Cofre público

Senadora petista é acusada de improbidade e enriquecimento ilícito

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27 de setembro de 2004, 21h41

A senadora Ana Júlia de Vasconcelos Carepa (PT) e o professor Darci José Lermen estão sendo acusados por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Contra eles foi ajuizada uma ação na Justiça Federal de Marabá, no Pará, assinada por Antonio Dias dos Santos Junior, que representa Fernando Souza Ferreira.

Segundo a representação, Ana Júlia violou o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal e lesou o erário público ao nomear Lermen para o cargo de assistente parlamentar em seu gabinete. A ilegalidade está, segundo a ação, no fato de Lermen ser professor do estado do Pará.

De acordo com Santos Júnior, Lermen nunca sequer esteve na capital federal. “Cabe aos réus esclarecer de que forma se dá a

contra-prestação a ser exercida pelo Sr. Darcy José Lermen em resposta aos vencimentos que vem auferindo de forma ilegal e imoral, constituindo a prática dos mesmos em crime contra o patrimônio público”, diz.

Santos Júnior pede que Lermen seja responsabilizado, assim como Ana Júlia, por se beneficiar “diretamente das vantagens ilícitas atreladas ao cargo de livre nomeação e exoneração de assistente parlamentar da senadora”. Para ele, além de ilegal, a prática dos acusados “fere de morte o princípio constitucional da moralidade, contido no caput do artigo 37 da Constituição”. A ação pede que todos os vencimentos de Lermen pela função sejam ressarcidos ao erário.

Leia a ação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA

DE MARABÁ – ESTADO DO PARÁ.

FERNANDO SOUZA FERREIRA, brasileiro, solteiro, eleitor em pleno gozo de seus direitos cívicos e políticos, portador do título eleitoral nº

354345113/17, residente e domiciliado na Rua Ipê, nº 49, Chácara do Sol, Parauapebas – PA, vem, por meio de seu advogado e procurador, mandato nos autos, com as honras de estilo à presença do douto juízo de Vossa Excelência, nos termos da Lei 4.717 de 29/6/1965, e nas disposições constantes na CONSTITUIÇÃO FEDERAL, especialmente as disposições cominadas no artigo 5º, inciso LXXIII, com a finalidade de promover a competente AÇÃO POPULAR POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO contra DARCI JOSÉ LERMEN, brasileiro, casado, portador do RG nº

3988222 SSP/PA e do CPF/MF nº 441755230-49, professor, residente e domiciliado no Município de Parauapebas/PA, na Rua Jk, nº 106 – Bairro Rio Verde e a SENADORA DA REPÚBLICA ANA JÚLIA DE VASCONCELOS CAREPA, brasileira, divorciada, com endereço na Ala Senador Teotônio Vilela, Gabinete 17 – Praça dos Três Poderes – Senado Federal – Brasília – DF, pelos motivos de fato e de direito a seguir expendidos:

I. DA SÚMULA DOS FATOS

A requerida ao ser eleita a uma das vagas ao Senado Federal, nesse último pleito eleitoral, nomeou o réu para assumir cargo (não técnico) de Assistente Parlamentar (AP03) junto ao seu gabinete, em Brasília, conforme atesta documento acostado a inicial.

Acontece Excelência, que ao proceder à nomeação para o cargo de assistente parlamentar, os réus praticaram conduta vedada pelo Art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, em uma demonstração clara de lesão ao erário público, tendo em vista que o réu é detentor de cargo efetivo de Professor junto ao Estado do Pará, conforme aprovação em concurso o que se depreende do documento carreado.

Ocorre que mesmo cientes da prática de ato ilegal e lesivo ao patrimônio público federal, os réus persistiram na realização deste ato até o momento em que o requerido encaminhou ao Senado Federal, através do gabinete da então Senadora Ana Júlia Carepa e perante a Escola Estadual Irmã Dulce, informando seu afastamento de suas respectivas funções públicas pelo fato de ser pré-candidato ao cargo de Prefeito do Município de Parauapebas -PA, conforme cópia de documento anexo.

Desta forma, o próprio Requerido forneceu as provas que geraram a presente ação, não podendo, portanto, contestá-las.

Pois bem, esses são os fatos.

II. DOS REQUISITOS LEGAIS DA AÇÃO

A) DA LEGITIMIDADE ATIVA

O art. 5º, inciso LXXIII da Carta Maior assim dispõe:”Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isentos de

custas e do ônus da sucumbência.”

Pois bem, o referido dispositivo legal, ao explicitar que “qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular…” tornou possível a invocação da atividade jurisdicional do Estado, para quem em nome próprio e no exercício de seu direito, assegurado constitucionalmente, vise anular ou reparar ato lesivo e ilegal.


Destarte, a ação popular se figura como um meio bastante eficaz para que o cidadão exerça seu papel cívico de fiscalizar o desempenho quanto à conservação e aplicação dos bens públicos, voltadas para o bem-estar social por parte dos administradores, servidores, representantes ou autoridades públicas, ou de entidades que recebam o caráter de públicas, devido à ligação com o Poder Público.

Nesse sentido, é precisa a lição de Hely Lopes Meirelles :” … Somente o indivíduo (pessoa física) munido de seu título eleitoral poderá propor ação popular, sem o quê será carecedor dela (…). Isso porque tal ação se funda essencialmente no direito político do cidadão, que tendo o

poder de escolher os governantes, deve ter, também, a faculdade de lhes fiscalizar os atos de administração.”

Diante da configuração do tema, o ilustre jurista Rodolfo de Camargo Mancuso assim o faz: “Por outras palavras, o exercício da ação popular pede a concomitância da dupla condição de brasileiro e eleitor. Compreende-se que assim seja, porque é ao entrar no gozo dos direitos políticos que o brasileiro passa a fruir da condição de fiscalizar os representantes que elege para o Parlamento, e, por extensão, todos os demais agentes encarregados da gestão da coisa

pública, cuja conduta deve pautar-se pelas diretrizes estabelecidas no art. 37 da CF.”

Então, para valer-se desse direito postulatório legalmente assegurado, vem o requerente, cidadão brasileiro, em pleno gozo de seus direitos cívicos e políticos, indignado com a lesividade e ilegalidade do ato praticado pelos réus, fundamentando essencialmente na sua faculdade de fiscalizar seus representantes, apresentar a presente ação, nos termos do dispositivo constitucional vigente.

B) DA LESIVIDADE (ILEGALIDADE) DO ATO

A Ação Popular, como já aduzido, é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.

Esse pensamento permanece vivo também na experiência pretoriana, tendo José Manoel de Arruda Alvim e Antônio Alberto Netto publicado pesquisa, donde destacamos estes dois arrestos do TJSP: “Não pode vingar a ação popular se não demonstrada a ilegalidade e a lesividade do ato impugnado” (rel. Alves Braga, RT 600/52); “Estão presentes os requisitos da ilegalidade e lesividade do patrimônio público a legitimar

a propositura da ação popular, … ( rel. Álvaro Lazzarini, RJTJSP 96/38)”

Outra não é a posição assente na doutrina, consoante os incensuráveis ensinamentos do mestre Hely Lopes Meirelles quando define a necessidade da presença de tais requisitos: “(…) Não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a sua ilegalidade na sua formação ou no seu objeto. Isso não significa que a Constituição vigente tenha dispensado a ilegitimidade do ato. Não. O que o constituinte de 1988 deixou claro é que ação popular destina-se a

invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público. (…) Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, (…)”. (grifo nosso) Ora, no caso vertente, a ilegalidade e a lesividade do ato praticado pela Senadora, Ana Júlia Carepa, está caracterizada a partir da nomeação do Sr. Darci José Lermen ao cargo (não técnico) de Assistente Parlamentar (AP03), cuja função é

desempenhada diretamente no gabinete da ré, portanto, no

Senado Federal (DF).

A conduta do Réu Darcy José Lermen constituí verdadeira violação e afronta direta a norma constitucional, já que o mesmo acumula cargo de livre nomeação e exoneração junto ao Senado Federal, concomitante ao cargo efetivo de Professor, junto a Rede Estadual de Ensino Médio, conforme atesta cópia de documento em anexo, sem ter sequer estado na Capital Federal, sede do Congresso Nacional e do Poder Executivo Federal, permanecendo sempre em Paraupebas.

Neste sentido, cabe aos réus esclarecer de que forma se dá a

contra-prestação a ser exercida pelo Sr. Darcy José Lermen em resposta aos vencimentos que vem auferindo de forma ilegal e imoral, constituindo a prática dos mesmos em crime contra o patrimônio público.

A regra constitucional (art 37º, inciso XVI) é pela vedação de qualquer hipótese de acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horário, verbis:

Art.37. omissis

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos,

exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado

em qualquer caso o disposto no inciso XI (Redação dada ao

caput do inciso pela Emenda Constitucional nº 19/98).


(…)

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico; (Redação dada à alínea pela Emenda Constitucional nº 19/98).

Neste sentido, o mestre Hely Lopes Meirelles assim nos ensina: “A proibição de acumulação de cargos, empregos e funções, tanto na Administração direta como na indireta (CF, art.37, XVI e XVII), visa a impedir que um mesmo cidadão passe a ocupar vários lugares ou a exercer várias funções, sem que possa desempenhar proficientemente, embora percebendo integralmente os respectivos vencimentos.”

E assim continua o ilustre entendimento ao relembrar as origens dessa vedação, por conta do Decreto da Regência de 1822, cuja justificativa tem ainda plena atualidade quando esclarece que: “(…) se proíbe que seja reunido em uma só pessoa mais de um ofício ou emprego, e vença mais um ordenado, resultado manifesto dano e prejuízo à Administração Pública e às partes interessadas, por não poder de modo ordinário um tal empregado público ou funcionário cumprir

suas funções e as incumbências de que duplicadamente encarregado, muito principalmente sendo incompatíveis esses ofícios e empregos; e, acontecendo, ao mesmo tempo que alguns desses empregados e funcionários públicos, ocupando os ditos empregos e ofícios, recebem ordenados por aqueles mesmo que não exercitam, ou por serem incompatíveis ou por concorrer o seu expediente nas mesmas horas em que se acham ocupados em outras repartições.”

Ademais, nossos Tribunais já pacificaram a questão referente a tal vedação constitucional. Eis aqui alguns escólios selecionados:

CONTRATO DE TRABALHO – ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS PÚBLICOS – NULIDADE – É nula a acumulação remunerada de cargos públicos, quando não forem atendidos os requisitos do

art. 37, XVI, da constituição federal. (TRT 14ª R. – REX-RO

0897/02 – (0196/03) – Relª Juíza Elana Cardoso Lopes Leiva de

Faria – DOJT 07.04.2003) JCF.37.XVI JCF.37

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Acumulação indevida de cargos públicos

(no legislativo municipal e em paraestatal – Eletropaulo). Infringência ao art. 37, XVI e XVII da Constituição Federal. Devolução de tudo quanto foi pago neste período, bem como das custas. (TJSP – AC 60.138-5 – Santos – 1ª CDPúb. – Rel. Des. José Raul Gavião de Almeida – J. 14.12.1999 – v.u.) JCF.37.XVI JCF.37.XVII.

Pois bem, a ilegalidade e a lesividade do ato praticado pelos réus está clara, haja vista que há o descumprimento de uma norma constitucional, afronta aos mandamentos da lei, às exigências do bem comum, ocorrendo lesão à coisa pública e enriquecimento ilícito do Réu DARCY JOSÉ LERMEN.

Essa conduta desvirtuada dos réus, visando lesar o erário púbico e afrontar os princípios nucleares da ordem jurídica, com a obtenção de vantagens indevidas, através do uso nocivo do mandato de Senadora, configura-se, portanto, ato de improbidade administrativa, conforme dispõe os §§1º e 4º do art. 37 da Constituição Federal.

Da mesma forma, induz ao réu Darcy José Lermen a responsabilidade sob o ato, já que este se beneficiou diretamente das vantagens ilícitas atreladas ao cargo de livre nomeação e exoneração de Assistente Parlamentar da Senadora ora ré, que foi eleita pelo povo paraense para legislar e também fiscalizar os atos da administração pública.

Ademais, além da ilegalidade de tal acumulação de cargos públicos, a prática é imoral e fere de morte o princípio constitucional da moralidade, contido no caput do artigo 37 da Constituição, considerando que o réu Darcy José Lermen percebia mensalmente seus vencimentos, sem sequer exercer suas atribuições legais atreladas ao cargo federal, não se prestando, inclusive, para afastar-se de Parauapebas um dia sequer para estar em Brasília exercendo seu mister, até mesmo porque é professor estadual e, em decorrência de sua carga horária, não pode se ausentar de Parauapebas, sob

pena de prejudicar seus alunos e não cumprir com sua jornada

de trabalho.

Estando presente a comprovação dos requisitos da ação, bem como a ilegalidade do ato praticado pelos réus, não outra providência a ser tomada que não seja a declaração de nulidade do ato praticado e a conseqüente devolução ao erário público dos valores auferidos durante a vigência da nomeação, por ser esta uma medida justa e legal.

III. DO REQUERIMENTO

Ante todas as argumentações ao norte expendidas, requer a Vossa Excelência o deferimento das seguintes medidas:

a) Citação dos réus, para que, querendo, apresentarem defesa,

sob pena de revelia e confissão quanto aos fatos alegados;

b) Procedência da presente ação com a conseqüente condenação

dos requeridos ao pagamento das custas, e das demais cominações legais;

c) O ressarcimento ao erário público de tudo o que foi pago ao Sr. Darci José Lermen, até o momento que este deixar de ocupar ilegalmente o cargo de Assistente Parlamentar no Senado Federal;

d) O acompanhamento do feito pelo r. Membro do Ministério Público Federal;

e) Que seja oficializado ao Senado, através da presidência daquela casa para que seja encaminhada ao ilustríssimo juízo de Vossa Excelência, cópia do ato de nomeação do primeiro requerido e a relação de pagamentos efetuados ao mesmo até a presente data;

f) Que seja oficializado a Secretaria Estadual de Educação do Pará, na figura de seu representante legal, requerendo para tanto que seja encaminhada certidão, na qual deverá ser discriminando a real situação funcional do Sr. Darci José Lermen, devidamente instruída com documentos, tais como: cópia do Ato de Posse e Nomeação e demais que se fizerem necessários;

g) O deferimento da justiça gratuita em favor do autor popular, nos termos do inciso LXXIII do artigo, 5º da CF;

h) A declaração de nulidade do ato de nomeação do Réu Darcy José Lermen para o cargo de Assistente Parlamentar (AP03) junto ao gabinete da Ré Ana Júlia Carepa, uma vez que o mesmo vai de encontro com as disposições constantes no artigo 37 da Constituição Federal;

Requer, finalmente, provar o alegado por todos os meios de prova permitidos pelo direito, especialmente os depoimentos pessoal dos réus.

Dá-se a causa o valor de R$100,00 (cem reais) para efeitos meramente fiscais.

Nos termos da presente,

Pede deferimento.

De Parauapebas/PA para Marabá/PA

Em 27 de setembro de 2004.

Antonio Dias dos Santos Junior

Advogado

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