Militares transferidos

Procurador contesta medida que garante vaga em universidades

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24 de setembro de 2004, 20h00

A permissão para que dependentes de militares transferidos por força de ofício tenham vagas garantidas em universidades federais, mesmo que oriundos de escolas particulares, foi contestada nesta sexta-feira (24/9) na Justiça Federal.

O procurador da República, no Distrito Federal, Carlos Henrique Martins Lima, ingressou com Ação Cautelar Preparatória de Ação Civil Pública, contestando parecer da Advocacia Geral da União AGU) que, no final de agosto passado, interpretou a legislação vigente, concedendo esse direito aos militares.

De acordo com o parecer, a garantia de vagas para os servidores civis e seus dependentes também deslocados por motivos profissionais continua a ser em instituições congêneres. Ou seja, se estiverem cursando universidades particulares terão garantia de vaga em escolas particulares da região de destino.

Segundo Carlos Henrique, as universidades “em especial as vinculadas a esfera federal vinham reiteradamente recusando-se a aceitar transferências”. Ele lembra na ação (veja íntegra abaixo) que o Superior Tribunal de Justiça vinha julgando no mesmo sentido do parecer da AGU. Mas, para ele, se trata de uma interpretação equivocada que encontra desfecho no texto da Constituição.

Carlos Henrique adverte ainda que o ato da AGU poderá inviabilizar os vestibulares para os cursos mais concorridos, como o de Direito, por inexistência de vagas para a cota de afro-descendentes e para o PAS (Programa de Avaliação Seriada das Escolas de Segundo Grau).

Em virtude do parecer da AGU, o Conselho Universitário da Universidade de Brasília (UnB) já decidiu, no início desta semana, suspender o vestibular para curso de Direito e devolver o dinheiro aos candidatos inscritos.

Leia a íntegra da Ação Cautelar do procurador Carlos Henrique

EXMO(A). DR.(A) JUIZ(A) FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÄO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República ao final assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos artigos 127, 129, e 205, da Constituição Federal, e nos artigos 1º a 5º da Lei 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública; artigos 81 a 83, da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor; e artigo 6º, inciso VII, da Lei Complementar nº 75/93 – Lei Orgânica do Ministério Público da União; vem propor a presente

AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA DE CIVIL PÚBLICA

em desfavor do UNIÃO, nesta Capital, a ser CITADA na pessoa do Procurador Regional da União, no Setor de Autarquias Sul Quadra 02 Bloco “E” 2º andar – sala 206, Ed. PGU, – Tel.: 315-76998 – Fax.: 225–6122, BAIRRO: Asa Sul, CEP: 70070906 – Brasília/DF;

I – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A Constituição Federal, em seu art. 109, inciso I, é clara ao dispor que, aos juízes federais, compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Incontestável, portanto, a competência deste Juízo Federal para processar e julgar a presente demanda.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A Constituição Federal de 1988, ao definir o Ministério Público como Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da C.F.), e estabeleceu, em seu artigo 129, suas funções institucionais, destacando-se:

“Art. 129…

II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;…”

Em seguida, complementado o que fora informado, o artigo 205 da Constituição erige em direito de todos e dever do Estado e da Família a Educação, vejamos:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

É certo, ainda, que a Seção que trata sobre o tema, traz regras como a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; autonomia didática-científica, administrativa das Universidades; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; todas atraindo a obrigatória atuação ministerial em sua defesa.


Inegável, assim a legitimidade ativa do MPF.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO

Não restam dúvidas quanto à legitimidade passiva do União, visto que o objeto da presente ação é a suspensão dos efeitos do Parecer nº AC – 022, exarado pela Advocacia Geral da União e aprovado pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral da União e pelo Exmo. Sr. Presidente da República (D.O.U. 15.09.2004 – Seção 1- fls 07/08), o qual tem conteúdo vinculante para a Administração Pública, de acordo com o disposto no artigo 40, § 1º, da Lei Complementar 73/93.

O parecer supra veio dirimir controvérsia jurídica existente entre o Ministério da educação e o Ministério da Defesa a respeito da obrigatoriedade de reserva de vagas nas instituições públicas federais de ensino superior para o servidor militar ou seus dependentes naquelas hipóteses em que o aluno é egresso de instituição privada de ensino. Segue a ementa do parecer:

Transferência de estudante – Instituições de educação superior – Transferência ex officio de servidor militar – controvérsia entre os pareceres jurídicos nº 092, de 11 de junho de 2003, da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, 021, de 13 janeiro de 2000 e 547, de 2 de junho de 2003, ambos da Consultoria Jurídica do Ministério da Educação, sobre o direito de o servidor militar e de seus dependentes se matricularem em estabelecimento de ensino superior público mesmo quando provenientes de instituições privadas.

I – O servidor militar transferido ex officio, bem como seus dependentes, têm direito à matrícula em estabelecimento de ensino superior público, mesmo na hipótese de terem ingressado originariamente em faculdade particular, ainda que no novo domicílio exista instituição de ensino privado.

II – O servidor militar e seus dependentes estão sujeitos exclusivamente à disciplina da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, a qual não faz referência ao termo “congênere”.

III – O termo “congênere”, previsto no art. 99 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, não deve ser aplicado nas hipóteses em que o servidor militar é transferido, consoante a jurisprudência pacífica de Superior Tribunal de Justiça.

IV – DOS FATOS E DO DIREITO

A questão relativa às transferências entre Instituições de Ensino Superior, há muito, vem causando controvérsias administrativas e judiciais. Com efeito, é conhecido o grande número de Mandados de Segurança que os pleitos indeferidos geram.

Tal se deve, principalmente, aos requerimentos de vaga em IES públicas por candidatos oriundos de Instituições particulares. Nesse diapasão, as Universidades, em especial as vinculadas à esfera federal, vinham reiteradamente recusando-se a aceitar transferências de alunos oriundos de entidades não-congêneres, entendidas estas de acordo com a diferenciação entre públicas e particulares.

A legislação ordinária que rege a matéria vinha deixando margem à discussão, em especial, para diferenciação nos pleitos de transferência, decorrentes de remoção (profissional) ex-officio, entre servidores públicos civis e militares, ou seus dependentes.

Isso se dá, em decorrência da edição da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 97, editada no intuito de regulamentar o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.094/96 (LDB), vazada nos seguintes termos:

“Art. 1º A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício (…)”

Do texto legal derivam as seguintes interpretações, agora sedimentadas no referido Parecer da AGU: o servidor público militar, removido de ofício, tem direito a vaga em IES pública, independente da natureza (pública ou privada) da instituição de origem, por força do texto já transcrito; o servidor público civil, na mesma situação, deve transferir-se para instituição congênere (particular para particular, pública para pública), salvo se não restar na nova localidade curso afim em instituição de mesma natureza, por força do artigo 99 da Lei nº 8.112/90, que não teria sido revogada pela nova, apenas complementada. Abaixo o texto referido:

“Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga.”

É certo que o entendimento do STJ se vinha firmando no sentido da tese adotada no parecer da AGU. Todavia, e com as devidas vênias, além de derivar de uma equivocada interpretação do texto legal, certo é que a questão transborda os limites da legislação ordinária, encontrando seu natural desfecho no texto Constitucional.


As implicações do ato administrativo, além disso, estão a exigir a imediata atuação para evitar danos à sociedade que, estupefata, assiste a possibilidade de inviabilização, não de um, mas de diversos certames vestibulares para cursos mais concorridos, entre eles, e especialmente, o de DIREITO, por inexistência de vagas a serem ofertadas, quer para os afro-descendentes (cotas raciais), quer para o PAS (programa de avaliação seriada das escolas de segundo grau), quer para a sociedade.

A tese que ora se está a defender tem encontrado guarida mesmo na seara judicial, conforme trecho do voto da Juíza Assusete Magalhães, na QRJAMS nº 95.01.22761-8/PI, que bem explica o que aqui se expôe, verbis:

“Entendo que a superveniência da Lei nº 9.536, de 11/12/97, não acarreta a perda do objeto do presente incidente.

(…)

Ademais, do exame da Lei nº 9.536, de 11/12/97, entendo que, quando ela assegura a transferência compulsória de servidor público estudante removido ex officio “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino”, não está a dispor em contrário e de modo incompatível com o art. 99 da Lei nº 8.112/90.

Basta, para chegar-se a tal conclusão, examinar-se o que a nova Lei de Diretrizes e Bases – Lei nº 9.394/96 – dispõe sobre o sistema de ensino.

Diz a aludida Lei nº 9.394/96 que os sistemas de ensino são federal, estadual, do Distrito Federal e municipal (art. 8º), compreendendo os sistemas de ensino federal, estadual e do DF não apenas as instituições de ensino superior públicas, mantidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mas também aquelas instituições de ensino superior criadas e mantidas pela iniciativa privada” (arts. 16 e 17), in verbis:

(…)

Assim sendo, quando a Lei nº 9.536/97 assegura a transferência “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino”, ou seja, vinculadas aos sistemas de ensino federal, estadual, do DF ou municipal, não está a impor que a transferência se opere obrigatoriamente para instituição de ensino pública, se o servidor estudante é originário de instituição de ensino privada, porquanto os aludidos sistemas de ensino compreendem as instituições de ensino públicas e também as criadas e mantidas pela iniciativa privada. E, à luz do art. 206, I, da CF/88, entendo que a interpretação a ser dada ao dispositivo também é a restritiva, de molde a assegurar a igualdade de condições para o acesso a instituição de ensino superior pública, ante o disputadíssimo exame particular.” (grifamos).

De ver-se que a própria orientação do STJ era torrencial no sentido de considerar a observância do requisito da congeneridade também para os servidores militares, mesmo após a edição da Lei nº 9.536/97, vejamos:

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA “EX OFFICIO”. SERVIDOR MILITAR. INSTITUIÇÕES NÃO CONGÊNERES. APLICAÇÃO DA LEI N° 9.536/97.

– Quando o servidor militar for removido ex officio e no interesse da Administração, de acordo com o art. 1º da Lei n.° 9.536/97, a este assiste direito à matrícula em estabelecimento superior do novo domicílio, em qualquer época do ano e em qualquer instituição de ensino, salvo, quando o curso pleiteado for encontrado em universidade particular na cidade para a qual o servidor foi transferido ex officio, caso em que, a matrícula não poderá ser feita em instituição de ensino público.

– Recurso especial desprovido.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal do Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, negarprovimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Garcia Vieira, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Acórdão Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL -387578 – Processo: 200101774617 – UF: DF – Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA – Data da decisão:04/04/2002 – Documento: STJ000442603 – Fonte DJ DATA:05/08/2002 PÁGINA:206 Relator(a) LUIZ FUX

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENSINO SUPERIOR. SERVIDOR MILITAR FEDERAL. REMOÇÃO “EX OFFICIO”. TRANSFERÊNCIA DE MATRÍCULA.IVIOLAÇÃO DA LEI. INOCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA INEXISTENTE. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ.

1. Comprovada a remoção de servidor militar estudante universitário, por necessidade de serviço, tem ele direito à transferência de matrícula para estabelecimento congênere em localidade mais próxima da sua nova sede.

2. Paradigmas inespecíficos não se prestam para comprovar a divergência jurisprudencial.

3. Inadmissível o reexame de matéria fática em sede de recurso especial.

4. Recurso não conhecido. Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Eliana Calmon, Franciulli Netto, Laurita Vaz e Paulo Medina.

Acórdão Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL — 232092 – Processo: 199900860896 – UF: RN – Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA – Data da decisão:04/09/2001 – Documento: 5TJ000410666 – Fonte DJ

DATA:12/1 1/2001 PÁGINA:138 Relator(a)

FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – Publicação:12/11 /2001

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA DE ESTUDANTE ESPOSA DE SERVIDOR MILITAR TRANSFERIDO PARA OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO.

I. A estudante universitária na condição de esposa de servidor, na hipótese do marido mudar de sede no interesse da administração, tem assegurada matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga, na localidade da nova residência ou na mais próxima.

II. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais.

III. Medida cautelar procedente.

Decisão

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar procedente a Medida Cautelar, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros HUMBERTO GOMES DE BARROS e MILTON LUIZ PEREIRA. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros GARCLA VIEIRA e JOSÉ DELGADO. Acórdão Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Classe: MC – MEDIDA CAUTELAR — 3260- Processo: 200001193821 – UF: DF – Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA – Data da decisão: 13/03/2001 –

Documento:5TJ000392050 – Fonte DJ

DATA:11/06/2001 PÁGINA:95 RSTJ VOL.:00153 PÁGINA:1 11 Relator(a) FRANCISCO FALCÃO Data Publicação 11/06 /2001


Conquanto tenha se observado mudança na orientação jurisprudencial do e. STJ, certo é que os aspectos constitucionais, inexoráveis para o completo entendimento, restaram fora do debate.

Sobre o aspecto da nova configuração constitucional da educação, importantíssimas manifestações têm sido feitas pelo i. colega Procurador Regional da República HUMBERTO JACQUES, a qual, malgrado sua extensão, por sua relevância e profundidade, pedimos vênia para transcrever:

“TRANSFERÊNCIA OBRIGATÓRIA. REVOGAÇÃO DO INSTITUTO. LEI Nº 9.536. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. INSTITUIÇÃO CONGÊNERE. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL.

A Constituição da República não autoriza o ingresso no ensino superior público gratuito, custeado pelo contribuinte, de estudante de escola privada e que não se submeteu ao concurso público de instituição pública de ensino superior, no qual o Estado seleciona os melhores e de mais mérito para gozar da benesse do ensino superior público gratuito. Afronta o princípio republicano o ingresso do impetrante apenas em função de sua atividade profissional, desconsiderando-se todos os imperativos de ordem constitucional.

Quando o legislador cria a figura da transferência obrigatória – necessariamente submetida à Constituição – não o faz para que todo e qualquer um que mantenha, a qualquer tempo, vínculo com a Administração, ingresse sem vestibular na Instituição de Ensino Superior que melhor lhe aprouver, no momento em que entender mais agradável à sua pessoa, independentemente de vaga e condições de ensino.

A posição do Superior Tribunal de Justiça, assumidamente incompleta, não pode ser automaticamente esposada pela jurisdição ordinária.

Parecer pelo provimento do recurso.

(…)

Com efeito, a sentença fez aplicação literal da Lei nº 9.536 de 1997, cujo artigo primeiro assim dispõe:

(…)

Neste mister há que se rever e enfrentar preceitos jurídicos violados na sentença.

O impetrante é: a) servidor militar que foi transferido para o Pará;

b) estudante de Direito de Universidade privada.

O direito à transferência obrigatória para as Universidades, ou instituições de ensino superior, deve ser tratado em conformidade com a Constituição. Não se pode, também, perder de vista o estágio atual de desenvolvimento da Sociedade brasileira.

Há nos presentes autos um autêntico conflito de direitos. Vemos em aparente conflito direitos constitucionais e direitos de fundo legal, direitos individuais e direitos coletivos.

Um conflito de tal monta exige que se dê um tratamento jurídico que verifique o correto modo como se justapõem tais regras, sem quebra da ordem jurídica constitucional.

Da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Há em vigor uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.393/96) que interferiu sensivelmente na problemática em tela.

Da revogação de toda a legislação pretérita

A edição de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação produz, pela sua própria condição de lei específica, a revogação tácita de toda a disciplina existente sobre transferência obrigatória para o ensino superior.

De qualquer sorte, grande parte da disciplina sobre transferências obrigatórias já não mais se encontrava no ordenamento jurídico, porque incompatível com a Constituição de 1988.

(…)

Da disciplina para as transferências no ensino superior

No que respeita às transferências no ensino superior, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação assim dispõe:

Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na hipótese de existência de vagas e mediante processo seletivo.

Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão na forma da lei.

Da fixação numerus clausus das vagas nas Universidades

Da mesma forma que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação baniu a figura da transferência obrigatória, também fulminou a hipótese de ingresso em Universidade independentemente de vaga.

A fixação das vagas e dos cursos que oferecerá pertence ao plexo de prerrogativas decorrentes da autonomia universitária de sede constitucional, traduzida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação:

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

IV – fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências de seu meio;

Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

II – ampliação e diminuição de vagas;

Como se vê, a matéria do número de vagas, da quantidade de estudantes faz parte do cerne da autonomia universitária. A desvinculação desse parâmetro das instâncias acadêmicas significa violar a autonomia didático-científica.

Como já dito, é um contra-senso pensar-se que uma necessidade menor de pessoal de uma repartição pública possa dar causa à violação da autonomia didático-científica de a Universidade estabelecer o quantitativo de suas vagas, dentro de sua capacidade orçamentária e financeira.

A impossibilidade da falida cláusula “independentemente de vaga” também esbarra em outros preceitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A saber:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IX – garantia de padrão de qualidade;

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

IX – padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

Como se pode falar em igualdade de condições de acesso e permanência se para alguns estudantes é necessário submeter-se ao número de vagas do vestibular e para outros o acesso se dá independentemente de vagas?

Como se pode falar em coexistência de instituições públicas e privadas se o instituto da transferência obrigatória transforma vagas privadas em vagas públicas sem limite, esvaziando as instituições privadas e esgotando os parcos recursos do contribuinte?

Como se falar em acesso aos níveis mais elevados segundo a capacidade de cada um se alguns ingressam em instituições públicas e gratuitas mediante seletivo e disputado concurso público vestibular específico, e outros, sem demonstrarem igual capacidade, ingressam por transferência obrigatória independentemente de vaga e capacidade?

Como se pode falar em padrões mínimos, em direito a qualidade de ensino, a variedade e quantidade mínimos por aluno de insumos indispensáveis ao ensino-aprendizagem se existir um instituto que permita o ingresso independentemente de vaga, isto é, independentemente dos insumos e da qualidade? Lembre-se que, em caso que tal, o prejudicado não é o transferido, mas aqueles que conquistaram o direito à vaga por vestibular, os quais terão de abrir mão de seus insumos para compartilhá-los com o privilegiado transferido.

Mas até que limite?

Limites!!?? !!!??

Sem limites…

(…)

Da regulamentação do parágrafo único do art. 49 – Lei 9.394/96 e a Interpretação que emerge

A remoção a pedido do impetrante foi processada sob a vigência da Lei n.º 9.394/96 que teve seu art. 49 regulamentado pela Lei n.º 9.536/97 da seguinte forma:

“Art. 1º – A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente de existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou se dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta.

Verifica-se ao exame deste dispositivo legal que só cabe a transferência ex officio quando comprovada a transferência ou remoção de ofício do servidor, ou seja, por imperativos da Administração Pública. Será esse, contudo, o único requisito para que o direito do impetrante surja? Conforme será demonstrado, a remoção de ofício não é a causa bastante e suficiente para que emerja uma pretensão fundamentada do autor.

Destarte, o artigo em epígrafe se refere à transferência entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino. Não há empecilhos, portanto, para transferência entre os diversos sistemas de ensino (federal, estadual, municipal).

Como se sabe, cada sistema de ensino é constituído por entes privados e públicos (artigos 16, 17, 18 da LBD). E a lei fala apenas na transferência entre os sistemas de ensino. Não é dito que a transferência será feita entre os diversos entes de cada sistema independentemente da sua natureza. Eis um silêncio eloqüente do legislador que só poderá ser realmente compreendido a luz do art. 99 da lei 8.112. “

(grifamos)

“Entrementes, a própria leitura da Lei n.º 8.112/90 deve ser feita em conformidade com a Constituição e em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e sua norma regulamentadora.”

A regra inscrita no Regime Jurídico Único é a seguinte:

Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da Administração, é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição congênere, em qualquer época, e independentemente de vaga.

Parágrafo único. – O disposto neste artigo estende-se ao cônjuge ou companheiro, aos filhos, ou enteados do servidor que vivam na sua companhia, bem como aos menores sob sua guarda, com autorização judicial.

Essa norma em vigor é o que há, no plano legislativo, complementando o que se dispõe sobre “transferência ex officio”. Pela leitura da mesma, não se poderá concluir outra coisa senão que entre elas não há relação de contrariedade, mas, pelo contrário, de complementaridade. O art. 99 da lei ora em pauta representa um “plus” à exigência elencada no artigo primeiro da norma regulamentadora.

Insta, portanto, que o aplicador do Direito se utilize a elementar interpretação sistêmica. Essa, da mesma forma, é a posição do TRF 1ª Região, como se vê em recente acórdão publicado em 13 de dezembro de 1999; entendimento esse, diga-se de passagem, que será sumulado.

(…)

Conclui-se, pelo exposto que a remoção de ofício é condição necessária, mas não suficiente para o feito. Esse pressuposto deve estar conjugado à necessidade de se respeitar a identidade entre as instituições de ensino superior, em face da Constituição.”

(grifamos)

Da Constituição de 1988

É a Constituição a sede da resolução do conflito posto entre a ordem jurídica e a pretensão esboçada na impetração.

Regras de sede constitucional impõem-se sobre o caso, que não pode ser resolvido com o desrespeito ou o esvaziamento de dispositivos da Constituição.

Na seção da Constituição dedicada à Educação, o constituinte estatuiu regras que não podem ser deixadas de lado na composição da controvérsia.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII – garantia de padrão de qualidade;

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

Assim como a Lei n.º 8.112/90 assegura matrícula em estabelecimento congênere a servidor público federal removido no interesse da administração; a Constituição garante igualdade de acesso e permanência ao ensino público de qualidade conforme a capacidade de cada um.

Não comporta discussão a supremacia da Constituição sobre a lei ordinária, que não pode contrariá-la e deve necessariamente ser lida em consonância com a Constituição.

acesso igualitário

A Constituição impõe que o acesso ao ensino seja realizado de modo igualitário.

A todos os brasileiros as dificuldades ou facilidades de acesso ao ensino devem ser exatamente as mesmas.

Não pode haver meio mais facilitado para uns e mais dificultoso para outros.

O caminho para o ingresso no ensino, em qualquer de seus graus, é o mesmo. Há apenas uma única porta de ingresso, pela qual devem passar todos os estudantes.

Do mesmo modo que a Universidade oferece uma única porta de saída, a colação de grau; oferece uma única porta de entrada, o seu vestibular.

Ofende o acesso igualitário a coexistência no espaço acadêmico da Universidade de Brasília tanto de estudantes que alcançaram o acesso ao ensino porque se submeteram ao concurso público vestibular da UnB quanto de estudantes que, sem jamais se submeterem àquele vestibular, ingressaram pela tortuosíssima via da transferência.

qualidade de ensino

A Constituição também determina que se assegure qualidade de ensino.

Isso é uma imposição constitucional. Não é um mero reclamo de lideranças estudantis.

Ora, é conciliável falarmos em qualidade de ensino e “transferência independentemente de vaga? ”

(…)

autonomia universitária

Não se pode perder de vista, como já afirmado, que a Constituição Federal de 1998 alçou a Universidade a um patamar ímpar na estrutura do Estado brasileiro.

A Universidade é ligada ao Estado, mas pertence à Sociedade. É um espaço social do qual o Estado retirou qualquer ingerência, limitando-se a ser patrocinador – não necessariamente exclusivo – da produção da inteligência em um espaço absolutamente livre.

Se não se assegurar liberdade, não há ciência, não há conhecimento, não há inteligência, não há crítica, não há criação, não há progresso científico.

A liberdade do conhecimento, da ciência e da crítica são comparáveis, no plano constitucional, à liberdade de culto. A busca pelo divino e pelo conhecimento são igualmente sagradas para o constituinte. São facetas da dignidade humana, que não podem ser tolhidas pelo Estado.

(…)

Uma Universidade não é uma autarquia qualquer.

Observe-se como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi elegante e reverente ao tratar da Universidade.

vedação ao enriquecimento sem causa

Um estudante oriundo de uma escola particular, se não possuía bolsa de estudos, pagava por esse ensino.

Ao ingressar na Universidade pública e gratuita, por transferência obrigatória, vê-se desonerado desse pagamento.

PARA ONDE VÃO ESSES RECURSOS ?

Para os cofres públicos é que não vão.

Estamos diante de ordem judicial que produz enriquecimento sem causa !! Pior, em detrimento de uma Sociedade pobre e carente de prestações públicas !!!!

Por que aquele que pagava pelos seus estudos é, sem mais nem menos, sem mérito, desonerado desse encargo, que passa a ser sustentado por toda a Sociedade?

(…)


A extensão e completude dos excertos trazidos do Parecer do i. colega de MPF, bem esboçam a dignidade constitucional que se emprestou às questões relativas ao acesso à educação; autonomia universitária; qualidade do ensino; acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um; entre outras, todas inexoravelmente maculadas por um entendimento incompleto da legislação infraconstitucional.

Por fim, resta assinalar que o perigo de dano potencial aqui exposto já está devidamente instalado e torna-se razão de ser da presente ação cautelar.

Com efeito, algumas das Universidades Federais já iniciaram e outras estão por dar início ao processo vestibular para ingresso de novos alunos no ano de 2005. Por exemplo, na Universidade Federal de São Paulo as inscrições para o vestibular 2005 encontram-se abertas até 08 de outubro de 2004 (cf. consulta ao sítio http://www.unifesp.br/, em 23 de setembro de 2004, 13 hs); a Universidade Federal de São Carlos já iniciou certame em 20 de setembro de 2004 e aplicará provas a partir do dia 17 de dezembro de 2004 (cf. consulta ao sítio http://www2.ufscar.br/vestibular/calendario.php, em 23 de setembro de 2004, 13 hs); a Universidade Federal do Rio de Janeiro já encerrou período de inscrições e aplicará provas a partir do dia 09 de outubro de 2004 (cf. consulta ao sítio http://www.ufrj.br/, em 23 de setembro de 2004, 13 hs); a Universidade Federal do Rio Grande do Sul já encerrou período de inscrições e aplicará provas a partir do dia 09 de janeiro de 2005 (cf. consulta ao sítio http://www.ufrgs.br/vestibular/cv2005/, em 23 de setembro de 2004, 13 hs); na Universidade Federal da Bahia, o certame encontra-se em período de inscrições e serão aplicadas provas a partir do dia 05 de dezembro de 2004 (cf. consulta ao sítio http://www.vestibular.ufba.br/calendario.html, em 23 de setembro de 2004, 13 hs) e a Universidade Federal do Tocantins iniciará período de inscrições em 22 de outubro de 2004 e aplicará provas a partir do dia 19 de dezembro de 2004 (cf. consulta ao sítio http://www.uft.edu.br/vestibular/, em 23 de setembro de 2004, 13 hs).

O risco de dano é iminente na medida em que o próprio desenrolar dos processos de vestibular em andamento pode ser prejudicado pelo atendimento – obrigatório para as Universidades Federais, uma vez que, como já visto, o parecer da AGU tem conteúdo vinculante para a Administração Pública, de acordo com o disposto no artigo 40, §1º, da Lei Complementar 73/93 – de todos aqueles pedidos de transferências feitos por servidores públicos militares ou seus dependentes que são egressos de instituições privadas.

A título de ilustração, pode-se destacar a situação extremamente delicada em que se encontra a Universidade de Brasília que suspendeu o vestibular para o Curso de Direito uma vez que a demanda por vagas relativas a servidores militares, que se encontram na situação amparada pelo parecer supra, supera o próprio número de vagas submetidas ao processo vestibular, disparate que afronta os mais comezinhos princípios da República.

Veja-se, a propósito, o que se noticiou na versão eletrônica do Estado de São Paulo, em 18 de setembro de 2004:

“Decisão da AGU preocupa universidades federais

Brasília – Um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) publicado no Diário Oficial da União de quarta-feira determina que as universidades federais aceitem matrículas de militares e seus dependentes que venham a ser transferidos de outras instituições, públicas ou privadas.

A medida está causando preocupação entre as universidades, que temem não poder oferecer todas as vagas necessárias sem reduzir a qualidade dos cursos.

Pareceres da AGU têm valor de norma para as entidades federais. A Universidade de Brasília (UnB) afirma que a medida terá grande impacto em várias áreas de graduação, como Administração e Medicina, mas afetará especialmente o curso de Direito.

Segundo a assessoria da instituição, a UnB recebe em média 300 pedidos de transferência por semestre, 70 só para a Faculdade de Direito, a maioria de alunos de instituições particulares.

Em geral, a maioria das solicitações é rejeitada. Neste semestre, por exemplo, apenas 17 dos pedidos para Direito foram atendidos.

“Oferecemos 50 vagas para Direito no vestibular, mas, se formos obrigados a atender a essa demanda, teremos de suspendê-las e mudar o edital do primeiro concurso de 2005”, disse o decano de Ensino de Graduação, Ivan Camargo, segundo a assessoria da UnB (…) Odail Figueiredo” (g.n.).

Fonte: http://www.estadao.com.br/educando/noticias/2004/set/18/51.htm

Com efeito, o concurso vestibular para o curso de Direito da UnB, cujas inscrições findariam na sexta-feira, dia 24 de setembro de 2004, foi, como informado, suspenso (documentos anexos) exatamente em razão do parecer exarado pela AGU.


O número de pedidos de transferências de militares e dependentes, cujos pleitos antes eram negados, suplanta a oferta de vagas da instituição e, agora, com a vinculação da Fundação aos ditames impostos pela AGU, inexistem vagas a serem oferecidas à sociedade em geral.

Os danos sofridos pelos concorrentes já é real a medida que a suspensão do vestibular, ainda que seja revista, atrapalha a continuidade da preparação. O retorno à normalidade, com oferta de vagas à população, além disso, é medida imprevista e apenas poderá ser levada a efeito, segundo a IES, caso não sejam atendidas as exigências do parecer da AGU.

Mas não é só. O perigo iminente também diz respeito a um risco de dano moral coletivo, cuja ocorrência também se pretende evitar com o ajuizamento da presente medida. É evidente que a partir do momento em que o Estado, em afronta ao princípio republicano, ao princípio constitucional da isonomia e ao acesso igualitário ao ensino, contempla interpretação que privilegia, à margem da Constituição Federal, um pequeno grupo de pessoas, desprestigia a si mesmo e contribui para que cada vez mais a sociedade fique estarrecida diante do uso que se faz do poder.

Longe de retórica vazia, é o depoimento dos próprios vestibulandos que autoriza concluir nesse sentido. A propósito, vale destacar o noticiado no endereço eletrônico da Universidade de Brasília:

Desânimo entre os pré-vestibulandos

(…)

Tempo e investimento perdidos, além da frustração de construir um futuro profissional dentro de uma universidade pública. Esse foi um resumo das sensações que atingiram, principalmente, os cerca de quatro mil candidatos ao curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) ao saberem do risco da suspensão do 1º vestibular de 2005 para a área. “Fiquei pasmo ao receber a notícia. Não sei o que vou fazer daqui para frente, pois só tinha em mente a UnB”, desabafou Rafael Jason, 21 anos, que há cinco vestibulares tenta uma vaga na instituição. Ele disse que não há dinheiro no mundo que pague o desmoronamento de um sonho construído com muito esforço. Isso porque a UnB estuda o cancelamento do exame de admissão para Direito por conta do parecer da Advocacia Geral da União (AGU) que obriga as instituições federais de ensino superior (Ifes) a matricular militares e dependentes diretos (filhos e cônjuges) transferidos de outras cidades, independente da natureza da instituição de origem (pública ou privada).

(…)

“O mérito de entrar em uma universidade como a UnB não pode ser dado por vantagens. A medida é um absurdo e a instituição não pode abaixar a cabeça.” Guilherme Souto, 18 anos, candidato ao curso de Ciência Política

(…)

“A UnB existe para quem não tem condições de pagar uma instituição particular e não para atender a esse tipo de regalia. Militares e filhos de militares são iguais a mim. A medida nada mais é que uma acepção de pessoas.”. Bruna Viana, 18 anos, candidata ao curso de Medicina (g.n.)”

Fonte:

http://www.unb.br/acs/unbagencia/ag0904-46.htm

Instituições Públicas Federais de outras unidades federativas, noticia a mídia, também podem adotar medida similar fazendo com que os danos sejam ainda mais dispersos pelo território nacional.

A ação civil pública a ser proposta, de cuja esta cautelar é preparatória, deve ainda conter elementos a serem apresentados por todas as Universidades Federais, pela AGU e pelos Ministérios da Defesa e da Educação, já requisitados nos autos dos procedimentos administrativos nº 1.16.000.001467/2004-93 PR/DF e nº 1.34.001.00.5024/2004-43, PR/SP, mas ainda não disponibilizados ao MPF, o que deve apontar para o pleito de anulação do referido ato com a cessação dos seus efeitos. As informações solicitadas buscam avaliar como está delineada a política pública de oferecimento de vagas nas Universidades Federais e estimar o impacto que a observância cogente do parecer citado implicará na política de acesso igualitário ao ensino superior.

V – DOS EFEITOS DA DECISÃO

O art. 16 da LACP, ao confundir critério para fixação da competência (território) com os efeitos da decisão, não possui nenhuma aplicação neste feito.

A pessoa jurídica que figura no pólo passivo desta ação é de âmbito nacional, assim como estão espalhados pelo território nacional os prejudicados por seus atos.

A natureza do objeto da presente ação cautelar não admite o fracionamento da decisão, ou ensejaria novas injustiças que aqui se busca evitar. Não é crível que uma, ou algumas, Universidades Federais sejam obrigadas a aceitar os termos do referido parecer da AGU, com nítidos prejuízos para a sociedade, inclusive com suspensão de certames vestibulares, e outras estejam fora deste alcance.

Se se entender ilegal ou inconstitucional o texto do referido parecer, assim será em todo o País.

VI – DO PEDIDO

Ante todo o exposto, restando evidente o perigo da demora, uma vez que os prejuízos já estão postos com a suspensão do vestibular de direito da UnB, bem como medidas similares por outras IES que são noticiadas, e a viabilidade do direito vindicado, requer-se:

A concessão de medida liminar, “inaudita altera pars” para suspender os efeitos – vinculantes para a Administração Pública – do Parecer nº AC – 022 AGU, no intuito de viabilizar a efetiva realização do vestibular para o curso de DIREITO da Universidade de Brasília – UnB, suspenso em razão do referido ato;

A concessão de medida liminar, “inaudita altera pars”, para suspender os efeitos – vinculantes, como já afirmado, para a Administração Pública – do Parecer nº AC – 022 AGU, em todo o território nacional, no intuito de evitar medidas similares à tomada pela UnB, por outras IES, bem como para outros cursos;

Após a concessão das medidas cautelares postuladas, a citação da União, para responder, sob pena de revelia;

Seja julgada procedente a pretensão ora deduzida, confirmando, em definitivo, todos os pedidos requeridos em sede liminar, e determinando que a medida liminar continue produzindo seus efeitos até o trânsito em julgado da sentença de procedência da ação principal;

Protesta, por fim, pela produção de todos os meios de prova em direito admissíveis.

Dá-se a causa o valor de 10.000,00 (dez mil reais).

Termos em que,

Pede Deferimento.

Brasília, 24 de setembro de 2004.

CARLOS HENRIQUE MARTINS LIMA

Procurador da República

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