Alternativa inviável

Uso de força policial contra bancários não soluciona greve

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30 de setembro de 2004, 13h00

Em muitos aspectos, a greve dos bancários de 2004 pode ser considerada um importante fenômeno para análise. É, por exemplo, o maior movimento de abrangência nacional da categoria desde a grande greve de 1985, em que pese o fato de que, agora, o movimento sindical como um todo sofre, e muito, os refluxos da reestruturação produtiva e a grave crise de empregabilidade que toca a todos os setores da economia, inclusive o próprio setor financeiro.

Poucos espaços hoje são tão informatizados e automatizados como os bancos, cujas transações, em grande medida, podem ser feitas independentemente dos trabalhadores bancários, em terminais de auto-atendimento ou mesmo pela Internet. Há ainda que se considerar a existência de milhares de correspondentes bancários (lotéricas, agências postais, etc.) que capilarizam o atendimento pelo país.

É nesse contexto, portanto, que se desenrola a paralisação dos bancários, cujas reivindicações salariais se apóiam, sobremaneira, nas taxas de lucratividade do setor e nas perdas verificadas nos últimos anos, especialmente em relação aos bancos públicos.

O que tem sido notado com extrema atenção e curiosidade é a quantidade de notícias em torno da estratégia adotada pelos bancos em relação aos tradicionais mecanismos de condução da greve.

Refiro-me à estratégia dos bancos de recorrem à Justiça Comum através de ações denominadas de ‘interditos proibitórios’, sob o argumento de que ação dos grevistas representa ameaça ao direito de uso e gozo da propriedade dos bancos, mais especificamente das agências bancárias.

O exame de muitas dessas decisões aponta para uma grande divergência entre os Juízes de Direito quanto ao cabimento dessa discussão no âmbito das ações possessórias. Embora alguns tenham admitido a ação, outros consideraram que a matéria foge à jurisdição comum, porquanto envolve conflitos sociais e o exercício de direito de greve, matéria, portanto, própria da Justiça do Trabalho.

É interessante notar que, em muitos casos em que foram concedidas liminares, observa-se uma clara discussão sobre limites do movimento grevista, inclusive apoiando-se em interpretações de dispositivos da Lei de Greve.

Ora, como assentou a Anamatra, em nota pública, “o manejo de ações de interdito proibitório pelos bancos não é, por sua natureza possessória, o mecanismo judicial adequado para a solução de conflitos trabalhistas, sem desprezar o fato de que compete à Justiça do Trabalho apreciar os desdobramentos da paralisação, pois matéria afeta ao conflito trabalhista e não ao direito de propriedade”.

E a própria Justiça do Trabalho já tem sido chamada a cumprir o seu papel constitucional de intermediadora pública desse conflito entre o capital e o trabalho, inclusive no convite à conciliação.

Assim, embora respeitando os entendimentos contrários, bem como as próprias decisões judiciais em debate, parece-nos razoável compreender que os mecanismos de ação utilizados em uma greve e historicamente desenvolvido no seio dos movimentos reivindicatórios dos trabalhadores (como manifestações na porta das empresas, passeatas, piquetes), não podem ser considerados, em princípio, afronta ao direito de propriedade. Mesmo este, na atual regência constitucional, não é considerado absoluto, devendo observar os fins sociais a que se destina.

Acreditamos que a concessão de liminares que autorizam o uso da força policial contra a ação dos grevistas, inclusive com notícias já publicadas de prisões de diversos dirigentes sindicais, não contribuirá para um harmônico epílogo do conflito trabalhista, tampouco faz jus aos ventos democráticos que a tão duras penas respiramos nos dias de hoje.

O que se espera, por suposto, é que o movimento grevista se desenvolva de forma pacífica e ordeira, observando-se as garantias e os direitos individuais, punindo-se eventuais excessos e abusos praticados por quem quer que seja.

Esperamos que seja encontrada uma solução negociada e para o impasse, uma vez que essa tem sido a tradição no setor bancário, que há mais de 12 anos tem celebrado acordos e convenções coletivas em seus períodos de negociação salarial. As eventuais tensões fazem parte desse processo democrático.

Não podemos esquecer, ao fim e ao cabo, que nossa sociedade hoje é certamente fruto dos movimentos sociais do passado, de sua marcha, de seu tempo, de sua história.

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