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TRF-1 desmembra processo contra João Arcanjo Ribeiro

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11 de abril de 2005, 19h19

O desembargador Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, determinou o desmembramento do processo em que João Arcanjo Ribeiro, o ‘Comendador’, responde por crime de homicídio. Com a decisão, fica anulada a sentença de pronúncia do juiz federal César Augusto Bearsi.

Tourinho Neto decidiu que a Justiça Estadual deve julgar os crimes de homicídio, mas manteve na esfera federal o julgamento dos crimes de descaminho e de formação de quadrilha contra Arcanjo. Ele manteve, também, a prisão do acusado.

Arcanjo é acusado de ser o mandante do assassinato de Rivelino Brunini e Fauze Rachid Jaudy, e pela tentativa de homicídio de Gisleno Fernandes. Ele também responde pela exploração de máquinas caça-níqueis.

O desembargador manteve ainda as prisões de Célio Alves Souza, acusado de pertencer à quadrilha de Arcanjo, do contador Luiz Alberto Dondo Gonçalves e do coronel reformado da PM Frederico Carlos Lepesteur. Segundo a denúncia, os crimes foram motivados por brigas no comando da exploração das máquinas de caça-níqueis em Mato Grosso.

Leia a íntegra da decisão

R E L A T Ó R I O

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. A denúncia

Em 11 de dezembro de 2002, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Mato Grosso, representados por dois Procuradores da República e três Promotores de Justiça, denunciaram:

a) JOÃO ARCANJO RIBEIRO, conhecido por Comendador (1), brasileiro, casado; JOSÉ FREDERICO LEPESTEUR (Carlos Frederico Lepesteur), conhecido como Coronel Lepesteur (2), brasileiro, coronel reformado da Polícia Militar; JÚLIO BACHS MAYADA (3), uruguaio, amasiado, administrador de empresas, por infração ao art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, duas vezes, ou seja, dois homicídios; por violação desses mesmos dispositivos na forma tentada (CP, art. 14, II); e, também, por infração ao art. 288, parágrafo único, e 334, § 1º, c, do Código Penal, “todos nos termos da Lei 9.034, de 1995”, c/c os arts. 69 e 29 do Código Penal”;

b) HÉRCULES DE ARAÚJO AGOSTINHO (4), brasileiro, cabo da Polícia Militar, e CÉLIO ALVES DE SOUZA (5), brasileiro, casado, soldado da Polícia Militar, por infração ao art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, duas vezes, ou seja, dois homicídios; por violação desses mesmos dispositivos na forma tentada (CP, art. 14, II); e, também, por violação ao “art. 288, parágrafo único, e 334, § 1º, c, do Código Penal, “todos nos termos da Lei 9.034, de 1995”, c/c os arts. 69 e 29 do Código Penal. A diferença para os três primeiros reside no fato de não lhes ter imputado o crime do art. 334, § 1º, c, do Código Penal;

c) LUIZ ALBERTO DONDO GONÇALVES (6), brasileiro naturalizado, de nacionalidade originária uruguaia; MARCONDES TADEU ARAÚJO RAMALHO (7), brasileiro; GONÇALO DE OLIVEIRA COSTA NETO (8), brasileiro, tenente-coronel da Polícia Militar; MARLON MARCUS BAFA PEREIRA (9), brasileiro, casado, empresário; e MÁRCIA CARLA CARPINSKI (10), brasileira, casada com o denunciado Júlio Bachs Mayada, do lar, por infração do “art. 288, parágrafo único, e 334, § 1º, c, do Código Penal, “todos nos termos da Lei 9.034, de 1995”, c/c os arts. 69 e 29 do Código Penal. A estes cinco denunciados não se imputou o crime de homicídio.

1.1 Os crimes de quadrilha (CP, art. 288, parágrafo único); e descaminho (CP, art. 334, § 1º, c

Narra a denúncia, que no dia 12 de abril de 2002 foi deflagrada uma operação para, em cumprimento de mandado judicial, apreender “máquinas caça-níqueis, cujos componentes eletrônicos são contrabandeados”. Conta que (Apenso 1, fls. 5):

Após a deflagração da operação acima noticiada ocorreram sucessivos homicídios nesta capital, sendo certo que todas as vítimas sabidamente eram envolvidas com a exploração dos caça-níqueis, a começar pela execução do SGT PM JOSÉ JESUS DE FREITAS, morto, juntamente com dois de seus seguranças, crime ocorrido no dia 27/04/02; depois a execução do radialista RIVELINO JACQUES BRUNINI, que se encontrava acompanhado do seu sócio FAUZE RACHID JAUDY, dupla execução ocorrida em 05/06/02 e, por fim, a execução do proprietário do Jornal Folha do Estado, DOMINGOS SÁVIO, que constantemente denunciava os crimes praticados pela organização criminosa, homicídio ocorrido em 30/09/02.

Em todos os homicídios, com características de crime de mando, envolvendo a chamada pistolagem, foram utilizadas armas de grosso calibre, sendo certo que as cápsulas encontradas nos locais das execuções foram consideradas compatíveis por exames periciais, apontando que os homicídios partiram de um mesmo grupo executor e possivelmente do mesmo mandante.

Consta da denúncia que, na residência do denunciado JÚLIO BACHS, “foram encontradas ferramentas típicas de montagem e manutenção dos caça-níqueis, e, no escritório da casa, restaram apreendidas pastas e documentos diversos contendo planilhas de controle e despesas e de arrecadação de moedas em máquinas, pagamento de comissões a comerciantes, custo de fabricação e descrição detalhada do processo de montagem dos caça-níqueis, e várias sacolas repletas de moedas”; e um “detalhado planejamento operacional, subscrito pelo imputado Júlio Bachs”, operação cognominada Mato Grosso, com o objetivo de instalação de máquinas de diversão eletrônica no Estado de Mato Grosso (Apenso 1, fls. 6).


Segundo a denúncia, a acusada MÁRCIA CARLA CARPINSKI prestava auxílio a Júlio Bachs, conforme depoimento das testemunhas ouvidas às fls. 121, 162 e 164 do inquérito n. 2002. 36.00.002915-5.

Aponta a denúncia os seguintes fatos para incriminar o denunciado JOÃO ARCANJO RIBEIRO (Apenso 1, fls. 9/11):

Da análise do planejamento da “OPERAÇÃO MATO GROSSO”, verifica-se que os denunciados JÚLIO BACHS e MÁRCIA CARLA ressaltam que o responsável financeiro por toda operação seria “designado pelo Sr. Arcanjo” (Vol III, fls. 18). A designação do fiscal dos leituristas das máquinas também é conferida a mesma pessoa, vale dizer, “Sr. Arcanjo” (Vol III, fls. 19).

Com efeito, em qualquer organização certas funções são reservadas a pessoas que mantenham uma relação de confiança com o “dono do negócio” e sem dúvida as funções ligadas à área financeira e de fiscalização estão entre elas: é a forma que o “dono do negócio”, aquele que efetivamente manda, que possui o total domínio dos fatos, encontra para garantir que não será traído. No caso da operação de instalação das máquinas caça-níqueis, a designação dessas pessoas foram deixadas para aquele que o demandado JÚLIO BACHS chamou “SR. Arcanjo”.

Utilizando o tratamento de “Sr.” o denunciado BACHS demonstra deferência e respeito àquele chamado Arcanjo. Ademais, mesmo sendo o mentor e supervisor da denominada “OPERAÇÃO MATO GROSSO”, o demandado BACHS faz questão de reservar a função de escolha dos responsáveis pelas áreas mais sensíveis da operação ao “Sr. Arcanjo”. Daí, há de se considerar que o mencionado Senhor Arcanjo exerce posição de relevo na organização criminosa, isto é, posto hierarquicamente superior ao do uruguaio BACHS. Se este era o supervisor, Arcanjo surge como o chefe de todo o empreendimento criminoso.

Outras também são as provas que apontam o tal de ARCANJO como o responsável pela utilização de componentes eletrônicos contrabandeados, instalação e exploração das máquinas caça-níqueis, quais sejam: nos depoimentos colhidos pela polícia civil, os comerciantes detentores das máquinas (IPL nº 121/01 — cópias nos autos do MPF), verifica-se que, em pelo menos sete deles (fls. 128, 150, 152, 155, 157, 160 e 253), os comerciantes alegam que as máquinas não lhes pertenciam, mas que eram de propriedade do ARCANJO, ou melhor, conforme o depoimento de fls. 150, do “COMENDADOR ARCANJO” .

Em outros cinco depoimentos (fls. 188, 196, 199, 223 e 227), os comerciantes detentores das máquinas asseveraram que receberam os caça-níqueis, porquanto nelas havia o símbolo (etiqueta ou selo), da “COLIBRI” — vide Auto de Apreensão Lavrado pela Delegacia Distrital de Cristo Rei, na qual foram apreendidas 24 máquinas, na maioria com selos numerados da Colibri (fls. 79 dos Autos no 2001.36.00.009914-3).

O símbolo da Colibri, referido pelos comerciantes trata-se de um adesivo (selo), na cor azul, com o desenho de um beija-flor. Esse símbolo significava para os comerciantes que as máquinas caça-níqueis estariam sob a tutela daquele que controla o jogo do bicho no Estado de Mato Grosso.

Registre-se que o comerciante José Monteiro (fls. 253-IP nº 121/01) declara que, mesmo estando ciente da ilegalidade das máquinas, resolveu aceitá-las (in verbis): “QUE sabia que o USO destas máquinas eram proibidas, mais lhe disseram que já haviam sido liberadas e depois disseram-lhe também que eram de propriedade do popular ARCANJO, e qualquer coisa este resolveria como sempre tem feito”. Assim, fica evidente que o anunciado apoio do popular Arcanjo contribuiu substancialmente para a aceitação das máquinas pelos comerciantes deste Estado.

O intitulado “Comendador” também é citado numa “carta” armazenada num dos disquetes apreendidos com o denunciado BACHS (Laudo nº 420/02, fls. 96/97, vol. IX do IPL nº 2002.36.00.002915-5). Nesse documento, o autor (o próprio Bachs), demonstra insatisfação com a Operação Caça-Níqueis em Maringá, e faz reivindicações anunciando propostas recebidas do “Comendador e Curitiba”.

Afirma a denúncia, após mencionar vários fatos e indícios, que o acusado JOÃO ARCANJO RIBEIRO “explora a Colibri Loterias há vários e longos anos”, possuindo uma Fazenda, denominada Colibri, com 8.263,3 há, no Município de Santo Antônio do Leverger/MT. Colibri é também o nome de um clube social, o Colibri Esporte Clube, fundado em 16.02.2002, tendo um seu irmão, Emídio Arcanjo Ribeiro, como presidente, os acusados Márcia Carla e Júlio Bachs, respectivamente, como vice-presidente e presidente do Conselho Fiscal.


Imputa a denúncia também o fato de o acusado JOÃO ARCANJO RIBEIRO, o J.A.R, fazer o “contrabando de componentes eletrônicos utilizados nas máquinas caça-níqueis e do jogo do bicho”, em face “das planilhas de controle de caixa apreendidas (IPL 2002.36.00.002915-5, vol. III, fls. 06, em especial na parte destinada aos gastos iniciais da empresa J.J. Games Ltda, da qual os denunciados Bachs e Márcia Carla são sócios”. Tendo sido apreendido um documento com a anotação que leva a crer que JOÃO ARCANJO teria contribuído com R$10.000,00, pois após anotação dessa importância constava a seguinte abreviatura: J.A.R

Sustenta a denúncia que (Apenso 1, fls. 18):

Resulta dos depoimentos dos comerciantes que os “locadores” que ofereciam os jogos faziam questão de ressaltar que as máquinas pertenciam ao denunciado Arcanjo (J.A.R), como forma de convencê-los e mantê-los seguros quanto à exploração do jogo.

E que (Apenso 1, fls. 19):

(…) o GRUPO JAR revelou-se tão poderoso que seu chefe, o COMENDADOR ARCANJO, não explorava diretamente os caça-níqueis, mas o fazia mediante concessões a terceiros, subordinados ao comando da organização criminosa, que por ter a exclusividade da jogatina no Estado, exigia o pagamento de taxas e selos que permitiam seus concessionários utilizarem o território mato-grossense, numa verdadeira privatização da própria Unidade Federada.

Consta, ainda, da denúncia que o território do Estado de Mato Grosso foi dividido em seis áreas para instalação e exploração das máquinas caça-níqueis, concedidas a várias pessoas, dizendo que (Apenso 1, fls. 20/22):

Dentre os mais importantes concessionários, destacavam-se e ainda se destacam as seguintes pessoas: MARLON MARCUS BAJA PEREIRA, e os Coronéis da Polícia Militar COSTA NETO e RAMALHO, estes três também denunciados nesta inicial, e os já mencionados Sargento JESUS e RIVELINO BRUNINI, sócios da Mundial Games, ambos vítimas de violentas execuções nas quais foram mortas mais outras 03 pessoas.

Além desses, as investigações policiais igualmente trouxeram fortes indícios das participações de outras pessoas na organização criminosa: GERALDO DE OLIVEIRA FONSECA, sócio gerente da “Divertroniks Diversões Ltda.”; ANTÔNIO FERNANDO DE JESUS PINA, procurador da Maxcote Diversões Ltda.; o próprio JÚLIO BACHS; e os funcionários do denunciado ARCANJO, tais como o chamado ZEZÉ DO ARCANJO, os seguranças EDINHO e JOÃO SANTANA (Policial Civil). Tudo conforme dão conta os mapas e documentos apreendidos ou armazenados nos disquetes e no disco rígido encontrados na casa do uruguaio BACHS.

Do computador do denunciado BACHS foi extraído um acordo no qual os concessionários das máquinas caça-níqueis se obrigavam a possuir os referidos selos identificadores, coloridos e numerados, em todas as máquinas e a explora-las nas áreas pré-determinadas, sob pena de recolhimento das máquinas, e sem direito a reclamações. (Vol. IX, fls. 133 do IPL 2002.36.00.002915-5). No final desse acordo há campos destinados às assinaturas de: MUNDIAL GAMES, A CARIOCA DIVERSÃO E DIVERTRONIKS, ZEZÉ, EDINHO, JOÃO S., PANTANAL DIVERSÕES, MAXCOTE DIVERSÕES E JJ GAMES LTDA..

De outro lado, da análise dos mapas e dos documentos apreendidos verifica-se que as áreas estavam definidas e distribuídas aos concessionários da seguinte forma (número estimado de máquinas):

a) — Área 01: Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Nsra. do Livramento, Poconé, Sto. Antonio de Leveger, Várzea Grande: Nº de Máq. Estimado: 1180 Concessionário: JESUS (PANTANAL GAMES (300), ZEZE (30), EDINHO(?), JOÃO SANTANA (30, JOSÉ CLÁUDIO FRANCES (30) E JULIO(50).

b) — Área 02: Alto Araguaia, Alto Garças, Campo Verde, Dom Aquino, Guiratinga, Itiquira, Jaciara, Juscimeira, Pedra Petra, Poxoréu, Primavera do Leste, Rondonópolis, São José do Povo; nº de Máq. Estimado: 200 Concessionário: MARLON.

c) — Área 03: Arenapólis, Barra do Bugres, Campo Novo do Parecis, Diamantino, Jangada, Nobres, Nortelandia, Nova OLÍMPIA, Rosário Oeste e Tangará da Serra; Nº de Máq. Estimado: 200 Concessionário: MARLON;

d) — Área 04: Araputanga, Cáceres, Comodoro, Jauru, Mirassol D’Oeste, Pontes e Lacerda, Porto Espiridião, São José dos 4 Marcos e Vila Bela Sant. Trindade; Nº de Máq. Estimado: 200 Concessionário: JESUSn

e) — Área 05: Alta Floresta, Aripuanã, Brasnorte, Carlinda, Cláudia, Colider, Colniza, Feliz Natal, Guarantã do Norte, Itauba, Juara, Juina, Juruena, Lucas do Rio Verde, Marcelnadia, Matupá, Nova Canaã, Nova Mutum, Novo Horiz. do Norte, Paraita, Peixoto de Azevedo, Porto dos Gaúchos, Santa Carmem, São José do Rio Claro, Sinop, Sorriso, Tabapora, Tapurah, Terra Nova do Norte, União do Sul e Vera; Nº de Máquinas Estimado: 350 Concessionário: MARLON


f) — Área a 06: Água Boa, Alto Boa Vista, Araguaína, Barra do Garças, Campinópolis, Canarana, Cocalinho, Confresa, General Carneiro, Nova Xavantina, Novo São Joaquim, Paranatinga, Ponte Branca, Querência, Ribeirão Cascaiheira, Ribeiraozinho, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, Torixoréu e Vila Rica; Nº de Máquinas Estimado: 100 Concessionário: CEL COSTA NETO

Afirma a denúncia que para controlar essas máquinas foi instituído um selo identificador de cores amarelo (área 1), verde (área 2), lilás (área 3), azul (4), marrom (área 5) e cinza (área 6), identificadores das seis áreas. O concessionário, mensalmente, diz a denúncia, pagava à organização R$200,00, pela exploração da máquina caça-níquel; R$150,00, pelos selos; e R$50,00, a título de arrendamento.

Segundo afirma a denúncia, o acusado Gonçalo de Oliveira Costa Neto era concessionário da área 6; Marcondes Tadeu de Araújo Ramalho, da área 1. Marlon Marcus Baja Pereira, sócio individual da A Carioca Diversões Eletrônicas, explorava 500 máquinas caça-níquies na área 1, 200, nas áreas 2 e 3 e 350, na 5. A Mundial Games Ltda explorava também a área 1, com 500 máquinas caça-níqueis.

1.2 Os crimes de homicídio, consumado e tentado (CP, art. 121, § 2º, I e IV, e art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 14, II

Também consta da denúncia que (Apenso 1, fls. 34/39):

Os negócios geridos pelo denunciado JOÃO ARCANJO, a despeito de todo o dinheiro e poder acumulado ao longo dos anos, nem sempre seguiram como melhor lhe convinha, tanto que um de seus principais colaboradores, o Sgt. PM JOSÉ JESUS DE FREITAS acabou executado, junto com dois de seus seguranças, na porta de sua residência, alvejado por diversos disparos de arma de fogo.

O Sgt. JESUS, como era conhecido, sempre esteve bem próximo do denunciado JOÃO ARCANJO, sendo, indubitavelmente, um dos braços armados da organização, responsável por parcela do serviço sujo do COMENDADOR, estando envolvido com homicídios, extorsão, corrupção e, nos últimos tempos, com a exploração de máquinas caça-níqueis, figurando, inclusive, por breve período, como sócio da vítima RIVELINO e, depois, de um grupo do Rio de Janeiro, momento em que começa a contrariar interesses do demandado ARCANJO, como já explicitado anteriormente, detentor do monopólio do jogo ilegal em Mato Grosso.

Algum tempo depois de desfazerem a sociedade, JESUS e a vítima RIVELINO desentenderam-se severamente, a ponto de trocarem ameaças de morte, prevalecendo, pela força, os interesses do primeiro que, naquelas alturas, valia-se do também denunciado LEPESTEUR, como acima afirmado Coronel PM reformado, para se apropriar de todas as máquinas que se encontravam em poder da vítima RIVELINO, inclusive, com o auxílio de Policiais Militares que faziam o serviço fardados.

Mesmo enfraquecido, seja pela ação dos subordinados do denunciado JOÃO ARCANJO, seja pela ação da Justiça Federal, que a pedido do Ministério Público Federal havia determinado a apreensão das máquinas caça-níqueis que explorava, a vítima RIVELINO continuou atuando no ramo de jogos de azar, afrontando, mais uma vez, os interesses da organização criminosa chefiada pelo denunciado ARCANJO, como ficou anteriormente assaz demonstrado nesta peça, pela transcrição de bilhetes e registro magnéticos apreendidos na residência do denunciado JÚLIO, onde se encontram descritos os problemas causados por RIVELINO à organização.

O comportamento da vítima RIVELINO motivou uma trama, engendrada pelos denunciados JÚLIO e LEPESTEUR, com as bênçãos de ARCANJO, para sua execução.

Nesse meio tempo, vale dizer, enquanto o denunciado JÚLIO era preso em flagrante pela polícia federal com componentes eletrônicos contrabandeados e arma de posse proibida, quem primeiro acabou morto foi o Sgt PM JESUS, executado juntamente com dois de seus seguranças.

Em face do seu envolvimento com a instalação e exploração de máquinas caça-níqueis, como acima afirmado, o Parquet Federal requereu, e Vossa Excelência deferiu, busca e apreensão das máquinas caça-níqueis que, segundo constava, encontravam-se na sede da Rádio Voz do Oeste, local onde a vítima RIVELINO trabalhava (processo nº 2001.36.00.009914-3, fls. 02/15, 17/20).

A busca e apreensão acima noticiada restou infrutífera, eis que nada foi encontrado no local de trabalho de RIVELINO (processo nº 2001.36.00.009914-3, fls 29). Conforme faz prova a petição do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (processo nº 2001.36.00.009914-3, fls. 111/113), foi requisitada a localização e notificação de RIVELINO, para que entregasse as máquinas que se encontravam sob sua guarda, bem assim para que fosse ouvido pela polícia federal.

Em não sendo encontrado, eis que desconsiderava os chamados da autoridade policial federal para prestar declarações, a vítima RIVELINO acabou tendo prisão preventiva decretada em seu desfavor pela Justiça Federal, de modo que o cerco se fechava em relação ás pessoas envolvidas com aquela atividade ilícita.

Sabedores da ordem judicial para a prisão da vítima RIVELINO, os denunciados ARCANJO, JÚLIO e LEPESTEUR decidiram levar adiante o plano para tirar a sua vida, o fazendo o mais rápido possível, vez que, em sendo preso pela polícia federal, certamente RIVELINO revelaria fatos que os envolveriam com o contrabando de componentes eletrônicos e exploração de máquinas caça-níqueis, pois fora arruinado financeiramente pela ação de membros da organização criminosa chefiada por ARCANJO. Ademais, matando RIVELINO, os denunciados estariam tirando de circulação pessoa que afrontava os interesses da organização.

Para dar cabo a tal empreitada criminosa, os denunciados JÚLIO e LEPESTEUR foram encarregados pelo demandado ARCANJO da contratação dos pistoleiros, tendo o segundo acionado o grupo do denunciado HÉRCULES, cabo da polícia militar de Mato Grosso e hoje notório matador de aluguel, para realizar o “trabalho”, por preço ignorado.

Assim é que o imputado HÉRCULES e seus comparsas, alguns ainda não identificados, passaram a seguir a vítima RIVELINO, buscando o melhor momento para matá-la, surgindo oportunidade no dia 06 de junho de 2002, por volta das 15:00 horas, quando ela se encontrava em uma oficina mecânica situada na avenida Rubens de Mendonça, nesta capital, onde, juntamente com a também vítima GISLENO FERNANDES, fora ao encontro do também mortalmente ofendido FAUZE RACHID JAUDY.

No momento em que as vítimas RIVELINO e FAUZE encontravam-se do lado de fora do veículo que utilizavam, que estava estacionado na entrada da oficina, tendo no seu interior o ofendido GISLENO, foram surpreendidas pelo denunciado HÉRCULES que, de surpresa, delas se aproximou em uma motocicleta e, utilizando-se de uma pistola 9mm, não apreendida, passou a desferir tiros primeiramente contra a vítima RIVELINO, atingindo-o com sete disparos, conforme demonstra o laudo pericial anexado ao inquérito policial instaurado pela policial judiciária civil para apurar os fatos, fls. 105 a 112 (cópia em anexo), e depois contra os ofendidos FAUZE e GISLENO, pelo simples fato de estarem na companhia do alvo RIVELINO e para que não se voltassem contra ele, ainda que como eventuais testemunhas do crime, acertando em cada uma delas um único tiro.

RIVELINO acabou morrendo no local em que foi alvejado, enquanto que os demais ofendidos foram levados para o pronto socorro, porém, FAUZE não resistiu ao ferimento sofrido e também morreu, conforme faz prova o laudo pericial de fls. 89 a 94 do supracitado inquérito policial civil, enquanto que GISLENO, por sorte, felizmente sobreviveu em virtude do pronto atendimento médico que recebeu.

Enquanto desferia tiros contra as vítimas RIVELINO, FAUZE e GISLENO, o demandado HÉRCULES contava com a cobertura do também denunciado CÉLIO, seu contumaz companheiro de pistolagem, e de outro indivíduo não identificado, permanecendo, ainda, nas imediações, os imputados JÚLIO e LEPESTEUR, cada um em seu veículo, posto que dariam apoio na fuga do executor, sendo certo que um deles recolheu o denunciado HÉRCULES, quando este repassou a motocicleta utilizada no crime para uma mulher encarregada de retirá-la das proximidades do evento, levando-o, em seguida, para a casa do demandado JÚLIO, no bairro Santa Rosa, nesta cidade, onde o pagamento foi realizado.

A existência do acordo para matar a vítima RIVELINO é confirmado pelas declarações prestadas pelas testemunhas RONALDO, SINÉZIO e JOACI, todas colhidas por agentes do Ministério Público Federal e/ou Ministério Público Estadual, e anexadas a presente denúncia.


2. A sentença

Em 20 de abril de 2004, o Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, César Augusto Bearsi, proferiu sentença, pronunciando todos os réus (Apenso 17, fls. 4.899. O dispositivo é o seguinte (Apenso 17, fls. 4.918):

— o réu João Arcanjo seria o chefe de uma organização criminosa que comanda o estado de Mato Grosso e tem no jogo do bicho sua atividade principal. Ele teria permitido o uso de seu território pelas pessoas que queriam explorar as máquinas caça-níqueis, cobrando um valor como uma espécie de selo;

— Júlio Bachs, com o auxílio de sua companheira Márcia, gerenciava a exploração das máquinas, dividindo o território de Mato Grosso em regiões que foram entregues para os “concessionários” Gonçalo, Marcondes e Marlon, entre outros;

— Frederico Lepesteur, a mando de Jesus (fls. 35 — uma a pessoa que originalmente explorava o negócio de caça-níqueis, até ser assassinada), teria tomado a força as máquinas caça-níqueis de um dos concessionários, que depois veio a ser assassinado (Rivelino) com sua participação;

— Luiz Dondo seria o contabilista (fls. 29) da empresa Mundial Games, uma das empresas envolvidas na exploração das máquinas e que tinha como titular uma das pessoas assassinadas (Rivelino);

— Em razão destas condutas, estariam os Réus em concurso (art. 29 do CP) utilizando bens que sabiam ser de procedência estrangeira (máquinas caça-níqueis contrabandeadas ou com componentes contrabandeados) no exercício de atividade comercial (exploração das máquinas em ponto de jogo), o que caracteriza o art. 334, § 1º, do CP;

— Por terem se aliado para pratica de tais atos por um número indeterminado de vezes e constituírem um grupo armado, teriam formado um quadrilha, nos termos do art. 288, parágrafo único, do CP. Considerando o tamanho e grau de organização, seriam ainda mais que uma quadrilha, constituiriam uma organização criminosa (Lei 9.034/95);

— Além destes fatos, foi imputada a João Arcanjo a posição de mandante em crime que teria sido coordenado por Lepesteur e Júlio Bachs, sendo executado por Hércules e Célio. Trata-se do homicídio de Rivelino Brunini uma das pessoas que originalmente explorou as máquinas caça-níqueis, mas que acabou se desentendendo com Júlio e desobedecendo ordens do réu João Arcanjo, pelo que foi eliminado. Ao executar este homicídio, foram também atingidas as pessoas de Fauze Rachid Jaudi, que acabou por falecer e de Gisleno Fernandes, que sobreviveu ao atentado. Por estes fatos foi imputada aos réus João, Lepesteur, Júlio, Hércules e Célio art. 121, § 2º, I e IV, do CP, por duas vezes na forma consumada e uma vez na forma tentada.

Diante do exposto, PRONUNCIO os réus (Apenso 17, fls. 4918):

— João Arcanjo Ribeiro, Hércules de Araújo Agostinho, Célio Alves de Souza, Frederico Carlos Lepesteur e Júlio Bachs Mayada como possivelmente incursos no art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 29 do CP (duas vezes na forma consumada e uma vez na forma tentada);

— João Arcanjo Ribeiro, Frederico Carlos Lepesteur, Júlio Bachs Mayada, Márcia Carpinski, Luiz Alberto Dondo Gonçalves, Marcondes Tadeu Araújo Ramalho, Gonçalo de Oliveira Costa Neto e Marlon Marcus Bafa Pereira como possivelmente incursos no art. 334, § 1º, “c”, c/c o art. 29 do CP;

— todos os Réus acima indicados como possivelmente incursos no art. 288, parágrafo único, do CP;

— a forma de concurso entre o art. 121 e o art. 334, considerando que se tratam de duas condutas delituosas diversas sem que uma tenha sido de qualquer modo continuidade de outra é, aparentemente, o concurso material (art. 69 do CP);

— os delitos aparentemente praticados por organização criminosa, pelo que se fazem presentes os ditames da Lei 9.034/95.

Nenhum fato novo ocorreu que modifique de qualquer modo a situação fática que permitiu a prisão preventiva de alguns Réus e a liberdade provisória de outros, pelo que mantenho as mesmas decisões já prolatadas integralmente.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se, prosseguindo-se nos termos do art. 423 e seguintes do CPP.

Resumiu a sentença, assim, a defesa dos acusados (fls. 4.901/4.902):

— Júlio e Márcia: argüiram cerceamento de defesa em razão de o MP não ter indiciado quais os elementos de autoria em que se baseou em suas alegações finais, tendo sido muito superficial na análise da prova e das condutas. Afirmou a inexistência de indícios de autoria em relação a Júlio no que tange à imputação de dois homicídios e uma tentativa de homicídio. Considerou não estarem configuradas a materialidade do contrabando, bem como faltar provas de autoria e materialidade em relação ao crime de quadrilha. Pediram a impronúncia;

— Marlon: argüiu inépcia da denúncia, que não teria descrito os fatos com precisão, em especial no que tange à participação de cada Réu nos delitos imputados. Negou a configuração dos tipos de contrabando e quadrilha. Em relação ao primeiro ressaltou que a importância e uso das máquinas foi legal e em relação ao segundo falou jamais ter se associado a qualquer empreitada criminosa;

— Lepesteur: argüição exceção de incompetência absoluta (sic) e inépcia da denúncia. Alegou não haverem provas de ter participado em qualquer dos delitos imputados na denúncia e, na hipótese de pronúncia, pediu para assistir o processo em liberdade;

— Hércules: considerando a confissão do Réu a Defesa manifestou que prefere deduzir sua tese apenas em plenário de Júri;

— Gonçalo: alegou não existirem provas de sua participação em qualquer delito;

— Marcondes: alegou não existirem provas de sua participação em qualquer delito e acrescentou que as máquinas de jogo que explorava eram fruto de aquisição legal e contrato de aluguel e não de contrabando;

— Luiz Dondo: argüiu litispendência com outros processos em que é acusado de formação de quadrilha com base nos mesmos fatos. Argüiu inépcia da denúncia. Requereu o desmembramento dos autos com remessa ao Juiz singular pela inexistência de imputação conta si de crime de homicídio, entendendo ainda não haver conexão entre os homicídios imputados na denúncia em relação a outros Réus e os delitos que lhe foram imputados. Afirmou não existir prova de materialidade do contrabando, nem de autoria e materialidade do delito de quadrilha. Pediu a revogação da prisão preventiva;

— João Arcanjo: pede a juntada aos autos de notas fiscais e outros documentos que se encontrariam em poder da Polícia Federal e a colheita de informações sobre investigação que fora determinada em ata de audiência. Argüiu a incompetência da Justiça Federal, a ilicitude da juntada de fita K-7 contendo gravação de conversas entre defensores do Réu e a esposa deste, bem como a litispendência em relação ao crime de quadrilha. No mérito alegou que a conduta imputada como contrabando seria na verdade atípica ou, por outro lado, haveria prova de importação legal das máquinas de jogo, sendo que não teria participado da exploração das mesmas. Sobre os homicídios afirmou não existir prova sólida sobre sua participação.

— Célio: argüiu a incompetência da Justiça Federal, a inépcia da denúncia e a nulidade do processo, esta última em razão de não ter sido intimado para a oitiva de testemunhas de defesa. No mérito alegou não ter participado dos crimes que lhe foram imputados.


2.1 A preliminar de nulidade da instrução pelo acusado Célio Alves de Souza

Rejeitou a sentença a preliminar de nulidade processual argüida pelo réu Célio Alves de Souza, de que não fora intimado para audiência de inquirição de algumas testemunhas, e, assim, houve cerceamento de defesa. Disse o ilustre magistrado que as testemunhas ouvidas “eram em sua maioria referenciais de conduta e de todo modo nenhuma delas falou nada sobre fatos que desfavorecessem esse acusado”, uma delas, acentua, falou, inclusive, em seu favor.

2.2 A requisição de documentos

Indeferiu o MM. Juiz a quo o pedido de requisição de documentos que estariam em poder da Polícia Federal, pois, assevera, todos os documentos apreendidos vieram para os autos

2.3 Pedido de informação sobre investigações

Indeferiu o Juiz a quo, também, o pedido de “informação sobre investigações determinadas em audiência, dizendo ser “inócuo e impertinente este requerimento tendo em vista a presente fase processual, na qual, como dito nas considerações iniciais, não se analisa com profundidade a prova. Por isso, irrelevante seria, para este momento, o resultado de qualquer investigação a respeito das testemunhas ou qualquer incidente sobre as mesmas”.

2.3 A alegação de litispendência pelos acusados Luiz Alberto Dondo Gonçalves e João Arcanjo Ribeiro

Não reconheceu o ilustre sentenciante a litispendência argüida pelo acusado Luiz Dondo, dizendo (Apenso 17, fls. 4.906):

O crime de quadrilha implica, nos termos do art. 288 do CP, na associação de três ou mais pessoas para o cometimento de crimes.

Cuida-se, portanto, da associação de três ou mais ESPECÍFICAS pessoas e não de uma união dos Réus com pessoas indeterminadas.

Seguindo esta trilha vejo que as pessoas que estariam associadas em quadrilha segundo a denúncia neste processo não são as mesmas que estariam associadas nos processos indicados como geradores da litispendência.

E mais, a quadrilha aqui denunciada, se existir, é destinada à exploração comercial de máquinas de jogo ilicitamente internadas no país, alvo que não se coaduna com a associação destes mesmos Réus com outras pessoas nos outros processos, que apuram crimes totalmente diversos.

Em outras palavras, só se poderá dizer que houve duplicidade na imputação do crime de quadrilha quando duas ou mais denúncias indicarem as mesmas pessoas associadas para o mesmo tipo de crimes, o que aqui não ocorre.

2.4 A alegação de inépcia da denúncia pelos acusados Luiz Alberto Dondo Gonçalves, Marlon Marcos Bafa Pereira, Célio Alves de Souza e Frederico Carlos Lepesteur

Rejeitou, a decisão monocrática também, a alegação de inépcia da denúncia, assim fundamentando a decisão (Apenso 17, fls. 4.906/4.907):

A denúncia formulada pelo MPF não é inepta em relação a qualquer dos Réus pois descreve a conduta de forma completa.

Narra que existe um esquema de exploração de máquinas de jogo importadas ilegalmente ou com componentes eletrônicos importados ilegalmente,indicando que o réu Arcanjo teria autorizado tal exploração, sendo o réu Júlio gerente da operação, com a ajuda de sua companheira Márcia, enquanto Marlon, Gonçalo e Marcondes seriam os responsáveis pela exploração de algumas áreas em que foi divido o Estado de Mato Grosso.

No que toca a Lepesteur, indica de forma sucinta sua participação na exploração das máquinas, ao dizer que ele teria ajudado o falecido Sargento Jesus a tomar algumas dessas máquinas de Rivelino, bem como teria tido participação no homicídio desta pessoa que foi motivado por esta mesma exploração.

Quanto a Luiz Dondo, sinaliza que ele cuidava da contabilidade de uma das empresas envolvidas na exploração ilegal do jogo, nitidamente querendo com isto dizer (apesar de não ter usado a melhor técnica de redação) que era ele quem fazia a contabilidade do esquema criminoso.

Hércules e Célio, a mando de Arcanjo e tendo sido contratados por intermédio de Júlio e de Lepesteur, teriam executado Rivelino, sendo atingidas outras pessoas que estavam com ele.

Em termos bastante resumidos esta é a acusação que se deduz cristalina da denúncia, sendo possível a partir dela exercer plenamente a defesa, o que todos os Réus fizeram, como se observa indiscutivelmente das dezenas de testemunhas que arrolaram e as bem alinhavadas alegações finais que apresentaram.

2.5 A competência e a conexão argüidas pelos acusados Luiz Alberto Dondo Gonçalves e Frederico Carlos Lepesteur

De referência à competência e à conexão, disse o ilustre Juiz a quo (Apenso 17, fls. 4.908):

A denúncia descreveu, entre outros fatos, condutas que definiu como exploração comercial de máquinas importadas ilegalmente ou com componentes importados ilegalmente, o que, em tese, constitui a conduta do art. 334, § 1º, “c”, do CP

.

Este delito é da competência da Justiça Federal, consoante o art. 109, IV, da Constituição da República, pois o controle da importação/exportação e o pagamento de eventuais tributos é competência exclusiva da União, presente seu interesse direto.

A denúncia também narra que em razão de Rivelino ter desobedecido ordens de Arcanjo e Júlio a respeito da exploração das máquinas, teria sido assassinado e mais, fala que essa pessoa só foi morta após ter sido decretada sua prisão, de modo a que não falasse o que sabia para polícia e em Juízo.

Matar alguém para que não testemunhe é cometer crime para assegurar a impunidade de outro crime, o que gera a conexão do art. 76, II, do CPP.

Além disso, se a discussão sobre a exploração das máquinas gerou o homicídio, é fácil concluir que temos no bojo da prova a respeito do art. 334, 1º, do CP, a prova sobre o motivo do crime de homicídio, o que gera a conexão do art. 76, III, do CPP.

Unidos os homicídios e o contrabando desta forma, resta saber a quem cabe julgar os crimes.

A resposta é óbvia, pois a competência da Justiça Federal é especial em relação à competência geral e residual, além de der estabelecida na Constituição da República, pelo que não poderia jamais ser absorvida ou declinada para o Júri Estadual.

Deve prevalecer a competência federal para julgamento dos crimes conexos, nos termos da Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça Estadual, além de ser estabelecida na Constituição da República, pelo que não poderia jamais ser absorvida ou declinada para o Júri Estadual.

Deve prevalecer a competência federal para julgamento dos crimes conexos, nos termos da Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça e, dentro da Justiça Federal, leva-se todos os crimes conexos para o Júri Federal, nos termos do art. 78, I, do CPP.

Como se discorrerá na parte de mérito, a narrativa da denúncia, usada para estabelecer a conexão, é plausível, apesar de não ser a única versão dos fatos que consta dos autos.


2.6 A alegação de utilização de prova ilícita pelo acusado João Arcanjo Ribeiro

Alega o acusado João Arcanjo Ribeiro que foi utilizada gravação (fita K–7) de uma conversação entre sua esposa, seu defensor e outras pessoas.

O MM. Juiz a quo admitiu a prova, dizendo (Apenso 17, fls. 4.909):

Não existe qualquer norma expressa que torne proibida a gravação de uma conversa, desde que feita por uma das partes na conversa. Só há invasão da intimidade e vida privada ou, neste caso, do relacionamento advogado cliente, quando um terceiro, mormente a autoridade policial, intercepta a conversa (interceptação telefônica ou interceptação ambiental), o que não ocorreu. Foi uma das participantes na conversa que dentro de sua liberdade e visando resguardar a respeito da correta atuação profissional dos advogados resolveu gravar as conversas, não havendo norma que a impedisse de agir assim,. Quando a fita foi apreendida, tratava-se de uma busca e apreensão, que como toda medida desta natureza, procura encontrar não os elementos específicos pelos quais tenha sido determinada, mas também todo e qualquer elemento de convicção sobre a infração e sua autoria. Sobre este prisma, a fita foi encontrada por acaso e apreendida como qualquer outro documento ou objeto poderia sê-lo e não há aí qualquer invasão de intimidade ou vida privada. Além disso, a fita não traz provas diretas a respeito de quaisquer fatos narrados na denúncia pelo que nem será considerada nesta sentença. Seu conteúdo se presta apenas a colocar em dúvida a veracidade de alguns testemunhos e interrogatórios, mas este tipo de análise, como já dito acima, é dado apenas ao próprio Júri (destaquei).

2.7 Cerceamento de defesa alegado pelos acusados Júlio Bachs Mayada e Márcia Carla Capinsk

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Afirmam os acusados Júlio Bachs Mayada e Márcia Carla Capinsk cerceamento de defesa em face de o Ministério Público não ter indicado quais os elementos de autoria em que se baseou para produzir suas alegações finais.

Rejeitou o ilustre sentenciante a alegação, sob a seguinte fundamentação (Apenso 17, fls. 4.909):

Os réus se defendem da imputação feita na denúncia, tendo em vista a prova colhida, não havendo qualquer prejuízo à Defesa na apresentação de alegações finais do MP sejam deficientes ou lacônicas.

2.8 O mérito

2.8.1 A materialidade dos crimes imputados aos acusados

Dois homicídios qualificados e um tentado

De referência aos homicídios, disse o douto sentenciante (Apenso 17, fls. 4.910):

Há nos autos do inquérito policial que tramitou inicialmente perante a polícia civil laudos periciais demonstrando que a morte de Rivelino Brunini e Fauze Rachid Jaudi se deram em virtude de disparos efetuados por arma de fogo.

Consta também laudo de exame em Gisleno Fernandes, apontando as lesões corporais que sofreu, também por disparo de arma de fogo.

Esta vítima sobreviveu e narrou em juízo como foi o ataque à vida de Rivelino, Fauze e dele próprio.

A defesa em nenhum momento colocou em dúvida estes fatos.

Hércules, apesar de ter apontado outro mandante que não aquele indicado na denúncia, confessou ter cometido o delito mediante paga, o que foi corroborado pela testemunha Joacy, por Ronaldo e Sinézio. Com isso tem-se por presente a qualificadora do inciso I do § 2º do art. 121 do Código Penal.

A narrativa das testemunhas que estavam na oficina mecânica em frente a qual as vítimas foram alvejadas é no sentido de que estas últimas foram colhidas de surpresa, em ataque rápido e fulminante, que não deu a menor chance de reação ou defesa, o que aponta a possível presença da qualificadora do art. 121, § 2º, IV, do CP.

2.8.1.2 O crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º, c)

A respeito desse crime, assim se manifestou o MM. Juiz a quo (Apenso 17, fls. 4.910/4.911):

A exploração de máquinas eletrônicas que tenham sido importadas ilegalmente ou cujos componentes sejam importados ilegalmente, mediante sua colocação à disposição dos públicos em bares, lanchonetes e outros estabelecimentos comerciais congêneres constitui, em tese, o delito do art. 334, § 1º do Código Penal, considerando que:

– basta utilizar de qualquer forma o produto importado ilegalmente, desde que no exercício do comércio ou indústria;

– as máquinas eram colocadas em bares e lanchonetes atraindo clientes para tais estabelecimentos. O uso das máquinas só era possível comprando-se fichas que as acionam. Tanto a atração de clientes para bares e lanchonetes quanto a venda das fichas para utilização das máquinas constitui-se em atividade comercial;

– para configuração do delito é possível simplesmente permitir que outro de qualquer forma se utilize do bem em atividade comercial e quem entregou as máquinas aos comerciantes donos de bares e lanchonetes, justamente permitiu que estes, no exercício de sua atividade tipicamente comercial, usassem as máquinas, inclusive auferindo parte dos lucros.

No mais, vejo nos autos da busca que iniciou a operação policial que foram apreendidas várias máquinas eletrônicas destinadas a jogo, sendo feito laudo pericial que determinou que todos os componentes importantes de tais aparelhos eram importados, não havendo documentos que demonstrassem a internação legal de tais bens em território nacional.

Alguns dos réus trouxeram durante a instrução documentos que dizem provar a internação legal das máquinas, bem como contratos de aluguel/arrendamento das mesmas, considerando, por isso, lícita sua exploração.

Porém, os documentos trazidos não apontam com precisão a que máquinas ou componentes de máquinas especificamente se referem, não permitindo conclusão segura a respeito de todas as máquinas especificamente se referem, não permitindo conclusão segura a respeito de todas as máquinas apreendidas serem de importação regular.

Além disso, a quantidade de máquinas apreendidas durante a operação policial parece superar o número de máquinas e componentes indicados pelos documentos trazidos pelos vários réus.

Por fim, alguns dos réus falam que estavam amparados por decisões judiciais e por laudo técnicos, ambos asseverando a legalidade da exploração das máquinas, entretanto, as testemunhas Joacy e Raquel Brunini afirmam que houve corrupção por parte dos responsáveis por tais decisões e laudos, o que coloca em cheque sua validade.

Se tais testemunhos forem verdadeiros, isto não só confirma a ilegalidade da internação, como aponta o elemento subjetivo consistente na consciência que os réus tinham sobre a procedência estrangeira ilícita. Do contrário, não teriam motivo para corromper juízes e outras autoridades (se é que isto aconteceu).

Com este quadro, neste momento, só o que se pode dizer é que não há prova suficiente para concluir contra ou a favor da ocorrência efetiva da importação ilegal das máquinas ou de seus componentes eletrônicos, dúvida que favorece à acusação (…)


2.8.1.3 O crime de quadrilha (CP art. 288, parágrafo único)

Também admitiu o Juiz a quo a ocorrência desse crime para ser apreciado pelo Tribunal do Júri, sob o seguinte fundamento (Apenso 17, fls. 4.913/4.914):

É plausível a existência da quadrilha na forma explicada na denúncia, pois além do que já disse nos itens I.I e I.II supra:

as testemunhas Joacy e Raquel falam em longos depoimentos prestados em Juízos da união de vários dos Réus, apesar de não mencionar o nome de todos, com o objetivo de explorar as máquinas eletrônicas;

a testemunha Paulo Batista fala em Juízo que ele e seus sócios queriam explorar as máquinas em Mato Grosso, mas precisariam da anuência do réu João Arcanjo e a obtiveram, por meio do réu Marcondes;

na casa de Júlio foram apreendidos documentos que revelam a existência de um mapeamento e divisão do Estado de Mato Grosso por áreas, sendo então divididas as funções ente cada “concessionário” do Grupo JAR para que as explorasse;

é plausível que JAR signifique João Arcanjo Ribeiro.

Isto basta neste momento processual para ter como plausível a tese de que os réus se associaram para explorar as máquinas eletrônicas por um número indiscriminado de vezes e tempo indeterminado.

Com vários dos réus foram apreendidos armas de fogo, que deram origem à denuncias processadas em autos conexos e que se encontram em apenso. Disto e dos próprios homicídios ocorridos se extrai ser também plausível que a quadrilha era armada, o que chama a qualificadora do parágrafo único do art. 288 do CP.

2.8.2 A autoria dos crimes

Examinou o MM. Juiz a quo a autoria dos crimes pelos dez acusados, dessa maneira (Apenso 17, fls. 4.914/4.917):

II.I — João Arcanjo:

Francisco, ouvido em Juízo, disse que Fauze, uma das vítimas, se apresentava em seu comércio, oferecendo máquinas eletrônicas e se identificando como funcionário de Arcanjo.

Joacy e Raquel apontaram que o controle da exploração das máquinas e a posição de mandante no homicídio era de João Arcanjo.

Paulo Batista afirmou que só poderia explorar as máquinas em Mato Grosso com autorização de Arcanjo.

Sinézio apontou Arcanjo como mandante do homicídio contra Rivelino.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de ser Arcanjo o chefe da quadrilha que explorava as máquinas e o mandante do homicídio, hipótese que melhor será analisada pelo Júri.

II.II — Lepesteur:

A ré Márcia aponta a ligação de Lepesteur com Júlio Bachs, a ponto de acompanhar este em viagens ao interior do Estado, nas quais Júlio tratava sobre o negócio de exploração das máquinas. O réu Marlon confirma uma destas viagens, em que atendeu Júlio e viu Lepesteur no carro.

Joacy diz que Lepesteur fazia a segurança do negócio de exploração de máquinas.

Ronaldo e Sinézio apontam a participação desse réu na contratação de Hércules para cometer o homicídio.

Raquel, Jorge Luiz, Sandro e Rutemberg testemunharam em Juízo a respeito de um episódio ocorrido no local de funcionamento de uma das empresas que exploravam as máquinas eletrônicas. Neste episódio Lepesteur, a mando de alguém, teria impedido a entrada de Rivelino na empresa, situação que permaneceu até que fosse feito um acordo entre Rivelino e as pessoas para as quais Lepesteur estava trabalhando.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que Lepesteur participava (art. 29 do Código Penal) na exploração das máquinas e participou também no homicídio, o que melhor será analisado pelo Júri.

II.III — Júlio Bachs:

Foram apreendidas em seu poder diversas máquinas.

Foram apreendidas em seu poder agendas e planilhas que sugerem ser ele o organizador da exploração das máquinas, como administrador ou gerente do GRUPO JAR.

Ronaldo e Sinézio apontam a participação deste réu no homicídio.

Raquel narra as desavenças de Júlio com Rivelino, uma das vítimas.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que este réu participava (art. 29 do Código Penal) na exploração das máquinas e participou também no homicídio, o que melhor será analisado pelo Júri.

II.IV — Hércules:

Confessou ter praticado os dois homicídios e a tentativa de homicídio, o que foi corroborado pela vítima sobrevivente e pelos testemunhos de Sinézio e Joacy.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que ele participou no homicídio,o que melhor será analisado pelo Júri.

II.V — Célio:

As testemunhas Joacy, Sinézio e Paulo César apontam sua participação no crime de homicídio, como executor ao lado de Hércules.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação.

II.VI — Luiz Dondo:

Confirmou em Juízo sua posição como contador do réu Arcanjo já há muitos anos, apesar de negar a participação nos fatos narrados na denúncia.

O documento juntado as fls. 3369 pelo MPF, um fax endereçado ao escritório do réu, aponta sua possível participação na exploração das máquinas eletrônicas, pois em tal documento um terceiro se reporta a ele esclarecendo que a operação DF está bem e o negócio está dando lucro apesar de alguns problemas. Pede o envio de alguém de confiança do chefe para verificar a operação. O texto do documento sugere uma posição gerencial importante do réu na exploração de máquinas que até ultrapassa o Estado de Mato Grosso.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que Luiz Dondo participava (art. 29 do Código Penal) na exploração das máquinas, como responsável ou um dos responsáveis pelo controle financeiro da operação, o que melhor será analisado pelo Júri.

II.VII — Marcondes:

Foi apreendida uma folha de cheque de sua emissão em poder de Júlio, apesar de o réu alegar que se trata apenas do pagamento pelo conserto de máquinas eletrônicas.

Paulo Batista, ouvido em juízo, fala que foi por intermédio deste réu que ele e seu grupo obtiveram autorização de Arcanjo para atuar na exploração de máquinas eletrônicas neste Estado.

Algumas máquinas eletrônicas foram apreendidas em seu poder e seu nome constava do plano de distribuição de áreas de exploração feito por Júlio Bachs.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que Marcondes participava (art. 29 do Código Penal)na exploração das máquinas, como responsável por esta exploração em uma das regiões em que a quadrilha dividiu o Estado de MT, o que melhor será analisado pelo júri.

II.VIII — Gonçalo:

Alguns comerciantes assinaram autos de apreensão onde era indicado o nome desse réu como dono de algumas máquinas apreendidas. Em juízo mudaram sua versão dizendo nem ter lido o documento que assinaram, asseverando não conhecer o réu.

Não cabe ao juiz da pronúncia escolher qual destas versões é verdadeira, até porque contra o réu pesa o fato de seu nome constar na planilha de distribuição de áreas de exploração feita por Júlio Bachs.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que Gonçalo participava (art. 29 do Código Penal) na exploração das máquinas, como responsável por esta exploração em uma das regiões em que Júlio dividiu o Estado de MT, o que melhor será analisado pelo júri.

II.IX — Marlon:

Algumas máquinas foram apreendidas em seu poder.

Seu nome consta da planilha de exploração das máquinas dividindo-se o

Estado em regiões, elaborada pelo réu Júlio.

Ele próprio confirmou explorar as máquinas, apesar de negar ser ligado à quadrilha descrita na denúncia.

É o que basta neste momento processual para dizer que é plausível a acusação de que Marlon participava (art. 29 do Código Penal) na exploração das máquinas, como responsável por tal exploração em algumas das áreas em que foi dividido o Estado de MT, o que melhor será analisado pelo júri.

II.X — Márcia Carpinski:

Plínio, Joilson e Emerson, ex-empregados da empresa dos réus Júlio e Márcia, por meio da qual exploravam máquinas eletrônicas, confirmaram que ela efetivamente participava da administração e praticava algumas atividades materiais relativas à exploração das máquinas.

É o que basta para ter por plausível a participação desta ré no art. 334, § 1º, do Código Penal.


2.8.3. A organização criminosa prevista na Lei 9.034, de 1995

Baseando-se na lição de Marcelo Batlouni Mendroni, (in Crime organizado, aspectos gerais e mecanismos legais, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002), que aponta quais os elementos necessários para a caracterização da organização criminosa, uma vez que a Lei 9.034, de 1995, não define o que seria esse crime, conclui o MM. Juiz a quo que “estão aparentemente presentes, portanto, os elementos que servem para identificar uma organização criminosa, pelo que” considerou “plausível esta afirmação na denúncia” (Apenso 17, fls. 4.917/4.918).

2.9 Embargos de declaração opostos pelo réu João Arcanjo Ribeiro

O réu João Arcanjo Ribeiro opôs embargos de declaração por entender que houve erro da decisão, por “tratar o crime de quadrilha de forma diversa da que o legislador o gizou no Código Penal, de sorte, a restabelecendo a circunstância aviltada (data venia), seja reconhecida a litispendência, uma vez que o cidadão João Arcanjo Ribeiro já fora condenado por esta incidência penal nos autos 2003.36.00.008505-4, trâmite pela 1ª Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso” (Apenso 18, fls. 4.963/4.965).

Os embargos foram rejeitados com a seguinte decisão (Apenso 18, fls. 4.967):

A tese trazida em embargos não corporifica omissão, contradição, ambigüidade ou obscuridade, previstos no art. 382 do CPP, mas matéria a ser explorada em regular recurso ao TRF/1ª Região, pois se trata de revisão do que foi julgado.

Embargos não se prestam para discutir o acerto de teses usadas na sentença, qualquer vício de julgamento que o Embargante pense que tenha ocorrido, deve ser levado ao próximo grau de julgamento.

2.10 O crime previsto no art. 10 da Lei 9.437, de 20.02.1997 (porte de arma sem a devida autorização)

2.10.1 Autos n. 2003.36.00.006923-8, réus FREDERICO CARLOS LEPESTEUR e ELIAS PEREIRA PLIMO

No mesmo dia 20 de abril de 2004, o MM. Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso, César Augusto Bearsi, nos autos n. 2003.36.00.006923-8, em que foram denunciados, como incursos no art. 10 da Lei 9.437, de 1997, FREDERICO CARLOS LEPESTEUR e ELIAS PEREIRA PLIMO, reconhecendo “a conexão com o processo que segue o rito do Júri”, pronunciou esses dois acusados, e para tanto considerou que (Apenso 18, fls. 4.921/4.924):

os réus foram colhidos na posse de duas armas de fogo sem apresentar no momento qualquer documento que justificasse o registro ou a posse;

– durante a instrução penal não foi apresentado nenhum documento que apontasse a aquisição legal das armas, muito menos o registro de qualquer delas em nome de um dos réus, sendo certo que o registro é necessário mesmo para manter a arma dentro de casa;

– a alegação do réu Lepesteur de que o porte era legal por ser oficial PM é inócua, pois não existe porte legal de arma ilegal. Como dito acima não existe nos autos documentos que comprovem o registro ou a legalidade de aquisição das armas e, por isso, nem o réu Lepesteur nem ninguém poderia portá-las;

– a alegação do réu Elias de que pensava estar agindo correto e de que nunca tirou a arma de dentro da residência do réu Lepesteur exige exame aprofundado da prova testemunhal colhida,que só pode ser feito pelo Júri. Neste ano basta dizer que ele foi preso em flagrante estando de posse de uma arma sem registro e sem porte.

2.10.2 Autos n. 2003.36.00.006884-6, réu MARCONDES TADEU DE ARAÚJO RAMALHO

Também no dia 20 de abril de 2004, nos autos n. 2003.36.00.006884-6, em que é acusado por violação ao art. 10 da Lei 9.437, de 1997, MARCONDES TADEU DE ARAÚJO RAMALHO, igualmente reconhecendo “a conexão com o processo que segue o rito do Júri”, o pronunciou, considerando que (Apenso 18, fls. 4.925/4.926):

– o réu foi colhido na posse de duas armas de fogo sem apresentar no momento qualquer documento que justificasse o registro ou a posse;

– em Juízo o réu apresentou documento sobre o registro, entretanto nenhum documento indica o nome dele ou de qualquer forma justifica o fato de as armas estarem em seu poder. Segundo tais documentos uma das armas é da PM e não foi juntado qualquer documento que mostre a entrega legal da arma para o réu. A outra arma, segundo os mesmos documentos, foi adquirida por outro PM e não há nos autos documento que aponte qualquer negócio jurídico ou ato jurídico lícito de transferência da arma para o réu. Isto configura a falta de registro das armas no nome do réu;

– o direito de porte de arma para policiais militares, regulado na época da apreensão pelo art. 27 da então vigente Lei 9.437/97 c/c o Decreto Estadual — MT 387/99, implicava na emissão de uma licença pela autoridade competente, conforme a própria defesa aponta as fls. 103, entretanto o réu não apresentou nenhum documento neste sentido, muito menos tinha em seu poder no momento da apreensão a referida licença;

– a alegação do réu de que pensava estar agindo corretamente é duvidosa, pois ele era oficial PM e daí se deduz que ele conhecia bem a legislação sobre armas, como era seu dever. De toda sorte, no procedimento do Júri cabe apenas a este dirimir dúvidas.


3. Os recursos em sentido estrito

Inconformados, recorrem os réus JOÃO ARCANJO RIBEIRO (1), LUIZ ALBERTO DONDO GONÇALVES (2), GONÇALO DE OLIVEIRA COSTA NETO (3), CÉLIO ALVES DE SOUZA (4), MARLON MARCUS BAFA PEREIRA (5), MÁRCIA CARLA CARPINSKI (6) e FREDERICO CARLOS LEPESTEUR (7).

Os recursos foram recebidos (v. despacho de fls. 2 dos autos principais).

3.1 Recurso de Célio Alves de Souza (fls. 10/17)

Alega o recorrente que a Justiça Federal não é competente “para julgar pelo menos os crimes que o réu Célio está denunciado, pois pela sua natureza esta competência é da Justiça Estadual”.

Sustenta a inépcia da denúncia pois esta não descreve sua conduta, “nem ao menos cita de que forma teria sido sua participação nos homicídios em questão”.

Volta a repetir que a instrução criminal deve ser declarada nula, pois não foi intimado para “a oitiva de nenhuma testemunha de defesa, e diga-se de passagem [afirma] que alguma, como o Delegado de Polícia Civil Dr. Luciano Inácio da Silva, lhe seria de suma importância, já que esta declarou não ter encontrado nada contra Célio, no sentido de participação dos homicídios”.

No mérito, afirma que não há prova de que tenha participado dos homicídios. Diz que (fls. 16):

Chegou ao nosso através de uma mensagem eletrônica que um procurador fã de holofotes e se converteu em um dos mais combativos e polêmicos desta geração que ingressou no MP nos últimos anos, escreveu para seus colegas e título de sugestão:- “joguem a coisa na imprensa, que depois os juízes não terão coragem de negar a preventiva”. Porque os promotores estudam tanto para passar no concurso e quando chegam ao cargo, delegam sua função à imprensa???

Ao réu Célio, não cabe demonstrar sua inocência, mas sim ao Ministério Público Federal, cabe provar a sua participação nos crimes em questão, o que não o fez. Por sua vez o réu Célio, com os testemunhos até da própria vítima Gisleno, comprovou que não participou de forma nenhuma nestes ilícitos penais, pois se tivesse este qualquer indício de participação no caso, estaria sendo acusado pelo Delegado que presidiu o inquérito, mas este declarou que não viu nada em relação a Célio neste caso, inclusive afirmado categoricamente “ que nada pode provar contra o réu Célio e mais que de todos os homicídios que investigou relacionada a este, nada provou contra Célio, salvo no caso do Sargento Jesus.

3.2 Recurso de Márcia Carla Carpinski (fls. 30/38)

3.2.1. O crime de descaminho

Observa a recorrente que o crime que se lhe imputa não é de contrabando, e sim de descaminho, art. 334, § 1º, letra c, do Código Penal; e que todo processo “originou-se a partir da apreensão de 52 (cinqüenta e duas) máquinas ditas caça-níqueis na residência do esposo da recorrente. Pede para atentar-se que “em nenhum momento foi dito qual a conduta praticada pela recorrente”.

Esclarece que (fls. 35):

(…) o depoimento do Sr. Ruy César Alves, perito da Polícia Federal, onde este informa que não foi realizada qualquer diligência no sentido de se verificar a legalidade ou não da importação dos referidos componentes eletrônicos. Foi além e afirmou que fez a avaliação dos componentes por meio de comparação com similares nacionais. Exa., se existe no Brasil a fabricação de componentes eletrônicos similares aos que foram encontrados nas máquinas, é de conclusão lógica que a sua importação não poderia ser ilegal.

De sua sorte, o simples fato de que alguns componentes traziam a inscrição “made in Taiwan” não induz a conclusão de que foram contrabandeados. Basta observarmos a bateria de qualquer celular e lá estará esta inscrição ou “made in China”. Portanto, tal circunstância não é excepcional e sim regra. Ainda mais quando a Receita Federal diz que os componentes foram importados licitamente.

Efetivamente o Parquet Federal não conseguiu provar o contrabando e, por conseguinte, não se sustenta à imputação de que a recorrente mantinha em depósito (as máquinas estavam em sua casa) produtos contrabandeados e os explorava comercialmente.

Desse modo, dado a autonomia dos delitos ora apurados e a não ligação probatória entre eles, torna-se inevitável que a recorrente seja impronunciada pelo crime de contrabando, por estar mais do que demonstrado que todas as máquinas que foram apreendidas na sua residência estavam com a documentação regular e atestada pela Secretaria da Receita Federal que, em última instância é o órgão competente para dizer o que pode ou não ser importado.

3.2.2 O crime de quadrilha

Sustenta que (fls. 36):

(…) a união de pessoas para a prática de um crime determinado não passa de mero concurso de agentes, não se configurando a formação de quadrilha. A bem da verdade, mesmo que o companheiro da recorrente e não ela, tenha se associado a alguém, o fez com o fito de explorar as mencionadas máquinas caça-níqueis conforme restou demonstrado em todo o processado. Assim, quando muito, quando muito mesmo e apenas para argumentar, os atos do companheiro da recorrente caracterizariam associação para exploração de jogo de azar descrito no artigo 50 do Decreto-lei nº 3.688 de 3/10/41.


Diz que não restou comprovada sua atuação na alegada organização criminosa, dizendo (fls. 37):

(…) imperioso frisar que toda a participação da recorrente na suposta quadrilha resume-se a depoimentos prestados por ex-funcionários de seu companheiro, como mencionado na sentença de pronúncia. Os quais afirmaram que a recorrente participava da administração e de atos materiais (concerto de algumas máquinas) do negócio. É cediço que a esposa deve o quanto puder auxiliar seu marido, principalmente quando entende que os atos ali praticados são lícitos. E não se venha dizer que a recorrente tinha certeza da ilegalidade do negócio, pois, até nos dias de hoje não se sabe se está ou não proibida a exploração das referidas máquinas, vez que a Medida Provisória, só neste ano baixada pelo Governo Federal proibindo a exploração de Bingos e caça-níqueis, foi arquivada no Senado Federal.

Sabe-se muito bem que esposas de traficantes que escondem drogas para evitar a prisão de seus maridos são comumente absolvidas, em razão de não terem obrigação legal de denunciar o companheiro. Mutatis mutandi é o caso dos autos.

3.3 Recurso de Frederico Carlos Lepesteur (fls. 39/57)

3.3.1 Os crimes de homicídio

Diz o recorrente que a sentença, “sem nenhuma lógica, acolhe a denúncia para pronunciar o recorrente ‘como possivelmente incurso nas penas do art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 29 do CP”.

Afirma que não há indícios firmes para pronunciá-lo, e que “não pode haver pronúncia em havendo dúvidas (art. 409, do CPP)”, sustentando que (fls. 48):

Para o crime noticiado na pronúncia, em nada contribuiu o recorrente, nem por ação, nem por omissão. Não planificou; não organizou; não mediou, e nem tão pouco executou qualquer conduta típica para a realização do evento tido como criminoso, visto ser ele, verdadeiramente inocente da acusação irrogada pelo órgão acusador.

3.3.2 O crime de descaminho

Sustenta a inexistência do crime de descaminho, e, portanto, a incompetência para a hipótese dos autos da Justiça Federal. Diz que (fls. 55/56):

Não obstante o amparo judicial que garantiu a instalação de várias máquinas de caça-níqueis no Estado, o que por si só, já admite a figura do erro, a denúncia, em relação ao acusado, registra também, o cometimento do crime previsto no artigo 334, § 1º, letra ‘c’, que requer, além do dolo direto, seja o crime praticado no exercício de atividade comercial ou industrial, sendo que a respeito a sentença de pronúncia silencia-se em relação ao acusado Lepesteur, deixando, inclusive, de incluí-lo no rol dos concessionários, sendo apenas lembrado, no particular, no tópico reservado aos comentários da morte de Rivelino.

Observada a objetividade do tipo (art. 334, § 1º, “c” CP) e os rigores para a sua efetiva comprovação, a única conclusão que se pode chegar, é que o acusado Lepesteur, em nada contribuiu para a prática dos crimes noticiados na exordial, nem por ação, nem por omissão. Não planificou; não organizou; não mediou, e nem tão pouco executou qualquer conduta típica para a realização dos eventos, tidos como criminosos, principalmente o de contrabando, que vem alicerçando, ao que consta, a competência da Justiça Federal para julgá-lo pela prática dos crimes de associação criminosa e homicídio.

Se a própria denúncia fala em operação deflagrada no dia 12.04.02, para efetivação de buscas e apreensões de máquinas caça-níqueis, que nada se relaciona com o acusado Lepesteur, então não há suporte legal para vincular tais ilícitos, através dos institutos que regulam a competência com os crimes de homicídios que aconteceram no dia 05.06.02.

3.4 Recurso de Luiz Alberto Dondo Gonçalves (fls. 59/71)

Alega o recorrente inexistir conexão dos crimes a si imputados com os crimes de homicídio atribuídos a outros réus, afirmando que “não há qualquer justificativa para que o acusado seja julgado pelo E. Tribunal do Júri Popular, eis que os crimes a ele atribuídos não guardam qualquer conexão com os crimes de homicídio”. Os crimes de homicídios [afirma] “foram praticados por outra motivação, não se compreendendo falar-se em conexão com crime de homicídio”, não sendo caso de aplicar-se o disposto no art. 76 do CPP.

Sustenta, também, que ocorre, em relação ao crime de quadrilha, a litispendência, dizendo (fls. 65):

Equivocada, portanto, a sentença de pronúncia no que tange ao não conhecimento da litispendência. Se realmente a quadrilha foi constituída, foi formada para a prática de vários crimes ainda que outras pessoas tenham funções voltadas apenas para uma dos tipos penais praticados pela organização.

Lógico dizer que os componentes de eventual quadrilha não responderão pelo crime do artigo 288 do Código Penal para cada tipo de crime que a quadrilha praticar. É que o crime de quadrilha é único e não se forma uma quadrilha para cada crime.


Observa que a própria acusação diz que “todos participavam da mesma organização criminosa, na exploração de máquinas caça-níqueis, jogo do bicho, contrabando, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, capitaneada por Arcanjo” (fls. 65).

E que, assim, já foi condenado por crimes de quadrilha em outros processos.

Volta a insistir na inépcia da denúncia.

De referência ao crime de contrabando, diz (fls. 69):

Quanto ao crime de contrabando, a simples existência de um fax (fls. 3.369), por si só, não indica qualquer participação do acusado no crime de contrabando, eis que o recorrente, como contador, jamais fez internação dos componentes eletrônicos contidos nas máquinas apreendidas e nem tão pouco as utilizou em atividade econômica. Da mesma forma, inexiste nos autos indícios suficientes de que o recorrente utilizava máquinas caça-níqueis em atividade comercial.

3.5 Recurso de Gonçalo de Oliveira Costa Neto (fls. 73/92)

Afirma o recorrente que (fls. 74/75):

As provas produzidas nos autos, não comprovam os fatos denunciados nem mencionados nas alegações finais de fls. 4665/4678 dos autos, visto que todas as testemunhas ouvidas não confirmaram a participação do recorrente Gonçalo Costa Neto nos delitos denunciados, ou seja, na exploração de máquinas caça-níqueis e quadrilha — organização criminosa. Sendo que dos demais acusados, o recorrente Costa Neto apenas conhece os acusados Lepesteur e Marcondes Ramalho, que foram seus subordinados na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

As testemunhas ouvidas e arroladas pela acusação, especialmente as constantes dos autos de apreensão de fls. 223, 224 e 225 — ouvidas via Carta Precatória na Comarca de Canarana — MT fls. 1959 a 1966 dos autos, afirmaram que não conhecem o recorrente Costa Neto, sendo que foi outra pessoa quem deixou as máquinas caça-níqueis com as mesmas.

As testemunhas ouvidas na cidade de Barra do Garças, também negaram qualquer envolvimento do recorrente Costa Neto com a exploração de caça-níqueis, afirmando que o mesmo é uma pessoa honesta, trabalhadora — exercendo atividade lícita. Também não ficou provado qualquer pagamento feito pelo recorrente Costa Neto ao acusado Júlio, a título de pagamento pela exploração do jogo ou a qualquer título, muito embora o recorrente Costa Neto tenha juntado aos autos, extratos de sua conta corrente.

Diz que (fls 83):

Segundo consta da denúncia apresentada, a participação do recorrente Costa Neto nos delitos denunciados estaria baseada apenas em supostas anotações à mão feita na agenda do acusado Júlio — agenda essa que não consta dos autos e, nos “Termos de Apreensão” de máquinas caça níqueis que ocorreram na cidade de Ribeirão Cascalheira, constantes às fls. 223, 224 e 225 dos autos do processo de Busca e Apreensão (que também não se encontram nos autos). As peças indicadas na denúncia, como provas da participação do recorrente Costa Neto nos delitos denunciados, não se encontrarem nos autos, caracteriza violação do princípio constitucional da ampla defesa, condenando de morte a r. sentença de pronúncia.

Com relação à anotação do telefone e do nome do recorrente Costa Neto que estaria na agenda do acusado Julio Bachs, esta agenda não consta dos autos, o que caracteriza mais uma violação do direito de defesa. Esta anotação seria a base para o Representante do Ministério Público Federal afirmar que o recorrente Costa neto estaria explorando a atividade de caça níqueis na região do Vale do Araguaia. Porém, com o depoimento do acusado Julio Bachs e sua esposa Márcia, essas anotações foram totalmente esclarecidas, pondo um ponto final em qualquer dúvida da participação — aliás da não participação — do recorrente Costa Neto na exploração de caça níqueis em parceria com os demais denunciados.

(…)

Todavia [continua], ao contrário do que o parquet afirma, ao analisar a referida prova com atenção, na verdade não se encontra nenhuma ligação telefônica do acusado Júlio para o recorrente Costa Neto (documento nos autos), o que deixa extremamente sem amparo a acusação.

De referência ao crime de quadrilha, diz o seguinte (fls. 90/91):

O delito de quadrilha armada, conforme apresentado na denúncia não restou provado, conforme visto pelos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação, especialmente as que tiveram máquinas caça níqueis apreendidas em Ribeirão Cascalheira, todos afirmaram que sequer conheciam o acusado Costa Neto e que nenhuma máquina apreendida lhe pertencia. Sendo que o núcleo indicado para o delito da quadrilha, é o de associação, que traz a significação de ajuntarem-se, reunirem-se, aliarem-se, agregarem-se. O núcleo associar-se implica a idéia de estabilidade, razão pela qual se exige que a associação seja estável ou permanente. O elemento subjetivo que informa o delito é o dolo específico ou seja, a vontade consciente dirigida à associação em quadrilha para o fim especial de praticar crimes (cf. Hungria, bo. Cit., p. 179, Fragoso, ob, cit., 298 e Noronha, ob. Cit., p. 92).

No caso do recorrente Costa Neto não teve qualquer prova de sua participação nos delitos denunciados, nem que o mesmo tenha qualquer vínculo com os demais acusados em qualquer sentido. Sendo certo que não restou provado a participação do acusado Costa Neto no delito de quadrilha denunciado, uma vez que as armas apreendidas em sua casa, eram armas de sua coleção, e já responde o recorrente por esse delito (porte ilegal de armas) em autos apartados.

Com relação do delito de contrabando — artigo 334 do Código Penal, também ante a falta de apreensão de máquina caça níquel em poder do recorrente Costa Neto e da falta de prova de que alguma das máquinas apreendidas em Ribeirão Cascalheira fosse de sua propriedade, não tem como prosperar a denúncia apresentada com relação a esse delito, bem como nos demais.


Sustenta a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, visto que a contravenção penal de jogo de azar é da competência da Justiça Estadual. Alega, também, a incompetência do Tribunal do Júri para julgá-lo, dizendo: “O fato do recorrente Costa Neto ter sido denunciado junto com os réus que praticaram delitos que são julgados pelo Tribunal do Júri, fez que o mesmo fosse pronunciado juntamente com os demais réus, para ser submetido ao julgamento do Tribunal do Júri”.

3.6 Recurso de João Arcanjo Ribeiro (fls. 98/177)

Alega este recorrente a nulidade da sentença de pronúncia, por não enfrentar todas as teses da defesa, não tendo fundamentação.

3.6.1 O crime de descaminho

Afirma que, em relação ao contrabando, sustentou a atipicidade da conduta, pois lhe foi imputado ter dado autorização “para que terceiros explorassem as máquinas de diversões eletrônicas (fls. 18 da denúncia), o que, evidentemente, não integraria o tipo penal albergado no art. 334 do CP”. Afirma que (fls. 113):

A toda evidência, não há como estender o tipo para quem não pratica a conduta descrita. A ação retratada na denúncia (no que é pertinente a João Arcanjo) é totalmente atípica e, em o sendo, não poderia alcançar a devida antijuricidade…

(…)

Ora, se atípica e antijurídica, em face do delito denunciado João Arcanjo não cometeu qualquer injusto penal, não havendo motivo algum para pronunciá-lo por esta incidência típica, na medida em que na falta de qualquer injusto de sua responsabilidade, não há porque perquirir elementos de uma sua hipotética culpabilidade.

3.6.2 O crime de quadrilha, a litispendência e o princípio do bis in idem

Sobre essa questão, assim se manifesta (fls. 116):

(…) há uma sensível diferença entre a litispendência e o bis in idem, ambos alegados em sede de razões finais por João Arcanjo. Enquanto essa última significa a garantia principiológica de que ninguém pode ser punido ou julgado duas vezes pelo mesmo fato, a litispendência encerra a exceção oposta pela incidência de igual questão envolvendo as mesmas partes e a mesma causa de pedir e o próprio pedido.

Dessarte, a exigência doutrinária da presença das mesmas partes e imputação, tem lugar tão somente em face da litispendência, ao passo que o bis in idem reclama tão somente o não julgamento/punição mais de uma vez pelo mesmo fato…

Inobstante isso, a Pronúncia só se manifesta em face da litispendência, deixando em branco a tese do bis in idem deduzida pela defesa de João Arcanjo dentro da litispendência…

Esse não enfrentamento elide a garantia que a parte tem de ver examinada, pelo órgão julgador, as questões de fato e de direito que suscitara, reclamando do juiz a atenta consideração dos argumentos e provas trazidos.

Por outro lado, tivesse a sentença de pronúncia ora atacada nesse sentido estrito examinado, ao viés da exigível atenta consideração, a tese de no bis in idem abaixo suscitada em razões finais, de certeza a sua decisão (nesse particular) não seria a que esposou (…)

A sentença, afirma, “rebateu a litispendência (equivocadamente, diga-se), mas deixou de enfrentar o bis in idem”.

3.6.3. A incompetência da Justiça Federal

Outra tese não enfrentada, afirma, foi a da incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Sustenta que não há qualquer “nexo de causa entre a exploração das máquinas eletrônicas e os homicídios”, nem existiu descaminho, pois as máquinas foram legalmente importadas. “Assim é que o não contrabando não pode guardar qualquer conexão com os homicídios, na medida em que, enquanto o crime exige uma anterior ação típica, um não crime clama por duas condições: se fruto de uma ação, que seja ela atípica. Se conseqüência de uma omissão, não há nem o que usar de paradigma para sustentar o nexo — uma vez que ele deverá ser causal” (fls. 123)

3.6.4 Os crimes de homicídio

Também afirma que a sentença não apreciou devidamente sua alegação de que não há indícios de que participou dos crimes de homicídio, dizendo (fls. 141/142):

Deveras, soa nítido feito a luz que a tese central da defesa, para a imputação dos homicídios, repousa na ausência de indícios suficientes para a pronúncia — chegamos até a reclamar fossem distinguidos e separados os indícios porventura constatados dos índices interpretados, na medida em que estes seriam imprestáveis a caracterizarem a prova indiciaria.

Analisa o recorrente os depoimentos das testemunhas, e conclui (fls. 152):

Assim é que os testigos apontados jamais poderiam servir para fundamentar os exigíveis indícios de autoria, justamente porque o magistrado sentenciante interpretou-lhes o valor probante, deixando de constatá-lo. A toda evidencia os indícios jamais poderiam ser interpretados; contrário senso deveriam eles, indícios, serem constatados…

Pior: não enfrenta, ainda, a argumentação técnica de que os crimes capitais não foram praticados para garantir a vantagem do crime de contrabando, nem para facilitar ou ocultar a sua prática. Também não serviram para conseguir a impunidade ou vantagem em relação ao tipo de contrabando.


3.6.5 O reinterrogatório do acusado Hércules de Araújo Agostinho

Alega o recorrente a nulidade desse novo interrogatório do cabo Hércules porque realizado sem a presença dos advogados dos demais réus. “Nesse novo interrogatório [diz] culminou por confessar a autoria das mortes, chamando a responsabilidade pela contratação dos homicídios em desfavor de João Arcanjo. Fê-lo, entretanto, de forma indireta, apontando para a revelação que suscitava (após um interlúdio coloquial com o Ministério Público) informação que teria recebido de terceira pessoa — este o co-réu Célio…” (fls. 153). Pede, assim, que seja “declarada ilícita a colheita de novo interrogatório do co-réu cabo Hércules, sem que para tanto tivessem sido convidados os advogados dos co-réus, operando-se o desentranhamento dos autos do novo interrogatório do co-réu Hércules (fls. 3.651), na medida em que a colheita padece dos requisitos mínimos da ampla defesa, em inequívoca ofensa ao comando constitucional do art. 133 da CF …” (fls. 155).

3.6.6 A gravação dita ilícita

Mais uma vez reclama o recorrente contra a permanência nos autos da gravação dita clandestina de fita K-7 “contendo conversas gravadas na casa desse réu, envolvendo o seu defensor, a sua esposa e outras pessoas”. “A toda evidência [afirma] a gravação clandestina é ilícita. Além da fita K-7 apreendida não ter sido periciada (como estria a exigir o art. 158 do CPP), o que per si não nos tranqüiliza quanto a veracidade da conversação transcrita, muito menos quanto a participação deste advogado na conversa … (fls. 157).

3.6.7 A natureza da sentença de pronúncia

Em conclusão diz a defesa do réu João Arcanjo Ribeiro (fls. 162):

(…) mesmo admitindo que, nesta fase processual a dúvida milita em favor da acusação, não se pode admitir que a pronúncia seja embasada em um mero juízo de credibilidade ou improbabilidade. A dúvida que se admite será somente aquela resultante da prevalência dos motivos afirmativos da assertiva que se pretende provar, sobre os motivos negativos, ao que se dará o nome de probabilidade.

A própria jurisprudência, remansosa em afastar o in dúbio pro reo nesta fase processual, não nega que a dúvida na qual se pode assentar a pronúncia é aquela advinda de indícios suficientes, vale dizer, que apontem para o provável.

4. Contra-razões do Ministério Público

O Ministério Público analisa as razões apresentadas pelos recorrentes, em uma só peça, mas separadamente.

4.1 Recorrente Luiz Alberto Dondo Gonçalves

Sobre o recurso deste acusado, diz a acusação (fls. 182/183):

A conexão subjetiva tão questionada por Dondo é vista a olhos desarmados, afinal a contabilidade da organização criminosa era a função que lhe competia, bem como também lhe competia a responsabilidade de assessorar João Arcanjo no controle das atividades e investimentos financeiros feitos pela organização em jogos de azar, tem como noticia o fax recebido pela Diego Contabilidade, empresa de propriedade do acusado, sobre as condições de instalação e funcionamento do “Bingo Palácio” localizado em Brasília-DF, bem assim das máquinas de caça-níqueis instaladas na capital Federal. Vale dizer, que no fax mencionado o emitente solicita veementemente o apoio de Dondo, junto a João Arcanjo para que as atividades do bingo supracitado continue sem nenhuma obstrução do comendador, pois naquela oportunidade não se podia falar, ainda, em lucro fácil.

Tal fato demonstra inequivocamente o envolvimento de Dondo com a exploração das máquinas, bem assim reflete seu pleno conhecimento com as atividades criminosas praticadas pela organização que ajudou a montar e contribuía decisivamente no controle. Inobstante a tais fatos, vale lembrar ainda, que Luiz Dondo viabilizou o funcionamento de empresas jurídicas destinadas à exploração de máquinas caça-níqueis, tudo no interesse da organização criminosa. Portanto, a conexão entre as atividades praticadas por Dondo e com as mortes em questão repousa necessariamente na exploração de jogos de azar e na disputa pelo mercado das máquinas.

Reclama também o imputado, que está sendo processo mais de uma vez pelo mesmo crime, qual seja: formação de quadrilha. Embora seja relevante o argumento apresentado, não há que se dar ouvido a tal discussão, pois o caso em testilha reflete a atuação de verdadeira organização criminosa que na sua estrutura detinha grupos destinados à execução de atividades distintas, das quais Dondo participava efetivamente. Como bem observou o juízo a quo, existiam quadrilhas dentro da organização capitaneada por JOÃO ARCANJO sendo certo que cada quadrilha praticava um injusto penal distinto e sem conexão.

Apenas a título ilustrativo convém observar a esse Egrégio Tribunal o fato de que Luiz Dondo participou, dentro das atividades da organização, da quadrilha que era responsável pela lavagem de dinheiro e remessa de divisas ao exterior sem qualquer legalidade, fatos que foram objeto do processo 2003.36.00.008505-4, que tramitou na Primeira Vara de Justiça Federal em Mato Grosso e que lhe rendeu uma condenação exemplar. Ressalta-se que naqueles autos seus comparsas foram João Arcanjo Ribeiro, Silia Chirrata, David, Ely, Nilson Teixeira, entre outros, diferentemente do que ocorreu nestes autos, pois são réus diversos, com exceção de Arcanjo e crimes de outra natureza e espécie.


4.2 Recorrente Gonçalo de Oliveira Costa Neto

Em resposta ao recurso do acusado Costa Neto, afirma a acusação (fls. 184/185):

O coronel Costa Neto como é conhecido no meio de exploração de máquinas caça-níqueis, era um dos concessionários do esquema, pois detinha para exploração pessoal uma série de máquinas que tinham o funcionamento autorizado por João Arcanjo Ribeiro assim Costa Neto participava inequivocamente na exploração do mercado tão disputado e que culminou nas mortes levadas ao Júri neste feito.

Vale dizer, que o Coronel Costa Neto alega ainda que as máquinas utilizadas por ele eram legais, portanto não haveria crime de contrabando. Todavia, em nenhum momento processual ficou evidente a legalidade das máquinas cuja destruição já foi anunciada pela Receita Federal, tendo em vista serem irregulares, como se pode ver em ofícios trazidos aos autos 2002.36.00.008183-8, pelo Delegado da Receita Federal em Mato Grosso, portanto a materialidade do contrabando é evidente e a autoria inequívoca.

Ademais, o argumento de cerceamento de defesa foi pontualmente apreciado pelo Juízo a quo que por sinal zelou pelo excesso pela ampla defesa de todos os réus, inclusive deste recorrente que alega ter sido vítima de violação dos direitos de defesa e que contratidório consubstanciado na ausência de provas, cujo ônus da apresentação competia ao MPF, e assim impossibilitando ao imputado defender-se com maior precisão daquilo que lhe é atribuído.

Vale dizer, que tal alegação além de equivocada não reflete a realidade dos autos, pois as provas da autoria do crime de contrabando, formação de quadrilha e exploração de máquinas caça-níqueis, bem assim da materialidade dos mesmos estão presentes nos laudos da Polícia Federal, identificando os produtos contrabandeados, bem assim presentes no material apreendido com Júlio Bachs, o responsável pela distribuição das áreas de exploração das máquinas, inclusive com a existência de um mapa para exploração onde consta o nome do Coronel Costa Neto com um dos concessionários pela exploração no Estado de Mato Grosso.

4.3 Recorrente Célio Alves de Souza

Diz a acusação em contra-razões ao recurso deste acusado (fls. 186):

(…) é induvidosa a participação de Célio nas mortes de Rivelino Brunini, Rachid Jaudy e na tentativa de homicídio de Gisleno. Vale dizer também que todas as informações carreadas para o processo dão conta de que João Arcanjo, Júlio Bachs e o conhecido Coronel Lepesteur foram os mandantes, autores mediatos dos homicídios, pois contrataram Célio e Hércules para executar a serviço, motivado pela disputa do mercado de máquinas caça-níqueis. Diga-se ainda que Hércules já confessou a prática dos crimes e inclusive a participação de Célio que detinha, em todos os momentos, pleno domínio dos fatos e poderia, se quisesse impedir a consumação das mortes, porém cumpriu com seu mister.

4.4 Recorrente Márcia Carla Carpinski

Afirma a acusação, retrucando as razões apresentadas por essa acusada (fls. 186):

(…) as alegações ventiladas por essa recorrente caem por terra quando fica provado nos autos que Márcia auxiliava o cônjuge Júlio Bachs na administração do rendoso negócio das máquinas de caça-níqueis. Aliás, cumpre salientar que em seu depoimento perante a Justiça Federal a recorrente confirma saber da existência do negócio de exploração de caça-níqueis, bem assim confirma seu apoio incondicional a Júlio mentor do esquema e seu marido.

Sendo assim, a formação de quadrilha é certa e inequívoca, além de que subjetivamente vinculada ao contrabando das máquinas e as mortes, sendo certo que Márcia participava efetivamente das atividades do bando, o que importa em dizer que serrem insubsistentes as alegações por ela ofertadas.

4.5 Recorrente Frederico Carlos Lepesteur

Assegura a acusação que (fls. 187):

(…) Lepesteur e Júlio, a mando de Arcanjo, arquitetaram a morte de Rivelino, tudo confirmado por Paulo Cabeludo, Ronaldo e Sinézio que foram unânimes em declarar a autoria mediata dos crimes. Vale dizer ainda, que tais assertivas repousam também no depoimento de Gisleno. Aliás, uma das testemunhas acerca da organização criminosa, que os réus e seus respectivos advogados classificaram de louco, desequilibrado, incapaz etc…, mas que até o momento goza perfeitamente de suas capacidades mentais, e, em nenhuma fase processual foi contraditada pelas partes interessadas é Joacy, rotulado pela mídia como o sombra, mas que deu importantes informações à Justiça acerca do funcionamento da organização criminosa que Lepesteur faz parte.

Embora a defesa de Lepesteur tente, a todo custo, impingir tais predicados ao Joacy é certo, conforme mostram as provas colhidas pelo Juízo a quo, já citadas, e somadas ao depoimento do autor dos disparos, Hércules, corroboram inequivocamente a participação do Coronel Lepesteur com as mortes, em especial a autoria mediata dos crimes hediondos em questão. Vale dizer, que o depósito de máquinas, fortemente armado para impedir que Rivelino adotasse alguma medida capaz de atrapalhar as atividades da organização criminosa de João Arcanjo Ribeiro, inclusive relata-se nos autos, que o recorrente e seus capangas usavam até metralhadoras, como bem depôs Raquel Brunini, quando afirmou categoricamente que Lepesteur não gostava de Rivelino.

Ademais, do que consta nos documentos produzidos em juízo, Lepesteur forneceu as armas para que Célio e Hércules efetuassem os disparos contra Rivelino, além disso permaneceu na avenida em que ocorreram as mortes para verificar e supervisionar o trabalho de execução.

4.6 Recorrente João Arcanjo Ribeiro

A acusação, em resposta ao recurso deste acusado, sustenta (fls. 189):

A eiva de que tanto o recorrente festeja não existe, pois todas as formalidades do substantive e do formal due process of law foram precisamente atendidas na sua inteireza. Inclusive aos réus foi ofertada por diversas vezes a possibilidade de falar nos autos, bem como seu livre acesso a todos os documentos, inclusive os decorrentes de busca e apreensão. Sendo assim, não há que se falar em nulidade judicial, que está em perfeita sintonia com o que dispõe a Constituição da República de 1988, em seu Artigo 93.

Sustenta ainda a nulidade da decisão sob os argumentos de falta de motivação e falta de fundamentação. Data máxima vênia, não há que se falar de ausência de motivação, pois é certo que motivação para pronúncia de João Arcanjo Ribeiro é o que não falta nestes autos, seja pelo comando da organização, seja pela ordem de pena de morte, decretada por ele em desfavor de Rivelino, seja pela organização da exploração das máquinas de caça-níqueis com apoio de Júlio Bachs. Arcanjo sempre deteve em suas mãos o comando principal de todas as operações criminosas, desde as mais simples contravenções como o jogo do bicho às mais sofisticadas práticas delituosas, tais como: lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

A motivação decorre ainda da necessidade de o Tribunal do Júri julgar João Arcanjo pelas práticas de crimes dolosos contra a vida de três pessoas, apenas nestes autos. Vale dizer que acerca dos homicídios, todos hediondos, nos termos da Lei n. 8.072/90, inclusive a tentativa, Arcanjo montou um grupo específico de pessoas, mais de quatro, para que mediante paga, e emboscada executassem sumariamente Rivelino e quem quer que estiver entre o executor e a vítima. Crime à luz do dia, com o sol a pino, numas das avenidas mais movimentadas da cidade de Cuiabá, e praticamente em frente à sede da Procuradoria da República em Mato Grosso.

5. Manutenção da sentença (CPP, art. 589)

Em fls. 193/194, o MM. Juiz a quo manteve a sentença de pronúncia.

6. Diligência requerida pelo Ministério Público Federal, nesta instância

Indo os autos à Procuradoria Regional da República, esta, pelo Procurador Ronaldo Meira de Vasconcelos Albo, requereu que fossem os autos baixados à instância de origem, “a fim de que a laboriosa secretaria certifique” se o recorrente Marlon Marcus Bafa Pereira deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar as razões de recurso (fls. 200/204).

7. Recorrente Marlon Marcus Bafa Pereira

Baixados os autos, o referido recorrente apresentou as razões de recurso (fls. 269/283), sustentando que (fls. 272):

Embora o julgador não tenha dado a importância devida as Alegações oferecidas pela Defesa, repetimos pela necessidade, que as testemunhas ditas de acusação em nada incriminaram o recorrente Marlon Marcus Bafa Pereira, absolutamente em nada, e os documentos que carreou para os autos (notas fiscais, comprovantes de pagamentos de impostos e etc…), definitivamente afastam de si a acusação da prática do delito descrito no artigo 334 do Código Penal.

Afirma que (fls. 275/276):

Para iniciar suas atividades, o Denunciante Marlon locou da Empresa CMJ. Diversões Ltda., 50 (Cinqüenta) máquinas eletrônicas e posteriormente locou mais 100 (cem) máquinas da Empresa MCM Diversões Eletrônicas Ltda, conforme demonstram cópias autenticadas das notas fiscais juntadas aos autos às fls. 1.482/1.483 do Volume VI.

Depois de algum tempo, o denunciante Marlon comprou 20 (vinte) máquinas da Empresa de Diversões Públicas Casa Nobre de Máquinas Eletrônicas de Recreação Ltda., e locou 140 (cento e quarenta) máquinas da Empresa Cousin Games Ltda., conforme demonstram cópias autenticadas notas fiscais juntadas aos autos de fls. 1.484/1.487 do Vol. VI.

Vale ressaltar, que as empresas fornecedoras de máquinas para a empresa do denunciante Marlon, são legalmente constituídas e recolhem integralmente os impostos gerados em razão das vendas e das locações dos equipamentos.

Para demonstrar a Vossas Excelências, que o denunciante Marlon jamais concorreu de qualquer forma para a ocorrência do crime descrito no artigo 334, parágrafo 1º, fez juntar às fls. 1.488/1.489 do Vol.. VI, cópia autenticada de notas fiscais emitidas pela Empresa UPWARD- Comercial Importadora e Exportadora Ltda., para a Empresa Cousin Games Ltda. (fornecedora do denunciado), referente a venda de máquinas eletrônicas, que por sua vez foram vendidas para o recorrente.

Ainda com o objetivo de demonstrar que as máquinas eletrônicas que alugou e comprou entraram legalmente no País, o denunciado Marlon carreou para os autos por ocasião de sua defesa prévia, a Declaração de Impostos da Receita Federal nº 99/08346725, Documento de Arrecadação de ICM de Importação da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, Extrato de Declaração de Importação da empresa UPWARD e Conhecimento de Transporte da Companhia Sud América de Vapores S/A, referente a entrada das máquinas no Brasil (Docs. Juntos 1.490/1.494 do Vol. VI).

Como podemos perceber, as máquinas eletrônicas adquiridas e alugadas pelo recorrente, entraram no País na mais perfeita ordem e legalidade.

Esclarece a defesa que (fls. 277/279):

O recorrente, um jovem honesto e trabalhador, que jamais em toda a sua vida cometeu qualquer ilícito penal, vinha trabalhando no interior do Estado de Mato Grosso (região médio norte e norte), quando a Secretaria de Segurança do Estado de Mato Grosso, efetuou a apreensão de algumas máquinas que explorava, sob a alegação de serem “jogos de azar”, e em função disso, o recorrente que nunca desejou caminhar pela ilegalidade, procurou imediatamente socorro junto ao Judiciário Estadual, através da impetração do Mandado de Segurança oportunidade em que lhe foi concedida liminar autorizando a continuação de suas atividades comerciais, tendo tal decisão vigorando até início corrente ano (2004), conforme demonstra decisão juntada às fls. 1.479/1.481 do Vol. VI.

Na ânsia de demonstrar a sua verdadeira inocência, o recorrente Marlon fez aportar nos autos, Laudos Periciais dos mais respeitados Institutos de Criminalística do País, assim como de Universidades, que atestam que as máquinas eletrônicas que explorava, definitivamente não podem ser caracterizadas como jogo de azar (Doc. junto 1.495/1.616 do Vol. VI).

Da mesma forma que não ficou provado a prática do delito prescrito no artigo 334 do Código Penal, após a oitiva de dezenas de testemunhas e várias horas de investigações, em momento algum foi provado a associação do denunciado Marlon com qualquer outra pessoa para o cometimento de qualquer tipo de crime.

Ao contrário, a instrução criminal serviu para demonstrar que o denunciado Marlon, jamais deveria estar no rol de acusados do presente feito, pois ninguém, absolutamente ninguém, apontou que o mesmo havia se associado a qualquer outro co-réu ou mesmo a qualquer outra pessoa para cometimento de qualquer ilícito penal.

Além disso, ficou demonstrado também, que o recorrente Marlon, na verdade foi mais uma vítima da omissão do Estado, que permitia indivíduos criminosos, inescrupulosos e sabidamente violentos, que atuavam livremente em todo o Estado de Mato Grosso cometendo todo tipo de ilegalidades.

Estamos nos referindo a pessoa do finado Sargento Jesus, pessoa essa, conhecida e temida em razão da forma violenta como se postava, obrigando o recorrente Marlon a lhe pagar valores mensalmente, a fim de que pudesse exercer suas lícitas e honestas atividades comerciais.

E razão desses pagamentos que o recorrente Marlon foi obrigado a fazer a pessoa do Sargento Jesus, assenta-se a acusação de associação para cometimento de crimes (art. 288 CP e Lei 9.034/95), do Representante do Órgão Acusador (representante do Estado Omisso), e a pronúncia aqui combatida.

Como já dissemos anteriormente, em nenhuma oportunidade foram provadas tais acusações feitas em desfavor do recorrente Marlon.

7. 1 Contra-razões ao recurso do acusado Marlon Marcus Bafa Pereira

As três primeiras folhas (285/287) são reprodução das folhas 180/182.

Diz a acusação que (fls. 288):

Marlon era integrante de efetiva participação na organização criminosa de ARCANJO, tanto que detinha inúmeras máquinas de caça-níqueis, cujo funcionamento nesta Unidade Federada só ocorria após autorização de JOÃO ARCANJO. O recorrente está tão envolvido com os crimes perpetrados pela organização em comento, que somente apresentou-se à Justiça Federal meses após a expedição do seu decreto preventivo, prova de que sua inocência não é evidente como bem quer se fazer crer.

De outro lado, alega ainda a existência de documentação que atesta a regularidade das máquinas, cujos componentes foram contrabandeados e que tais provas não foram apreciadas pelo Juízo a quo. Nada mais equivocado, senão mentiroso. A documentação, que segundo o recorrente valida a operação das famigeradas máquinas, foi devidamente apreciada pelo MPF, bem assim pelo Juízo singular que presidiu o feito com exemplar seriedade, e até o momento não foram suficientes para afastar as imputações ministeriais, tanto que são documentos que não oferecem qualquer valor probante em benefício do réu.

Ademais, como é sabido, o processo penal exige da defesa do réu que apresente alguma excludente de ilicitude, ou ainda alguma das hipótese de inexistência de culpabilidade, e se não for demais a inimputabilidade do agente, o que, nem a olhos desarmados se consegue verificar neste processo. Certamente que tal ônus compete à defesa, sendo sua responsabilidade a contraprova das alegações ministeriais, devidamente fundamentadas em robusto Laudo Pericial da lavra do Departamento de Polícia Federal desta Unidade Federada.

Alerta-se ainda, que o recorrente constituiu inúmeras empresas de fachada para dar ares de legalidade aos seus negócios de contrabando e exploração de máquinas de caça-níqueis, sendo certo que todas estas alegações ministeriais estão devidamente corroboradas nas provas documentais juntadas aos autos, bem como nos depoimentos prestados pelos demais acusados, em especial Julio Bachs.

8. Pronunciamento do Ministério Púlico Federal, nesta instância

O Ministério Público Federal, pelo douto Procurador Regional da República Ronaldo Meira de Vasconcelos, em fls. 295/348, manifestou-se pelo não-provimento das apelações. Analisou cada recurso de per si.

8.1 Recurso de Luiz Alberto Dondo Gonçalves (fls. 340/342)

Quanto ao recurso de Luiz Alberto Dondo Gonçalves, fls. 59/71, não deve ganhar acolhida vez que os argumentos utilizados não encontram respaldo nos autos e nem na norma de regência. Veja-se que o recorrente foi pronunciado em face de gritante conexão instrumental que une as ações. Registre-se que na determinação de competência por conexão havendo concurso entre a competência do júri e outro órgão de jurisdição comum, deverá prevalecer à competência do colegiado. Extrai-se da denúncia que o mútuo auxílio dos recorrentes no sentido de somarem esforço comum para obter o resultado ilícito torna inviável a separação dos feitos vez que a prova relativa a uma imputação acaba por influenciar na prova de outra.

Por outro lado, ao contrário do que foi afirmado pela defesa recorrente, o grupo criminoso do qual faz ou fazia parte o pronunciado agia de forma organizada e harmônica, tendo cada um de seus membros atuação pré-determinada. A análise da mecânica dos atos delituosos leva a inelutável conclusão de que os crimes eram perpetrados em seqüência lógica e sempre eram voltados para garantir a expansão da atuação do crime organizado, perpetuando os lucros ilícitos ainda que, eventualmente, fosse preciso eliminar (ou exterminar) pessoas.

Some-se que a imputação ofertada em desfavor do ora pronunciado é clara, precisa e permite à defesa produzir a prova que entender necessária, restando cumprida a exigência contida no art. 41 do CPPB.

Ademais, a prova de cometimento do crime de contrabando por parte do grupo criminoso do qual o ora recorrente era membro proeminente, é gritante vez que a exploração da jogatina no Estado do Mato Grosso é e era uma das vertentes mais lucrativas do crime organizado e as ações delitivas eram, como já dito, concebidos sob planejamento cuidadoso.

O contrabando, conforme se depreende da imputação e dos autos, está materializado em dezenas de máquinas de procedência estrangeira que eram exploradas pelo grupo da jogatina sem, contudo a indispensável cobertura fiscal — aduaneira. Afirmar-se que algumas máquinas apreendidas por ordem judicial tinham cobertura fiscal não descaracteriza o crime de contrabando, especialmente quando outras tantas não tinham cobertura legal ou fiscal.

No que respeita ao crime de formação de quadrilha, vê-se que o recorrente participava de vários grupos criminosos. Frise-se que o pronunciado, Luís Alberto Dondo Gonçalves, tinha trânsito em várias formações criminosas e efetivamente colaborava para o sucesso de todas as manobras delituosas perpetradas pelos múltiplos grupos de atuação criminosa. Assim sendo, é juridicamente possível que o agente delituoso possa ser responsabilizado criminalmente por participar simultaneamente da várias societas delinquentium conforme propõe o órgão acusatório, sem que se fira a lógica — jurídica e os princípios que regem o processo penal.

8.2 Recurso de Gonçalo de Oliveira Costa Neto (fls. 343/344)

Quanto ao recurso de Gonçalo de Oliveira Costa Neto, diga-se que não merece guarida.

Quanto à autoria e materialidade dos delitos a ele imputados, estão demonstradas nos autos. Aliás, os elementos que ensejaram o recebimento da denúncia contra o réu foram todos reforçados no curso da instrução criminal, circunstancia que foi registrada por ocasião da prolatação da r. sentença ora recursada. Ora, o réu — recorrente — pronunciado é membro de organização criminosa e efetivamente somou esforços para que os objetivos ilícitos perseguidos pelo grupo delituoso pudessem ser alcançados.

Por outro lado, o art. 78, inciso I c/c o art. 76, inciso III ambos do CPPB afastam a argumentação da defesa quanto á competência do júri vez que a imputação contém narrativa que notícia a prática de crimes conexos, umbilicalmente entrelaçados e oriundos de um planejamento harmônico e voltado para a expansão da atuação do grupo ilícito.

8.3 Recurso de João Arcanjo Ribeiro fls. 344/347

Quanto ao recurso de João Arcanjo Ribeiro, não merece provimento.

Afirmar que a r. sentença recursada não enfrentou todos os pontos ventilados pela defesa é inútil pois, o que deve o juízo criminal competente examinar em sede de pronúncia é se existem elementos nos autos que possam sustentar a imputação, sem, contudo, exigir-se, em sede preparatória do júri, que a prova seja exaustivamente examinada. Ao contrário do que foi afirmado pela defesa, o decisum ora impugnado contém análise clara e concisa do conjunto probatório contido no feito. Assim, parece-nos inconsistente o argumento lançado pelo recorrente no particular.

Some-se que o exame mais aprofundado da prova será feito por ocasião do julgamento pelo tribunal do júri, oportunidade em que a defesa disporá de todos os instrumentos legais para sustentar a sua tese, produzindo os elementos probatórios que melhor lhe parecer.

Registre-se que é possível, como fez a acusação, imputar ao recorrente a participação efetiva e simultânea em vários grupos criminosos até em função da posição de destaque que este possui na hierarquia do crime organizado que assolou o Estado do Mato Grosso. Frise-se que o ora recorrente coordenava, segundo a imputação produzida pelo Ministério Público Federal, várias atividades criminosas, ditando assim as iniciativas que seriam tomadas, escolhendo os responsáveis pela execução das diversas práticas delituosas e distribuindo o lucro fácil entre os participantes da societas delinquentium de acordo com o seu juízo de merecimento. Portanto, não é o caso de bis in idem, mas de múltipla participação por parte do recorrente em grupos delituosos de forma simultânea .

Por outro lado, a conexão instrumental é evidente vez que a narrativa contida na denúncia e a prova constante dos autos revela o nexo entre os crimes perpetrados pelos grupos liderados pelo recorrente em atuação coordenada e harmônica. Repita-se, por pertinente, que há conexão instrumental e a competência para julgar todos os crimes é do júri federal face aos termos do art. 78, inciso I do CPPB.

Quanto à falta de intimação dos advogados dos réus por ocasião do interrogatório do réu Hércules de Araújo Agostinho, a defesa apenas alega prejuízo não se desincumbindo de provar (nos termos do art. 156 do CPPB) o efetivo prejuízo causado à defesa de outro co-réu. Note-se que o réu João Arcanjo Ribeiro não tem a defesa patrocinada pelo mesmo advogado que atua nos autos em benefício de Hércules de Araújo Agostinho. Caberia, assim, à defesa (que vê nulidade em tudo e por tudo) demonstrar onde ocorreu prejuízo para os co-réus. É consabido que o interrogatório é ato exclusivo do juiz competente para a demanda e que a defesa e a acusação não podem interferir no ato exceto para coibir eventual abuso do membro do Judiciário. Ademais, não sendo o patrono de João Arcanjo responsável pela defesa de Hércules Agostinho, como poderia alegar nulidade.

Quanto à juntada de fita K7 não há qualquer violação do contraditório, pois a defesa teve e sempre terá acesso ao seu conteúdo, podendo produzir outras provas que tendam a desqualificar o referido elemento probatório. Mais uma vez a defesa limita-se a alegar prejuízo sem, contudo demonstrar o efetivo dano ao réu — recorrente.

8.4 Recurso de Célio Alves de Souza, Márcia Carla Carpinski e Frederico Carlos Lepesteur fls. 347

Quanto aos recursos de Célio Alves de Souza (fls. 08/17), Márcia Carla Carpinski (fls. 30/38) e Frederico Carlos Lepesteur (fls. 39/57) repetem os mesmos argumentos já rebatidos pelo Ministério Público Federal (fls. 180/191) de modo que, no particular, reportamo-nos aos argumentos aqui já utilizados para demonstrar o desacerto da tese defensiva.

8.5 Recurso de Marlon Marcus Bafa Pereira (fls. 348)

Quanto às razões do réu — recorrente Marlon Marcus Bafa Pereira (fls. 267/283), temos que não foge à regra, ou seja, são utilizados os mesmos argumentos já afastados pelo juízo recursado e pelo Ministério Público Federal. De novidade apenas a vã tentativa de justificar o pagamento de propina à servidor militar (já falecido) sob argumento de que na verdade fora o recorrente vítima de concussão. Ora, defunto não reage e não produz defesa, portanto, fica o dito pelo não dito.

9. É o relatório.

10. Em face de o relatório ser longo, fiz chegar às mãos dos demais componentes da Turma cópia do mesmo.

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. Competência da Justiça Federal

A Justiça Federal é competente para processar e julgar os crimes conexos de competência federal e estadual. Súmula 52 do antigo Tribunal Federal de Recursos). Atualmente, temos a Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, III, a, do Código de Processo Penal.

Esse entendimento, apesar de doutrinariamente contestado, é acolhido pelo Supremo Tribunal Federal. Tem-se, assim, um simultaneus processus.

Na hipótese dos autos, há essa conexão? Vejamos:

A acusação narra que, no dia 12 de abril de 2002, “foi deflagrada operação integrada envolvendo as polícias Federal, Civil e Militar”, em parceria com o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Mato Grosso”, com o objetivo de, em cumprimento de mandado judicial, “fazer a busca e apreensão de máquinas caça-níqueis, cujos componentes eletrônicos são contrabandeados”. Em seguida, diz que (Apenso, 1, fls. 5):

Após a deflagração da operação acima noticiada ocorreram sucessivos homicídios nesta capital, sendo certo que todas as vítimas sabidamente eram envolvidas com a exploração dos caça-níqueis, a começar pela execução do SGT PM JOSÉ JESUS DE FREITAS, morto, juntamente com dois de seus seguranças, crime ocorrido no dia 27/04/02; depois a execução do radialista RIVELINO JACQUES BRUNINI, que se encontrava acompanhado do seu sócio FAUZE RACHID JAUDY, dupla execução ocorrida em 05/06/02 e, por fim, a execução do proprietário do Jornal Folha do Estado, DOMINGOS SÁVIO, que constantemente denunciava os crimes praticados pela organização criminosa, homicídio ocorrido em 30/09/02.

Em todos os homicídios, com características de crime de mando, envolvendo a chamada pistolagem, foram utilizadas armas de grosso calibre, sendo certo que as cápsulas encontradas nos locais das execuções foram consideradas compatíveis por exames periciais, apontando que os homicídios partiram de um mesmo grupo executor e possivelmente do mesmo mandante.

De que maneira, a acusação faz a ligação dos homicídios com os crimes da competência da Justiça Federal? Diz a denúncia (Apenso 1, fls. 34/39):

Os negócios geridos pelo denunciado JOÃO ARCANJO, a despeito de todo o dinheiro e poder acumulado ao longo dos anos, nem sempre seguiram como melhor lhe convinha, tanto que um de seus principais colaboradores, o Sgt. PM JOSÉ JESUS DE FREITAS acabou executado, junto com dois de seus seguranças, na porta de sua residência, alvejado por diversos disparos de arma de fogo.

O Sgt. JESUS, como era conhecido, sempre esteve bem próximo do denunciado JOÃO ARCANJO, sendo, indubitavelmente, um dos braços armados da organização, responsável por parcela do serviço sujo do COMENDADOR, estando envolvido com homicídios, extorsão, corrupção e, nos últimos tempos, com a exploração de máquinas caça-níqueis, figurando, inclusive, por breve período, como sócio da vítima RIVELINO e, depois, de um grupo do Rio de Janeiro, momento em que começa a contrariar interesses do demandado ARCANJO, como já explicitado anteriormente, detentor do monopólio do jogo ilegal em Mato Grosso.

Algum tempo depois de desfazerem a sociedade, JESUS e a vítima RIVELINO desentenderam-se severamente, a ponto de trocarem ameaças de morte, prevalecendo, pela força, os interesses do primeiro que, naquelas alturas, valia-se do também denunciado LEPESTEUR, como acima afirmado Coronel PM reformado, para se apropriar de todas as máquinas que se encontravam em poder da vítima RIVELINO, inclusive, com o auxílio de Policiais Militares que faziam o serviço fardados. Mesmo enfraquecido, seja pela ação dos subordinados do denunciado JOÃO ARCANJO, seja pela ação da Justiça Federal, que a pedido do Ministério Público Federal havia determinado a apreensão das máquinas caça-níqueis que explorava, a vítima RIVELINO continuou atuando no ramo de jogos de azar, afrontando, mais uma vez, os interesses da organização criminosa chefiada pelo denunciado ARCANJO, como ficou anteriormente assaz demonstrado nesta peça, pela transcrição de bilhetes e registro magnéticos apreendidos na residência do denunciado JÚLIO, onde se encontram descritos os problemas causados por RIVELINO à organização.

O comportamento da vítima RIVELINO motivou uma trama, engendrada pelos denunciados JÚLIO e LEPESTEUR, com as bênçãos de ARCANJO, para sua execução.

Nesse meio tempo, vale dizer, enquanto o denunciado JÚLIO era preso em flagrante pela polícia federal com componentes eletrônicos contrabandeados e arma de posse proibida, quem primeiro acabou morto foi o Sgt PM JESUS, executado juntamente com dois de seus seguranças.

Em face do seu envolvimento com a instalação e exploração de máquinas caça-níqueis, como acima afirmado, o Parquet Federal requereu, e Vossa Excelência deferiu, busca e apreensão das máquinas caça-níqueis que, segundo constava, encontravam-se na sede da Rádio Voz do Oeste, local onde a vítima RIVELINO trabalhava (processo nº 2001.36.00.009914-3, fls. 02/15, 17/20). A busca e apreensão acima noticiada restou infrutífera, eis que nada foi encontrado no local de trabalho de RIVELINO (processo nº 2001.36.00.009914-3, fls 29). Conforme faz prova a petição do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (processo nº 2001.36.00.009914-3, fls. 111/113), foi requisitada a localização e notificação de RIVELINO, para que entregasse as máquinas que se encontravam sob sua guarda, bem assim para que fosse ouvido pela polícia federal.

Em não sendo encontrado, eis que desconsiderava os chamados da autoridade policial federal para prestar declarações, a vítima RIVELINO acabou tendo prisão preventiva decretada em seu desfavor pela Justiça Federal, de modo que o cerco se fechava em relação ás pessoas envolvidas com aquela atividade ilícita.

Sabedores da ordem judicial para a prisão da vítima RIVELINO, os denunciados ARCANJO, JÚLIO e LEPESTEUR decidiram levar adiante o plano para tirar a sua vida, o fazendo o mais rápido possível, vez que, em sendo preso pela polícia federal, certamente RIVELINO revelaria fatos que os envolveriam com o contrabando de componentes eletrônicos e exploração de máquinas caça-níqueis, pois fora arruinado financeiramente pela ação de membros da organização criminosa chefiada por ARCANJO. Ademais, matando RIVELINO, os denunciados estariam tirando de circulação pessoa que afrontava os interesses da organização.

Para dar cabo a tal empreitada criminosa, os denunciados JÚLIO e LEPESTEUR foram encarregados pelo demandado ARCANJO da contratação dos pistoleiros, tendo o segundo acionado o grupo do denunciado HÉRCULES, cabo da polícia militar de Mato Grosso e hoje notório matador de aluguel, para realizar o “trabalho”, por preço ignorado.

Assim é que o imputado HÉRCULES e seus comparsas, alguns ainda não identificados, passaram a seguir a vítima RIVELINO, buscando o melhor momento para matá-la, surgindo oportunidade no dia 06 de junho de 2002, por volta das 15:00 horas, quando ela se encontrava em uma oficina mecânica situada na avenida Rubens de Mendonça, nesta capital, onde, juntamente com a também vítima GISLENO FERNANDES, fora ao encontro do também mortalmente ofendido FAUZE RACHID JAUDY. No momento em que as vítimas RIVELINO e FAUZE encontravam-se do lado de fora do veículo que utilizavam, que estava estacionado na entrada da oficina, tendo no seu interior o ofendido GISLENO, foram surpreendidas pelo denunciado HÉRCULES que, de surpresa, delas se aproximou em uma motocicleta e, utilizando-se de uma pistola 9mm, não apreendida, passou a desferir tiros primeiramente contra a vítima RIVELINO, atingindo-o com sete disparos, conforme demonstra o laudo pericial anexado ao inquérito policial instaurado pela policial judiciária civil para apurar os fatos, fls. 105 a 112 (cópia em anexo), e depois contra os ofendidos FAUZE e GISLENO, pelo simples fato de estarem na companhia do alvo RIVELINO e para que não se voltassem contra ele, ainda que como eventuais testemunhas do crime, acertando em cada uma delas um único tiro.

RIVELINO acabou morrendo no local em que foi alvejado, enquanto que os demais ofendidos foram levados para o pronto socorro, porém, FAUZE não resistiu ao ferimento sofrido e também morreu, conforme faz prova o laudo pericial de fls. 89 a 94 do supracitado inquérito policial civil, enquanto que GISLENO, por sorte, felizmente sobreviveu em virtude do pronto atendimento médico que recebeu.

Enquanto desferia tiros contra as vítimas RIVELINO, FAUZE e GISLENO, o demandado HÉRCULES contava com a cobertura do também denunciado CÉLIO, seu contumaz companheiro de pistolagem, e de outro indivíduo não identificado, permanecendo, ainda, nas imediações, os imputados JÚLIO e LEPESTEUR, cada um em seu veículo, posto que dariam apoio na fuga do executor, sendo certo que um deles recolheu o denunciado HÉRCULES, quando este repassou a motocicleta utilizada no crime para uma mulher encarregada de retirá-la das proximidades do evento, levando-o, em seguida, para a casa do demandado JÚLIO, no bairro Santa Rosa, nesta cidade, onde o pagamento foi realizado.

A existência do acordo para matar a vítima RIVELINO é confirmado pelas declarações prestadas pelas testemunhas RONALDO, SINÉZIO e JOACI, todas colhidas por agentes do Ministério Público Federal e/ou Ministério Público Estadual, e anexadas a presente denúncia.

A sentença aceita essa tese. Diz o culto e operoso juiz César Bearsi (Apenso 17, fls. 4.918):

Observamos, assim, que, segundo a própria denúncia, em princípio, os homicídios não foram cometidos para facilitar ou ocultar o crime de descaminho ou parta conseguir impunidade ou vantagem em relação a esse crime; e sim para que a organização comandada, segundo a acusação, por João Arcanjo Ribeiro, o Comendador, continuasse a ter força, a intimidar os seus integrantes ou para continuar no domínio da exploração das máquinas caça-níqueis. Nem há prova que o homicídio, ou suas circunstâncias elementares, influenciou na prova desse crime de descaminho ou vice-versa. Agora, de acordo com peça inicial acusatória, João Arcanjo, depois de ter praticado o crime de descaminho, quer ter o domínio na exploração das máquinas caça-níqueis. Lê-se na denúncia (Apenso 1, fls. 35):

(…) a vítima Rivelino continuou atuando no ramo de jogos de azar, afrontando, mais uma vez, os interesses da organização criminosa chefiada pelo denunciado Arcanjo (…).

É certo que diz a denúncia, também, que foi dada uma ordem judicial pelo Juiz Federal para apreender as máquinas caça-níqueis, e determinado a prisão de Rivelino, e que (Apenso 1, fls. 37):

Sabedores da ordem judicial para a prisão da vítima Rivelino, os denunciados Arcanjo, Júlio e Lepesteur decidiram levar adiante o plano para tirar a sua vida, o fazendo o mais rápido possível, vez que, em sendo preso pela polícia federal, certamente Rivelino revelaria fatos que os envolveriam com o contrabando de componentes eletrônicos e exploração de máquinas caça-níqueis, pois fora arruinado financeiramente pela ação de membros da organização criminosa chefiada por Arcanjo. Ademais, os denunciados estariam tirando de circulação pessoa que afrontava os interesses da organização.

Está dito na sentença (Apenso 17, fls. 4.908):

A denúncia narra que em razão de Rivelino ter desobedecido ordens de Arcanjo e Júlio a respeito da exploração das máquinas, teria sido assinado, e mais, fala que essa pessoa só foi morta após ter sido decretada sua prisão, de modo a que não falasse o que sabia para polícia e em Juízo. Matar alguém para que não testemunhe é cometer crime para assegurar a impunidade de outro crime, o que gera a conexão do art. 76, II, do CPP. Além disso, se a discussão sobre a exploração das máquinas gerou o homicídio, é fácil concluir que temos no bojo da prova a respeito do art. 334, § 1º, do CP, a prova sobre o motivo do crime de homicídio, o que era a conexão do art. 76, III, do CPP.

Mas, não há nenhuma prova que Rivelino tenha sido morto porque revelaria “fatos que envolveriam” João Arcanjo, Júlio Bachs Mayada e Lepesteur “com o contrabando de componentes eletrônicos e exploração de máquinas caça-níqueis”. Tudo já estava descoberto e esclarecido. Trata-se de suposição. O que é mais certo é a outra afirmativa que a acusação dá, inclusive, mais importância. Esta última é mais para atrair o crime para julgamento da Justiça Federal. Está-se forçando, data venia, uma conexão.

A Justiça Federal, portanto, não é competente, na hipótese, para processar e julgar o crime de homicídio.

3. Conclusão

Ante o exposto, dando pela incompetência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes de homicídio, consumado e tentado, tendo como vítimas Rivelino Brunini, Fauze Rachid Jaudi, e Gisleno Fernandes, de ofício, anulo a sentença de pronúncia, julgando prejudicados os recursos em sentido estrito interpostos por (1) Célio Alves Souza; (2) Frederico Carlos Lepesteur; (3) Luiz Alberto Dondo Gonçalves; (4) João Arcanjo Ribeiro, o Comendador; (5) Gonçalo de Oliveira Costa Neto; (6) Marcus Bafa Pereira e (7) Márcia Carla Carpinsky.

3.1 Baixando os autos ao juízo de origem, deverá haver o desmembramento dos autos. O MM Juiz a quo deverá apreciar os crimes de descaminho e o de quadrilha para a prática desse delito (Código Penal, arts. 334, § 1º, c, 288, parágrafo único) c/c a Lei 9.034, de 3.5.1995.

3.2 Os crimes de homicídio, na hipótese, são da competência do Juízo da Vara Crime e do Júri da Comarca de Cuiabá, Estado de Mato Grosso.

3.3 A prisão dos denunciados, tanto em relação aos que recorreram quanto aos demais acusados, é mantida si et in quantum até ser apreciada pelo Juiz Federal. Quanto ao processo da competência da Justiça Estadual também é mantida a prisão para apreciação do juiz competente.

4. É o voto.

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