Mercado central

Advogados contam das vezes que receberam bichos como pagamento

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25 de setembro de 2004, 9h13

Aos 90 dias de greve na justiça paulista, mesmo não tendo adesão total, os advogados do estado padecem as agruras da falta de pagamento de seus honorários. O quadro evoca outro tipo de situação de penúria. Mas esta, dos clientes que, sem ter como saldar as dívidas com dinheiro, pagavam (ou ainda pagam) os advogados com coisas.

As ofertas dos clientes chegam, em alguns casos, a serem realmente estranhas. Uns doces, talvez um frango ou um porco. Algumas propostas são ainda mais apetitosas, como uma fazenda ou um apartamento na praia.

Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, em certa ocasião, no começo da carreira, recebeu como pagamento por seus serviços, um engradado de galinhas. Com o tempo, a sua sorte mudou e chegou a receber como honorários, em uma outra ocasião, uma fazenda em São Carlos, interior paulista.

O advogado trabalhista, João José Sady conta que quando trabalhava com Direito Criminal, também recebeu um pagamento um tanto quanto diferente. Seu escritório livrou um pintor da prisão e recebeu como honorários quadros pintados pelo próprio. “Nada de extravagante. Infelizmente, numa posterior dissolução de sociedade, meu ex-sócio ficou com os quadros e jamais saberei se é alguém que tenha ficado famoso, o que daria algum sabor ao episódio”, contou Sady.

Luís Guilherme Vieira, advogado criminalista no Rio de Janeiro, também lembra um caso peculiar, quando atuava com o colega Antonio Carlos Barandier. O cliente, para pagar seus débitos, apareceu com um porco, que teve de ser alojado na copa do escritório.

O problema adicional é que o porco era imenso, e foi difícil arrumar um jeito de repassar esse honorário. Além de pagar o frete, os advogados tiveram que solicitar o concurso de quatro ou cinco funcionários do prédio para deslocar o honorário suíno para uma Kombi. Vieira conta que o leitão fez a alegria das crianças de uma creche mantida pela Santa Casa da Misericórdia.

Mesmo o pagamento em dinheiro impõe certas restrições. “Crediário não, aqui não é Casas Bahia.” Foi o que pensou, mas não falou dessa forma, é claro, o tributarista Raul Haidar recusando a forma de pagamento de um cliente que queria criar um carnê para parcelar sua dívida.

Defendendo uma senhora de 72 anos na Justiça Federal, Nilson Jacob — advogado criminal da Editora Globo – se compadeceu da cliente que não tinha condições de arcar com os honorários e aceitou o pagamento em quadros e uma estatueta de bronze. Jacob disse que acabou aproveitando os objetos em sua casa de campo em Atibaia, interior de São Paulo. “Tem gente que quer dar carro, apartamento, lancha, casa. Eu não aceito esse tipo de coisa”, disse Jacob.

A advogada, Taís Gasparian, que hoje defende os profissionais da Folha de S. Paulo na área Civil, conta do começo da sua carreira, quando o escritório onde trabalhava defendeu a causa para uma fazenda. Na ocasião, cada integrante do escritório recebeu um “kit rural”, como pagamento de honorário. Na cesta veio um frango, um queijo minas, com umas tantas outras coisas, dessas que se faz na fazenda. Para não deixar a desejar, ela contou uma outra história, a de quando defendeu uma doceira, que pagou os honorários em doces. “Eu não pedi nada, sabia que ela não tinha como pagar. Mas, mesmo assim, ela mandou entregar no escritório uma bandeja de doces”.

Ives Gandra Martins, especialista em Direito Constitucional, também já recebeu honorários diferentes, mas que foi até bem-vindo. Na década de 90, advogou para um cidadão que criava cavalos. O cliente veio dizer que estava com dificuldades para pagar pelos serviços prestados e Ives Gandra deixou ele livre para decidir,“pague como puder, quando quiser e se puder”. O cliente mandou entregar no sítio de Ives Gandra, em Avaré, um cavalo e uma égua. “Para os meus filhos foi ótimo. Eles passavam férias no sítio e aproveitaram bastante os cavalos”. Um dos filhos do famoso advogado é o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho.

Hoje vice-presidente do Conselho Federal da OAB, o advogado Aristoteles Atheniense, tempos atrás, quando havia acabado de se formar, foi defender os direitos trabalhistas do palhaço Chuca-Chuca, e de uma trapezista do “Gran Circo Americano”, em temporada por Belo Horizonte. Segundo relata o site Infojur, Aristoteles ganhou a causa, mas a bilheteria do circo estava fraca. Resultado: os honorários foram pagos com dois elefantes. Ele vendeu os animais e comprou um carro.

Para o advogado trabalhista no Paraná, Luiz Salvador, aceitar quase qualquer coisa como pagamento de honorários não é lá uma coisa muito adequada. “Alguns advogados a quem eu encaminhava serviço costumavam ir à casa do cliente e retirar da sala, sofá, geladeira, televisão em pagamento de seus honorários não pagos. Isso para mim é um horror”, afirmou Salvador.

É verdade que nem todos querem ou devem aceitar determinados tipos de honorários. Certa vez um homicida quis pagar o criminalista Arnaldo Malheiros Filho com 25 quilos de maconha, para que ele fizesse a sua defesa. Malheiros recusou a oferta e desistiu da causa.

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