Operação tartaruga

Servidores do Judiciário voltam ao trabalho em marcha lenta em SP

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29 de setembro de 2004, 15h28

Noventa e um dias depois de iniciada, sofre interrupção, a greve dos Serventuários da Justiça no Estado de São Paulo. O dia 27 de setembro começou, na Praça da Sé, com ato público convocado pela OAB e co-participação da AASP, IASP e AACRIMESP, além de entidades outras não ligadas à advocacia. Um dos jornais de São Paulo, cobrindo aquela manifestação, mostra o presidente nacional do PSTU debatendo com um advogado e dizendo a ele, provavelmente, que os servidores, ganhando miséria, mereceriam melhor sorte do que trabalhar sem retribuição adequada.

O advogado, de seu lado, parece retrucar que a Justiça não pode ficar paralisada, perecendo, no meio disso, os direitos dos clientes. O presidente do Tribunal de Justiça, no gabinete, deve estar refletindo que manteve a posição inicial, dentro da legalidade, porque juiz não pode ofender a lei atendendo a reivindicações não cobertas pelo orçamento.

O governador Geraldo, silente, parece estar mais preocupado com as eleições do dia 3 de outubro, cruzando os braços agora, porque teria pouco a ver com aquele turbilhão de recriminações. Os servidores, destacando-se aqueles que manipulam os processos costurando-os e carimbando as páginas já deterioradas pelo uso, estão voltando às repartições, prometendo realizar a “operação padrão”, ou seja, a “operação tartaruga”, no fingimento de exercício do trabalho. Meu assistente Rogério, enquanto digita a crônica, lembra que a conduta dos serventuários se equipara àquela do jogador “Vampeta”, em oportunidade recente: “O Flamengo finge que me paga e eu finjo que jogo”.

No meio da refrega, todos fazem poucos dos presos, centenas deles, aliás, com seus processos refreados, habeas corpus paralisados, alvarás de soltura perdidos nas gavetas, juízes impotentes tentando, também, de seu lado, exercer a jurisdição. Na verdade, o estado de São Paulo tem mais de cem mil detentos, todos pendurados nas grades das celas, alguns menos incomodados, mas todos prejudicados, quer pelo estancamento da tramitação das ações penais, quer pela inatividade na apreciação dos benefícios, notando-se que a concessão de progressões é, se e quando cumprida a etapa, obrigação do Estado e não privilégio do condenado. Dentro de tal perspectiva, não houve quem perguntasse aos reclusos qual a opinião deles a respeito da paralisação.

O presidente do PSTU, cuja imagem aparece intrépida, não fez tal indagação à população carcerária, mesmo porque é líder de partido de trabalhadores e preso não trabalha. Logo, o preso não pode meter o bedelho nas coisas da sociedade livre, cumprindo-lhe esperar que o Poder Judiciário, as escrivanias, os advogados enfim, pacifiquem suas contradições. Alckmin não gosta de presos.

Para o governador, os condenados podem ir às tintas, não devendo e não podendo influir, tais delinqüentes, na solução da pendenga. O futuro é negro, pois as seqüelas da paralisação vão marcar profundamente todo o sistema penitenciário do estado de São Paulo. Lá de Brasília, entretanto, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça sugeriu a intervenção federal, porque o povo não pode ficar sem Justiça. Aliás, só há exemplo de paralisação da Justiça naqueles países sob grave crise institucional.

A propósito, nos idos de 1964, o cronista não havia completado os trinta anos, mas se pôs na escadaria do Palácio da Justiça para que os vinculados ao fórum sindical de debates fossem impedidos de fechar a Corte. Daí, quando o cronista viu, estava fazendo parte daquela nefanda revolução que mudou os destinos do país durante vinte anos. Precisou voltar atrás, caindo nos braços do extremo oposto. Agora, no entremeio dessa greve mefítica, dá muita pena dos encarcerados. A solução seria reparti-los: um pedaço seria doado ao Tribunal de Justiça, o outro ao PSTU e o restante iria aos serventuários, numa trinomia que poderia ser simplificada sob o título: adote um preso. Finalizando: os condenados paulistas mereceriam uma estrela no peito, a exemplo daquilo que se fazia, ou se faz ainda, nos Estados Unidos da América do Norte. Eles recebiam, lá, uma insígnia por bom comportamento. Verdadeiramente, os presidiários se postaram com uma estabilidade digna de aplausos. Não houve um queixume, um sinal de alarme, um levante, uma só gota de sangue a saudar essa guerra absolutamente irracional.

Os serventuários prometem não mais fazer sentenças para os juízes, não mais ajudar os advogados com seus códigos e só dar informações obrigatórias. O exemplo paulista é único no mundo, dentro de um regime político estável. Fica-se a pensar sobre os motivos de cada qual.

O presidente do Tribunal deu exemplo de determinação no cumprimento da lei, os servidores mostraram que estão politicamente organizados, os advogados demonstraram que precisam lutar pelo restabelecimento da tramitação de suas ações e o governador, no fim de tudo, também não teve como resolver a questão.

Por fim, a Assembléia Legislativa, por seus 94 deputados, se mostra apática. Não se pense que o problema terminou. A bem dizer, começou agora. Ruim será se o grupo dos privados da liberdade (PRAE), ou seja, Partido dos Relegados ao Esquecimento, resolver disputar com o presidente do PSTU “in loco”, como dizem os versados em latim, isto é, no pátio das penitenciárias ou no corredor dos calabouços. Ali a coisa pega e a greve acaba de vez.

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