ao juiz os mais amplos poderes para que se verifique o cumprimento da decisão judicial. A depender, pois, da reação do réu, outras medidas poderão ser solicitadas.

DIREITO — PARTE V

NECESSIDADE E CABIMENTO DA DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL.

A Constituição Federal, no parágrafo único do artigo 170, declara que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

De ordinário, pois, prescinde-se de autorização legal seja para a constituição, seja para a exploração da atividade econômica. É excepcional a necessidade de autorização legal. As atividades reguladas têm por fundamento o interesse público.

Na espécie, a atividade de emissão de contratos de investimento coletivo, com captação de dinheiro junto ao público investidor, em emissão pública, depende de registro junto à Comissão de Valores Mobiliários, conforme preceitua o artigo 19 da Lei 6.385/76:

“Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão”.

A ré não obteve o registro prévio da emissão dos valores mobiliários junto à CVM; antes, prefere fazer de conta que trabalha com contrato de parceria. Ilude-se e ilude o público, que não fica informado do que realmente se passa com a empresa na qual deposita seu investimento.

Ao exercer atividade que depende de registro em órgão público, sem obtê-lo, a ré passa a exercê-la de maneira ilegal, ilícita, em desconformidade com os preceitos jurídicos. É atividade clandestina, a despeito da publicidade. É ilícita a captação de investimento junto ao público, com o nome de contrato de parceria; o enquadramento jurídico correto é o de contrato de investimento coletivo, mediante prévio registro na CVM.

É assegurada a liberdade de iniciativa econômica; assim como se assegura a liberdade de associação, “para fins lícitos”, nos termos do art. 5.º, inc. XVII, da Constituição Federal.


A ilicitude do objeto, a ilicitude da prática implementada, é repugnada pelo direito, seja ilicitude constante dos atos constitutivos da sociedade, o que é raro, mas que inviabiliza o registro da empresa, nos termos do art. 115 da Lei 6.015/73, seja ilicitude na exploração real, e, então, em desconformidade com o objeto social declarado; ou, ainda, atividade correspondente ao objeto, mas faltante de autorização para funcionamento pelos órgãos competentes.

Por exemplo, para explorar o ramo de instituição financeira, o interessado deve obter autorização do Banco Central do Brasil; empresa que pretenda explorar o ramo de seguros, deve obter autorização da Superintendência de Seguros Privados. E quem pretender captar dinheiro junto ao público, com promessa de remuneração vinculada a engorda de animais, deve obter, por força de lei, autorização da Comissão de Valores Mobiliários; entre outros exemplos.

A emissão de valores mobiliários, por envolver a captação de dinheiro do público, depende de autorização da Comissão de Valores Mobiliários. E a emissão de valores mobiliários sem a devida autorização configura crime contra o sistema financeiro nacional, (crime do colarinho branco). Com efeito, nos termos do artigo 7.º da Lei 7.492/86, é crime emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários (inc. II) sem registro prévio da emissão junto à autoridade competente, que, no caso, é a Comissão de Valores Mobiliários, com pena de dois a oito anos de reclusão e multa.

O termo associação, constante do artigo 5., inciso XX, da Constituição Federal, é gênero, cuja espécie é a associação, em sentido estrito, e a sociedade comercial. Nesse sentido é a lição da melhor doutrina.

Com efeito, José Celso de Mello Filho ensina que

“O direito de associação constitui liberdade de ação coletiva. Embora atribuído a cada pessoa, que é o seu titular, só pode ser exercido em conjunto com outras pessoas. É pelo exercício concreto dessa liberdade pública que se instituem as associações, gênero a que pertencem as sociedades civis ou mercantis. O direito de associação, por isso mesmo, se erige em instrumento de ação multiforme, podendo revestir-se de caráter empresarial, cultural, filantrópico, sindical, político…Somente o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a dissolução compulsória das associações. Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão ser compulsoriamente dissolvidas”(32).

Essa lição é anterior à Constituição em vigor, mas a orientação continua válida sob a égide da Constituição Federal de 1988.

José Afonso da Silva não discrepa e ensina que

“A ausência de fim lucrativo não parece ser elemento da associação, pois parece-nos que o texto abrange também as sociedades lucrativas. Então, a liberdade de associação inclui tanto as associações em sentido estrito (em sentido técnico estrito, associações são coligações de fim não lucrativo) e as sociedades (coligações de fim lucrativo)” (sem negrito no original)(33).

José Cretella Júnior também, com muita clareza, expressa semelhante pensamento:

Em direito constitucional, o vocábulo associação tem sentido lato, não se restringindo, unicamente, ao tipo específico da lei civil, compreendendo, porém, a união orgânica, voluntária e permanente de pessoas física para a consecução de certos fins, que podem ser políticos, religiosos, morais, científicos, civis, comerciais, artísticos…”(34).

Vê-se, pois, que a doutrina, na interpretação do artigo 5.º, XX, da Constituição Federal, dá ao vocábulo associação um sentido lato, para alcançar, também, as sociedades comerciais.

Por conta da equiparação da sociedade comercial às associações, aplicável o disposto no inciso XIX da Constituição Federal:

“as associações [e também as sociedades comerciais] só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter as suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado”.

Admite o texto constitucional, sem a menor dúvida, a dissolução judicial da sociedade comercial, desde que sua atividade revista-se de ilicitude, como é o caso da Top Avestruz, pois há prática de crime de emissão de valor mobiliários sem o devido registro na CVM.

Considerar-se-á compulsoriamente dissolvida a sociedade somente com o trânsito em julgado da sentença; mas a suspensão da atividade pode ser concedida imediatamente pela autoridade jurisdicional, na singela interpretação a contrário da Constituição Federal.

A doutrina comercialista, por seu turno, afirma que

“Desse conjunto de preceitos da lei maior colhe-se mais um caso de dissolução das associações, e das sociedades, em geral, que se verifica quando suas atividades forem noviças ao bem público”(35).


Mais especificamente, cabível

“o pedido de decisão judicial de dissolução de sociedades mercantis, no caso de exercício de atividade contrária à ordem pública e aos bons costumes, mediante ação (inclusive a ação civil pública, nos termos do art. 1.º, inc. IV, da Lei n.º 7.347, de 1985) que inclua no seu objeto o cancelamento do arquivamento dos atos societários, no Registro do Comércio (ou, como diz a Lei n.º 8.934/94, Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins)”(36).

Em hipótese semelhante já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo que é cabível a dissolução de administradora de consórcio para aquisição de linhas telefônicas sem estar autorizada pelo Banco Central do Brasil:

“Ação civil pública. Pedido de dissolução de sociedade. Exploração de atividade ilícita. Hipótese de captação de poupança popular, pelo sistema de administração de consórcio de telefones. Dissolução decretada. Sentença mantida”(37).

A dissolução da sociedade justifica-se porque rebela-se contra normas claras postas pela ordenação legal brasileira; recusa-se a obter a autorização da CVM, que lhe exigirá transparência e segurança para o exercício da atividade. Por ora, a atividade é ilícita, ilegal, nociva, sem autorização legal.

O DIREITO – PARTE VI

O DEVER DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Não há nenhuma dúvida de que o assunto em tela, por envolver expressiva coletividade de pessoas, é daqueles temas que dizem respeito à atividade do Ministério Público.

Como já referido, outras empresas com atuação semelhante à aqui verificada tiveram a falência decretada. É o caso de Fazendas Reunidas Boi Gordo S/A, que também vendia contratos de parceria para engorda de boi, com promessa de remuneração bem menor, de 42%, mais a variação do preço do boi e que teve a falência decretada pelo juízo da 1.ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo; não discrepa o caso de Gallus Agropecuária S/A, que teve a falência decretada em 1998 em trâmite perante a 19.ª Vara Cível; idêntico é o caso das Fazendas Integradas Ouro Branco.

A Boi Gordo vitimou mais de vinte mil (20.000) pessoas; a Gallus mais de três mil pessoas; Ouro Branco centenas.

A fraude esteve sempre ao lado dessas empresas; e o .potencial lesivo é muito grande por conta da intensa publicidade, destinada a atrair investidores; os danos se espraiam por muitas pessoas, por todo o território nacional; é a chamada dispersão dos lesados.

Nesses casos referidos, o Ministério Público atua e conhece os problemas causados; daí o seu dever de agir preventivamente no caso do avestruz gordo.

A Lei 7.913/89, cujo artigo 1.º estabelece que

“sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários — CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando…”

O poder-dever de agir, atribuído ao Ministério Público, para a proteção de investidores e do sistema de valores mobiliários, faz-se presente na hipótese; da mesma forma a legitimidade faz-se presente por força do disposto no art. 1.º, inc. V, da Lei 7.347/85; sem falar que se trata de direito coletivo.

Trata-se de tutela inibitória, destinada à prevenção do ilícito, à prevenção dos danos.

O que quer a Lei 7.913/89 é a prevenção de danos: em primeiro lugar, que os danos não ocorram. E, se os danos já começaram a eclodir, que sejam cessados.

PEDIDO

Diante do exposto, e considerando a recusa da ré em cumprir a determinação da Comissão de Valores Mobiliários, e considerando, ainda, que é inequívoca a tentativa de captação de poupança popular, por meio de divulgação em meio de comunicação de massa, sem o preenchimento dos requisitos legais, e considerando, por fim, a gravidade da situação, que quanto mais tempo perdura mais danos causa, a estabelecer periculum in mora, evidente o direito aqui considerado, requer o Ministério Público,

em caráter liminar

a) com fundamento no artigo 461 do Código de Processo Civil, seja decretado o “impedimento de atividade nociva”(38) praticado pela empresa ré, na parte que envolve comercialização do contrato em questão. Para bem delimitar a medida, deve ficar claro que a interdição não deve alcançar o setor de criação de avestruzes, cuja manejo prossegue normalmente; até que se possa dar destino às aves.

A interdição deve ocorrer no escritório de São Paulo, que não cria aves, e no escritório de Curitiba; excetuado o local que é o criadouro de aves.


b) seja impedida, imediatamente, a continuidade de divulgação, na mídia, do negócio em questão. Para tanto, requer-se a expedição de mandado ao oficial de justiça, para que se dirija, em São Paulo, à filial da ré, e, aí, intime o responsável, para que paralise a divulgação, em qualquer tipo de veículo de comunicação de massa, do investimento em questão. Para eficácia da medida, requer-se cientificação do Jornal Folha de São Paulo.

c) seja impedido o prosseguimento da comercialização do contrato designado CONTRATO DE PARCERIA RURAL EM ESTRUTIOCULTURA COM SEGURO GARANTIA, ou outro que venha a substituí-lo, mas com idêntico teor, até que a referida empresa cumpra todas as determinações oriundas da CVM; deve constar do mandado ao senhor oficial determinação nesse sentido, sob pena de multa diária, no valor de R$ 500.000,00 em caso de descumprimento, valor esse que deve ser recolhido Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados. Justifica-se esse valor da multa porque a multa imposta pela CVM, de R$ 5.000,00 por dia não surtiu efeito intimidatório.

d) seja, por sentença definitiva, declarado que a relação jurídica mantida pela ré com os investidores caracteriza contrato de investimento coletivo, nos termos da Lei de regência.

e) a prolação de sentença de procedência, de caráter mandamental, com expedição de ordem à ré para que cesse definitivamente sua atividade; com todas as medidas necessárias e cabíveis para a efetivação da medida;

f) seja, por fim, dissolvida a sociedade Top Avestruz, com comunicação à Junta Comercial do Paraná;

g) citação da ré, no endereço acima mencionado, para, querendo, contestar o pedido acima exposto, e, ao final, julgá-lo procedente;

h) a concessão dos benefícios do art. 172, § 2.º do CPC.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, como perícia, juntada de documentos, oitiva de pessoas e depoimento pessoal do réu, sob pena de confissão.

Como a ré afirma que está viabilizando financiamento junto a agencias de fomento do Governo Federal, isto é, pretende usar dinheiro público para incremento de sua atividade (vide anexo, fls. 1) mister dar ciência desta demanda e da decisão a ser proferida ao Banco do Brasil S/A. e também ao BNDEs.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00.

São Paulo, 18/4/2005.

Alberto Camiña Moreira

Promotor de Justiça

Notas de rodapé

1- Sociedade constituída por contrato do dia 22 de junho de 2004, arquivado na Junta Comercial do Paraná em 25/6/2004.

2- Conforme primeira alteração contratual de 13/8/2004.

3- A empresa, segundo o seu site, mantém showroom na rua dos Palmenses, n.º 10, Bairro São Miguel, Curitiba/PR, CEP 81.450-775.

4- O capital social inicial, na data de constituição da sociedade, era de R$ 50.000,00. Foi alterado para R$ 200.000,00 em 18/2/2005. Não se sabe se houve integralização do capital. É possível que esse capital tenha sido consumido só em mensagem publicitária. Consta que o preço do cm/col no jornal Folha de São Paulo custa aproximadamente R$ 725,00.. Como a empresa não tem ainda um ano de vida, e promete remuneração de 60% do capital investido, para ter lucros e pagar as despesas, deve exercer a administração do negócio de modo a fazer inveja aos grandes capitalistas.É de se verificar, ainda, o luxuoso material de propaganda que acompanha esta petição inicial (doc.3).

5- Onaireves Nilo Rolim de Moura tornou-se sócio, formalmente, da Top Avestruz em 18/2/2005, conforme certidão simplificada da Junta Comercial do Paraná. Antes, era sócio administrador estatutário o sr. Vanderlei Manoel Ignácio, brasileiro, solteiro, RG 7.057.334.851/SSP-PR, CPF 433.327.300-53. Consta que referida pessoa é zelador de estádio de futebol do Paraná (o Pinheirão). Notícias de jornal dão conta que essa pessoa seria, antes da alteração contratual, “laranja” de Onaireves Nilo Rolim de Moura (doc. 5). Mas Onaireves N.R. de Moura, por força de escritura pública de 8/7/2004, tornou-se administrador da sociedade. E agiu como tal, pois é ele que outorga mandato ao advogado que impetrou o mandado de segurança referido mais adiante.

6- Foi deputado federal cassado por seus próprios pares.

7- É sócio majoritário de Mouraço Indústria e Comércio de Ferro Ltda., empresa que teve a falência decretada em 17/11/1998 (doc. 2), e que tramita perante a 4.ª Vara de Falências de Curitiba/PR. Não se sabe se há apuração de crime falimentar.

8- Acompanham esta inicial o anexo contendo a página do jornal Folha de São Paulo, de vários dias, de janeiro de 2005 até a semana passada, contendo o anúncio veiculado pela ré. Consta existir publicidade em outros meios de comunicação, que, todavia, não chegou ao conhecimento do Ministério Público.


9- Os anúncios estão reunidos em volume que integra a documentação acostada em esta petição inicial; pede-se a juntada por linha, com formação de autuação em apenso, como anexo.

10- O desenho é o mesmo que se vê no site www.betocarrero.com.br.

11- Autos n.º 2005.51.01.000428-9, em trâmite perante a 2.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

12- Diz o item 2 da referida petição inicial: “Além da venda do animal, com Certificado de Origem, a impetrante oferece aos criadores que não possuem local físico para guardar aves, o sistema de hotelaria (Parceria Rural), pois possui…”

13- Arnaldo Rizzardo, Contratos, v. II, cap. XXVI, p. 883; Theotonio Negrão, Código Civil (de 1916), nota ao artigo 1.410.

14- Paulo Coelho Machado, Parceria pecuária, cap. III, p. 13, sem grifo no original.

15- Fernando Pereira Sodero, verbete parceiro, na Enciclopédia Saraiva do Direito, volume 57, p. 63.

16- Arnaldo Rizzardo, Contratos, v. II, p. 884.

17- Clóvis Bevilaqua, Código Civil, v. 5, p. 174.

18- Fernando Pereira Sodero, ob.cit., p. 63, sem grifo no original.

19- Nesse sentido: Arnando Rizzardo, Contratos, v. II, p. 887/888; Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, v. XIX, p. 163; Paulo Coelho Machado,. Parceria pecuária, p. 114; Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, n. 261, p. 405; Osny Duarte Pereira, Parceria, verbete no Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, v. 36, p. 38.

20- (Arnaldo Rizzardo, ob.cit, v. II, p. 888). No mesmo sentido: Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, n. 261, p. 405.

21- TJPR, AI 72744600, j.21/11/94, Juiz Carlos Hoffmann.

22- 2.º TAC/SP, Ap. 430.427, j. 5/6/95, rel. Juiz Vianna Cotrim, j. 5.6.95, in JTA (LEX) 156/369.

23- 2.º TAC/SP, j. 1/8/84, Ap. Sum. 172.216, rel. Juiz Cezar Peluso.

24- Ap. 161.340, j.9/11/83, rel. Juiz Isidoro Carmona.

25- 2. TAC/SP, Ap. 256.795, j. 6/2/90, rel. Juiz Ricardo Brancato, in JTA (RT) 127/219.

26- 2. TAC/SP, Ap. 122.896, j. 29/12/1980, rel. Juiz Celso Ferraz.

27- 2.º TAC/SP, RT 654/138.

28- Verbete Valores Mobiliários, Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 76, p. 410.

29- . Do site da CVM na Internet.

30- La intervención pública em la empresa, p. 440 e seguintes. Tradução de Public control of economic enterprise, de Harold Koontz e Richard W. Gable, para o castelhano por Jaime Berenguer Amenós.Barcelona: Bosh, 1961.

31- O artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor é também invocado, por aplicável à espécie, já que integra o sistema de tutela coletiva de direitos do Brasil, comunicando-se com a Lei 7.347/85 e também com a Lei 7.913/89.

32- Constituição Federal anotada, 2. ed., p. 476. São Paulo: Saraiva, 1986.

33- Curso de direito constitucional positivo, 22.ª ed., p. 266. São Paulo: Malheiros, 2003.

34- Comentários à Constituição Federal de 1988, v. I, 2.ª ed., p. 293. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

35- Mauro Rodrigues Penteado, Dissolução e liqüidação de sociedades, n. 33, p. 99.

36- Mauro Rodrigues Penteado, advogado e professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo, in Dissolução e liqüidação de sociedades, p. 101.

37- TJSP, 1.ª Câmara de Direito Privado, j. 14/10/1997, Apelação cível n. 268.025-2, rel. Des. Guimarães e Souza.

38- O artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor é também invocado, por aplicável à espécie, já que integra o sistema de tutela coletiva de direitos do Brasil, comunicando-se com a Lei 7.347/85 e também com a Lei 7.913/89.

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