Contos de Pinóquio

Vendedor que mentia não consegue indenização de empresa por dano

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3 de abril de 2005, 10h38

O vendedor que é incentivado pelo empregador a mentir aos clientes não tem direito a indenização por dano moral. Motivo: é opção dele usar as informações falsas para vender mais e se beneficiar diretamente da remuneração.

O entendimento é dos juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP). Eles julgaram Recurso Ordinário movido por um ex-empregado do Consórcio Carro e Casa Fácil Sopave S/C Ltda. Ainda cabe recurso.

O ex-vendedor de cotas do consórcio entrou com ação na 3ª Vara do Trabalho de Santos para pedir indenização por dano moral. Ele alegou que sofreu “agressões de ordem moral e quanto a sua reputação” porque recebeu apelidos de clientes como “picareta”, “safado” e “estelionatário”.

Segundo ele, sua má fama é conseqüência da aplicação de orientações passadas pelo consórcio no treinamento. O objetivo seria estimular vendas através de “falsas promessas de entrega de bem com o pagamento de lance de até 25% na primeira assembléia”, o que não era cumprido.

A Vara negou o pedido de indenização por não haver provas das afirmações do ex-empregado. Inconformado, ele recorreu da sentença ao TRT paulista. Para o juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do recurso no TRT-SP, o ex-vendedor alega ter recebido as orientações, “mas em nenhum momento diz ter sido obrigado”.

Para o relator, o ex-vendedor não era acompanhado de qualquer agente fiscalizador da empresa que o obrigasse a mentir, “além do que costuma ser natural na argumentação de vendas todos os mecanismos de persuasão, mesmo porque era isso que iria encorpar sua comissão”. Para o juiz, os interesses do ex-vendedor confundem-se com os do consórcio, ou seja, “mais vendas, mais comissão”.

Bolívar assinalou que é “difícil admitir a hipótese do reclamante ‘mentir’ porque a empresa mandou. A opção de realizar o ato de expor falsamente uma situação que ele teve ciência logo que não acontecia é ato discricionário do reclamante e não apenas imposição do reclamando”.

“Evidente a situação de constrangimento sofrida pelo reclamante, mas não por culpa exclusiva da reclamada e portanto também não passível de indenização. Errou a ré ao dar orientações equivocadas ao contratar, quando da fase de treinamento, mas errou também o reclamante em difundir tais orientações equivocadas”, concluiu o relator.

A 1ª Turma acompanhou o juiz, por unanimidade, e negou a indenização ao ex-vendedor do consórcio.

RO 01485.2002.443.02.00-9

Leia a íntegra do voto

RECURSO ORDINÁRIO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE SANTOS/SP.

RECORRENTE: ROGÉRIO FRANSCISCO DE FARIAS

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARRO E CASA FACIL S/C LTDA.

EMENTA: “Danos morais. Vendedor de cotas de consórcio. Alegação de violação à sua reputação e moral em razão da atividade exercida sob o comando do empregador, que o orientava a dar falsas informações aos consorciados para a concretização da venda. Consciência plena do empregado da inocorrência da informação (contemplação de carta de crédito com lance de 25% do valor em 1ª Assembléia). Utilização deste mecanismo de persuasão de vendas de forma aética. Dano moral advindo da pecha “mentiroso”, não confirmada, à vista da atitude individual tomada exclusivamente pelo empregado, expondo inclusive a imagem do empregador.

R E L A T Ó R I O

Inconformado com a r. sentença de fls. 90/92 que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista, recorre o Réu pela via ordinária às fls. 99/102, em virtude da improcedência do pedido formulado a título de danos morais, por entender o I. Juízo “a quo” não haver provas no sentido da má fama do autor perante sua clientela em razão do evento alegado, pleiteando o provimento do apelo para julgar procedente a ação quanto a este pedido.

Embargos de declaração opostos pelo Reclamado às fls. 94/95, procurando de forma indireta reformar a r. sentença proferida quanto ao dano moral não reconhecido, e que foram rejeitados, fls.96/97.

Feito instruído, conforme ata de fls.86/88, com a oitiva do Reclamante, do preposto do Reclamado e de uma testemunha do Reclamante. Documentos acostados com a peça vestibular e com a defesa.

Ausência de recolhimento de custas.

Tempestividade observada.

O Reclamado apresentou contra-razões às fls. 104/106, a tempo.

Procurações às fls. 15 (Recte.) e fls. 43 (Recdo.).

Manifestação da douta Procuradoria Regional do Trabalho às fls. 107, nos termos do art. 83, II, VII, XII e XIII da Lei Complementar nº 75/93.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do recurso. Bem feito e aviado preenchendo, portanto, os pressupostos de admissibilidade.

V O T O

Alega o Reclamante nos autos do processo ter sofrido agressões de ordem moral e quanto a sua reputação, sob a forma de apelidos vexatórios atribuindo-lhe a pecha de “picareta”, “safado” e “estelionatário”.

O Reclamante alega que face à política da Reclamada em orientações dadas na fase de treinamento intensivo oferecido com o intuito de estimular vendas através de falsas promessas de entrega de bem com o pagamento de lance de até 25% na primeira assembléia receberia a carta de crédito, o que sempre restava não cumprido. Em razão desta situação instalada o mesmo foi considerado pelos seus clientes como mentiroso passando inclusive por cena desconfortável perante outros colegas de trabalho conforme relato da testemunha Maria Luiza Camosa Mangiocca.

Mormente, devemos atentar que o fato de ter o obreiro passado por situação pouco comum, esta condição exclusiva, por si não caracteriza a possibilidade do pleiteado dano. O próprio Reclamante alega ter recebido orientações, mas em nenhum momento diz ter sido obrigado. No mais não era acompanhado de qualquer agente fiscalizador da empresa que o obrigasse a mencionar as referidas mentiras alegadas, além do que costuma ser natural na argumentação de vendas todos os mecanismos de persuasão, mesmo porque era isso que iria encorpar sua comissão. Diante deste quadro percebe-se que os interesses do obreiro, neste diapasão se confundem com os do Reclamado. Mais vendas, mais comissão.

De se ver – que não há nos autos mesmo pela análise do testemunho colhido que não houve a má reputação comprovada pela prova oral, como bem posto pelo Juízo de 1º Grau.

Na contestação inclusive, às fls. 56 fundamenta o Reclamando que não há qualquer indício de prova da situação vexatória experimentada pelo Reclamante.

Nas razões de recurso mantém o Reclamando o alegado na exordial e na réplica, apenas fazendo menção ao depoimento da testemunha por ele arrolada.

Aceito esse raciocínio, qualquer dano moral provocado por ter o Reclamante cumprido determinações expressas do Reclamado, não poderia ser argumento a responsabilizar exclusivamente o Reclamado, eis que a pessoa jurídica, evidentemente, não age por si mesma, tendo um preposto dando orientações em seu nome. Devemos atentar também por vezes que o próprio reclamante na sua atividade falava em nome da empresa e ela então também estaria dando falsas informações. Assim, difícil admitir a hipótese do Reclamante “mentir” porque a empresa mandou. A opção de realizar o ato de expor falsamente uma situação que ele teve ciência logo que não acontecia é ato discricionário do Reclamante e não apenas imposição do Reclamando.

Evidente a situação de constrangimento sofrida pelo Reclamante, mas não por culpa exclusiva da reclamada e portanto também não passível de indenização.

Errou a Ré ao dar orientações equivocadas ao contratar, quando da fase de treinamento, mas errou também o Reclamante em difundir tais orientações equivocadas.

De onde mantenho a r. decisão recorrida, uma vez acertada a dimensão e proporção diferenciada entre dano e situação desconfortável que é o que se afigura nos autos, não sendo possível portanto a indenização pleiteada até pela atitude paralela praticada pelo próprio Reclamante.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra, conheço do apelo e, no mérito, nego-lhe provimento, mantendo íntegra a r. sentença de origem, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas como sentenciado.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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