Dívida corrente

MP pede anulação da venda do controle acionário da Oi

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23 de setembro de 2004, 15h12

O Ministério Público do Rio de Janeiro e o Ministério Público Federal querem anular a venda do controle acionário da operadora de celular Oi para a Telemar Norte Leste S/A (TMAR). Os órgãos ingressaram na Justiça Federal com ação civil pública contra as empresas Telemar Norte Leste Participações S/A, TMAR, Oi e a União.

A ação é subscrita pelo promotor Rodrigo Terra, titular da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva dos Direitos do Consumidor e do Contribuinte da Capital, do MP fluminense, e pelos procuradores da República Gino de Oliveira Liccione, Luiz Fernando Lessa e Márcio Barra Lima, da Procuradoria da República no Rio de Janeiro.

Além da anulação da transferência do controle acionário da Oi, os representantes do MP pedem a condenação de todas as rés, com exceção da União, a indenizar os acionistas minoritários pelos danos morais e materiais sofridos em função da depreciação de suas respectivas posições acionárias.

Os danos foram causados, segundo eles, pela absorção do passivo da operadora de telefonia móvel pela TMAR, cujo valor deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença.

Em 29 de junho de 2003, a holding Telemar Norte Leste Participações S.A., controladora de 79,6% das ações da operadora de telefonia fixa TMAR, alienou, para esta, a empresa Oi.

Segundo a ação, até aquela ocasião, a Oi contraíra dívida avaliada em cerca de R$ 5,2 bilhões. Seu desempenho pouco antes da formalização da transferência do controle acionário apurou um prejuízo de R$ 354 milhões.

A Telemar, sem deliberação de sua assembléia-geral, pagou pela Oi o preço simbólico de R$ 1,00. Na operação, a holding Telemar Participações se desincumbiu do prejuízo que vinha sendo suportado pela empresa alienada, cujo controle, assim, transferiu integralmente para a TMAR.

Na prática, segundo o MP, com a operação, a Telemar Participações, em vez de responder por 100% dos prejuízos da Oi, reduziu sua participação no prejuízo para 79,6%. Com isso, os acionistas minoritários passaram a ter responsabilidade solidária por 20,4% dos passivos da Oi.

Segundo os representantes do MP, “para aprofundar o menoscabo à credibilidade que o mercado dedicou à avaliação encomendada pela ré, por causa da suspeita quanto à sua exatidão, o conhecimento do laudo respectivo foi sonegado tanto ao Ministério Público Federal, como ao Ministério Público Estadual e, até há pouco, à própria Comissão de Valores Mobiliários, órgãos oficiais que instauraram investigações visando a apurar a alegação de violação a direito de acionistas minoritários”.

Leia a íntegra da ação

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Comarca da Capital

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO.

Ref. PA 1.30.012.000551/2003-09 (MPF/PR-RJ)

PA 169/03 (MPERJ)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seus respectivos membros adiante assinados, no uso de suas atribuições legais, vêm, com fulcro nos artigos 5º, §5º da Lei 7347/85, 81, § único, III da Lei 8078/90, artigos 1º e 2º da Lei nº 7.913/89, e 14 e segs. da Lei 8884/94, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em face da

TELEMAR NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S/A., empresa privada inscrita no CNPJ sob o nº 02.558.134/0001-58, com endereço na Rua Humberto de Campos, 425 – 8º andar – Leblon, nesta cidade;

TELEMAR NORTE LESTE S/A., empresa privada inscrita no CNPJ sob o nº 33.000.118/0001-79, com endereço na Rua Humberto de Campos, 425 – 8º andar – Leblon, nesta cidade; e

TNL PCS S/A. (OI), empresa privada até então inscrita no CNPJ sob o nº 04.164.616/0001-59, com endereço atual na Rua Humberto de Campos, 425 – 8º andar – Leblon, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

UNIÃO, entidade de direito público, representada pela Advocacia Geral da União com endereço sito na UNIÃO FEDERAL, sito na Av. Rio Branco, 311, 8º andar, Centro, Rio de Janeiro.

Considerações iniciais:

O mercado de capitais, juntamente com os mercados de câmbio, de crédito e o monetário, constituem segmentos do mercado financeiro. O desenvolvimento do mercado de capitais e, sobretudo, a consolidação da sua capacidade de atrair investimento é condição fundamental para o crescimento da economia nacional e para a redução da desigualdade que assola a sociedade, inaugurando autêntico ciclo virtuoso de geração de empregos melhor remunerados e elevação dos índices de desenvolvimento humano.

A eficiência é a nota distintiva da capacidade do mercado de capitais de atrair investimentos; adquiri-la depende de gestão empresarial que obedeça a regras claras de transparência e de garantia de informação rápida e global a todos os agentes do mercado, adotando-se sistemas de controle sobre os órgãos de administração das empresas e implementando-se mecanismos sólidos de proteção dos direitos e interesses dos acionistas minoritários.


Mas não basta que as normas de proteção aos direitos referidos sejam claras. Tão importante quanto à sua fácil interpretação deve ser a garantia do seu cumprimento. A impunidade é a causa da corrosão da confiança que o mercado deve instilar em quem quer que se disponha a investir as suas economias. Logo, a certeza de que o mecanismo concebido para punir quem as transgrida funcionará como eficiente freio inibitório à reiteração nociva e, ainda, como exemplo a não ser seguido à sociedade.

Em 2001, a Lei nº 10.303 introduziu importantes modificações na lei das sociedades anônimas que refletiram a nítida preocupação do legislador em garantir ao acionista minoritário mais extensa gama de proteção contra eventuais abusos praticados pelos órgãos de administração da companhia e pelo acionista controlador. Essas as suas diretrizes: ‘maiores direitos aos minoritários’; ‘maiores poderes à CVM’ e ‘mais transparência’.

Entretanto, o ideal legislativo e o entusiasmo que essa transformação do paradigma que tem tisnado o mercado de capitais fomenta não têm sido suficiente para garantir ao investidor em geral e ao acionista minoritário em particular, o mínimo necessário para aplicar em paz o produto do seu trabalho.

Nestas condições, nem a transparência quanto aos aspectos contábeis da operação de transferência de controle acionário da PCS OI S/A, nem a publicidade do laudo de avaliação do passivo respectivo, têm sido objeto do devido cuidado por parte da ré. Senão, vejamos:

Dos fatos :

Da operação –

Em 29 de junho de 2003, a holding Telemar Norte Leste Participações S.A. (TNLP), controladora de 79,6% (setenta e nove vírgula seis porcento) das ações da operadora de telefonia fixa Telemar Norte Leste S/A (TMAR), alienou, para esta, a empresa Oi de telefonia celular (TNL PCS S/A) que, até então, se tratava de empreendimento subsidiário integral da empresa alienante (TNLP).

Até aquela ocasião, a empresa de telefonia celular Oi contraíra dívida avaliada em cerca de R$ 5.232.000.000,00 (cinco bilhões e duzentos e trinta e dois milhões de reais – p. 26 das Informações e Resultados do primeiro trimestre de 2003: fl. 444, vº do PA do MP/RJ) e seu desempenho pouco antes da formalização da transferência do controle acionário apurou um prejuízo de R$ 354.000.000,00 (trezentos e cinqüenta e quatro milhões de reais), conforme os balanços da empresa consolidados em 31 de março e publicados em 30 de abril de 2003 (fls. 432/446 do PA do MP/RJ).

Nestas condições, a empresa adquirente, TMAR, sem deliberação de sua Assembléia Geral (rectius, sem o consentimento de seus acionistas minoritários), pagou pela empresa de telefonia celular em questão o preço simbólico de tão-só R$ 1,00 (um real) em operação através da qual a holding alienante desincumbiu-se do prejuízo que vinha sendo suportado pela empresa alienada, cujo controle, assim, transferiu integralmente para a adquirente.

O preço de R$ 1,00 (um real), anunciou-se ao mercado, resultara da avaliação da empresa pelo método de ‘valor patrimonial a mercado’. Segundo o método escolhido, a agência de auditoria e consultoria Ernst & Young – Auditores e Consultores Independentes, contratada pelos interessados, apurou-lhe os direitos, obrigações, bem como todas as informações necessárias para a precificação da operação, procedendo à avaliação encomendada pela holding alienante.

Logo, considerando que, sobre a empresa adquirida, no momento da alienação e imediatamente após capitalização de R$ 562.000.000,00 (quinhentos e sessenta e dois milhões de reais) mediante conversão de parte dos créditos detidos pela TNLP contra a TNL PCS Oi, passaram a pesar dívidas da ordem de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões e setecentos e sessenta e um milhões de reais), o valor de seu patrimônio ativo (concessão para exploração do serviço e aparato técnico) haveria de ter excedido em tão-só R$ 1,00 (um real) aquele passivo, pelo sistema de avaliação empregado, para que a operação questionada não implicasse prejuízo para os acionistas minoritários da empresa adquirente, TMAR.

Entretanto, visando verificar o valor a mercado de parte substancial dos ativos da empresa, que foi recentemente negociada em leilão público, o MINISTÉRIO PÚBLICO requisitou à Anatel (licitante) a informação (fls. 83/84 do PA do MP/RJ) relativa ao valor pelo qual as licenças foram arrematadas em meados de ano passado. Segundo o esclarecimento oferecido (fl. 102/103 do PA do MP/RJ), depreciação significativa (cerca de 80%) abateu-se sobre o valor pelo qual a mesma fora avaliada no relatório oficial da empresa alienante em 31 de dezembro de 2002 (R$ 1.122.209.000,00 – 20F – fl. 449 do PA do MP/RJ).

Nesta esteira, os ativos da empresa alienada, sem o ajuste respectivo, não teriam sido suficientes para contrabalançar o prejuízo que viria, como de fato veio, a ser integralmente transferido para a empresa adquirente, causando importante dano patrimonial e moral aos seus acionistas minoritários, além de abalar a confiança geral na lisura das operações do mercado de capitais, em contraposição ao espírito de boa governança corporativa que a economia globalizada reclama hoje em dia.


Aliás, considerando que a holding TNLP, na qualidade de integral controladora da empresa de telefonia celular Oi, era também solidariamente responsável por todo o prejuízo que a desfalcava (R$ 4.761.000.000,00 – quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais), a transferência do seu controle acionário para a empresa adquirente, TMAR, de cujas ações a alienante detinha 79,6% do controle, representou, para a alienante, abatimento de cerca de vinte porcento da dívida contraída pela operadora de telefonia celular, ou seja, R$ 940.000.000,00 (novecentos e quarenta milhões de reais) que, por sua vez, foram transferidos para os acionistas minoritários da adquirente, que, entretanto, não foram consultados quanto à conveniência da transação.

Na prática, com a operação, a empresa alienante (TNLP), ao invés de subsistir respondendo por 100% (cem por cento) dos prejuízos da empresa alienada (Oi), reduziu para não mais de 79,6% (setenta e nove por cento e seis décimos por cento) a sua participação no prejuízo arrostado pela mesma.

Já os acionistas minoritários da operadora adquirente (TMAR) passaram, da noite para o dia, por imposição da administração da companhia e sem possibilidade de fiscalizar a operação, a amargar a responsabilidade solidária por cerca de 20,4% (vinte por cento e quatro décimos por cento) dos passivos da Oi, R$ 4.760.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta milhões de reais).

Ademais, além de não terem sido consultados quanto à conveniência da operação em questão, não foi sequer assegurado aos acionistas minoritários da empresa adquirente o direito fundamental de acesso incondicional ao laudo de avaliação encomendado pela ré para justificar o valor pago pela empresa adquirida, considerando as odiosas restrições impostas ao exercício de referido direito, como a subscrição de malsinado termo de confidencialidade, em que o acionista, mesmo que constatasse ter sido lesado, era obrigado a se comprometer a não fazer uso do teor do documento consultado para questionar judicialmente a operação (fl. 450/2 do PA do MP/RJ).

Com o afrontoso impedimento ao exercício do seu direito constitucional à informação e à própria amplitude de defesa, o acionista minoritário, submetido às condições impostas arbitrária e unilateralmente pela ré, restava limitado a manter mero contato visual com o documento referido, em sala na sede da própria sociedade (data room), onde esta mantinha trancado a sete chaves o conteúdo do laudo que, paradoxalmente, teria a propriedade de comprovar a lisura da suspeita operação, proibindo-o de:

“(I) retirar o documento do recinto;

(II) obter fotocópias do mesmo;

(III) ingressar no data room portando aparelho celular, telefone, rádio ou qualquer aparelho que possibilitasse a transmissão de dados e

(IV) ingressar ali portando papel, lápis, canetas ou quaisquer apetrechos que pudessem ser utilizados para anotações.”

Para aprofundar o menoscabo à credibilidade que o mercado dedicou à avaliação encomendada pela ré, por causa da suspeita quanto à sua exatidão, o conhecimento do laudo respectivo foi sonegado tanto ao Ministério Público Federal, como ao Ministério Público Estadual e, até há pouco, à própria Comissão de Valores Mobiliários, órgãos oficiais que instauraram investigações visando a apurar a alegação de violação a direito de acionistas minoritários.

Aliás, era tão obstinado o desarrazoado propósito de sonegar a informação requisitada que, diante da reiteração da ordem ministerial para trazê-lo aos autos do procedimento preliminar que serve de base à presente, a empresa recorreu ao Judiciário, impetrando mandado de segurança (autos em apenso) acoimando de ilegal o desempenho da função institucional do Parquet estadual de apurar a reclamação de lesão a direito do consumidor.

A segurança, para desencanto do impetrado, veio a ser, por maioria, concedida em 24 de setembro de 2003 e, em cumprimento àquele v. acórdão, acolhendo a inusitada tese jurídica sustentada pela poderosíssima empresa, pôde esta protelar a subsistência fora do alcance da lei de provável irregularidade que tisne a operação, merecendo a equivocada decisão judicial a atenção da própria chefia da Instituição, que interpôs recurso especial ao E. Superior Tribunal de Justiça contra a mesma (fl. 351/4 do PA DO MPRJ).

É curial observar que a divulgação do conteúdo do laudo não implicaria qualquer inconveniente para os interessados no negócio nem para o próprio mercado.

Ao contrário, considerando que a empresa adquirente (TMAR) assumiu a dívida da empresa adquirida (Oi) com base na informação requisitada de que o ativo a mercado da companhia compensaria o seu passivo, o administrador, responsável pela higidez da conclusão do respectivo laudo de avaliação relativamente à operação que formaliza em nome de todos os acionistas, seria beneficiado com o esclarecimento que sua divulgação permitiria.


Esta conclusão lógica decorre dos dois hipotéticos cenários que se seguiriam à divulgação ao mercado da informação requisitada, ambos favoráveis aos protagonistas da operação. Senão, vejamos:

Caso o vazamento do conteúdo do laudo dissipasse a suspeita de erro de avaliação que recai sobre o documento, o mesmo seria conveniente por fortalecer a confiança do investidor nas ações da companhia adquirente (TMAR) e no mercado em geral, pois, como afloraria comprovado, não teria acarretado nenhum prejuízo ao acionista minoritário da TMAR a aquisição da empresa Oi e sua dívida abissal.

Mas se, caso contrário, a avaliação reclamasse correção, o seu vazamento impediria o locupletamento ilícito do administrador, cuja responsabilidade civil pela quebra da relação de confiança, indispensável ao exercente de função de representação dos acionistas minoritários, impor-lhe-ia a obrigação de indenizá-los.

Como salta aos olhos, nem no primeiro nem, menos ainda, no segundo caso haveria amparo legal para fundamentar a recusa ao cumprimento da requisição ministerial.

Mais ainda porque, desde meados de 2002, já incomodava o mercado de capitais, com reflexo na cotação das ações das empresas envolvidas, a desconfiança de que se anunciava a consumação da temerária operação em termos profundamente desfavoráveis ao acionista minoritário da empresa adquirente, que se preparava para assumir a dívida contraída pela TNL PCS S/A Oi enquanto fora administrada pela alienante (TNLP).

É sintomático observar que, desde outubro de 2002, cerca de sete meses antes do golpe de misericórdia desfechado sobre as economias do acionista minoritário, com a formalização da operação, foi deflagrado acelerado processo de desvalorização das ações da empresa adquirente em relação à empresa alienante (rectius, a operacional TMAR e a holding TNLP).

Segundo gráfico demonstrativo constante da representação protocolizada pelo reclamante (fl. 18 do PA DO MPRJ), contrariando a tendência verificada na relação do preço das ações de outras empresas de telecomunicação (holding Brasil Telecom x operacional), durante este mesmo período, o valor da ação da TMAR (adquirente) em relação ao da TNLP (alienante) registrou nada menos que sete meses de ininterrupta depreciação, partindo de razão de mais de R$ 1,80 em outubro de 2002, para menos de R$ 1,15 em maio de 2003.

Por outro lado, uma semana antes do fatídico 29 de maio de 2003, data em que a operação foi oficialmente anunciada para o mercado, o Banco Itaú S/A, investido da autoridade de segundo maior banco privado do País, emitiu relatório, adiantando as próprias cifras da transação (fl. 07/12 do pa do mprj) e orientando os investidores em geral a evitarem negócios envolvendo a empresa adquirente (TMAR) que passaria a ter de administrar o deficit da empresa de telefonia celular adquirida (TNL PCS S/A), impondo aos seus acionistas minoritários o prejuízo de R$ 2.500.000.000,00 (dois bilhões e quinhentos milhões de reais), aproximadamente a diferença entre o valor real dos ativos e a dívida.

Portanto, tal conduta, além de ter causado os induvidosos danos morais e materiais aos acionistas minoritários (como já demonstrado), violou o interesse difuso da confiabilidade do mercado de capitais, causando inegável dano moral coletivo.

Assim, a presente ação civil pública tem por objeto a defesa dos interesses DIFUSOS quanto à observância, por parte dos réus, dos princípios e normas que regem a atuação no mercado de capitais, bem assim os interesses INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS dos acionistas minoritários.

Nesta esteira, os reclamantes, na qualidade de acionistas minoritários da empresa adquirente (TMAR), nutrindo a esperança de poder evitar o pior, recorreram, antes da efetivação da operação, ao acionista controlador (Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES), endereçando-lhe missiva em que eram postuladas urgentes providências para a verificação das condições em que se daria a operação e para assegurar a eqüidade entre os acionistas minoritários e controladores (fl. 03/06 do pa do mprj).

Além disso, pediam a urgente apuração do vazamento dos detalhes do negócio, assim como a adoção de medidas para impedir a consumação da tenebrosa transação. Referida missiva foi, por sua vez, encaminhada, por cópia, também à Comissão de Valores Mobiliários e aos então Ministros de Estado da Fazenda e das Comunicações, Antonio Palocci e Miro Teixeira, respectivamente.

Sem que os destinatários da comunicação referida adotassem, incontinenti, as providências ali postuladas e com a consumação da transferência do controle acionário da TNL PCS Oi, integralmente, para a TMAR, operadora de telefonia fixa, noticiada no fato relevante publicado em 29 de maio de 2003, foi apresentada, no Ministério Público Estadual, em 04 de junho de 2003, por acionistas minoritários da empresa adquirente, reclamação de lesão a direito coletivo por causa do prejuízo que passou a pesar sobre a mesma com a aquisição daquela empresa deficitária.


b) Da investigação ministerial –

Inconformados com o desperdício da oportunidade de se ter impedido a consumação da operação sobre a qual recaíam fundadas suspeitas de improbidade, mas decididos a, por um lado, obter a reparação do dano material e moral que a mesma impusera ao acionista minoritário e, por outro, contribuir para o aperfeiçoamento institucional do mercado de capitais, cuja credibilidade fora contaminada pela desconfiança que a operação instilou no espírito do investidor, ingressaram os acionistas com representação em face da empresa adquirente (TMAR) no MPRJ.

Referida representação fundamentou-se em substanciosa documentação que sustentava a alegação de que o patrimônio a mercado da empresa adquirida (TNL PCS Oi S/A) não seria, nem de longe, suficiente para compensar a dívida pela mesma contraída (R$ 4.760.000.000,00 – quatro bilhões setecentos e sessenta milhões de reais) enquanto controlada pela empresa alienante (TNLP).

Nestas condições, o pagamento do preço simbólico de R$ 1,00 (um real) teria justificado a oposição dos acionistas minoritários à aquisição da operadora de telefonia celular TNL PCS Oi S/A pela TMAR que, porém, não tiveram a oportunidade de manifestar, pois os administradores da empresa adquirente não convocaram Assembléia Geral para deliberar a transferência de controle acionário em tela.

Os representantes relacionaram as vantagens patrimoniais indevidas que a empresa alienante (TNLP) auferiria com o negócio, detectadas de antemão, sobretudo por isentos analistas do mercado de capitais, inclusive a sua desoneração, em prejuízo dos desprotegidos acionistas minoritários da empresa adquirente (TMAR), de mais de 20% (vinte porcento) do passivo de R$ 4.760.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta milhões de reais) amargado pela operadora alienada (TNL PCS Oi S/A).

Por isso, denunciavam como ardilosa a fórmula engendrada pela holding alienante (TNLP) para concluir o negócio em questão sem submetê-lo a qualquer controle, considerando que a misteriosa avaliação que encomendaram, além de excluir a sua responsabilidade por mais de 20% (vinte porcento) do prejuízo da operadora alienada, atribuiu à mesma o preço simbólico que, calculadamente, caracterizaria a operação como investimento irrelevante, subtraindo dos acionistas minoritários da empresa adquirente o poder de influir na decisão de adquirir a empresa TNL PCS Oi S/A.

Sob este pretexto, a decisão respectiva, ainda que, à toda evidência, fosse nociva para o interesse do acionista minoritário da adquirente TMAR por representar a assunção de dívida que não contraíra, foi adotada sem a necessária convocação de Assembléia Geral.

Para o mercado de capitais, aliás, a manobra da alienante TNLP não passou desapercebida, pois a única maneira de esclarecer as bases da operação seria a divulgação da avaliação a mercado do patrimônio da empresa alienada (TNL PCS Oi S/A) para justificar o preço pago pela companhia adquirente (R$ 1,00 – um real), o que, porém, sonegou até do conhecimento das autoridades incumbidas de investigar a lisura da operação, padecendo a mesma de verossímil incompatibilidade com o valor conhecido daquele.

Aliás, mais que verossímil, a distorção seria provável, porque, como já destacado, no curso da investigação, emergiu significativa discrepância entre o valor de avaliação a mercado das licenças operacionais de telefonia celular para a faixa correspondente à que abrange a da empresa alienada e o valor pelo qual a mesma fora avaliada no relatório oficial da empresa alienante em 31 de dezembro de 2002 (R$ 1.122.209.000,00 – 20F – fl. 449 do pa do mprj), por informação requisitada da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel (fl. 83/84 do pa do mprj).

Além disso, conforme esclarece o Gerente Geral de Comunicações Pessoais Terrestres do ente regulador, NELSON MITSUO TAKAYANAGI, verbis,

“as condições de pagamento, aprovadas pelo TCU, obedeceu (sic) condições similares àquelas utilizadas no setor elétrico, ficando 10% na assinatura do contrato, três anos de carência e 6 parcelas iguais e anuais de 15% da proposta, corrigidas pelo IGP-DI mais juros de 1% ao mês, contados da assinatura do contrato” (fl. 95/6 – gn).

É que, por ocasião do leilão em que a empresa alienada (TNL PCS Oi S/A) arrematou a licença operacional referida, as condições de pagamento não eram facilitadas, restando ao arrematante efetuá-lo 50% (cinqüenta porcento) a vista e 50% (cinqüenta porcento) em um ano, devidamente corrigidos, sendo que ainda teve de desembolsar cerca de 15% (quinze porcento) de ágio sobre o valor de avaliação daquela autorização.

Nestas condições, salta aos olhos a depreciação do valor a mercado da licença operacional do Serviço Móvel Pessoal (SMP), principal item do patrimônio da empresa alienada (TNL PSC Oi S/A), quando veio a ser avaliado para compensar o prejuízo transferido para a operadora adquirente (TMAR), em cotejo com o momento de sua arrematação há cerca de três anos.


A razão desta oscilação não é difícil de apreender: a expectativa de utilização do SMP comprovou-se desproporcional quanto à sua real dimensão e o boom de usuários que, acreditava-se, migraria para o serviço, abandonando outras formas de comunicação à distância, tampouco foi integralmente verificado, na medida em que a receita por usuário apresentou queda sucessiva nos anos posteriores. O mercado globalizado assimilou este revés e, em outros países, empresas do setor que haviam apostado no potencial de expansão da telefonia celular esboroaram-se e tiveram, inclusive, de encerrar suas atividades (fl. 427/431 do pa do mprj).

Em suma, para impedir que o acionista minoritário pudesse, pelo menos, participar da decisão de adquirir a empresa gravemente deficitária, a holding alienante recusou ao negócio a classificação de investimento relevante, fundada em laudo que encomendou para avaliar o ativo a mercado da TNL PCS Oi S/A como suficiente para o superar a sua dívida em apenas R$ 1,00 (um real), sonegando o conhecimento do seu teor até mesmo dos órgãos oficiais incumbidos de fiscalizar e regular as operações do mercado de capitais.

A agência de auditoria e consultoria Ernst & Young – Auditores e Consultores Independentes, por outro lado, responsável pela elaboração do enigmático laudo de avaliação que fundamentou a precificação da operação abusiva, veio de sofrer punição pelo órgão regulador norte-americano (Securities and Exchange Comission – SEC) para que estanque a violação das regras de auditoria independente (fl. 365), o que, por sua vez, contribui para a comprometer a isenção do resultado de seu mister (avaliação), lesivo ao consumidor.

Por outra, ao negar ao acionista minoritário da operacional TMAR o poder de influir na decisão de absorver o passivo da empresa adquirida, a holding TNLP, na qualidade de controladora de 79,6% (setenta e nove vírgula seis porcento) daquela subsidiária, reservou-se o direito de, como se portadora do dom da ubiqüidade, atuar nas duas pontas da operação, decidindo, concomitantemente, tanto a alienação como a aquisição do controle acionário, prática totalitária incompatível com a boa governança corporativa.

Aliás, considerando que a deliberação adotada em nome da empresa adquirente causou dano à sociedade e ao sócio minoritário e viabilizou a obtenção de vantagem patrimonial indevida para o administrador da empresa alienante, comprometeu-lhe a estrutura interna patente conflito de interesses que, para MARCELO M. BERTOLDI, caracteriza abusividade, verbis,

“diz-se que o voto é abusivo quando exercido com o objetivo de causar dano à sociedade ou aos demais acionistas, ou quando tiver como finalidade a obtenção, para si ou para terceiro, de vantagem indevida em prejuízo da sociedade ou dos seus sócios” (in Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, p. 83, 2ª ed., ed. Revista dos Tribunais).

c) do inquérito administrativo instaurado pela Comissão de Valores Mobiliários e do acesso ao laudo –

Em 30 de maio de 2003, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM recebeu reclamação de acionistas minoritários contra a operação de transferência acionária da TNL PCS S/A Oi por apenas R$ 1,00 (um real), protagonizada pela holding TNLP, na qualidade de alienante, e pela empresa TMAR, na qualidade de adquirente.

Remetido a este órgão de execução o inteiro teor da investigação preliminar com que o órgão fiscalizador pretendia amealhar elementos para formar a sua convicção quanto à justa causa da reclamação, deixou de restar colacionado ao mesmo o laudo de avaliação do patrimônio a mercado da prestadora alienada (fl. 200/201 e 246), confeccionado para fundamentar a precificação da operação em R$ 1,00 (um real), com a compensação da dívida de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais) que até então a onerava (processo CVM n.º RJ 2003-5551 e RJ 2003-5607, em apenso).

Em 16 de outubro de 2003, a investigação referida fundamentou a instauração do Inquérito Administrativo n.º 25/03 ‘com o fito de apurar eventual ocorrência de irregularidades na alienação do controle acionário da TNL PCS S/A Oi’ (fl. 343). Com isso, requisitou-se cópia integral do mesmo, visando a instruir a presente (fl. 356).

Com ela, verificou-se que a Superintendência de Acompanhamento de Empresas, órgão técnico da Autarquia encarregado da apuração preliminar dos fatos alegados, justificou a necessidade de instauração de inquérito administrativo, em 17/7/2003, destacando que (fl. 460/1), verbis,

‘40 Conclusão:

Em face da descrição acima, entendemos que: a divulgação da existência de documentos comprobatórios da lisura e da certificação técnica da operação, inclusive divulgados no fato relevante de 28/05/2003, em especial a citada carta de avaliação, nestes termos, (“(f) A decisão estratégica de dar prosseguimento à Operação, conforme descrito nos itens (b) e (c.ii) acima, também foi objeto de assessoria do banco de investimentos J.P. Morgan que realizou avaliação econômica da Oi, com base no método de fluxo de caixa descontado. O preço da transação descrito no item (e) acima é coerente com a referida avaliação.” (grifei) teve a clara intenção de blindar todo o processo contra as críticas que já vinham sendo expressas pelos stakeholders interessados.


As condições de confidencialidade a que foram submetidos os demais acionistas (fls. 103/104) ratificam a formalidade e o cerimonial que cercaram a operação, sem que houvesse necessidade para tal, uma vez que tanto os pareceres jurídicos quanto o laudo de avaliação produzido pela Ernst & Young, não trazem informações que possam ser caracterizadas como “confidenciais” ou que poderiam afetar os negócios das companhias envolvidas, ou ainda, que poderiam trazer dificuldades ou impedimentos à perfeita compreensão da operação.

O único ponto obscuro é exatamente a carta de avaliação apresentada como suporte técnico de certificação da operação, que, no mínimo, tenta justificar o preço pago pela aquisição da TNL PCS S.A. (Oi). Como analisado e depreendido acima, tal carta de avaliação carece de firmeza técnica e de coerência, não podendo ser considerada como documento componente de todo o arcabouço técnico e jurídico montado pelos formuladores da operação. Entendido o acima exposto, conclui-se pela possibilidade de infringência aos artigos 116, parág. único, 117, 153, 154, parágrafos 1o. e 2o., 155 e 156; existe potencial prejuízo para os acionistas minoritários da TELEMAR, em razão da evidente e necessária descaracterização da carta de avaliação da TNL PCS S.A. (“Oi”) apresentada, de emissão do banco de investimentos JP Morgan, por apresentar vícios de concepção; a formalização da operação, no campo societário, embora sem ofender a legislação vigente, fica prejudicada em função da inobservância ou inexistência de um preço justo para a operação; deve ser aberto procedimento de inquérito administrativo a fim de esclarecer os pontos assinalados nesta análise e apurar as responsabilidades dos agentes envolvidos nas potenciais ocorrências de atos ilícitos ou abusivos’ (gn).

Ato contínuo, em 27/8/2003 a Superintendência de Acompanhamento de Empresas, aprovando o parecer referido, encaminha-o para a Superintendência Geral, opinando pela instauração de Inquérito Administrativo no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, fl. 462, verbis,

“A análise dos processos em referência nos conduz à convicção de que há fortes indícios da ocorrência de possíveis irregularidades nos procedimentos relativos à compra, pela TELEMAR NORTE LESTE S/A (TELEMAR) e venda, pela TELEMAR NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S/A (TNL), da totalidade das ações detidas do capital social da empresa TNL PCS S/A (Oi).

Considerando ainda que a administração das companhias envolvidas apresentou farta documentação e tomou decisões que, no seu conjunto, serviriam para mascarar e tentar blindar todo o processo contra as críticas que já vinham sendo difundidas na mídia e, desta forma, sustentariam a existência de potencial prejuízo aos acionistas minoritários da TELEMAR, submetemos à apreciação dessa Superintendência Geral, a presente Proposta de Abertura de Inquérito Administrativo” (gn).

A conclusão não poderia ser outra, fl. 466, verbis,

“Tendo em vista a necessidade de melhor investigar a operação sob análise, ampliando e aprofundando o escopo de apuração, propomos a abertura de inquérito administrativo com vistas a apurar responsabilidades dos administradores da TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A. (TNL) e da TELE NORTE LESTE S.A. (TELEMAR) por possíveis desvios na formulação, na montagem e na condução dos procedimentos relativos à venda, pela TNL, e a compra, pela TELEMAR, da totalidade das ações detidas no capital social da TNL PCS S.A. (Oi), representativas de 99,99% do referido capital social.

Entendemos ser necessário elucidar as questões relativas ao valor justo da TNL PCS S.A. (Oi), sendo inevitável, portanto, que se apure a atuação dos intermediários envolvidos, bem como seja requerida, no que couber, a assistência da agência reguladora do setor de telecomunicações, ANATEL” (gn).

Em 11/11/2003 a Advocacia Geral da União, através da Procuradoria Federal Especializada-CVM, emite parecer sobre o caso, de lavra do Dr. DANIEL SCHIAVONI MILLER, corroborando a conclusão da área técnica da Autarquia, fl. 469/470, verbis,

“Dessarte, a fixação do aludido preço (preço justo de mercado da Oi) ficaria contaminada pela fragilidade e inconsistência imputadas pela área técnica à própria carta de avaliação em que se arrima, havendo indícios suficientes para lastrear proposta de instauração de inquérito administrativo, de acordo com o procedimento previsto nas Resoluções n. 454, de 16 de novembro de 1977, e 2.785, de 18 de outubro de 2000, ambas do Conselho Monetário Nacional, e na Deliberação CVM n. 457, de 23 de dezembro de 2002 – já que o preço pago pela Telemar, aparentemente, foi superior ao justo, causando dano econômico a seus acionistas minoritários, em favor da correspondente vantagem obtida pela TNL e seus acionistas, ensejando a incidência do princípio geral do direito que veda o locupletamento, com vistas à apuração dos ilícitos em tese praticados por violação dos artigos 116, p.ú. (responsabilidade do acionista controlador para com os demais acionistas da companhia), 117, parág. 1o., letra “c” (modalidade de abuso de poder consistente na adoção de “decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e que visem a causar prejuízo a acionistas minoritários…”), 153 (dever de diligência do administrador, expresso normativamente pelo standard do bonus pater familiae), 154 parág. 1o. (deveres do administrador), 155 (dever de lealdade do administrador) e 156 (conflito de interesses do administrador), todos da lei da sociedade por ações.


Relativamente à eventual infringência ao artigo 256, daquela Lei, a verificação da necessidade de assembléia geral pela compradora restará comprovada somente após a constatação do justo preço das ações da Oi, o que fica a depender do curso das investigações a serem realizadas” (gn).

Com a conseqüente remessa de todo o processado à Superintendência de Fiscalização (SFI) da Autarquia, em 26/11/2003, esta notificou os protagonistas da operação a colacionar documentos à investigação.

A 12/03/04, recebeu a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, os pareceres técnicos e demais documentos que sustentaram a elaboração do laudo de avaliação do patrimônio líquido a valor de mercado da empresa alienada (TNL PCS S/A Oi) referente a 31/3/2003 e datado de 06/05/2003, produzido em função da encomenda dirigida pela TNLP à agência de consultoria Ernest & Young, investigação CVM em apenso.

d) Da revelação das irregularidades que comprometem a credibilidade da avaliação –

Foi requisitado à Comissão de Valores Mobiliários – CVM o inteiro teor da investigação acerca do assunto (Inquérito Administrativo CVM n.º 25/03) e, tendo finalmente acesso ao conteúdo do laudo que fundamentou a precificação da operação, por fim remetido para aquele ente regulador, percebeu por que o seu conteúdo era sonegado do conhecimento do mercado.

Primeiro, a própria Comissão recusa o caráter sigiloso ao laudo de avaliação produzido pela Ernst & Young que, caracterizando mera peça de informação acerca do valor do patrimônio a mercado da empresa alienada, nada contém, por si só, que pudesse ser classificado de confidencial ou influir a cotação das ações da empresa no mercado. O mesmo, verbis,

“não traz informações que possam ser caracterizadas como “confidenciais” ou que poderiam afetar os negócios das companhias envolvidas, ou ainda, que poderiam trazer dificuldades ou impedimentos à perfeita compreensão da operação. O único ponto obscuro é exatamente a carta de avaliação apresentada como suporte técnico de certificação da operação, que, no mínimo, tenta justificar o preço pago pela aquisição da TNL PCS S.A. (Oi).”

Entretanto, ao invés de, como deveria, avaliar todos os itens do patrimônio da empresa alienada segundo o mesmo método (‘patrimônio a mercado’), reservou a ré à licença operacional da empresa alienada, o principal ativo do seu patrimônio, sistema diverso de avaliação, interpretando o item 14 do Pronunciamento 24 do Ibracon (fl. 328/339), aprovado pela Deliberação CVM n.º 183 de 19 de junho de 1995, que se refere à espontânea reavaliação contábil para fins fiscais, como permissivo do procedimento, nesta seara, abusivo.

Com essa manobra, blindou a ré o valor da licença operacional, que deveria ter sido avaliado pelo seu valor a mercado, tal qual o restante do seu patrimônio, da sua depreciação natural e criou as condições necessárias para inflar, artificialmente, o resultado da avaliação do patrimônio da empresa alienada que, assim, pôde compensar o prejuízo que amargava e justificar o preço simbólico de R$ 1,00 (um real) atribuído à transação.

Evadiu-se, com isso, da obrigação de submeter a operação, que, calculadamente, considerou como investimento irrelevante, à Assembléia Geral, sonegando aos acionistas minoritários tanto o poder de tomar conhecimento do critério de que lançaram mão para, como num passe de mágica, transformar o deficit de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais) em valor positivo, mas sobretudo o de interferirem na consumação do negócio, opondo-se à consumação da transferência da operação de fato deficitária.

e) Da incompatibilidade do método de avaliação reservado para a licença operacional quanto à sua finalidade

Confrontada com a realidade da significativa depreciação do valor de mercado do principal ativo de seu patrimônio, a licença operacional, preferiu a ré deixar de avaliá-la pelo mesmo método (‘patrimônio a mercado’) aplicado à avaliação de seus ativos tangíveis, recorrendo, para isto, ao item 14 do Pronunciamento 24 do Ibracon, aprovado pela Deliberação CVM n.º 183, de 19 de junho de 1995, que estabelece regra de contabilidade que altera a forma de contabilização de determinados ativos, implicando a constituição de reserva de reavaliação com efeitos tributários.

Em suma, com a finalidade de fixar-lhe o preço de alienação, avaliou o patrimônio da empresa, lançando mão de dois métodos distintos: o ativo tangível foi objeto da avaliação de ‘patrimônio a mercado’, selecionada dentre as três diretrizes facultadas por lei, ao passo que, quanto à licença operacional, aplicou-se, indevidamente, o sistema de reavaliação para efeitos contábeis com implicações fiscais a que se refere o Pronunciamento referido.


Mas não é só. A incompatibilidade do método de avaliação empregado quanto à licença operacional não decorre apenas da ilícita alteração pontual do sistema empregado aos demais ativos do patrimônio da empresa alienada para com o seu ativo mais valioso.

Emerge, também e, sobretudo, da invocação de regras contábeis desautorizadas à avaliação que deve anteceder a transferência acionária, cuja finalidade é a apuração do valor de mercado de todos os itens que lhe compõem o patrimônio líquido para verificar se é necessária a convocação uma Assembléia Geral para proteção dos acionistas minoritários antes da consumação da alienação respectiva.

É que os critérios contábeis utilizados referem-se, especificamente, a reavaliação voluntária de ativos próprios, restrita a bens tangíveis (fl. 331), visando à constituição de reserva de reavaliação com efeitos tributários, desde que não prevista a descontinuidade operacional da empresa. Por isso, insere-se o item 14 do Pronunciamento Ibracon, que prevê o método respectivo, no capítulo da ‘Reavaliação Voluntária de Ativos Próprios’, cuja finalidade, repita-se, é divorciada da avaliação para alienar a empresa. Senão vejamos, verbis,

“1. A contabilidade tem um conjunto de princípios para avaliação de ativos que varia conforme a natureza, mas baseia-se, principalmente, no custo original dos referidos ativos. No Brasil, os itens integrantes do Ativo Permanente têm, compulsoriamente, seu custo corrigido monetariamente, visando refletir a perda do poder aquisitivo da moeda ao longo do tempo, conforme determinado pela legislação; 2. Paralelamente a essa atualização compulsória do valor dos ativos pela correção monetária, a legislação permite que as empresas procedam a uma avaliação de ativos por seus valores de mercado, com base em laudos técnicos. Denomina-se Reavaliação o resultado derivado da diferença entre o valor contábil dos bens (custo corrigido monetariamente líquido das depreciações acumuladas) e o valor de mercado, sendo este um procedimento optativo” (gn).

Nestas condições, salta aos olhos que o Pronunciamento Ibracon (item 14) orienta cálculo que tem por objetivo conter a sobreavaliação do ativo intangível da empresa, inflando-lhe o patrimônio líquido e repercutindo inclusive na base de cálculo do imposto devido, por aumentar as despesas dedutíveis de depreciação do patrimônio; o sistema, concebido para interagir com situação estranha à do caso, de resto, não afere o valor a mercado para fins de alienação do controle acionário da prestadora (alínea b do artigo 256 da Lei das S.A.).

Como se verá adiante, a inteligência da alínea b do artigo 256 da Lei das S.A. é orientada pela apuração, a preços de mercado, do valor do patrimônio líquido da empresa a ser alienada, para comparar o valor de negociação do controle com o preço de mercado da companhia e determinar se há necessidade de realização de Assembléia Geral para aprovar a operação, mecanismo concebido para impedir a imposição de prejuízo aos investidores minoritários da empresa adquirente.

Repita-se que, por isso mesmo, trata-se de procedimento instituído para a proteção do acionista minoritário, assegurando-lhe de que, caso a aquisição ocorra por valor além do máximo legal (superando em uma vez e meia o valor de mercado por ação), a convocação de Assembléia Geral para aprovação da mesma será condição indispensável para a validade da alienação, porquanto a ele será facultado se opor à mesma naquela oportunidade, caso considere que o negócio é contrário aos interesses da empresa.

Em suma, se, por evidente, a apuração do valor dos itens que compõem o patrimônio da empresa alienada não poderia haver sido compartimentada, impondo-se, ex vi legis, o sistema de ‘avaliação a mercado’ para todos os itens do seu patrimônio imobilizado, sobretudo o seu item mais valioso, a sua licença operacional também deveria haver sido avaliada a mercado e reduzido drasticamente o valor do patrimônio líquido da companhia; conseqüentemente, a realização da Assembléia Geral para deliberar acerca da operação seria obrigatória.

Além disso, as normas do Ibracon sobre reavaliação de ativos, aprovadas pela Deliberação CVM n.º 183/95, são inaplicáveis ao caso concreto. Para efeito de aquisição da TNL PCS Oi S/A, a incidência de referida regra de contabilidade, por caracterizar mera reavaliação contábil realizada espontaneamente pela própria companhia para fins fiscais, não preenche o requisito legal relativo à apuração do valor de mercado do patrimônio líquido da companhia.

Ao contrário, a avaliação que não registrou o valor de mercado da licença operacional, tal qual os demais ativos da companhia alienada, maquiou a significativa depreciação do valor total do seu patrimônio líquido e escapou, repita-se, da convocação obrigatória da Assembléia Geral para aprovar a alienação, calculadamente frustrando a implementação do mecanismo legal de proteção ao acionista minoritário, que lhe garantiria a oportunidade de participação de Assembléia Geral para deliberar acerca da operação desde que o preço de aquisição ocorra por valor que supere uma vez e meia o valor de mercado (por ação).


Isto explica a sonegação do laudo respectivo, que adotava o método de avaliação indevido, ao conhecimento público, aliás considerada ilícita pelo próprio órgão regulador.

Finalmente, a ré, com a conduta relatada acima, reserva ao ostracismo os ditames da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. º 10.303/01) que, com o objetivo de regulamentar a atividade institucional do mercado de capitais, promovendo a boa governança corporativa, instituiu diversos princípios e normas para garantir, em abstrato, o tratamento eqüitativo aos minoritários e, com isso, identificá-lo como meio de financiamento do crescimento e da captação de poupança privada.

Do direito

Por preceito constitucional, o consumidor tem o direito a receber especial proteção do Estado (art. 5o, XXXII; art. 170, V, CR), havendo o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor erigido a direito básico a informação adequada e clara acerca do preço de produtos e serviços; a proteção contra práticas abusivas no fornecimento de produtos e serviços, assim como a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, coletivos e difusos etc.

No caso, o Diploma referido, dialogando, na significativa expressão da brilhante CLAUDIA LIMA MARQUES, com a Lei das Sociedades Anônimas, orientada pelo princípio da transparência, compõem o arcabouço positivo que visa a contrabalançar a vulnerabilidade do investidor minoritário em relação ao controlador, visto que é este quem detém o poder exclusivo de, determinando o rumo de empresas de capital aberto, atender lealmente os direitos e interesses de todos aqueles vinculados à empresa – os que trabalham nela, os acionistas minoritários, os investidores de mercado e os membros da comunidade em que atua.

Nesta esteira, o legislador ordinário equiparou ao consumidor o acionista minoritário ope legis (Lei n. º 7.913/89), conferindo, inclusive, ao Ministério Público a legitimidade extraordinária para, na qualidade de substituto processual do acionista minoritário lesado e do investidor do mercado em geral, verbis:

“Art. 1º – Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará as medidas necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de:

I – operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários;

II – compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado, ou a mesma operação realizada por quem detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem a tenha obtido por intermédio dessas pessoas;

III – omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa” (gn), tendo o Estatuto das Sociedades Anônimas vindo complementar a sua defesa já promovida subsidiariamente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), visando a tutelar as violações especificamente relacionadas à falta de transparência das operações financeiras e os danos por elas causados.

Este Diploma (Lei n. º 10.303/03), por sua vez, embora mantendo íntegro o sistema já criado pela Lei n.º 6.404/76, erigiu-se sobre um conjunto de mudanças orientadas por maiores direitos aos minoritários e mais transparência, resultando, na prática, na ampliação do poder de voto dos mesmos nas assembléias.

Entretanto, como, aliás, reconhecido pelo próprio órgão regulador (Comissão de Valores Mobiliários – CVM), o ideal de transparência consagrado pelo legislador ordinário não recebeu das rés a proteção adequada. Antes, ao arquitetarem obstáculo para impedir que os minoritários tomassem conhecimento do laudo que serviu de base para a precificação da operação (termo de confidencialidade), visaram a impedir o funcionamento do mecanismo legal para desnudar operação de reestruturação societária que escondia, verbis, “segundas e malévolas intenções dos controladores” (in Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, Marcelo Bertoldi, 2ª ed., p. 24).

Sobre aspecto pouco percebido pelos processualistas, diz PAULO DE TARSO BRANDÃO que quando se trata de interesses decorrentes de conflitos metaindividuais nem eles são identificáveis como puramente difuso, coletivo em sentido estrito ou individual homogêneo. Complementando, menciona o pensamento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery : “o que caracteriza um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual homogêneo é o tipo de pretensão deduzida em juízo. Um mesmo fato pode dar origem à pretensão difusa, coletiva ou individual homogênea.” Com elevado acerto, diz BRANDÃO que a análise tendente a identificar qual a modalidade de tutela só pode ser feita quando do julgamento do mérito, não como condição da ação.


Da violação ao dever de convocação da assembléia geral

A dispensa de convocação de assembléia geral para deliberar acerca de operação em que uma companhia aberta adquira outra sociedade somente se dá em caráter excepcional, rectius, desde que não preenchidos os requisitos legais para qualificá-la como investimento relevante, como aflora da interpretação a contrario sensu do art. 256, I da Lei das S/A, verbis,

‘Art. 256. A compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil, dependerá de deliberação da assembléia geral da compradora, especialmente convocada para conhecer da operação, sempre que:

I – o preço de compra constituir-se em investimento relevante para a compradora (art. 247, parágrafo único);

ou

II – o preço médio de cada ação ultrapassar uma vez e meia os seguintes valores:

cotação média das ações, em bolsa ou balcão, durante os 90 dias anteriores à data da contratação;

valor de patrimônio líquido da ação, avaliado a preço de mercado;

valor do lucro líquido da ação, que não poderá ser superior a 15 (quinze) vezes o lucro líquido anual por ação nos dois últimos exercícios sociais.”

Fundamentada no laudo referido acima, cujo teor, repita-se, recusou-se terminantemente a divulgar, tanto aos acionistas minoritários quanto ao Ministério Público Federal e Estadual e, sobretudo, ao mercado, ainda que, como atestado pelo próprio ente regulador (CVM), não o protegesse sigilo legal, a alienante concluiu que o preço de alienação da TNL PCS Oi S/A, de R$ 1,00 (um real), a dispensaria de submeter a operação à deliberação dos acionistas minoritários, pois, ainda que, de fato, a mesma implicasse a transferência do prejuízo de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais) para a empresa adquirente, alegava caracterizar a operação investimento irrelevante.

Como relatado acima, a tardia entrega do documento à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, em sede administrativa, está a investigar o caso, revelou que a avaliação foi conduzida de modo a atribuir ao principal item do patrimônio da empresa alienada valor incompatível com a sua avaliação a mercado, recorrendo-se, assim, a método de avaliação impróprio para a precificação da sociedade alienada, considerando distorcido o valor que não reflete a depreciação do preço da licença operacional do momento em que foi arrematada até o da sua alienação.

Com esse expediente, consumou-se a alienação impugnada sem a aprovação dos acionistas minoritários que, contrariados, foram obrigados a assumir a assustadora dívida que os boletins financeiros da empresa alienada registravam, comprovando-se a suspeita do mercado de que não só o ideal de transparência das operações financeiras seria maculado, comprometendo o maior patrimônio de qualquer mercado – a confiança do investidor – mas também que danos seriam causados aos titulares dos valores mobiliários respectivos.

Como salta aos olhos, prevaleceu-se o controlador do poder de determinar o destino da empresa, especificamente de alienar e adquirir a operadora móvel profundamente deficitária, para criar as condições necessárias para impedir que o minoritário coibisse o abuso perpetrado, opondo-se ao tratamento não eqüitativo que lhe era dispensado, para evitar a consumação do efetivo dano patrimonial e moral que as rés lhe impingiram.

Em suma, para caracterizar a aquisição da empresa com investimento irrelevante e fundamentar a dispensa de convocação de assembléia geral, a ré exerceu espúrio poder de controle, pois, como consignado por ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, comentando o projeto da Lei das S/A, verbis:

“o princípio básico adotado pelo Projeto, e que constitui o padrão para apreciar o comportamento do acionista controlador, é o de que o exercício do poder de controle só é legítimo para fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social, e enquanto respeita e atende lealmente os direitos e interesses de todos aqueles vinculados à empresa (…)” (in Exposição Justificativa dos Autores encaminhada juntamente com o Projeto de Lei ao Congresso Nacional, Lei das S.A., p. 215 a 252 – gn).

Do conflito de interesses –

Se ao acionista minoritário da empresa adquirente, a operacional TMAR, o seu controlador não ofereceu alternativa senão amargar o prejuízo assumido pela mesma, com a aquisição da operadora móvel, desse mesmo prejuízo o acionista controlador da holding alienante, a TNLP que, não por acaso, era até então controladora integral da TNL PCS S/A (Oi) e, por outro lado, detinha o controle de 79,6% (setenta e nove vírgula seis porcento) daquela subsidiária adquirente, livrou-se.

Ora, se a empresa alienante (TNLP) tinha interesse na alienação da deficitária operadora móvel (TNL PCS S/A Oi), o mesmo não é dado concluir quanto à sua aquisição pela operacional TMAR, até porque, desfeita a ilusão da avaliação que encomendou, o preço real do negócio distava aproximadamente R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) daquele simbólico valor, que correspondem aos 20,4% (vinte vírgula quatro porcento) das ações de que são titulares os minoritários que, repita-se, foram abusivamente excluídos do processo decisório respectivo e obrigados a assistir, amordaçados, à ruinosa gerência da companhia adquirente que absorveu o prejuízo de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais).


Significa dizer que o acionista controlador da TMAR (adquirente) concordou com os termos do negócio ora impugnado não porque o mesmo fosse melhorar o desempenho da mesma – ou será que alguém em sã consciência se permitiria o disparate de absorver o déficit de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) com aquele objetivo? – mas porque quem decidia adquirir a TNL PCS S/A (Oi) era, concomitantemente, quem a alienava (o controlador da TNLP).

Em suma, num passe de mágica, neutralizando qualquer interferência de quem, por julgar incompatível com a boa governança corporativa a absorção de tão amargo déficit, tinha o direito de se opor à consumação da operação – o minoritário titular de 20,4 (vinte vírgula quatro porcento) do controle da TMAR –, o até então controlador da TNLP, transferindo o controle que detinha sobre a TNL PCS S/A (Oi), abate do passivo daquela alienante, de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais), o percentual correspondente ao controle acionário titularizado pelo minoritário da TMAR ou, em números reais, livra-se de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) do passivo da sua operadora móvel.

Entretanto, considerando que o controlador da TMAR decidiu absorver o deficit da operadora móvel porque era, por outro lado, o controlador da TNLP e, pela configuração de sua participação societária em uma e outra empresa, essa transferência de controle acionário o aliviaria de mais de vinte porcento daquele passivo, que passaria a ser suportado pelo minoritário que calou, salta aos olhos que não exerceu o direito de voto no interesse da companhia e sim para causar danos a ela e a seus acionistas minoritários, o que compromete a estrutura interna da deliberação de adquirir aquela operadora.

Prevendo o possível abuso do poder decisório concentrado nas mãos do controlador e visando a paralisá-lo, o legislador ordinário regulamentou expressamente a matéria, prevendo o art. 115 da Lei das S/A que, verbis:

“Art. 115 – O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

(…)

§3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido.

§4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.”

Na mesma esteira, a Lei preocupou-se, também no seu art. 116, Parágrafo Único, em orientar a conduta do controlador, sempre para otimizar a realização do objeto da empresa sob a égide da sua função social, alertando-o para os deveres e responsabilidades que tem quanto aos minoritários, merecedores da lealdade incompatível com a consumação da operação ora impugnada, verbis,

‘Art. 116 – (…)

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender’ (gn).

Como se vê, o interesse do controlador da TMAR, na qualidade de controlador também da TNLP, é conflitante com o daquela empresa adquirente e com o do minoritário. Por causar dano à sociedade e àquele, não teria ele o direito de adotar a deliberação pela qual a operadora móvel foi adquirida. Acerca do tema, releva destacar o comentário de MARCELO BERTOLDI, verbis,

‘(…) sempre que se verifique incompatibilidade entre os interesses do acionista e da sociedade, aquele deve abster-se de votar na Assembléia-Geral, sob pena de ser declarada a nulidade da deliberação cujo voto conflitante tenha influenciado decisivamente’ (in op. cit. P. 83).

O conflito de interesses é regulamentado pelo art. 156 da Lei das S/A, que delimitou a possibilidade de o acionista minoritário participar de operações em que conflitem o seu interesse pessoal e aquele por ele representado na administração da companhia. Segundo o autor referido, como no caso, verbis,

“É a situação de um administrador que também é sócio de outra sociedade comercial da qual a empresa que administra tem interesse em adquirir bens ou serviços. Nesta situação, como administrador, seu interesse é obter o menor custo; já como sócio do outro pólo, seu ganho estará na maior vantagem financeira possível” (in op. cit. p. 144).

Nesta esteira, para pôr uma pá de cal sobre a possibilidade de o controlador da alienante TNLP praticar ato lesivo ao interesse da adquirente TMAR, na qualidade igualmente controlador desta, o legislador ordinário preocupou-se em vedar expressamente a intervenção do administrador da ré na operação em que tenha interesse contraposto ao da empresa, verbis,


“Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.

§ 1o Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou eqüitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros.

§ 2o O negócio contratado com infração do disposto no § 1o é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido.”

Finalmente, além da violação ao dever de convocação de assembléia geral para deliberar acerca da operação, também o conflito de interesses emerge como impedimento legal para que o administrador da ré formalizasse a aquisição da operadora móvel; a sua consumação caracteriza, portanto, dano material e moral ao direito do acionista minoritário, assim como o do investidor do mercado de capitais, que deve ser reparado.

Da responsabilidade pela reparação do dano –

Como relatado acima, a responsabilidade civil no caso decorre de infração direta à Lei, sendo que a recomposição dos prejuízos é imperativa mesmo sem plena comprovação da intenção de lesar, do dolo, conforme preleciona NELSON EIZIRIK, para quem, com razão, para emergir a obrigação de reparar o dano, neste caso, é suficiente a configuração de culpa stricto sensu, verbis,

“É que em tais casos a responsabilidade civil e administrativa decorre da infração à Lei, cabendo a recomposição dos prejuízos e a aplicação de sanções disciplinares mesmo sem cabal comprovação da intenção de lesar, do dolo, bastando portanto a configuração da culpa em sentido estrito” (in Aspectos modernos do direito societário, Rio de Janeiro, Renovar, 1992, p. 196).

Com a verificação de que o controlador não tinha o poder de protagonizar a operação ora impugnada sem o consentimento do acionista minoritário e, outrossim, de que lhe era vedado participar do processo decisório respectivo, considerando que a consumação da operação beneficiaria a empresa alienante em detrimento da adquirente (interesse conflitante), abusou do poder de controle o administrador que:

“ a)levou a TMAR a favorecer a TNLP em prejuízo da participação dos acionistas minoritários;

b)promoveu a incorporação de companhia com o fim de obter para si ou para outrem vantagem indevida em prejuízo dos demais acionistas;

c) adotou decisão (de adquirir a operadora móvel) que não tinha por fim o interesse da companhia e visava a causar prejuízo aos acionistas minoritários.”

Nestas condições, as ocorrências lesivas que geram a obrigação de indenizar e responsabilizam o controlador pelos atos praticados com abuso de poder, adequam-se perfeitamente ao modelo respectivo, conforme dispositivo legal expresso (art. 117, Lei das S/A), verbis,

“Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§ 1o São modalidades do exercício abusivo de poder:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

(…)” – gn.

Outrossim, o ato caracterizado pela transferência do controle acionário da operadora móvel deficitária para a TMAR, abusivo por ter, em última análise, ficado restrito ao âmbito do controlador da TNLP, causou dano não só ao acionista minoritário da adquirente, reduzido a mero expectador da absorção do passivo de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) que pesava sobre a empresa alienada, mas também representou a reiteração de práticas que o mercado passou a condenar nos últimos anos.

A apropriação de vantagens indevidas em detrimento do acionista minoritário contamina a segurança do ambiente para onde deve convergir o investimento, desarticulando os postulados fundamentais do mercado que deixa de desempenhar o papel que lhe cabe no desenvolvimento sustentável da economia nacional.


Com isso, a desconfiança generalizada que a ré instilou nos investidores quanto às condições em que se realizam as operações financeiras no País caracteriza emergente dano moral que também deve ser, de modo exemplar, indenizado, não só para que qualquer controlador que negocie em Território Nacional acione seus freios inibitórios antes de perpetrar semelhante achaque, mas também para que as conseqüências do mesmo sejam percebidas pela coletividade como o funcionamento adequado do mecanismo legal concebido para evitá-lo.

DO PEDIDO

Determinada a abusividade da operação ora impugnada, assim como a extensão do dano que causou, surge a obrigação de indenizar, que, no caso, deverá ser a mais abrangente possível, dada a magnitude da lesão, tanto quanto ao acionista minoritário da empresa adquirente, sob o aspecto material e moral, como quanto ao mercado como instituição (interesse eminentemente difuso), cuja confiabilidade restou profundamente abalada.

Considerando que, ao adquirir a operação deficitária TNL PCS S/A (Oi), o controlador da TMAR não preservou o interesse de todos os titulares da companhia (rectius, o acionista minoritário) e fez prevalecer o seu interesse individual, na qualidade de controlador da empresa alienante (TNLP), de se livrar de 20,4% (vinte vírgula quatro porcento) da dívida suportada pela operadora móvel, da ordem de R$ 4.761.000.000,00 (quatro bilhões setecentos e sessenta e um milhões de reais), determina o § 2º do art. 156 da Lei das S/A que, verbis:

“Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.

§ 1o Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou eqüitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros.

§ 2o O negócio contratado com infração do disposto no § 1o é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido” (gn).

Por outro lado, o administrador não serviu com lealdade à companhia e, visando à obtenção de vantagens para si, impediu a realização de Assembléia Geral para deliberar acerca da conveniência do negócio ora impugnado, recorrendo a laudo de avaliação da empresa alienada cujo teor sonegou do conhecimento público e só revelou ao acionista minoritário que se submetesse às condições unilateralmente impostas em termo de confidencialidade de que consta, inclusive, a renúncia ao direito de questioná-lo judicialmente.

Incide no caso, por isso, o art. 155 da Lei das S/A, garantindo ao minoritário o direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, verbis:

“Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:

I – usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;

II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;

III – adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.

§ 1o Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.

§ 2o O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1o não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança.

§ 3o A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos parágrafos 1o e 2o, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação.

§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.”

Pelo exposto, REQUEREM os Autores:

a) a citação dos réus para, querendo, contestarem a presente, sob pena de revelia, sendo presumidos como verdadeiros os fatos ora deduzidos;

b) seja julgada procedente a pretensão deduzida na presente ação, declarando-se nula a transferência do controle acionário da TNL PCS S/A (Oi) para a operadora de telefonia fixa Telemar Norte Leste S/A (TMAR);

c) cumulativamente:

1. a condenação de todas as rés, com exceção da União, a indenizar os acionistas minoritários pelos danos morais e materiais sofridos em função da depreciação de suas respectivas posições acionárias, acarretada pela absorção do passivo da operadora móvel pela TELEMAR NORTE LESTE S/A, cujo quantum deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença;

2. a condenação de todas as rés, com exceção da União, a pagar aos fundos coletivos abaixo indicados, indenização a título de dano moral coletivo, devida em função do abalo na confiança do investidor no mercado financeiro causado pela operação acima narrada;

d) a condenação da União em obrigação de fazer, consistente no integral cumprimento, pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, das atribuições descritas pelo artigo 14, incisos I usque VI, da Lei nº 8.884/94, relativamente aos graves fatos narrados na presente demanda, haja vista serem os mesmos de conhecimento notório, tendo sido amplamente divulgados pela mídia;

e) que sejam publicados os editais a que se refere o art. 94 do CDC;

f) a condenação das rés ao pagamento de custas e honorários advocatícios à base de 20% sobre o valor da causa, ao Centro de Estudos Jurídicos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, mediante depósito em conta corrente n.º 06621-4, ag. 3403, Banco BANERJ S/A., na forma da Lei n.º 2.819/97 e Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, materializado na conta corrente nº. 170.500-8, da agência nº 4201-3 do Banco do Brasil, via Documento Único de Arrecadação, na forma da Resolução 12, de 22 de janeiro de 2004, da Presidência do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos;

Protesta-se por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial pela prova testemunhal, por depoimentos pessoais dos representantes legais das rés, bem como pela prova documental superveniente e pericial se necessária; atribuindo-se à causa, de valor inestimável, o valor de R$ 900.000.000,00 (novecentos milhões de reais).

Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2004

RODRIGO TERRA

Promotor de Justiça

GINO DE OLIVEIRA LICCIONE

Procurador da República

LUIZ FERNANDO V. C. LESSA

Procurador da República

MÁRCIO BARRA LIMA

Procurador da República

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