Cobra de Vidro

Advogados querem transcrição de conversas gravadas na Anaconda

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22 de setembro de 2004, 12h42

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça está para julgar o Habeas Corpus 37.227, impetrado pela defesa de Vagner Rocha. Ele é um dos treze acusados de fazer parte de um grupo que venderia sentenças judiciais — preso ano passado, em outubro, pela Operação Anaconda.

No HC se discute a necessidade de serem transcritas ou degravadas as conversas que foram objeto de interceptação telefônica na Operação Anaconda.

Os advogados de Vagner Rocha, Miguel Pereira Neto, Antonio Celso Galdino Fraga e Maria Helena Lopes Zeredo, sustentam que é obrigatória a degravação das conversas telefônicas interceptadas “pois somente deste modo, pode-se analisar com precisão as falas que são imputadas ao acusado e contestá-las, quando houver necessidade”.

Se o Superior Tribunal de Justiça entender que é necessária a elaboração de laudo pericial com a degravação das conversas telefônicas na Operação Anaconda, a instrução probatória terá de ser reaberta.

Os advogados acreditam que a Justiça Federal leve mais de um ano para cumprir tal providência, devido à quantidade de conversas que foram interceptadas ao longo de mais de dezoito meses. Isto porque o efetivo do Instituto Nacional de Criminalística não é muito grande, o que tornaria necessária a ajuda de outros profissionais.

Sustenta a defesa que “houve uma série de equívocos nos relatórios das conversas telefônicas interceptadas, preparados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal. Nesse sentido, imputou-se a Vagner Rocha uma conversa com o ex-delegado Federal Jorge Luiz Bezerra da Silva, num episódio chamado de Caso Centauro, mas acabou sendo constatado posteriormente pelo Instituto Nacional de Criminalística que a voz naquela fala era de um terceiro e não de Vagner Rocha”.

Segundo os advogados “o entendimento postulado por aqueles advogados decorreria da interpretação que se faz do disposto no § 1º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, que regulamenta o procedimento de interceptação telefônica, à luz sobretudo do que preceitua o artigo 158, do Código de Processo Penal:

‘Artigo 6º — Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§ 1º – No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.

Artigo 158 — Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado'”.

Para os advogados de Vagner Rocha, “a decisão impugnada naquele ‘Habeas Corpus’ é o acórdão proferido pelo Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pautado em voto da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, a relatora da Ação Penal nº 128-SP. Indeferiu-se o pedido de um dos acusados para que fosse efetuada a transcrição das conversas interceptadas ao longo da Operação Anaconda”

Segundo eles, sustenta-se naquele acórdão que a degravação das conversas teria se tornado desnecessária na medida em que “a integralidade das gravações, contendo a totalidade dos diálogos interceptados, com as respectivas reproduções sonoras, como dito acima, restou entregue a todos os acusados, permitindo-se a escuta a todos os defensores, mediante acesso aos CDs disponibilizados, não merecendo guarida a alegação de violação à auto-defesa, por cumprir ao advogado constituído o exercício da defesa técnica, com as medidas necessárias, o que, aliás, tem se demonstrado à exaustão”.

Os advogados prosseguem ressaltando que “é dito, ainda, naquele julgado, que ‘Disponibilizou-se, inclusive, equipamento de informática para consulta do material em gabinete, pelos defensores’ e que ‘Os autos circunstanciados, regularmente encaminhados, tanto ao juízo condutor do inquérito em Maceió, ab ovo, quanto a esta Relatora, posteriormente, são válidos em sua plenitude, não se furtando à documentação das operações realizadas, com o resumo das atividades encetadas. As principais conversas que efetivamente interessam à investigação foram degravadas. A seleção prévia e a edição parcial do material colhido atende à necessidade de racionalização da prova e de preservação da intimidade dos envolvidos; além disso, aos autos de inquérito acorram somente elementos úteis e relacionados com os fatos, à autoridade policial competindo a indicação do material necessário. Os responsáveis pela lavratura dos autos das diligências foram ouvidos na qualidade de testemunhas, portanto, sob compromisso de dizer a verdade, e prestaram as informações pertinentes, respondendo às perguntas e reperguntas relativas às interceptações e gravações'”.

Foram juntados ao Habeas Corpus pareceres solicitados a dois juristas, Ada Pellegrini Grinover e Vicente Greco Filho, professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.


A defesa de Vagner Rocha remeteu parecer do professor Vicente Greco Filho, no qual é assinalado como “sendo indispensável a transcrição oficial, isto é, por peritos criminais, das conversações interceptadas indicadas como suspeitas para que se tenha a formação do corpo de delito”.

No parecer, Greco Filho postula que “a transcrição integral das gravações é essencial à consideração das peças como provas, não somente porque transcrições parciais podem dar a entender situações e fatos diferentes, mas também porque não representam a realidade do aparentemente revelado. Ademais, a transcrição integral é o corpo do delito deve ser objeto de perícia oficial e não pode ser parcial, ‘censurado’ ou ‘escolhido’, sob pena de violação da exigência legal do exame de corpo do delito com a conseqüência de nulidade do processo”.

Argumentam os advogados, ainda, “que se não houver a degravação das conversas telefônicas mediante a lavratura de laudo pericial, estará sendo violada a garantia do devido processo legal e, especificamente, o princípio do contraditório, previstos, respectivamente, nos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição da República”.

Para eles, “no recente julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do ‘Habeas Corpus’ nº 83.515, o Ministro Nelson Jobim votou no sentido de que a ‘transcrição completa das conversas a cada pedido de renovação da autorização não é necessária, de acordo com a lei que regulamenta as interceptações telefônicas. Ele esclareceu que as exigências da lei foram atendidas com a disponibilização da transcrição completa aos réus, assim que foi encerrado o sigilo’. Nesse sentido, é o teor da matéria veiculada no CONJUR em 16.9.2004, intitulada ‘Escuta Telefônica – Renovação sucessiva de interceptação é legal, decide STF’ (www.conjur.com.br/textos/249520).”

Leia o Habeas Corpus e a íntegra do parecer do professor Vicente Greco Filho

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO, DOUTOR EDSON VIDIGAL, DIGNÍSSIMO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MIGUEL PEREIRA NETO, ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA e MARIA HELENA LOPES ZEREDO, brasileiros, advogados, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, os dois primeiros na Secção de São Paulo, respectivamente, sob os nºs 105.701 e 131.677, e a terceira na Secção do Distrito Federal, sob o nº 17.737, com escritório na Cidade de Brasília, Distrito Federal, SCN Quadra 1, Bloco “F”, Edifício America Office Tower, sala 1.620, vêm, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII, e 105, inciso I, alínea “c”, ambos da Constituição da República; nos artigos 647 e 648, VI, do Código de Processo Penal, impetrar o presente writ of

HABEAS CORPUS

(com pedido de concessão de ordem judicial liminar – em caráter de

extrema urgência – réu preso)

em favor de VAGNER ROCHA, brasileiro, casado, empresário, portador da Cédula de Identidade (R.G.) nº XXX, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda sob o nº XXX, residente na Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, na Rua XXX, nº 153, apartamento XXX, que está sofrendo constrangimento ilegal diante dos termos de venerando acórdão proclamado pelo Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, em 22.10.2003, bem como contra a respeitável decisão proferida pela Excelentíssima Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA em 19.12.2003, ambos nos autos da Ação Penal nº 128-SP (Registro nº 2004/0049105-5); pelas razões de fato e de direito aduzidas no anexo articulado.

Considerando o recesso dessa Egrégia Corte, bem como a urgência da medida, requer-se, num primeiro momento e de imediato, seja apreciada e concedida liminarmente a revogação da prisão preventiva guerreada e posto o Paciente em liberdade.

Com fundamento no artigo 13, inciso I, alínea “b”, do Regimento Interno dessa Egrégia Corte, após a decisão acerca do pleito liminar, requer-se que seja determinada a distribuição deste writ à sua Colenda Quinta Turma, que está preventa em virtude de anterior impetração de outros habeas corpus, que tiveram como relator o Douto Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA.

Termos em que,

pede-se deferimento.

São Paulo, 22 de julho de 2004

Miguel Pereira Neto

OAB/SP nº 105.701

Antonio Celso Galdino Fraga

OAB/SP nº 131.677

Maria Helena Lopes Zeredo

OAB/DF nº 17.737

HABEAS CORPUS

Impetrantes: MIGUEL PEREIRA NETO

ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA

Paciente: VAGNER ROCHA

Douto Órgão Coator: Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região

Excelentíssima Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA


Egrégio Tribunal,

Eméritos Julgadores,

I

INTRODUÇÃO

O objetivo da impetração deste writ é o de garantir a obediência do direito à prova consagrado às partes, dentre as quais aos acusados, como regra fundamental da garantia do devido processo legal, tutelada constitucionalmente, no curso da Ação Penal nº 128-SP, em curso perante o Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região. Cinge-se a prova produzida no referido procedimento criminal àquela decorrente do procedimento de interceptação telefônica. Como se sabe, a interceptação telefônica é um meio de busca de prova, de maneira que, para se convalidar a prova que se pretende produzir, é imperioso que seja determinada a transcrição do material de áudio resultante de tal procedimento, mediante a lavratura de laudo pericial por peritos criminais. Nesse sentido, é o que estabelecem os §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996. Requereu-se oportunamente tal providência à Douta Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, mas, o pedido acabou sendo indeferido. Foi interposto, então, um recurso de agravo regimental por parte da defesa do Co-Réu CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ ao Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal a quo, mas esse recurso acabou sendo indeferido.

Considerando que está para encerrar a instrução probatória no curso daquela ação penal e a produção de tal prova é indispensável à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa, impetra-se este habeas para sanar tal irregularidade antes que os acusados sofram maiores prejuízos.

II

DOS FATOS

Encontra-se em trâmite perante o Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, a Ação Penal nº 128-SP (Registro nº 2003.03.00.065344-4) que foi instaurada a pedido do Ministério Público Federal, contra três Juízes Federais, os Co-Réus JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS, CASEM MAZLOUM e ALI MAZLOUM; três Delegados da Polícia Federal, os Co-Réus JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA, JOSÉ AUGUSTO BELLINI e DIRCEU BERTIN; dois Advogados, os Co-Réus CARLOS ALBERTO DA COSTA SILVA e AFFONSO PASSARELLI FILHO; um Agente da Polícia Federal, o Co-Réu CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ; uma ex-Auditora da Secretaria da Receita Federal, a Co-Ré NORMA REGINA EMÍLIO CUNHA, e dois Empresário, o Co-Réu SÉRGIO CHIAMARELLI JÚNIOR e o Paciente VAGNER ROCHA, por suposta prática do delito insculpido no caput, do artigo 288, do Código Penal.

A denúncia formulada pelo Ministério Público Federal é datada de 14.10.2003 e está pautada, única e exclusivamente, em autos circunstanciais elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, a partir do trabalho de interceptação de linhas telefônicas fixas e móveis cuja implementação foi autorizada, inicialmente, pelo Meritíssimo Juízo da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas, e que teve sua continuidade determinada, mais tarde, pela Eminente Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA.

Cumpre frisar que esses autos circunstanciais não contêm nem mesmo a chamada degravação informal ou não oficial, mas, apenas o resumo das conversas telefônicas interceptadas tidas como suspeitas, feito a partir de trabalho interpretativo desenvolvido pela Polícia Federal. Não se pode aceitar os ditos autos circunstanciais como elementos probatórios porquanto estão baseados num trabalho subjetivo realizado pelos mesmos policiais federais que estavam conduzindo as investigações no curso do Inquérito Judicial nº 533-SP sob a batuta da Douta Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Não bastasse os referidos autos circunstanciais estão eivados de uma série de erros crassos, inclusive erro quanto a pessoa, fato que não costuma ocorrer se tal trabalho tivesse sido executado sob o crivo de experts judiciais.

Um exemplo de erro crasso verificado nos autos circunstanciais elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, é aquele relativo à participação do Paciente VAGNER ROCHA no indigitado CASO CENTAURO, uma vez que teriam sido interceptadas conversas telefônicas nas quais o Paciente teria mantido com o Co-Réu JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA, no que se refere à execução de atos ilícitos. Trata-se de um evidente erro quanto a pessoa, pois, atribui-se ao Paciente VAGNER ROCHA conduta que jamais praticou. Em nota de rodapé inserida nesse trecho da denúncia é feita alusão a tais conversas, indicando-se os Áudios 030529103706.CO10, 030529152353.CO10, 030529160841.CO10, 030529161247.CO10 e 030530101858.CO10 (fls. 52/53, dos autos da Ação Penal nº 128-SP).

Para que fosse confirmado esse erro quanto à pessoa, requereu-se, tempestivamente, perícia de voz, a partir do material que foi cuidadosamente selecionado e gravado em compact disc carreado aos autos daquela ação penal (fls. 11.082/11.092, dos autos da Ação Penal nº 128-SP), providência que acabou sendo acatada pela Excelentíssima Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (fls. 11.385/11.393, dos autos da Ação Penal nº 128-SP).


Como resultado, o Instituto Nacional de Criminalística emitiu, recentemente, o Laudo nº 1.619/04-INC, datado de 25.6.2004, no qual, taxativamente, é anunciado que a voz atribuída ao Paciente VAGNER ROCHA na interceptada conversa no CASO CENTAURO, suscitada pelo Ministério Público Federal, não partiu de seu aparelho fonador, isto é, que não é a voz do Paciente VAGNER ROCHA na conversa telefônica questionada na denúncia:

“Os parâmetros acústicos e as realizações articulatórios extraídas dos registros de voz questionados, item III do presente laudo, e confrontados com os padrões, item IV, permitem aos signatários concluir que as falas atribuídas ao interlocutor denominado ‘VR’ nas transcrições fonográficas, item V.2, referentes ao segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto arquivo, são provenientes do aparelho fonador de VAGNER ROCHA, fornecedor do material padrão. Quanto às falas atribuídas ao interlocutor denominado ‘VR” na transcrição fonográfica, item V.2, referente ao primeiro arquivo, não partiram do aparelho fonador de VAGNER ROCHA” (fls. 14.969, dos autos da ação penal nº 128/SP – doc. nº 62).

Tal situação demonstra, por conseguinte, que jamais houve um acurado trabalho de análise e escuta das conversações interceptadas, e que é esperado dos órgãos atinentes ao Poder Judiciário. Aliás, essa gritante falha envolvendo erro quanto à pessoa não é uma novidade no curso da ação penal nº 128-SP, que trata da indigitada OPERAÇÃO ANACONDA, devendo-se destacar a prisão de um empresário paulista que acabou ficando preso por onze dias por outro flagrante erro quanto à pessoa.

Com efeito, em recente reportagem intitulada “Arapongagem: A Gula da Cobra”, veiculada pelo periódico “ISTOÉ”, de 9.6.2004, subscrita pelo Ilustre Jornalista ANTONIO CARLOS PRADO, é comentado que policiais que participaram da OPERAÇÃO ANACONDA admitiram que pouco investigaram para não quebrar o sigilo da indigitada operação, admitindo, outrossim, que incriminaram magistrados federais apenas com base em interceptação telefônica e, o mais grave, “ALGUNS DESSES GRAMPOS NÃO BATEM COM AS TRANSCRIÇÕES”.

Nesse sentido, vale comentar que em inúmeras passagens nos chamados autos circunstanciais preparados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, seus subscritores cometeram graves equívocos, indicando, de forma errônea, o nome dos interlocutores das conversações interceptadas ou determinadas situações de fato, que, na verdade, nunca ocorreram. Confira-se a transcrição de alguns trechos da aludida reportagem:

“Todos os acusados pela Operação Anaconda podem estar envolvidos até os ossos, e da cabeça aos pés, em atos criminosos. Mas o fato é que ‘provas policiais’ que foram produzidas pela escuta de telefones estão longe de incriminar algumas dessas pessoas que estão sendo acusadas de formação de quadrilha. Essas ‘provas’ não investigadas geraram uma série de contradições e erros, a tal ponto que o policial João Guedes Tavares, falecido em 1963, foi colocado pela Polícia Federal no terceiro nível hierárquico da suposta organização criminosa, ao lado de delegados e juízes. E um inocente, Hugo Sterma, foi encarcerado por engano durante 11 dias. Grampearam o telefone errado, prenderam o Sterma e só depois descobriram que ele não era de fato o procurado: Hugo Carlete.

Pesa sobre Casem Mazloum, principalmente, a acusação de ter ganho passagens de avião para o Líbano. O seu nome surge numa conversa entre Herman e Bellini. Ouça-se o grampo e perceba-se que um se faz de faroleiro, o outro de invejoso:

Herman – Conseui oito passagens. Executivas. Para o Casem.

Bellini – Orra, c…..

Herman – Oito!

Bellini – Tudo executiva…

Herman – É bom, né?

Bellini – Orra, assim até eu…

ISTO É investigou as tais passagens para o Líbano. Foram compradas pelo próprio Casem, com direito à carta da agência Asfur Turismo confirmando o fato. Também contra Casem há a acusação de se valer da função de juiz para liberar um caminhão com carga irregular. Ouça-se o grampo e descubra-se o seguinte: um parente do juiz de fato lhe telefonou explicando que tivera o seu caminhão apreendido na rodovia Raposo Travares. Casem conversa com um coronel e frisa por três vezes se alguma solução poderia ser dada de forma ´legalmente’, ‘regular’, ‘legalmente’. O coronel informa que sim, uma vez que não há nenhum problema de carga, somente o licenciamento vencido do caminhão, mas que regularmente ele poderia ser liberado, desde que o dono do veículo firmasse um termo de compromisso de regulamentar a documentação no prazo de 15 dias.

O juiz Ali Mazloum não leva sorte com nomes. Numa conversa de Bellini com uma mulher, essa mulher fala que o Mário está na sala do lado. No relatório da PF e na denúncia do Ministério Público, Mário virou Ali. Se a Polícia Federal tivesse investigado tudo o que ouviu, e não transformado os grampos em provas cabais, talvez a PF não tivesse passado por outro vexame. numa das conversas gravadas, fala-se de um Ali que é o empresário do setor de informática Hussein Ali Jaber, que está denunciado. Pois também aí o Ali Jaber foi transformado em Ali Mazloum. Só que a PF percebeu o erro a tempo de corrigi-lo” (págs. 52/56 – doc. nº 68).


Mesmo nesse contexto de falhas inaceitáveis, foi oferecida a denúncia pelo Ministério Público Federal, houve o seu recebimento pelo Egrégio Tribunal a quo e, depois, então, procedeu-se ao interrogatório dos acusados. Ao longo da instrução processual, bem como na fase do artigo 10, da Lei nº 8.038, de 28.5.1990, os defensores de vários dos acusados requereram que fosse determinada, na esteira do disposto nos §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, a degravação das conversas telefônicas censuradas que foram indicadas nos autos circunstanciais elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, mediante a lavratura de laudo por peritos criminais vinculados ao Instituto Nacional de Criminalística.

Todavia, na respeitável decisão proferida às fls. 11.385/11.395, dos autos da Ação Penal nº 128-SP, a Douta Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA indeferiu os pedidos formulados para que se procedesse à transcrição das conversas interceptadas que foram indicadas como suspeitas pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, sob o argumento de que com o depoimento dos policiais que participaram do procedimento de interceptação telefônica, bem como com a disponibilização do material de áudio resultante daquele procedimento às partes, teria sido suprimida a necessidade de se efetuar a lavratura de laudo pericial com a degravação daquelas conversas. Confiram-se os termos do voto proferido por aquela Douta Magistrada Federal, consubstanciado no venerando acórdão proferido pelo Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira Região), bem como à respeitável decisão que aquela Douta Magistrada Federal exarou às fls. 10.455/10.470, dos autos daquela ação penal:

“Pela via deste regimental, sob o argumento de que a transcrição de todas as gravações ´é fundamental para a legalidade e funcionalidade (sic) dos trabalhos de interceptação, pois a prova digitalizada, gravada e/ou computadorizada, somente poderá compor o mundo jurídico com respectiva análise pericial`, bem como estão os acusados cerceados no seu direito de auto-defesa, visto que, presos, não podem participar da oitiva das interceptações` (fl. 7.016), CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ requer ‘a imediata aplicação dos dispositivos legais da Lei nº 9.296, por seu artigo 6º, § 1º e § 2º, determinando às (sic) transcrições das interceptações completas’ (fl. 7.021). Definitivamente, não assiste razão ao agravante. Reitero, inicialmente, que não procede tese alguma de cerceamento de defesa. Além da totalidade das conversas telefônicas referidas nos autos e tomadas com base à acusação, forneci para análise cópias dos Relatórios Parciais e Final de Inteligência Policial, encaminhados pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, bem como tudo o mais que me foi entregue em mídia, ou seja, os autos de busca e apreensão e respectivas análises pela autoridade policial, com os documentos digitalizados correspondentes ao material apreendido e as diligências encetadas pela Polícia – áudios e resumos das conversações correspondentes, diagramas e relatórios policiais, acompanhados de vídeos, levantamentos de dados, informações processuais, relatórios de vigilâncias, depoimentos, etc. Fosse pouco, a pedido dos acusados, deferi em 05 de dezembro de 2003, à fl. 2.037, do processo de registro nº 2003.03.00.065344-4, o fornecimento à defesa e à acusação, da integralidade das gravações contendo a totalidade dos diálogos interceptados, tendo o material, enviado pela Inteligência Policial, por meio do ofício nº 026/2004-GAB/DIP/DPF/DP-OP.ANACONDA, sido entregue a CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ em 1º de março de 2004. Dispõe o caput do artigo 6º, da Lei nº 9.296/96, que ‘deferido o pedido a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização’; do § 1º, extrai-se que ‘no caso de a diligência possibilitar a gravação de comunicação interceptada será determinada a sua transcrição`; o § 2º, ao seu turno, determina que ‘cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas`. A fase executiva da interceptação telefônica, tem os procedimentos operacionais conduzidos pela autoridade policial, com a ciência dos atos efetivados ao Ministério Público Federal, mas sob o controle jurisdicional, conforme os poderes conferidos pelo artigo 5º, da lei; mas especificamente ‘controle de legalidade’ e ‘controle probatório’, de responsabilidade do juiz. Do controle de legalidade, não se questiona. As interceptações telefônicas concretizadas em momento algum deixaram de obedecer aos ditames do artigo 5º, inciso XII, Constituição Federal, muito menos da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. As provas colhidas durante todo o tempo de investigação são válidas. As decisões de interceptações telefônicas, autorizando ou prorrogando as medidas, embora de modo conciso, foram todas fundamentadas, e, os prazos, obedecidos. As renovações mostrando-se indispensáveis ao prosseguimento das investigações e obtenção de provas, deram-se enquanto houve necessidade, respeitando-se as exigências do artigo 5º, da Lei nº 9.296/96. Irrompem, em caso, questionamentos concernentes ao controle probatório, tanto em relação à fonte quanto ao meio de prova. Não me furto a explicar, de forma detida, mesmo porque a questão merece solução definitiva; verdadeira pá de cal a de ser posta em relação ao assunto. O resultado da interceptação telefônica, fonte de prova, deve ser fixado em juízo, vale dizer, os fatos prorrogados pela conversa interceptada devem ser transportados, de algum modo, ao processo. É a necessidade conforme a lição de Ada Pellegrini Grinover, ‘de encontrar-se uma forma idônea para atestar a existência de conversação interceptada ou suficiente para se obter a idéia precisa de sua existência: a necessidade, isto é, de selecionar um meio de prova adequado à natureza da interceptação telefônica’. Prossegue consagrada Professora, em sua obra mais aclamada: ´o mesmo fato pode ser provado por vários meios; e realmente a conversa interceptada poderia provar-se, v.g., através do testemunho do interceptador. Quando, porém, se trata de interceptações autorizadas pela autoridade judicial, o resultado da operação técnica deve revestir-se de forma documental. Por isto é que o problema da interceptação telefônica assume particular importância. Normalmente a interceptação é acompanhada da gravação dos diálogos interceptados, com a finalidade de se dispor que uma reprodução sonora que permita repetir a escuta. Tal gravação de per si, já constitui documento. Isto, todavia, não exime os órgãos públicos de documentar todas as operações desenvolvidas; já se observou que a gravação em fita magnética, embora contribuindo para reforçar o valor probante da operação, representa simplesmente o resultado material da interceptação, mas só o termo que a documenta é que se reveste de autêntica relevância probatória. Assim, apesar da utilização da gravação em fita magnética, das comunicações telefônicas interceptadas, a exigência de garantir a genuinidade da prova não exclui a obrigação de gravar o auto de diligência’. Consoante o prescrito no § 6º, da Lei nº 9.296/96, a interceptação realizada, vem acompanhada da gravação da conversa telefônica, se tecnicamente viável, com a finalidade de se dispor de uma reprodução sonora, que permita a escuta. Essa gravação, desde que possível, já constitui documento , valendo como meio de prova. A transcrição determinada pela lei não se restringe à redução a termo escrito, pretendida pelo agravante. O sentido da expressão, nos dá o Dicionário Aurélio: transcrição é ‘o ato ou efeito de transcrever’; transcrever significa ‘copiar, reproduzir copiando, transladar’. Ou seja, os sinais sonoros serão captados por meio digital e transferidos em áudio para HD e CDs. Essa transcrição digitalizada, em áudio, atende à prescrição legal e possibilita, ao juízo e às partes, conhecimento integral do objeto das conversas interceptadas tornando despicienda a produção da prova por outro meio. Também são meios de prova, é bem verdade, servindo para fixá-la em juízo o auto circunstanciado previsto no § 2º, do artigo 6º, a atestar a veracidade da operação concretizada, contendo o resumo das operações realizadas, o modus operandi, o tempo demorado, os telefones interceptados, o resultado obtido, a existência de encontro fortuito, etc.; a transcrição da comunicação interceptada descrita no § 1º; a prova testemunhal, por meio da oitiva de quem realizou a interceptação, por dificuldades técnicas ou, ainda, não ser o caso, como, por exemplo, na hipótese do juiz determinar apenas o controle das chamadas telefônicas, ou seja, obter-se apenas a quem se chama, em que hora chama, etc. Nesses casos, a transcrição não poderá ser realizada. Quero dizer que perfeitamente possivelmente e rigorosamente dentro dos ditames legais a existência de situações em que os meios de prova referentes à interceptação telefônica, não se resumam à absoluta transcrição dos diálogos interceptados. Não, se há outros meios de se fixar em juízo os fatos resultantes das escutas, sem se desbordar, inclusive, da documentação escrita dos atos processuais, princípio inerente ao nosso sistema. A integralidade das gravações, contendo a totalidade dos diálogos interceptados, com as respectivas reproduções sonoras, como dito acima, restou entregue a todos os acusados, permitindo-se a escuta a todos os defensores, mediante acesso aos CDs disponibilizados, não merecendo guarida a alegação de violação à auto-defesa, por cumprir ao advogado constituído o exercício da defesa técnica, com as medidas necessárias, o que, aliás, tem se demonstrado à exaustão. Disponibilizou-se, inclusive, equipamento de informática para consulta do material em gabinete, pelos defensores. O agravante não formalizou semelhante pedido para atender à sua peculiar situação de custodiado preventivamente. Os autos circunstanciados, regularmente encaminhados, tanto ao juízo condutor do inquérito em Maceió, ab ovo, quanto a esta Relatora, posteriormente, são válidos em sua plenitude, não se furtando à documentação das operações realizadas, com o resumo das atividades encetadas. As principais conversas que efetivamente interessam à investigação foram degravadas. A seleção prévia e a edição parcial do material colhido atende à necessidade de racionalização da prova e de preservação da intimidade dos envolvidos; além disso, aos autos de inquérito acorram somente elementos úteis e relacionados com os fatos, à autoridade policial competindo a indicação do material necessário. Os responsáveis pela lavratura dos autos das diligências foram ouvidos na qualidade de testemunhas, portanto, sob compromisso de dizer a verdade, e prestaram as informações pertinentes, respondendo às perguntas e reperguntas relativas às interceptações e gravações. Desnecessária, pois, a redução a termo de todas as comunicações interceptadas, como insistentemente tem requerido a defesa de CÉSAR HERMAN, inclusive porque tal medida implicaria em gasto de tempo demasiadamente grande, não se olvidando que há 9 (nove) réus presos preventivamente, e sua efetivação consistir-se-ia em manifesto constrangimento ilegal. Há informação de que tal procedimento, abrangendo quase 2 (dois) anos de gravações de vários terminais telefônicos, demandaria quase igual período de trabalho dos peritos” (fls. 10.466/10.468, dos autos da Ação Penal nº 128-SP – doc. nº 57 — sem ênfase no original).


III

A QUESTÃO DO CABIMENTO DESTE HABEAS CORPUS

Não há qualquer outra medida legal que os acusados possam tomar para reverter os efeitos da respeitável decisão proferida pela Douta Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA que foi mencionada acima, pois está baseada nos termos do venerando acórdão proclamado pelo Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal a quo, que não pode ser atacado. Nesse sentido, mister se faz ressaltar, também, que, contra uma série de atos praticados pela Douto Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA no curso da Ação Penal nº 128-SP, os defensores dos acusados interpuseram recurso de agravo regimental, na esteira do disposto no artigo 207, do Regimento Interno do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, transcrito abaixo:

“Artigo 207 – O Relator, como Desembargador Federal de instrução do processo, terá as atribuições que a legislação processual confere aos Juízes singulares.

Parágrafo único – Caberá Agravo Regimental para o Plenário sem efeito suspensivo e na forma do Regimento, da decisão do Relator que:

a) receber ou rejeitar a denúncia;

b) decretar ou denegar fiança ou a arbitrar;

c) decretar prisão preventiva;

d) recusar produção de qualquer prova ou a realização de qualquer diligência”.

No entanto, em Sessão Extraordinária do Colendo Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, realizada em 15.4.2004, ficou assentado que, no curso de ação penal originária, a decisão do relator, por exemplo, referente à restituição de material apreendido, não comportaria insurgência pela via do recurso de agravo regimental. Fixou-se tal interpretação a partir da inteligência da Lei nº 8.658/93, bem como especificamente do parágrafo único do artigo 207, do Regimento Interno daquela Colenda Corte, in verbis:

“Nada obstante o Código de Processo Penal, após a revogação efetuada pela Lei nº 8.658/93, nada mais fala nos processos de competência originária sobre o cabimento de agravo para o próprio tribunal. Indiscutível, portanto: no CPP, não há recurso previsto para essa hipótese.

Outrossim, o dispositivo da Lei nº 8.038/90 que regulamenta o procedimento no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, inclusive os criminais, prevendo, sem quaisquer restrições o cabimento no prazo de 5 (cinco) dias de agravo da decisão do relator que causar gravame à parte – mais especificamente o artigo 39 – conforme já estudado, não se aplica aos casos iniciados nos TRFs. Remarque-se o legislador cuidou de restringir às ações penais de competência originária dos regionais a aplicação das normas dos artigos 1º a 12º da Lei nº 8.034/90.

Imediatamente, sem se descuidar do escalonamento kelseniano, invocam-se as disposições regimentais.

O regimento interno deste tribunal, na Parte II, (Do Processo), Título VIII, (Dos Recursos em Geral), Capítulo II, (Dos Agravados), Seção I, (Do Agravo Regimental), dispõe que: ‘a parte que se considerar agravada por decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma, ou de Relator, poderá requerer no prazo de 5 (cinco) dias, a apresentação do feito em mesa para que o Plenário, a Sessão ou a Turma sobre ele se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a’ (artigo 250), e que ‘o agravo regimental será submetido ao prolator da decisão, o qual poderá reconsiderá-la ou submeter o agravo ao julgamento do órgão competente, caso em que computar-se-á, também, o seu voto (artigo 251).

Contudo, na mesma parte, mas no Título VI, (Da Competência Originária), Capítulo V, (Da Ação Originária), prescreve, em seu artigo 207, que ‘o Relator, como Desembargador Federal de instrução do processo, terá as atribuições que a legislação processual confere aos Juízes singulares’, e, no parágrafo único, ‘caberá agravo regimental para o Plenário, (sic) em efeito suspensivo, e na forma do Regimento, da decisão do Relator: a) receber ou rejeitar a denúncia, b) decretar ou denegar fiança, ou a arbitrar; c) decretar prisão preventiva; d) recusar produção de qualquer prova ou a realização de qualquer diligência’.

Princípio basilar, que os bancos acadêmicos cuidam de transmitir: regra especial derroga geral.

In casu, a norma contida no § único, do artigo 207, do Regimento Interno, tem aplicação porque especialmente introduzida no ordenamento para reger ações penais ordinárias, em detrimento dos artigos 250 e 251, que se aplicam aos feitos comuns, que integra a competência recursal da Corte, a teor do disposto no artigo 208, inciso II, da Constituição Federal.

A competência para processar e julgar a ação penal originária é do Tribunal, dele é a decisão definitiva ou terminativa. A instrução, porém, corre sob o crivo do Desembargador Relator Federal. Como dispõe o artigo 2º, da Lei nº 8.038/90: ‘O relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará segundo o disposto neste capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e no Regimento Interno’. Em razão disso, a lei lhe concede, como prerrogativa, decisões monocráticas objetivando a agilização e simplificação dos julgamentos (do que são exemplos as atribuições descritas nos artigos 7º a 11, da mesma lei), legitimado por uma delegação implícita a ele outorgada pelo órgão de que é integrante. Os atos, por ele praticados, são como se fossem praticados pelo próprio órgão, no caso, o Órgão Especial deste TRF, competente para decidir o processo. É em nome desse que age o magistrado responsável pela instrução.

Não se retira ou exclui, pois, competência do Tribunal, pelo seu órgão colegiado competente – que, de mais a mais, é responsável pela decisão de recebimento da denúncia e pelo julgamento da causa -, mas apenas se racionaliza a atividade procedimental, restringido o Regimento às hipóteses de agravo regimental que entendeu relevantes. Situações outras, v.g., decisões que determinam oitiva de testemunha, ou que indeferem pedidos de revogação de prisão preventiva, reclamam a impetração de habeas corpus, remédio adequado às hipóteses, não se permitindo a utilização do agravo regimental. Não, nos casos de competência originária deste Tribunal” (fls. 13.002/13.004, dos autos da Ação Penal nº 128-SP)


Diante de tal cenário, não há qualquer outra medida legal ao alcance do Paciente VAGNER ROCHA para poder impugnar o venerando acórdão indicado acima e, destarte, conseguir que seja observado o disposto nos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição da República, no artigo 158, do Código de Processo Penal, e nos §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296/98. É cabível, portanto, a impetração deste habeas corpus de caráter preventivo.

IV

DO DIREITO:

DO CERCEAMENTO DO DIREITO À PROVA, INERENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, COROLÁRIOS FUNDAMENTAIS DA GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW

Sobre o tema do due process of law, toma-se a liberdade de prenotar a lição do Eminente Ministro, do Excelso Supremo Tribunal Federal, SEPÚLVEDA PERTENCE, no sentido de que se assentou “- a partir das fontes anglo-saxônicas garantia – que o contraditório envolve não só o direito à manifestação sobre as provas colhidas, mas também o de participar ativamente, sempre que possível, na formação delas”. Trata-se do chamado direito à prova. Nunca é demais asseverar que a garantia do due process of law ou do right to a fair trial está respaldada também em vários tratados internacionais , dentre os quais no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em cujo artigo 14, inciso 3, alínea “g”, está prescrito o seguinte:

“Artigo 14 – Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil, deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores:

3) Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

g) a não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada” (sem ênfase no original).

Além disso, não se pode olvidar que é indeclinável a observância pelos tribunais pátrios dos direitos fundamentais estabelecidos nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, haja vista os termos do § 2º, do artigo 5º, da nossa Carta Magna. Ainda sobre o tema em voga, deve-se comentar o posicionamento adotado pelo então Douto Juiz de Alçada MÁRCIO BÁRTOLI, do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, hoje desembargador, sobre o alcance do direito à prova em julgado publicado na “Revista dos Tribunais”, volume 706, pág. 328:

“A adoção dessa declaração isolada do co-réu como base e fundamento de pronunciamento condenatório constitui ofensa ao princípio constitucional do contraditório, consagrado no art. 5º, LV, da Carta Magna, porque acolhe-se como elemento de convicção um dado probante sobre o qual o imputado não teve a mínima oportunidade ou possibilidade de participar, influir ou reagir”.

Discorrendo sobre o tema da interceptação telefônica, enfatiza CLAUS ROXIN que, embora a lei alemã não estabelece como as informações obtidas mediante vigilância telefônica podem ser introduzidas nos autos, é razoável a posição do Tribunal Supremo Federal (Bundesgerichtshof) de exigir a elaboração de laudos contendo a transcrição de seu conteúdo, mediante prova documental, salientando-se que “no está permitido reproducir o leer meros extractos o resúmenes”. Não poderia ser outra, a não ser no mesmo sentido, a interpretação do disposto no § 1º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296/96:

“Artigo 6º – Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§ 1º – No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição”.

Na Itália, há uma mesma exigência no sentido da obrigatoriedade da elaboração do referido laudo. Comentando a prova no Direito Processual Penal italiano, PAOLO TONINI menciona que as “comunicações interceptadas são gravadas e, a partir das operações, é redigido termo (art. 268, inciso 1, do CPP). A polícia judiciária determina a transcrição do conteúdo, ainda que de modo sumário (art. 268, inciso 2, do CPP): trata-se da denominada degravação informal, utilizável também durante as investigações preliminares a fim de requerer ao juiz as medidas cautelares”. Ensina aquele ilustre Professor da Universidade de Firenze, que, posteriormente, “o juiz determina a transcrição das gravações com as garantias previstas para a perícia (art. 268, inciso 7, do CPP)”.


A esse respeito, ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA ressalta que a lei processual penal brasileira adotou, de forma indeclinável, o princípio da perícia oficial, de modo que a perícia oficial tem um sentido restrito, indicando como tal apenas aquela que for realizada pelo Estado, isto é, por intermédio de seus servidores contratados para o desempenho de tal mister que, nos termos do magistério de HELIO TORNAGHI, seria “o perito servidor público, o perito em relação de emprego com o Estado, o que exerce cargo e função de perito”. Ensina aquele desembargador aposentado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que a única exceção a essa regra é aquela enunciada no artigo 159, § 1º, do Código de Processo Penal, “que admite a perícia inoficial nas localidades onde não houver peritos oficiais”, e que, por razões óbvias, não se aplica à espécie.

Nesse sentido, é manso o posicionamento do Excelso Supremo Tribunal Federal de que, no Direito Processual Penal, as perícias são oficiais, não existindo a figura do perito particular ou do assistente técnico, podendo o magistrado, na hipótese de em sua comarca não houver peritos judiciais, indicar dois profissionais técnicos habilitados para executar tal munus publico. Confira-se a transcrição do seguinte aresto:

Perícia. Processo Penal. No processo penal as perícias são oficiais, não existindo a figura do perito particular ou do assistente técnico.

O segundo fundamento do pedido, então, é de cristalina improcedência: no processo penal a perícia é oficial (salvo se não houver na comarca, quando os peritos são nomeados pelo juiz, mediante compromisso) não havendo perito de partes nem assistente técnico”.

Em síntese, poderá a polícia produzir os chamados laudos ou autos circunstanciados, mas, tal material constitui apenas uma degravação informal, devendo-se proceder, posteriormente, à transcrição por peritos criminais para formação da prova efetiva. Enfim, sem a transcrição pericial do material de áudio que foi objeto da interceptação telefônica, não haverá prova: quod non est in actus non est in mundo!

Sendo assim, no exercício do direito à prova, corolário fundamental da garantia do devido processo legal e do direito a um justo julgamento, vis-à-vis o que consta no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição da República, é necessário que seja determinada a transcrição de todas as conversações indicadas como suspeitas nos autos circunstanciados elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal.

Para que não paire qualquer dúvida no sentido de que a exegese suscitada neste writ é a que deve prevalecer, sendo absolutamente inaceitável o posicionamento adotado no ato judicial emanado do Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, ora atacado neste writ, pede-se vênia para trazer ao elevado descortino desses Eméritos Ministros o parecer do festejado Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, VICENTE GRECO FILHO, no qual aquele jurista aponta como sendo indispensável a transcrição oficial, isto é, por peritos criminais, das conversações interceptadas indicadas como suspeitas para que se tenha a formação do corpo de delito, na esteira do que dispõem os §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, e o artigo 158, do Código de Processo Penal. Ora, é pacífico o entendimento de que o exame de corpo de delito constitui elemento imprescindível nos crimes que deixam vestígios, sendo prova essencial e obrigatória, não suprimível por qualquer outra:

“A transcrição integral das gravações é essencial à consideração das peças como provas, não somente porque transcrições parciais podem dar a entender situações e fatos diferentes, mas também porque não representam a realidade do aparentemente revelado. Ademais, a transcrição integral é o corpo do delito deve ser objeto de perícia oficial e não pode ser parcial, “censurado” ou “escolhido”, sob pena de violação da exigência legal do exame de corpo do delito com a conseqüência de nulidade do processo”.

Discorrendo sobre o procedimento prescrito ex vi legis para a interceptação telefônica, ADA PELLEGRINI GRINOVER comenta, em parecer cujo original será acostado após a autuação deste writ, que é imprescindível a degravação das conversas telefônicas interceptadas tidas como pertinentes, obviamente que por peritos judiciais, bem como que se proceda à inutilização do material tido como desnecessário, tudo isso dentro da ótica do contraditório, sob pena de se acarretar nulidade insanável:

“Um outro ponto da disciplina legal das interceptações, que merece ser aqui analisado, diz respeito ao procedimento das interceptações e à forma de seleção e produção do material probatório obtido.

Também nessa matéria, a Lei 9.296/96 contém disposições minuciosas e taxativas:

Art. 6º – Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§ 1º – No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição (grifei).

§ 2º – Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

§ 3º – Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8º, ciente o Ministério Público.

Assim, segundo a previsão legal – que interessa especialmente à presente consulta -, ocorrendo a gravação das conversas interceptadas, deve ser providenciada a sua transcrição.

Essa mesma exigência é também expressamente prevista no Código de Processo Penal italiano: “il giudice dispone la trascrizione integrale delle registrazioni ovvero la stampa in forma intelligibile delle informazione contenute nei flussi di comunicazioni informatiche o telematiche…” (art. 268, par. 7, CPP).

Trata-se de providência indispensável e que atende sobretudo à exigência fundamental de dar pleno conhecimento aos interessados do conteúdo das gravações, sem o que não será possível atender-se à efetivação do contraditório, que deve ser observado especialmente nos procedimentos de incorporação ao processo do material probatório obtido.

Além disso, o legislador cuidou ainda, expressamente, da seleção e introdução dos elementos de prova que poderão ser admitidos no processo e, em seguida, da inutilização daqueles elementos que não interessarem ao esclarecimento dos fatos, preservando-se assim a intimidade dos envolvidos e de terceiros, quanto a outros fatos e circunstâncias não pertinentes ao objeto da investigação.

Na sistemática da lei, recebido o auto circunstanciado relativo ao cumprimento da diligência de escuta e interceptação, contendo o resumo das operações e, se for o caso, da transcrição da gravação, o juiz determinará sua atuação em autos apartados, em apenso aos do inquérito ou do processo, ciente o Ministério Público (art. 6º, § 3º, c.c. art. 8º). A seguir, a teor do art. 9º, abrir-se-á o incidente de inutilização. Ambos têm natureza de procedimento cautelar, tanto quanto a ordem de interceptação.

É evidente que o incidente relativo à introdução do resultado da interceptação, em autos apartados, deve ser conduzido em contraditório, em observância ao disposto no art. 5º, LV, da CF: contraditório diferido, em face da natureza cautelar (assecuratória da prova) do procedimento de interceptação, necessariamente realizado inaudita altera parte, mas que deverá instaurar-se tão logo se considere que o conhecimento do resultado da diligência não importará em prejuízo ao prosseguimento das investigações ou do processo.

Cuida-se de assegurar, em última análise, o controle das partes sobre o material probatório a ser utilizado pelo juiz, de modo a verificar a qualidade da prova em que se baseará o julgamento sobre os fatos; sem essa concreta possibilidade, a participação dos interessados no iter de formação do provimento final seria ilusória ou desnecessária.

No incidente de apensamento, a defesa poderá levantar a questão da ilicitude da prova e, neste caso, pedir o seu desapensamento. Poderá ainda discutir a idoneidade técnica da operação de interceptação, a autenticidade da prova documental, a própria identificação da voz. Nela poderá surgir a necessidade de perícias, a serem acompanhadas pelas partes, em contraditório pleno, tudo de acordo com o disposto no art. 383, parágrafo único, do CPC, segundo o qual a reprodução mecânica (como a fotográfica, fonográfica ou de outra espécie), quando impugnada em sua autenticidade, impõe ao juiz a realização do exame pericial .

Quanto ao incidente de inutilização, embora a lei – art. 9º, parágrafo único – se limite a prever que seja ele “assistido” pelo Ministério Público, “facultada” a presença do acusado “ou” de seu representante legal, é imprescindível aqui a presença das partes e, quanto à defesa, do acusado e do advogado, para garantia da autodefesa e da defesa técnica, sob pena de violação das garantias constitucionais (art. 5º, inc. LV, CF).


Feitas essas considerações gerais sobre o tema em voga, aquela jurista paulista passa a responder a um quesito sobre a recusa do Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal a quo, em determinar ao Instituto Nacional de Criminalística que procedesse à elaboração de laudo pericial, com a degravação das conversações telefônicas interceptadas tidas como relevantes, notadamente aquelas que foram mencionadas nos autos circunstanciados preparados pela Polícia Federal:

“Sob outro ângulo, verifica-se também na situação examinada uma clara infringência aos preceitos legais que tratam do procedimento de seleção e introdução no processo dos elementos de prova obtidos por meio das escutas telefônicas, com sérias repercussões no exercício do contraditório.

Conforme relatado, não se realizou, como de rigor, a transcrição das conversas interceptadas, muito embora tenham sido gravadas. Ao contrário, mesmo quando tal providência – que, insisto, é indispensável no procedimento traçado pela Lei 9.296/96 – foi requerida pela defesa do co-réu César Herman Rodriguez, com a análise pericial respectiva, a eminente Desembargadora Relatora houve por bem indeferir a pretensão, em longa decisão de que vale transcrever o seguinte trecho:

“A seleção prévia e a edição parcial do material colhido atende à necessidade de racionalização da prova e de preservação da intimidade dos envolvidos; além disso, aos autos de inquérito acorrem somente elementos úteis e relacionados com os fatos, à autoridade policial competindo a indicação do material necessário” (fls. 10.467 dos autos, com grifo meu).

Percebe-se, portanto e com muita clareza, que no processo em análise as disposições legais que tratam de tal providência essencial à incorporação dos elementos probatórios – e que, como visto, atendem à necessidade de assegurar o controle das partes sobre o material probatório a ser utilizado pelo juiz, ínsito ao contraditório – foram simplesmente ignoradas.

Ao contrário, pelo que resulta textualmente da r. decisão há pouco transcrita, a tarefa de seleção foi confiada exclusivamente ao critério da autoridade policial, em atividade desenvolvida sem a participação e controle dos interessados.

Tal procedimento violou de forma flagrante não só a garantia do contraditório em geral, mas, em especial, uma de suas mais nítidas expressões, que é o direito à prova, enquanto prerrogativa da parte de trazer ao processo os elementos necessários à sustentação de suas posições.

É aos órgãos da acusação e da defesa (autodefesa e defesa técnica), como participantes da relação processual, que incumbe realizar a mencionada seleção dos dados probatórios que devem ser incorporados ao processo, sob a supervisão do juiz, e segundo as perspectivas de suas atuações. Isso é o que prevêem a lei e a Constituição, não apenas quanto aos elementos resultantes das interceptações, mas em relação a toda e qualquer prova.

Diante disso, e sem prejuízo do reconhecimento da inadmissibilidade da prova, pela violação do direito material (item 10 deste parecer), também ocorre in casu, sob outra ótica, a nulidade dos elementos incorporados ao processo, por violação das regras processuais. Em outras palavras, as provas utilizadas são ilícitas e, ao mesmo tempo, ilegítimas (v. item 2, supra)”.

É imperioso, portanto, que seja determinado o cumprimento do disposto nos §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296/96, que exigem que seja determinada a transcrição das conversações telefônicas interceptadas reputadas como pertinentes, após a consulta da acusação e da defesa, por peritos oficiais, em atenção ao princípio da perícia oficial, como corolário da garantia do devido processo legal.

IV

CONCLUSÕES E DOS PEDIDOS

Em resumo, o nosso ordenamento jurídico segue a mesma orientação adotada em algumas outras jurisdições, podendo-se citar a Alemanha e a Itália, segundo a qual prevalece a necessidade de que, antes de iniciada a ação penal, o magistrado determine a degravação oficial das conversas telefônicas interceptadas tidas como pertinentes, após terem sido ouvidas as partes, bem como a inutilização do que não vier a ser aproveitado. Somente com a emissão de um laudo técnico por perito criminal é que será possível produzir a prova que se pretende obter a partir da interceptação telefônica. Afinal, a interceptação telefônica não é prova, mas, sim, meio legal de busca de prova e a elaboração de um laudo pericial oficial atende às exigências do exame de corpo de delito. Nesse sentido, vide acima o posicionamento externado por ADA PELLEGRINI GRINOVER, CLAUS ROXIN, PAOLO TONINI e VICENTE GRECO FILHO.

Como se observou, tais preceitos não foram observados pelo Ministério Público Federal quando ofereceu a denúncia, bem como, posteriormente, pelo Colendo Órgão Especial, do Egrégio Tribunal a quo, quando a recebeu. Considerando que a inobservância de tal regramento acarreta violação ao disposto nos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição da República, bem como ao que prescrevem os §§ 1º e 2º, do artigo 4º, da Lei nº 9.296/96, e do artigo 158, do Código de Processo Penal, tem-se flagrante nulidade capaz de fulminar todos os atos procedimentais praticados na aludida ação penal desde o recebimento da denúncia.


Se tal nulidade não for reconhecida como sendo absoluta, mas, sim, relativa, tem-se, como obrigatória, a determinação da degravação das conversas telefônicas interceptadas descritas nos autos circunstanciados produzidos pela Polícia Federal no atual estágio em que a citada ação penal se encontra, isto é, antes que seja emitido o julgamento, sob pena de se caracterizar cerceamento do direito de defesa e violação à garantia do devido processo legal, nos termos dos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição da República.

Sendo assim, requer-se que se digne Vossa Excelência de determinar a concessão de ordem judicial liminar para que seja sobrestado o trâmite da Ação Penal nº 128-SP, enquanto se aguarda que o Instituto Nacional de Criminalística proceda à transcrição oficial das conversas telefônicas interceptadas, reputadas como suspeitas e que constam dos relatórios policiais anexos a este articulado, como meio de assegurar o direito à prova, bem como, na seqüência, seja determinada a inutilização do material resultante da interceptação telefônica que não for aproveitado.

Somente destarte será possível espancar todas as falhas verificadas nos autos circunstanciais elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, assegurando-se o direito à prova que assiste às partes, dentre os quais aos acusados, na esteira do que prescrevem os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, como regras inerentes ao devido processo legal. Aliás, é vital a transcrição das conversas telefônicas tidas como suspeitas, considerando-se que se trata da única prova efetivamente produzida no curso da referida ação penal.

Ao final, por ocasião do julgamento deste writ, aguarda-se que a Colenda Quinta Turma, dessa Egrégia Corte, conceda ordem para que seja ratificada a determinação requerida liminarmente, como garantia da distribuição eqüitativa da

J U S T I Ç A!

De São Paulo para Brasília, 22 de julho de 2004

Miguel Pereira Neto

OAB/SP nº 105.701

Antonio Celso Galdino Fraga

OAB/SP nº 131.677

Maria Helena Lopes Zeredo

OAB/DF nº 17.737

Leia a íntegra do parecer do professor Vicente Greco Filho

PARECER

CONSULENTE:

ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA LACAZ MARTINS, HALEMBECK, PEREIRA NETO, GUREVICH & SCHOUERI

INTERESSADO

VICENTE GRECO FILHO

Professor Titular da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo,

Procurador de Justiça Aposentado

Ex-Consultor Chefe do Ministério das Comunicações,

Ex-Presidente do CEPAM – Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal,

Ex-Chefe da Assessoria Jurídica das Secretarias Municipais da Administração e Negócios Jurídicos de São Paulo

2004

JULHO

PARECER

Honra-nos com a presente Consulta LACAZ MARTINS, HALEMBECK, PEREIRA NETO, GUREVICH & SCHOUERI ADVOGADOS expondo os fatos, acompanhando cópias de documentos e formulando indagações.

Este o teor da consulta:

“A consulta que ora formulamos para emissão de parecer é constituída de um intróito, com o histórico dos fatos, e do rol de quesitos a serem respondidos.

I – DOS FATOS

Encontra-se em trâmite perante o Órgão Especial, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, a Ação Penal nº 128-SP (Registro nº 2003.03.00.065344-4) que foi instaurada a pedido do Ministério Público Federal, contra três Juízes Federais, os Co-Réus JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS, CASEM MAZLOUM e ALI MAZLOUM; três Delegados da Polícia Federal, os Co-Réus JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA, JOSÉ AUGUSTO BELLINI e DIRCEU BERTIN; dois Advogados, os Co-Réus CARLOS ALBERTO DA COSTA SILVA e AFFONSO PASSARELLI FILHO; um Agente da Polícia Federal, o Co-Réu CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ; uma ex-Auditora da Secretaria da Receita Federal, a Co-Ré NORMA REGINA EMÍLIO CUNHA, e dois Empresário, os Co-Réus SÉRGIO CHIAMARELLI JÚNIOR e VAGNER ROCHA, por suposta prática do delito insculpido no caput, do artigo 288, do Código Penal.

A denúncia formulada pelo Ministério Público Federal é datada de 14.10.2003 e está pautada, única e exclusivamente, nos relatórios circunstanciais elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, a partir dos trabalhos de interceptação de linhas telefônicas fixas e móveis cuja implementação foi autorizada, inicialmente, nos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, perante o Juízo da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas, e que teve sua continuidade determinada, mais tarde, pela Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, nos autos do Inquérito Judicial nº 533-SP, que tramitou perante o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região.


Cumpre frisar que esses autos circunstanciais não contêm nem mesmo a chamada degravação não oficial, mas, apenas o resumo das conversas telefônicas interceptadas tidas como suspeitadas, feito a partir do trabalho interpretativo desenvolvido pela Polícia Federal.

Com efeito, as ações investigatórias que constituem o cerne da chamada OPERAÇÃO ANACONDA iniciaram-se com a instauração do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, perante o Juízo da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas.

Nesse sentido, é curial ressaltar que, às 17hs32, do dia 16.4.2002, chegou às mãos do Juiz Federal da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas, SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES, o Ofício nº 02/2002-SAI/DI/DPF, datado de 15.4.2002 e que foi subscrito pelo Delegado Federal EMMANUEL HENRIQUE BALDUINO DE OLIVEIRA. É relatado naquele ofício que a Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, teria tomado conhecimento “através de fontes confiáveis” que o Co-Réu JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA “estaria tentando corromper Policiais Federais no intuito de receber informações privilegiadas”.

Comenta-se, outrossim, que “empresários envolvidos em inquéritos policiais instaurados na SR/DPF/AL estariam sendo vítimas de uma rede de extorsão capitaneada por Jorge Luiz Bezerra e seus acéfalas” e que o Co-Réu JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA “teria mantido contato com os APFs JORGE RICARDO SANTANA MINGOZZI e ELIZON MACHADO PACHECO, ‘convidando-os’ a participarem do esquema criminoso, com a promessa de ganhos de aproximadamente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais”, fato que teria sido reportado ao Núcleo de Inteligência em Maceió.

Naquele pedido de interceptação telefônica, são indicados os números de onze linhas telefônicas, entre fixas e móveis, que a Polícia Federal pretendia obter autorização para implementar o monitoramento, mas, em nenhum momento, comenta-se como teriam sido obtidas aquelas informações e muito menos quem seriam seus respectivos titulares. Informa-se, apenas, que os números das linhas telefônicas fixas (11) 32587026 e 32583629 seriam do escritório do Co-Réu JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA, ao passo que o (11) 9915-0451 seria do seu telefone celular particular.

Não obstante o horário do protocolo daquele requerimento, mais propriamente, às 17hs32, do dia 16.4.2002, e o tempo que é necessário para efetuar a distribuição de um procedimento judicial, observa-se que o Delegado de Polícia Federal EMMANUEL HENRIQUE BALDUINO DE OLIVEIRA teve condições de despachar aquele pedido com o Juiz Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES. É interessante o teor do respeitável despacho, proferido às fls. 10, dos autos do Inquérito Judicial nº 533-SP:

“DESPACHO:

Aguarde-se ofício complementar conforme entendimento mantido com a autoridade policial, a fim de propiciar melhor subsídio de ordem documental à análise do pedido.”

Instruído pelo Juiz Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES sobre como deveria proceder para conseguir a pretendida interceptação telefônica, o Delegado de Polícia Federal EMMANUEL HENRIQUE BALDUINO DE OLIVEIRA encaminhou no dia 24.4.2004, dessa feita, via fax, o Ofício nº 05/2002-SAI/DI/DPF, no qual sugere que o pedido estaria sendo formulado perante aquele Juízo “porque o fato gerador da investigação ocorreu em Maceió-Alagoas (corrupção passiva)”, mas, desprezando o fato de que a censura abrangeria telefones fixos e móveis registrados perante operadoras de telefonia de outro Estado da federação, notadamente o de São Paulo.

Foi juntado àquele ofício, ainda, o termo de depoimento que o Delegado Federal BERGSON TOLEDO SILVA teria tomado do Agente da Polícia Federal JOSÉ ELIZON MACHADO PACHECO um dia antes, isto é em 23.4.2002, nas dependências da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Alagoas, no qual se relata o seguinte:

“QUE, o depoente no mês de dezembro de 2001, não se recordando as datas, foi procurado pelo Delegado de Polícia Federal, aposentado, JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA, em ocasiões distintas, convidando a trabalhar para ele, no sentido de obter informações e realizar investigações sobre lavagem de dinheiro, para uma empresa estrangeira, a qual denominou de “CROW”, especializada em elaboração de dossiês, fazendo levantamentos da vida de pessoas ligadas à atividade política ou pública para posterior negociação com adversários; (…) QUE, após isso, já houve alguns contatos superficiais, mas nada de concreto para a realização de qualquer tarefa, embora, já lhe foi dito que teria um trabalho a ser realizado na cidade de Brasília/DF”

Foi proferido o respeitável despacho de fls. 25, dos autos daquele procedimento criminal, em 24.4.2004, determinando-se o encaminhamento daquele requerimento ao Ministério Público Federal.


No dia seguinte, manifestou-se o Ilustre Procurador da República FABIANO JOÃO BOSCO FORMIGA DE CARVALHO às fls. 26/27, dos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6:

“Da Diretoria de Inteligência Policial, órgão de cúpula da Polícia Federal, através do Delegado de Polícia Federal, Dr. Emmanuel Henrique Balduino de Oliveira, chega a esse Ínclito Juízo pedido de autorização de monitoramento telefônico de Jorge Luiz Bezerra, Severina Cristina Rodrigues de Lima e Silva e um certo Edilmo.

Em depoimento prestado perante o Superintendente Regional do DPF/AL, o Agente de Polícia Federal, José Elizon Machado Pacheco, noticia que recebera proposta de Jorge Luiz Bezerra da Silva para integrar uma rede de espionagem econômica e política, cujo centro estaria numa empresa estrangeira, denominada Crow.

Medidas cautelares como a que se solicita rompem com padrões antigos de investigação policial e de aferição jurisdicional. A realidade pós-moderna irrompe nos fóruns empoeirados de livros de tombo e outros artefatos medievais. Rotinas medievais se defrontam com a ambiência eletrônica, irresistível, definitiva.

O juízo de plausibilidade carrega-se de riscos, no deferir ou omitir. As polícias do mundo tornam-se sistemas herméticos, no sentido definido por Anthony Giddens. Por outro lado, seria instituir um círculo vicioso exigir evidências ou ‘indícios veementes’ como eram concebidos pelos juristas medievais, próximos da certeza.

Com as considerações acima, cujo sentido foi um tanto sacrificado pela brevidade, o Ministério Público Federal se inclina pelo deferimento, na amplitude em que foi formulado”

No respeitável despacho proferido às fls. 28, dos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, o Magistrado Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES transcreveu, ipsis litteris, a aludida quota ministerial e, em seguida, determinou a interceptação telefônica.

No curso da Ação Penal nº 128-SP, apurou-se que, em 15.4.2002, quando foi expedido o Ofício nº 02/2002-SAI/DI/DPF, a Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, não dispunha das informações prestadas pelo Agente de Polícia Federal JOSÉ ELIZON MACHADO PACHECO sobre os supostos ilícitos praticados pelo Co-Réu JORGE LUIZ BEZERRA DA SILVA. No depoimento que prestou nos autos daquela ação penal, o Agente de Polícia Federal JOSÉ ELIZON MACHADO PACHECO informou que somente prestou tais informações quando foi inquirido pelo Delegado Federal BÉRGSON TOLEDO SILVA, isto é, no dia 23.4.2002, nove dias depois daquele ofício ter sido protocolizado:

“JOSÉ ELIZON MACHADO PACHECO

TESTEMUNHA: Eu acredito que sim, doutora. Que eu não iria viajar por minha conta. Mas tudo isso o departamento tinha conhecimento. Foi depois que eu fiz a informação. Recebi uma determinação do superintendente para acompanhar.

RELATORA: O senhor disse que o departamento tinha conhecimento após o senhor ter relatado o fato?

TESTEMUNHA: Relatado o fato. Isso daí, esse convite para ir a Brasília foi depois da minha comunicação ao departamento.

RELATORA: E como o senhor comunicou ao departamento?

TESTEMUNHA: Eu fiz uma informação, um… Um termo de depoimento.

RELATORA: Por escrito?

TESTEMUNHA: Por escrito.

RELATORA: O senhor não sabe se era sediada em Maceió?

TESTEMUNHA: Não, eu nunca nem vi nem falar. Até a presente data mesmo. Eu não sei nem, realmente, se existe essa empresa.

RELATORA: O senhor fez uma informação por escrito e encaminhou para quem?

TESTEMUNHA: Foi feita para o serviço reservado, o doutor Bergson (f) Toledo.

RELATORA: Doutor?

TESTEMUNHA: Bergson (f) Toledo que era o nosso superintendente junto com o APF… Agora me fugiu à memória. Mas era do núcleo de inteligência.

RELATORA: E depois que o senhor fez a informação quais as providências que foram tomadas pela Polícia Federal?

TESTEMUNHA: Não, o doutor Bergson (f) deu o encaminhamento e o pessoal de Brasília ficou acompanhando.

RELATORA: O senhor teve conhecimento dessas informações na época?

TESTEMUNHA: De quê?

RELATORA: Do resultado dessas investigações?

TESTEMUNHA: Não, não.

RELATORA: O senhor ficou sabendo que estavam sendo interceptados os telefones de Jorge Luiz?

TESTEMUNHA: Doutora, na época foi, era para ter, para fazer o pedido porque na própria, no termos depoimento eu forneci os telefones que ele me passou e provavelmente era. Eu não tinha certeza realmente.

RELATORA: O senhor forneceu os telefones de Jorge Luiz para …

TESTEMUNHA: Um cartão que ele me deu da KROLL, porque tinha a KROLL e tinha os telefones. Foi esse que eu forneci.

RELATORA: O senhor passou esses dados para a Polícia Federal fazer a investigação?

TESTEMUNHA: Investigação. E recebi uma determinação de acompanhar, que tudo que ele me pedir eu tentar fornecer mais com o conhecimento da Polícia Federal.

RELATORA: Qual era a intenção do senhor ao comunicar os fatos?

TESTEMUNHA: Eu procurei o superintendente para denunciar

DEFENSOR4: Ele fez a denúncia para o superintendente regional da Polícia Federal, se ele lembra a data e se nesse dia mesmo foi tomado a termo o depoimento dele?

RELATORA: O senhor se lembra da data?

TESTEMUNHA: Foi no mês de abril, mais ou menos. A data mesmo assim eu não…

DEFENSOR4: Que ano, excelência?

TESTEMUNHA: Eu não me recordo, 2001, 2002.

DEFENSOR 4: Da mesma data foi tomado o seu depoimento por escrito?

TESTEMUNHA: Foi, foi.”


Vale ressaltar, também, que a implementação dos trabalhos de interceptação telefônica se iniciou mediante a expedição dos ofícios judiciais no dia 26.4.2002, solicitando auxílio por parte das operadoras de telefonia fixa e móvel. Nesse sentido, vide por obséquio os documentos encartados às fls. 32/33, 34/35, 36/37, 38/39, 40/41, 42/43, 44/45, 46/47, dos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, perante o Juízo da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas.

Com base no “Relatório Parcial de Inteligência – Auto Circunstanciado 1”, datado de 22.5.2002, no qual é apontado categoricamente que “pouco foi apurado em virtude de problemas mencionados anteriormente”, o Juiz Federal Substituto da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária de Alagoas, ANDRÉ LUÍS MAIA TOBIAS GRANJA, acabou deferindo a prorrogação da quebra do sigilo telefônico às fls. 64, dos autos daquele procedimento criminal, relativamente (sic) ao telefones (82) 9977-6048, bem como autorizou a quebra dos telefones (82) 9902-2594 e 9331-4424, pelo prazo de trinta dias, mas, sem se ater ao fato de como a Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, acabou obtendo informação sobre aqueles números e sem saber quem eram os respectivos titulares.

A censura telefônica acabou passando a ser renovada a cada quinze dias por aquele Juízo, conforme se verifica pelas respeitáveis decisões proferidas às fls. 28/29, 64, 91, e 145, dos autos daquele procedimento criminal.

No requerimento datado de 21.10.2002, o Delegado Federal CLÁUDIO NOGUEIRA, da Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, encaminhou o “Relatório Parcial de Inteligência – Auto Circunstanciado 10” ao conhecimento do Juiz Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES DE MORAES.

É deveras importante ressaltar que o Delegado Federal CLÁUDIO NOGUEIRA tinha conhecimento do que estabelecem as Leis nºs 8.038, de 28.5.1990, e 8.658, de 26.5.1993, no que concerne a questão do foro especial por prerrogativa de função que o magistrado goza, inclusive, em sede de investigação criminal, como se percebe pelo que aquele próprio delegado federal asseverou posteriormente em depoimento carreado aos autos da Ação Penal nº 128-SP.

Não obstante tal fato, o Delegado Federal CLÁUDIO NOGUEIRA continuou dirigindo o pedido de renovação do prazo para dar continuidade os trabalhos de monitoramento telefônico ao Juízo Federal da 4ª (Quarta) Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas, ao invés de suscitar a competência do Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, tendo em vista o que consta no “Relatório Parcial de Inteligência – Auto Circunstanciado 10”. Nesse sentido, urge asseverar que está indicada naquele relatório policial informação sobre “o provável envolvimento do Juiz Federal (sic) CASSEM MAZLOUM no crime de interceptação das comunicações, praticado por CÉSAR HERMAN”. Confira-se alguns trechos importantes que constam do aludido relatório policial:

“Em 13.09.02 CÉSAR HERMAN liga para (sic) CASSEM MAZLOUM (possivelmente juiz federal de SÃO PAULO), avisa que já localizou ‘o documento’ e pediu para ZUBCOV ir até lá (provavelmente à POLÍCIA FEDERAL). (sic) CÁSSEM pede para CÉSAR enviar o documento em um envelope para GUARULHOS (sic) (CÁSSEM mora em GUARULHOS). A ligação cai. Em seguida CÉSAR HERMAN liga novamente para (sic) CÁSSEM e ambos conversam sobre a potencialidade do referido documento referente a um processo em andamento em BRASÍLIA

Em 17.09.02 CALED liga para CÉSAR HERMAN, diz que é primo de (sic) CÁSSEM e que precisa tratar sobre ‘aquele assunto’ (grampo telefônico). Em seguida CÉSAR e CALED combinam um encontro.

Na mesa data, às 14 h 23 min, CÉSAR HERMAN liga para CALED e informa que pode conseguir tudo que foi pedido mas o preço é indigesto. CÉSAR HERMAN diz também que se CALED aguardar uma semana consegue por menos da metade do preço. CALED concorda em aguardar mas comenta que precisa dos papéis (possivelmente se referendo a extrato telefônico). CÉSAR diz (sic) pode ser feito ‘lá dentro’ (provavelmente se referindo a grampo telefônico) com cem por cento de precisão, sem utilização de ‘scanner’. CÉSAR HERMAN comenta que sobre ‘os papéis’ consegue por R$ 100,00, R$ 150,00 ou no máximo R$ 200,00, mas como ‘o cara’ está pedindo R$ 400,00 por extrato mensal, acha melhor aguardar, já que CALED teria que pagar por dois (telefones) referente a três meses R$ 2.400,00. CALED diz que recebe cobranças a respeito das contas (telefônicas).. CÉSAR diz que pode conseguir oficialmente, mas no momento está com senha restrita. CALED pergunta se CÉSAR pode pegar a conta do VALDEAN. CÉSAR diz que pode, mas CALED estará pagando mais caro. CÉSAR HERMAN também diz que já foi confirmado que ‘ela’ ligou para ‘ele’ e ‘ele’ ligou para ‘ela’ (provavelmente se referindo a esposa do Prefeito de COTIA e seu amante).

Às 17 h 54 min, CÉSAR HERMAN liga para JOÃO (provavelmente o Juiz Federal JOÃO GUEDES TAVARES) e diz que foi criada uma comissão normativa para uso de placas reservadas na POLÍCIA FEDERAL e que vai pegar com o pessoal da comissão todo o material. JOÃO pergunta se (sic) BELLINE resolveu de maneira que ele falou. CÉSAR responde que está tudo resolvido e já há três placas designadas. JOÃO indaga se não são quatro, duas dele, uma do CÁSSEM e outra da ADRIANA. CÉSAR diz que a comissão normativa vai pedir por escrito o uso de placas reservadas nos carros a serviço, inclusive dos próprios juízes. A ligação cai. Em seguida CÉSAR liga novamente para a residência de JOÃO e comenta sobre a criação de uma comissão normatizadora sobre o uso de placas reservadas na POLÍCIA FEDERAL e acrescenta que referida comissão irá recomendar o uso de placa reservada para o magistrado.

Em 17.10.03, às 11 h 37 min, (sic) ALOÍSIO liga para CÉSAR e comenta que ALDO e DURAN vão responder, através de ofício, sobre o levantamento das placas, as quais estão à disposição. (sic) ALOÍSIO pede para CÉSAR solicitar as placas a (sic) BELLINE. CÉSAR comenta que CASSEM devolveu as placas. ALOÍSIO diz que devolveu a que tinha e comenta sobre a possibilidade de (sic) CÁSSEM ter feito cópia da placa que tinha. (sic) ALOÍSIO diz também que a coisa ficou pública e que o pessoal do DOPS também sabe. Durante o diálogo CÉSAR e (sic) ALOÍSIO comentam os nomes das pessoas que ficaram com as placas, ou seja, (sic) CASSEM (MAZLOUM), ADRIANA, (sic) ALOÍSIO, JOÃO (GUEDES TAVARES) e JARBES”.


No despacho proferido às fls. 425, dos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, o Juiz Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES DE MORAES acabou deferindo a prorrogação do monitoramento telefônico por mais quinze dias, mas, sem atentar para a informação constante no aludido relatório policial indicando a participação de magistrado vinculado à Justiça Federal da 3ª (Terceira) Região, notadamente o Co-Réu CASEM MAZLOUM, em pretensa prática delituosa.

No “Relatório Parcial de Inteligência – Auto Circunstanciado 12”, enviado, via fax, juntamente o Ofício nº 069/2002-CDIT/DIP/DPF, datado de 27.11.2002, consta novamente informação sobre a participação de magistrados vinculados à Justiça Federal da 3ª (Terceira) Região, mais propriamente dos Co-Réus JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS e CASEM MAZLOUM, em supostas práticas delituosas:

“Ligações telefônicas entre CÉSAR HERMAN e ÉDIO PEREIRA DA SILVA comprovam a comercialização de aparelhos telefônicos suspeitos, os quais possivelmente podem estar sendo utilizados pelos juízes (sic) CÁSSEM MAZLOUM e JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS. A propósito, ÉDIO PEREIRA e ZÉ GUILHERME seriam os responsáveis pelo fornecimento de informações acerca do cadastro de assinantes de empresas telefônicas a CÉSAR HERMAN.

Nesta etapa da investigação também surgiram grandes suspeitadas do envolvimento do Juiz Federal JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS em algumas atividades ilícitas de CÉSAR HERMAN quando tratam de valores pagos por JOÃO ao primeiro. O depósito de dez mil reais efetuados por CÉSAR HERMAN na conta de JOÃO CARLOS do Banco SUDAMERIS, possivelmente proveniente de alguém ou alguma empresa, cujas iniciais são ‘ACE’ vêm reforçar as suspeitas”.

Não obstante tal fato, foi renovada a autorização para interceptação telefônica, sendo que a mesma medida acabou se repetindo sucessivamente.

No Relatório de Inteligência Policial datado de 9.6.2003 que foi juntado às fls. 1.128/1.303, dos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, o Delegado Federal CLÁUDIO NOGUEIRA finalmente sugeriu ao Juiz Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES DE MORAES que, “considerando a existência de indícios de participação de membros da Justiça Federal de São Paulo”, deveria ser determinado o envio dos autos daquele procedimento criminal do Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região.. É dito naquele relatório, outrossim, “que o Auto Circunstanciado número 19 referente ao período 29/05/2003 a 11/06/2003 encontra-se em elaboração e será encaminhado ao Juízo competente no prazo de 05 (cinco) dias a contar do encerramento dos trabalhos de monitoramento e análise”.

Diante de tal fato, o Juiz Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES DE MORAES determinou ao Ministério Público Federal que se manifestasse sobre aquela questão que foi ventilada e, após ter sido juntada a quota ministerial, acabou acolhendo o pedido formulado pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal.

Às fls. 1.368, dos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6, consta o Ofício nº 112/2003-GAB-PR/AL, datado de 8.8.2003, no qual o Procurador-Chefe da Procuradoria da República, UAIRANDYR TENÓRIO DE OLIVEIRA, informa ao Procurador-Chefe Regional da 3ª (Terceira) Região, JOSÉ LEÔNIDAS BELLÉM DA SILVA, que um membro do Parquet Federal estaria indo a Cidade de São Paulo “no próximo dia 13, a fim de entregar pessoalmente documentação referente a fatos envolvendo autoridades federais sob a jurisdição do TRF dessa 3ª Região”.

No dia 13.8.2003, os autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6 foram encaminhados ao Tribunal Regional da 3ª (Terceira) Região, tendo sido os mesmos recebidos pessoalmente pela Desembargadora Federal ANNA MARIA PIMENTEL que, na seqüência, determinou o encaminhamento daquele procedimento criminal à distribuição automática. Foi sorteada, então, a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA para ocupar a presidência do Inquérito Judicial nº 533-SP.

Na respeitável decisão proclamada às fls. 1.378, dos autos do Inquérito Judicial nº 533-SP, a Desembargadora THEREZINHA CAZERTA determinou que algumas cautelas fossem observadas, particularmente as de que (i) todos os atos e termos processuais deveriam ser feitos no gabinete da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, bem como na sua presença; (ii) qualquer envio dos autos, deveria partir daquele gabinete, sendo que o retorno também lhe deveria ser feito diretamente; (iii) a execução dos atos e termos processuais deveria ser processada sempre na companhia daquela Magistrada Federal, mas, passando a ser realizada pela Diretora da Subsecretaria do Órgão Especial e Plenário, a Senhora Valquíria R. Costa, bem como pelo assessor de gabinete, o Doutor Carlos Eduardo Bauerle, que, no entanto, ficavam proibidos de folhear os autos, limitando-se apenas ao cumprimento das determinações judiciais, a partir da última folha numerada. Finalmente, permitiu-se que a Procuradoria da República da 3ª (Terceira) Região tivesse acesso aos autos, bem como ao material de áudio que tinha sido produzido pela Polícia Federal.


Em 29.8.2004, o Ministério Público Federal peticionou nos autos do Inquérito Judicial nº 533-SP, suscitando, inter alia, (i) a questão do foro especial por prerrogativa de função; (ii) a pretensa regularidade dos atos praticados no curso do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6; (iii) a necessidade de que fosse dada continuidade aos trabalhos de interceptação telefônica por parte da Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal.

Acolhendo aquela quota ministerial, a Desembargadora THEREZINHA CAZERTA determinou que fosse dada continuidade aos trabalhos de monitoramento telefônico na respeitável decisão proferida às fls. 1.454/1.458, dos autos do Inquérito Judicial nº 533-SP.

Foram carreados, posteriormente, aos autos do Inquérito Policial nº 533-SP, os Autos Circunstanciados nº 19 a 22, elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, tendo em vista a autorização concedida para que fosse dada continuidade aos trabalhos de monitoramento de uma série de linhas telefônicas fixas e móveis.

Posteriormente, o Ministério Público Federal requereu a prisão temporária dos Co-Réus, com exceção dos Co-Réus ALI MAZLOUM, CASEM MAZLOUM e DIRCEU BERTIN que permanecem soltos até o presente momento, bem como que se procedesse à realização de busca e apreensão nos endereços que estavam sendo indicados.

Atendendo ao requerimento do Parquet Federal, a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, presidente do Inquérito Judicial nº 533-SP, bem como posteriormente relatora da Ação Penal nº 128-SP, determinou a expedição de mandados de busca e apreensão dirigidos contra os Co-Réus em 22.10.2003, com exceção dos Co-Réus ALI MAZLOUM, CARLOS ALBERTO DA COSTA SILVA, CASEM MAZLOUM e DIRCEU BERTIN, com pretenso fundamento no artigo 240, parágrafo único, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g” e “h”, do Código de Processo Penal, “visando a coleta de provas dos crimes de corrupção passiva e ativa, porte ilegal de armas, falsidade documental, facilitação ao contrabando e descaminho, falsidade ideológica, tráfico de influência e formação de quadrilha que estejam armazenadas em cofres, computadores, e similares, agendas, anotações, extratos, celulares e livros fiscais e quaisquer objetos utilizados para a prática de crimes”.

Os mandados de prisão temporária dos Co-Réus, com exceção dos Co-Réus ALI MAZLOUM, CASEM MAZLOUM e DIRCEU BERTIN, bem como de busca e apreensão foram cumpridos no dia 31.10.2003.

A prisão temporária dos Co-Réus indicados acima acabou sendo convolada em prisão preventiva.

Em ato contínuo, o Órgão Especial, daquela Egrégia Corte, recebeu a denúncia em 19.12.2003, ratificando e referendando os atos praticados inicialmente pela Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, fato que deu ensejo à instauração da sobredita ação penal.

Interessante assinalar que, no voto-guia proferido por ocasião daquela sessão, a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA procurou emprestar maior credibilidade à denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, enaltecendo fatos que foram apurados no curso do Inquérito Judicial nº 533-SP, mas, que não ganharam qualquer atenção por parte das Ilustres Procuradoras da República JANICE AGOSTINHO BARRETO ASCARI e ANA LÚCIA AMARAL.

Recebida a denúncia, procedeu-se ao interrogatório dos Co-Réus e, em seguida, à oitiva das testemunhas de acusação, de defesa e daquelas que foram arroladas pela Desembargadora THEREZINHA CAZERTA, a pedido do Ministério Público Federal, sem que se notasse qualquer oposição de qualquer obstáculo que dificultasse a instrução processual.

No curso da instrução processual, bem como na fase do artigo 10, da Lei nº 8.038, de 28.5.1990, a defesa de vários dos Co-Réus requereram que fosse determinada, na esteira do disposto no § 1º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, a degravação das conversas telefônicas censuradas que foram mencionadas nos Autos Circunstanciais elaborados pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, mediante a lavratura de laudo por peritos criminais vinculados ao Instituto Nacional de Criminalística.

Na decisão proferida às fls. 11.385/11.393, dos autos da Ação Penal nº 128-SP, a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA indeferiu os pedidos formulados para que se procedesse à transcrição das conversas interceptadas que foram indicadas como suspeitas pela Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento de Polícia Federal, fazendo alusão à decisão proferida pelo Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira Região), bem como à decisão que aquela magistrada federal exarou às fls. 10.455/10.470, dos autos daquela ação penal.

Sobre a transcrição das sobreditas conversas telefônicas, assim se manifestou a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA na respeitável decisão de fls. 10.455/10.470, dos autos da citada ação penal, fazendo referência a decisão proferida pelo Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª (Região), nos autos do agravo regimental interposto pela defesa do Co-Réu CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ, em 15.4.2004, na qual, por unanimidade de votos, teria sido negado provimento àquele recurso:


“Pela via deste regimental, sob o argumento de que a transcrição de todas as gravações ´é fundamental para a legalidade e funcionalidade (sic) dos trabalhos de interceptação, pois a prova digitalizada, gravada e/ou computadorizada, somente poderá compor o mundo jurídico com respectiva análise pericial`, bem como estão os acusados cerceados no seu direito de auto-defesa, visto que, presos, não podem participar da oitiva das interceptações` (fl. 7.016), CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ requer ‘a imediata aplicação dos dispositivos legais da Lei nº 9.296, por seu artigo 6º, § 1º e § 2º, determinando às (sic) transcrições das interceptações completas’ (fl. 7.021). Definitivamente, não assiste razão ao agravante. Reitero, inicialmente, que não procede tese alguma de cerceamento de defesa. Além da totalidade das conversas telefônicas referidas nos autos e tomadas com base à acusação, forneci para análise cópias dos Relatórios Parciais e Final de Inteligência Policial, encaminhados pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, bem como tudo o mais que me foi entregue em mídia, ou seja, os autos de busca e apreensão e respectivas análises pela autoridade policial, com os documentos digitalizados correspondentes ao material apreendido e as diligências encetadas pela Polícia – áudios e resumos das conversações correspondentes, diagramas e relatórios policiais, acompanhados de vídeos, levantamentos de dados, informações processuais, relatórios de vigilâncias, depoimentos, etc. Fosse pouco, a pedido dos acusados, deferi em 05 de dezembro de 2003, à fl. 2.037, do processo de registro nº 2003.03.00.065344-4, o fornecimento à defesa e à acusação, da integralidade das gravações contendo a totalidade dos diálogos interceptados, tendo o material, enviado pela Inteligência Policial, por meio do ofício nº 026/2004-GAB/DIP/DPF/DP-OP.ANACONDA, sido entregue a CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ em 1º de março de 2004. Dispõe o caput do artigo 6º, da Lei nº 9.296/96, que ‘deferido o pedido a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização’; do § 1º, extrai-se que ‘no caso de a diligência possibilitar a gravação de comunicação interceptada será determinada a sua transcrição`; o § 2º, ao seu turno, determina que ‘cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas`. A fase executiva da interceptação telefônica, tem os procedimentos operacionais conduzidos pela autoridade policial, com a ciência dos atos efetivados ao Ministério Público Federal, mas sob o controle jurisdicional, conforme os poderes conferidos pelo artigo 5º, da lei; mas especificamente ‘controle de legalidade’ e ‘controle probatório’, de responsabilidade do juiz. Do controle de legalidade, não se questiona. As interceptações telefônicas concretizadas em momento algum deixaram de obedecer aos ditames do artigo 5º, inciso XII, Constituição Federal, muito menos da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. As provas colhidas durante todo o tempo de investigação são válidas. As decisões de interceptações telefônicas, autorizando ou prorrogando as medidas, embora de modo conciso, foram todas fundamentadas, e, os prazos, obedecidos. As renovações mostrando-se indispensáveis ao prosseguimento das investigações e obtenção de provas, deram-se enquanto houve necessidade, respeitando-se as exigências do artigo 5º, da Lei nº 9.296/96. Irrompem, em caso, questionamentos concernentes ao controle probatório, tanto em relação à fonte quanto ao meio de prova. Não me furto a explicar, de forma detida, mesmo porque a questão merece solução definitiva; verdadeira pá de cal a de ser posta em relação ao assunto. O resultado da interceptação telefônica, fonte de prova, deve ser fixado em juízo, vale dizer, os fatos prorrogados pela conversa interceptada devem ser transportados, de algum modo, ao processo. É a necessidade conforme a lição de Ada Pellegrini Grinover, ‘de encontrar-se uma forma idônea para atestar a existência de conversação interceptada ou suficiente para se obter a idéia precisa de sua existência: a necessidade, isto é, de selecionar um meio de prova adequado à natureza da interceptação telefônica’. Prossegue consagrada Professora, em sua obra mais aclamada: ´o mesmo fato pode ser provado por vários meios; e realmente a conversa interceptada poderia provar-se, v.g., através do testemunho do interceptador. Quando, porém, se trata de interceptações autorizadas pela autoridade judicial, o resultado da operação técnica deve revestir-se de forma documental. Por isto é que o problema da interceptação telefônica assume particular importância. Normalmente a interceptação é acompanhada da gravação dos diálogos interceptados, com a finalidade de se dispor que uma reprodução sonora que permita repetir a escuta. Tal gravação de per si, já constitui documento. Isto, todavia, não exime os órgãos públicos de documentar todas as operações desenvolvidas; já se observou que a gravação em fita magnética, embora contribuindo para reforçar o valor probante da operação, representa simplesmente o resultado material da interceptação, mas só o termo que a documenta é que se reveste de autêntica relevância probatória. Assim, apesar da utilização da gravação em fita magnética, das comunicações telefônicas interceptadas, a exigência de garantir a genuinidade da prova não exclui a obrigação de gravar o auto de diligência’. Consoante o prescrito no § 6º, da Lei nº 9.296/96, a interceptação realizada, vem acompanhada da gravação da conversa telefônica, se tecnicamente viável, com a finalidade de se dispor de uma reprodução sonora, que permita a escuta. Essa gravação, desde que possível, já constitui documento , valendo como meio de prova. A transcrição determinada pela lei não se restringe à redução a termo escrito, pretendida pelo agravante. O sentido da expressão, nos dá o Dicionário Aurélio: transcrição é ‘o ato ou efeito de transcrever’; transcrever significa ‘copiar, reproduzir copiando, transladar’. Ou seja, os sinais sonoros serão captados por meio digital e transferidos em áudio para HD e CDs. Essa transcrição digitalizada, em áudio, atende à prescrição legal e possibilita, ao juízo e às partes, conhecimento integral do objeto das conversas interceptadas tornando despicienda a produção da prova por outro meio. Também são meios de prova, é bem verdade, servindo para fixá-la em juízo o auto circunstanciado previsto no § 2º, do artigo 6º, a atestar a veracidade da operação concretizada, contendo o resumo das operações realizadas, o modus operandi, o tempo demorado, os telefones interceptados, o resultado obtido, a existência de encontro fortuito, etc.; a transcrição da comunicação interceptada descrita no § 1º; a prova testemunhal, por meio da oitiva de quem realizou a interceptação, por dificuldades técnicas ou, ainda, não ser o caso, como, por exemplo, na hipótese do juiz determinar apenas o controle das chamadas telefônicas, ou seja, obter-se apenas a quem se chama, em que hora chama, etc. Nesses casos, a transcrição não poderá ser realizada. Quero dizer que perfeitamente possivelmente e rigorosamente dentro dos ditames legais a existência de situações em que os meios de prova referentes à interceptação telefônica, não se resumam à absoluta transcrição dos diálogos interceptados. Não, se há outros meios de se fixar em juízo os fatos resultantes das escutas, sem se desbordar, inclusive, da documentação escrita dos atos processuais, princípio inerente ao nosso sistema. A integralidade das gravações, contendo a totalidade dos diálogos interceptados, com as respectivas reproduções sonoras, como dito acima, restou entregue a todos os acusados, permitindo-se a escuta a todos os defensores, mediante acesso aos CDs disponibilizados, não merecendo guarida a alegação de violação à auto-defesa, por cumprir ao advogado constituído o exercício da defesa técnica, com as medidas necessárias, o que, aliás, tem se demonstrado à exaustão. Disponibilizou-se, inclusive, equipamento de informática para consulta do material em gabinete, pelos defensores. O agravante não formalizou semelhante pedido para atender à sua peculiar situação de custodiado preventivamente. Os autos circunstanciados, regularmente encaminhados, tanto ao juízo condutor do inquérito em Maceió, ab ovo, quanto a esta Relatora, posteriormente, são válidos em sua plenitude, não se furtando à documentação das operações realizadas, com o resumo das atividades encetadas. As principais conversas que efetivamente interessam à investigação foram degravadas. A seleção prévia e a edição parcial do material colhido atende à necessidade de racionalização da prova e de preservação da intimidade dos envolvidos; além disso, aos autos de inquérito acorram somente elementos úteis e relacionados com os fatos, à autoridade policial competindo a indicação do material necessário. Os responsáveis pela lavratura dos autos das diligências foram ouvidos na qualidade de testemunhas, portanto, sob compromisso de dizer a verdade, e prestaram as informações pertinentes, respondendo às perguntas e reperguntas relativas às interceptações e gravações. Desnecessária, pois, a redução a termo de todas as comunicações interceptadas, como insistentemente tem requerido a defesa de CÉSAR HERMAN, inclusive porque tal medida implicaria em gasto de tempo demasiadamente grande, não se olvidando que há 9 (nove) réus presos preventivamente, e sua efetivação consistir-se-ia em manifesto constrangimento ilegal. Há informação de que tal procedimento, abrangendo quase 2 (dois) anos de gravações de vários terminais telefônicos, demandaria quase igual período de trabalho dos peritos”.


Mister se faz ressaltar, também, que, contra uma série de atos praticados pela Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA no curso da Ação Penal nº 128-SP, foram interpostos recursos de agravo regimental, na esteira do disposto no artigo 207, do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, transcrito abaixo:

“Artigo 207-O Relator, como Desembargador Federal de instrução do processo, terá as atribuições que a legislação processual confere aos Juízes singulares.

Parágrafo único – Caberá Agravo Regimental para o Plenário sem efeito suspensivo e na forma do Regimento, da decisão do Relator que:

a) receber ou rejeitar a denúncia;

b) decretar ou denegar fiança ou a arbitrar;

c) decretar prisão preventiva;

d) recusar produção de qualquer prova ou a realização de qualquer diligência”.

Todavia, em Sessão Extraordinária do Órgão Especial, do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, realizada em 15.4.2004, ficou assentado que, no curso de ação penal originária, a decisão do relator, por exemplo, referente a restituição de material apreendido, não comportaria insurgência pelo agravo regimental. Fixou-se tal interpretação a partir da inteligência de que, nos termos da Lei nº 8.658/93 e do parágrafo único do artigo 207, do regimento interno daquela corte, in verbis:

“Nada obstante o Código de Processo Penal, após a revogação efetuada pela Lei nº 8.658/93, nada mais fala nos processos de competência originária sobre o cabimento de agravo para o próprio tribunal. Indiscutível, portanto: no CPP, não há recurso previsto para essa hipótese.

Outrossim, o dispositivo da Lei nº 8.038/90 que regulamenta o procedimento no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, inclusive os criminais, prevendo, sem quaisquer restrições o cabimento no prazo de 5 (cinco) dias de agravo da decisão do relator que causar gravame à parte – mais especificamente o artigo 39 – conforme já estudado, não se aplica aos casos iniciados nos TRFs. Remarque-se o legislador cuidou de restringir às ações penais de competência originária dos regionais a aplicação das normas dos artigos 1º a 12º da Lei nº 8.034/90.

Imediatamente, sem se descuidar do escalonamento kelseniano, invocam-se as disposições regimentais.

O regimento interno deste tribunal, na Parte II, (Do Processo), Título VIII, (Dos Recursos em Geral), Capítulo II, (Dos Agravados), Seção I, (Do Agravo Regimental), dispõe que: ‘a parte que se considerar agravada por decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma, ou de Relator, poderá requerer no prazo de 5 (cinco) dias, a apresentação do feito em mesa para que o Plenário, a Sessão ou a Turma sobre ele se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a’ (artigo 250), e que ‘o agravo regimental será submetido ao prolator da decisão, o qual poderá reconsiderá-la ou submeter o agravo ao julgamento do órgão competente, caso em que computar-se-á, também, o seu voto (artigo 251).

Contudo, na mesma parte, mas no Título VI, (Da Competência Originária), Capítulo V, (Da Ação Originária), prescreve, em seu artigo 207, que ‘o Relator, como Desembargador Federal de instrução do processo, terá as atribuições que a legislação processual confere aos Juízes singulares’, e, no parágrafo único, ‘caberá agravo regimental para o Plenário, (sic) em efeito suspensivo, e na forma do Regimento, da decisão do Relator: a) receber ou rejeitar a denúncia, b) decretar ou denegar fiança, ou a arbitrar; c) decretar prisão preventiva; d) recusar produção de qualquer prova ou a realização de qualquer diligência’.

Princípio basilar, que os bancos acadêmicos cuidam de transmitir: regra especial derroga geral.

In casu, a norma contida no § único, do artigo 207, do Regimento Interno, tem aplicação porque especialmente introduzida no ordenamento para reger ações penais ordinárias, em detrimento dos artigos 250 e 251, que se aplicam aos feitos comuns, que integra a competência recursal da Corte, a teor do disposto no artigo 208, inciso II, da Constituição Federal.

A competência para processar e julgar a ação penal originária é do Tribunal, dele é a decisão definitiva ou terminativa. A instrução, porém, corre sob o crivo do Desembargador Relator Federal. Como dispõe o artigo 2º, da Lei nº 8.038/90: ‘O relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará segundo o disposto neste capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e no Regimento Interno’. Em razão disso, a lei lhe concede, como prerrogativa, decisões monocráticas objetivando a agilização e simplificação dos julgamentos (do que são exemplos as atribuições descritas nos artigos 7º a 11, da mesma lei), legitimado por uma delegação implícita a ele outorgada pelo órgão de que é integrante. Os atos, por ele praticados, são como se fossem praticados pelo próprio órgão, no caso, o Órgão Especial deste TRF, competente para decidir o processo. É em nome desse que age o magistrado responsável pela instrução.

Não se retira ou exclui, pois, competência do Tribunal, pelo seu órgão colegiado competente – que, de mais a mais, é responsável pela decisão de recebimento da denúncia e pelo julgamento da causa -, mas apenas se racionaliza a atividade procedimental, restringido o Regimento às hipóteses de agravo regimental que entendeu relevantes. Situações outras, v.g., decisões que determinam oitiva de testemunha, ou que indeferem pedidos de revogação de prisão preventiva, reclamam a impetração de habeas corpus, remédio adequado às hipóteses, não se permitindo a utilização do agravo regimental. Não, nos casos de competência originária deste Tribunal.”


Cumpre frisar que, nos autos da Ação Penal nº 128-SP consta informação de que o Sub-Procurador Geral da República ANTONIO AUGUSTO CÉSAR locava salas do escritório AFFONSO PASSARELLI E GUIMIL ADVOGADOS ASSOCIADOS, de propriedade do Co-Réu AFFONSO PASSARELLI FILHO, bem como de que participou em atos praticados pelo Co-Réu CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ que são inquinados como ilícitos. Durante a busca e apreensão realizada naquele escritório de advocacia, o Ministério Público Federal não tomou qualquer providência para que fossem revistadas as salas locadas pelo Sub-Procurador Geral da República ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR.

Ademais, é relevante informar que o Sub-Procurador Geral da República, ANTONIO AUGUSTO CÉSAR, e o Co-Réu CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ foram denunciados pelo Parquet Federal, mas, desta feita, junto ao Órgão Especial, do Superior Tribunal de Justiça, s.m.j., por pretensa prática do crime insculpido no artigo 317, do Código Penal, não tendo sido aventada naquela denúncia a hipótese daquele Sub-Procurador da República integrar a hipotética associação criminosa indicada nos autos da Ação Penal nº 128-SP. Todavia, é feita menção naquela denúncia aos relatórios de inteligência, autos circunstanciados carreados aos autos daquela ação penal de competência originária do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região e a uma série de outros elementos probatórios. Embora aquela denúncia tenha sido distribuída ao Ministro FRANCISCO FALCÃO, do Superior Tribunal de Justiça, ainda não houve pronunciamento do referido órgão colegiado sobre o seu recebimento.

Finalmente, são importantes algumas informações que constam dos autos da Ação Penal nº 128-SP que são doravante mencionadas. Discorrendo sobre a aludida conversa telefônica mantida entre os Co-Réus CÉSAR HERMAN RODRIGUEZ e CASEM MAZLOUM que foi objeto de interceptação e que consta relatada no Auto Circunstanciado 10, o Parquet Federal não hesitou em descrevê-la como absolutamente suspeita e indicativa de suposta prática delituosa, tratando-se “CLARAMENTE de grampo clandestino”, pois, “o prefeito não estava querendo gravar as próprias conversas, queria grampear o celular de sua esposa e do possível amante dela, obter as contas telefônicas dos dois, tudo para defender-se e mostrar às filhas que a mulher o traíra”. Em outro trecho é assinalado o seguinte:

“Não se pode nem minimamente supor que essa conversa poderia estar tratando de uma interceptação judicialmente autorizada. Um juiz federal como o Dr. Casem Mazloum, que conta com mais de 10 anos judicando na área criminal, que já foi Promotor de Justiça, que oficiou como juiz convocado durante dois anos perante a 1ª Turma deste E. TRF, que já deferiu inúmeras vezes diligências desse tipo, sabe muitíssimo bem que uma interceptação telefônica, para ser feita na forma da lei, deve ser peticionada, fundamentada, ubicada na investigação e, por ofício judicial, ser determinada à Companhia Telefônica ou à Operadora de celular” (fls. 1.631, dos autos do Inquérito Judicial nº 533-SP).”

QUESITOS

Quesito 1.– É válida a determinação de interceptação telefônica se não for comprovado que a prova pretendida pela autoridade requerente poderia ser obtida por outros meios de busca de prova?

Quesito 2.– Considerando que consta expressamente no “Relatório Parcial de Inteligência – Auto Circunstanciado 10” informação sobre o envolvimento do Co-Réu CASEM MAZLOUM em prática tida como delituosa, mais propriamente em interceptação telefônica ilícita, e que tal pessoa era, à época dos fatos, magistrado federal lotado à Justiça Federal da 3ª (Terceira) Região, indaga-se se o Juiz da 4ª Vara Federal, da Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas, SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES, poderia ter autorizado a continuidade dos trabalhos de interceptação telefônica, como de fato acabou ocorrendo na mencionada decisão proferida nos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6. Houve violação ao princípio do juiz natural, nos termos do inciso LIII, do artigo 5º, da Constituição da República, bem como à regra prescrita no artigo 1º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996? Em caso afirmativo, indaga-se quais seriam as conseqüências legais da inobservância daqueles dispositivos legais, particularmente que concerne à instauração da Ação Penal nº 128-SP, com base exclusivamente na prova obtida a partir de interceptação telefônica?

Quesito 3.– Indaga-se se é obrigatória a degravação oficial das conversas telefônicas interceptadas tidas como pertinentes, após terem sido consultadas tanto a acusação como a defesa, isto é, que seja determinada a realização do trabalho de transcrição por peritos que integram o corpo de técnicos especializados que incumbe ao Estado de organizar, em vista do que dispõe § 1º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, e o artigo 158, do Código de Processo Penal, que estabelece que o exame de corpo de delito constitui elemento imprescindível nos crimes que deixam vestígios, sendo prova essencial e obrigatória, não suprimível por qualquer outra? Em outras palavras, a prova documental que se exige para garantir a força probante das conversações telefônicas interceptadas deve ser feita impreterivelmente mediante a realização de uma perícia oficial ou se tal prova pode ser substituída pelo conjunto formado pelo depoimento da autoridade policial que efetuou a interceptação, pelos relatórios circunstanciais que foram produzidos e pela “transcrição digitalizada das conversas telefônicas interceptadas”?


Quesito 4 — Pergunta-se se as conversações que foram objeto de interceptação telefônica constituem prova suficiente para a condenação de alguém ou se é necessária, ainda, sua confirmação por outros meios de busca de prova disponíveis.

Quesito 5.– A prova produzida a partir da interceptação telefônica, bem como as provas que dela são derivadas, como, por exemplo, os documentos recolhidos a partir de busca e apreensão determinada com base nos relatórios circunstanciais produzidos pela autoridade policial, podem ser utilizadas como prova emprestada em ação indenizatória posteriormente ajuizada contra o réu? Se for ajuizada uma eventual ação indenizatória enquanto estiver pendente de julgamento a ação penal, é válido o bloqueio da integralidade dos bens que integram o acervo patrimonial do réu, para garantir o ressarcimento de danos que ainda são ilíquidos, isto é, que não foram quantificados na inicial e que dependeriam do julgamento transitado em julgado da ação penal?

Quesito6.– Na esteira do princípio constitucional da isonomia, é aceitável que seja determinada a prisão temporária e, posteriormente, a prisão preventiva de apenas alguns dos co-réus, deixando-se livres outros que, inclusive, estiverem respondendo por outras acusações, e mais graves, em procedimentos criminais correlatos?

Quesito 7.– Considerando que a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA figurou como presidente do Inquérito Judicial nº 533-SP, e, posteriormente, como relatora nos autos da Ação Penal nº 128-SP, pergunta-se se é permitido esse acúmulo de funções, bem como quais são as conseqüências legais da inobservância da garantia do devido processo legal que sugere o julgamento por um juízo competente e imparcial? A esse respeito, indaga-se qual é o posicionamento jurisprudencial que atualmente prevalece no Supremo Tribunal Federal.

Quesito 8.– Considerando que está prescrito no artigo 207, do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, que caberá agravo regimental contra algumas decisões do relator e tendo em vista o que dispõe a legislação infraconstitucional aplicável à espécie, indaga-se se não seria esse o recurso adequado para impugnar os atos praticados pelo relator na ação penal de competência original em desacordo com a lei, dentre os quais aquele que indefere o pedido de revogação de prisão preventiva ou o de produção de alguma prova requerida pela defesa?

Quesito 9.– Numa ação penal originária, qual seria a participação dos outros magistrados que compõem o órgão especial, de um determinado tribunal, em relação aos trabalhos desenvolvidos pelo relator sobretudo na fase de instrução processual?

FUNDAMENTOS

Há cinco pontos fundamentais a enfrentar e que serão destacados em itens:

I- OS REQUISITOS LEGAIS PARA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

A Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, regulamentando o inciso XII do art. 5º da Constituição, disciplinou a interceptação das comunicações telefônicas para prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

Cabem, previamente, algumas considerações breves sobre a evolução do problema na história mais recente do País, bem como a colocação de alguns conceitos básicos a respeito.

Antes do atual texto constitucional, a Carta Magna assegurava o sigilo das telecomunicações sem qualquer restrição ou ressalva. Paralelamente, estava em vigor o art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, que dispunha:

“Art. 57 – Não constitui violação de telecomunicação:

I -…

II – o conhecimento dado:

a)…

e) ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste.

Parágrafo único.

…”

Esse texto era questionado em face da Constituição então vigente, eis que esta garantia o sigilo das telecomunicações sem qualquer ressalva, de modo que a possibilidade de requisição judicial não teria guarida constitucional. Não era esse contudo o entendimento de algumas decisões judiciais e posições doutrinárias, que sustentavam a compatibilidade do art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações com a garantia constitucional, considerando-se que nenhuma norma constitucional institui direito absoluto, devendo ser compatibilizada com o sistema, de modo que a inexistência de ressalva no texto da Carta Magna não significava a absoluta proibição da intercepção, que poderia efetivar-se mediante requisição judicial à concessionária de telecomunicações, em casos graves.

A Constituição de 1988, pretendendo superar a polêmica, ao assegurar o sigilo das telecomunicações instituiu ressalva, nos seguintes termos:

“Art. 5º…

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

…”


Em seguida, porém, outra polêmica instaurou-se, qual seja a de ter sido, ou não, recepcionado o art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações, ou se haveria necessidade de norma específica regulamentadora.

Após opiniões e pronunciamentos judiciais divergentes, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no HC 73.351-4 – SP, julgado em 9 de maio de 1996, concluiu não estar o aludido dispositivo recepcionado, dependendo, pois, o texto constitucional de lei específica para tornar-se eficaz, de modo que a partir de 1988, por falta de regulamentação, e até a edição de norma legal específica, não se admitiria a interceptação em nenhum caso, que é a Lei nº 9.296/96.

Ainda no capítulo das observações preliminares, é importante fazer uma distinção que nem sempre se apresenta quer em julgamentos quer em textos doutrinários, qual seja a diferença entre a gravação feita por um dos interlocutores da conversação telefônica, ou com autorização deste, e a interceptação. Esta, em sentido estrito, é a realizada por alguém sem autorização de qualquer dos interlocutores para a escuta e, eventualmente gravação, de sua conversa, e no desconhecimento deles, e esta é que caracterizará o crime do art. 10 se realizada fora dos casos legais; a gravação unilateral feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro, chamada por alguns de gravação clandestina ou ambiental (não no sentido de meio ambiente, mas no ambiente), não é interceptação nem está disciplinada pela lei comentada e, também, inexiste tipo penal que a incrimine. Isso porque, do mesmo modo que no sigilo de correspondência, os seus titulares são ambos, o remetente e o destinatário e o sigilo existe em face dos terceiros e não entre ambos, se houver justa causa para a divulgação. O seu aproveitamento como prova, porém, dependerá da verificação, em cada caso, se foi obtida, ou não, com violação da intimidade do outro interlocutor e se há justa causa para a gravação. Se se considerar que a obtenção foi ilícita não poderá valer como prova, considerando-se a regra constitucional de que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos (no caso a violação da intimidade), mas não a interceptação de telecomunicações. A problemática da gravação unilateralmente realizada se insere no mesmo contexto da fotografia ou video-gravação oculta, da escuta à distância, etc. e nada tem a ver com interceptação telefônica.

A lei não disciplina, também, a interceptação (realizada por terceiro) mas com o consentimento de um dos interlocutores. Em nosso entender, aliás, ambas as situações (gravação clandestina ou ambiental e interceptação consentida por um dos interlocutores) são irregulamentáveis porque fora do âmbito do inciso XII do art. 5º da Constituição e sua licitude, bem como a da prova dela decorrente, dependerá do confronto do direito à intimidade (se existente) com a justa causa para a gravação ou a interceptação, como o estado de necessidade e a defesa de direito, nos moldes da disciplina da exibição da correspondência pelo destinatário (art. 153 do Código Penal e art. 233 do Código de Processo Penal).

À hipótese, portanto, não se aplica a lei comentada, inclusive quanto à autorização judicial, porque o Poder Judiciário brasileiro não exerce função consultiva, e, no caso de jurisdição voluntária, atua somente nos casos expressos em lei.

Em sentido contrário, aplica-se a disciplina da norma legal comentada (autorização judicial, somente se houver razoável suspeita de prática de crime punido com reclusão, etc.) à quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo não se tratando de “interceptação” propriamente dita, quanto aos registros sobre as comunicações existentes nas concessionários de serviços públicos, tais como a lista de chamadas interurbanas, os números chamados para telefones celulares etc.

Ainda (ciente que estamos de decisões judiciais em contrário, inclusive no campo do direito trabalhista), fica consignada nossa posição no sentido de que os titulares do sigilo das telecomunicações são os interlocutores e estes é que estão protegidos pela garantia constitucional, não o dono do direito de uso da linha telefônica. Ou seja, não pode o titular do direito de uso da linha interceptar, gravando ou ouvindo, conversas de terceiros, salvo, evidentemente, se providenciada a interceptação nos termos e com as cautelas da lei, com autorização judicial , e salvo se, em virtude de norma empresarial, inexista o sigilo das comunicações com telefones da empresa, do conhecimento daquele que fala ao telefone. Interpretação contrária levaria ao absurdo de se entender que aquele que fala em telefone público não teria a garantia de sigilo das comunicações porque o titular do direito de uso da linha é o Poder Público! O sujeito passivo da interceptação, portanto, é a pessoa que fala e não o titular formal do direito de uso da linha.


Como se verifica, a lei pretendeu resolver o problema da licitude ou ilicitude da prova quanto à sua origem.

Sabe-se que a prova pode ser ilícita em três situações: em virtude da ilicitude do próprio meio, se este não é consentâneo com a cultura do processo moderno, que exige racionalidade e respeito à integridade da pessoa humana, em virtude da imoralidade ou impossibilidade de sua produção e em virtude da ilicitude de sua origem.

Consagrando essa terceira situação a Constituição, expressamente, determinou não serem admissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos de modo que se a interceptação não obedecer os preceitos legais e os parâmetros constitucionais, a prova com ela obtida não poderá ser utilizada, bem como as dela conseqüentes, porque se o meio de obtenção da primeira foi ilícito, ilícito também será o meio de obtenção das demais que dela decorram.

Aspecto que não concerne diretamente com a interceptação, mas que deverá ser considerado, é o do valor da prova obtida por esse meio e sua idoneidade técnica.

O problema refere-se a qualquer prova e certamente será trazido quanto àquela obtida pelo meio previsto na lei comentada.

Quanto à valoração do conteúdo da prova, passar-se-á certamente pelo sistema da persuasão racional, o confronto com as demais provas e, inclusive, a confiabilidade de quem a colheu. Quanto à idoneidade técnica da prova, no caso de gravação, não fica excluída a possibilidade de perícia para a identificação de vozes e para a verificação da própria integridade e autenticidade da fita.

Mas antes do aspecto ponderação do valor e autenticidade técnica, o aproveitamento da prova como tal passa por um juízo de legalidade. Esse juízo foi feito em caráter provisório pelo magistrado que decidiu pela interceptação, mas o juízo definitivo é o do juiz do julgamento do processo penal, mesmo porque somente nessa oportunidade é que pode ficar demonstrada a ilegalidade da medida. O juízo de autorização de realização da prova é provisório, feito sem contraditório, de modo que o juízo definitivo somente pode ser o do juiz da causa principal (ainda que orgânica e fisicamente o mesmo), após a atuação da ampla defesa. Isso quer dizer que, apesar de autorizada pelo juiz, ao final a prova pode ser considerada ilícita, se demonstrado que não estavam presentes os requisitos constitucionais e legais.

A lei é expressa no sentido de que o juiz autorizador da interceptação é o juiz do processo penal principal. Trata-se de competência funcional absoluta que deve, ainda, respeitar as demais regras de competência, como a hierárquica ou por graus de jurisdição, que também é absoluta.

A violação da regra de competência anula os atos decisórios e não há dúvida de que o ato que determina a interceptação é decisório, o que acarreta a nulidade da prova e a impossibilidade de ser utilizada nas razões de convencimento.

A lei prevê, ainda, procedimentos posteriores à autorização de interceptação para que a prova possa ser utilizada.

A escuta das comunicações interceptadas poderá, ou não, ser gravada. Em qualquer hipótese, concluída a diligência, deve a autoridade encaminhar o resultado ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado que deverá conter o resumo das operações realizadas. Se a comunicação interceptada foi gravada, deverá ser transcrita, sem prejuízo de ser preservada e autenticada a fita original; se não foi, o resumo das operações deverá conter, também, sob responsabilidade de quem ouviu, o conteúdo das conversas interceptadas. Essa pessoa poderá, eventualmente se necessário, em diligência determinada de ofício ou a requerimento das partes, ser ouvida em juízo.

Esses elementos e mais o requerimento e decisão que determinou a interceptação serão autuados em apartado, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas, sendo o apartado, quando a interceptação se realizou antes da ação penal, apensado aos autos do inquérito policial somente logo antes do relatório da autoridade, e apensado logo antes da decisão de pronúncia ou sentença definitiva se a medida foi realizada incidentalmente à ação penal. Esses momentos têm razão de ser porque são aqueles em que a prova deve ser apreciada e levada em consideração e, também, porque fica mais seguro assim para preservar o sigilo, especialmente em face de terceiros mencionados no procedimento. O apenso, por sua vez, deve ser cercado de medidas de proteção do sigilo, tais como embalagem com lacre e outras necessárias à sua não violação.

O art. 9º da lei prevê a inutilização, por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução criminal ou após esta, da gravação que não interessar à prova, sendo o incidente de inutilização assistido pelo Ministério Público, como fiscal da lei e do interesse público, sendo facultada a presença do acusado ou seu representante legal, se já instituída a figura como tal (se a inutilização for feita antes da instauração da ação penal não há que se falar em acusado). A redação categórica da lei impõe que sempre que a gravação não interesse à prova deve obrigatoriamente ser inutilizada, sob pena de, eventualmente, serem responsabilizados os que se omitiram com dolo eventual, pelo crime do art. 10.


A inutilização poderá, e deverá, ser parcial se parte da gravação não interessar à prova do processo, especialmente se concernente à intimidade de terceiros e deverá ser feita assim que constatado o seu desinteresse para a prova. Por outro lado, ainda que o art. 9º se refira exclusivamente à gravação, a inutilização deverá atingir também os resumos ou declarações de conteúdo da interceptação quando feita pessoalmente, sem gravação.

Por outro lado, não poderá ser inutilizada ou não transcrita, parte da gravação que possa alterar o conteúdo de contexto da prova, porque frases isoladas podem levar a conclusões inconseqüentes e abusivas.

II- O VALOR DA PROVA POR INDÍCIOS.

O livro “O último teorema de Fermat”, de SIMON SINGH (ed. Record, 2002) provoca observações sobre a prova e sua validade.

Sempre fui preocupado com a prova e sua teoria, no sentido de identificar os mecanismos do convencimento do juiz e os mecanismos que o levam a dar como certa ou reconhecida determinada situação de fato, da qual decorrem conseqüências jurídicas. Essa preocupação demonstrei em diversos escritos, acadêmicos ou não.

Na área jurídica há trabalhos monumentais, como os de MALATESTA, MITTERMAIER, BETTIOL, LEVASSEUR e, entre nós, o de MOACYR AMARAL SANTOS, com o perdão da falta de referência expressa a outros de igual importância, mais antigos e mais recentes. Não é possível, porém, deixar de referir o trabalho de MICHELE TARUFFO, em especial o seu “La prova dei fatti giuridici”, que é modelo de trabalho científico.

O livro de SIMON SINGH, porém, me fez ver o que já intuía. A intuição, contudo, nem sempre é suficiente, em especial quando se está na posição de alguém que pode decidir a vida dos outros. Não se nega o poder e a importância da intuição (que também pode ser analisada do ponto de vista da lógica da vida e dos sentimentos psicológicos). Percorre no mundo a idéia da “inteligência emocional”, que acentuaria a importância do psicológico e da intuição, mas inteligência é inteligência, abrangendo a compreensão de todos os aspectos do fenômeno a ser examinado e em face do qual reagiremos, aspectos externos e os internos àquele que deve atuar diante dele. Somam-se a capacidade mental, a compreensão da vida, a cultura, o modo de ser de cada um, o sentimento de humanidade (positivo ou negativo), a emoção, a intuição e, sem dúvida, os preconceitos. Houve quem tentasse resolver o problema pela lei de probabilidades, como BAYES nos Estados Unidos.

O livro referido me faz reconhecer que há três tipos diferentes de verdades e, em decorrência, de convencimento: a verdade matemática, a científica e a jurídica. Pode ser que existam outras, como, por exemplo, a religiosa, como, também, há classificações diferentes da realidade como a de POPPER ou a de que pode haver também uma verdade puramente emocional.

Explica SINGH em argumentação irrespondível que a verdade matemática é absoluta e universal, como, por exemplo, o teorema de Pitágoras: “num triângulo retângulo o quadrado de hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”.

Isso vale absolutamente para todos os triângulos retângulos e, em reverso, se se encontrar essa relação, estaremos diante de um triângulo retângulo.

Já a verdade (aliás deveria colocar “verdade”) científica nunca é absoluta como um teorema matemático. Ela é aceita como uma situação altamente provável, mas baseada na observação e na percepção, que fornecem apenas aproximações em relação à verdade e, portanto, são falíveis. As observações e comprovações científicas cada vez mais tendem a aproximar a realidade da sua expressão externa. Assim, por exemplo, a prova a partir do exame de DNA.

A prova científica, todavia, sempre é passível de revisão na medida em que novas conquistas técnicas podem trazer elementos anteriormente desconhecidos. Assim, por exemplo, se houve a convicção de que o átomo era composto por um núcleo de prótons e nêutrons circundado por elétrons, mais tarde descobriu-se a existência de píons e múons, isto sem se falar das partículas fracionárias, os quarks.

Diz a obra acima citada de SINGH que a ciência “funciona por um sistema semelhante ao da justiça. Uma teoria é considerada verdadeira se existem evidências suficientes para apoiá-la “além de toda dúvida razoável”. Por outro lado, a matemática não depende de evidências tiradas de experiências sujeitas a falhas e sim construídas sobre lógica infalível”.

A chamada “verdade” jurídica, porém, é ainda mais complexa e difícil, por diversas razões.

Primeiro porque os fatos a serem considerados pelo juiz encontram-se em determinada dimensão espacial e temporal, que é mutável e incerta do ponto de vista de outro juiz ou de nós todos.


Segundo porque na aplicação da lei é fundamental a distinção entre a “verdade” fática e o convencimento do magistrado, que pode, até, deixar de reconhecê-la por razões de política social.

Terceiro porque a “verdade juridicamente relevante é histórica e, portanto, sujeita à relatividade dos juízos históricos. Aliás explica LIEBMAN, em “Manuale di Diritto Processuale Civile” (Milano, l973, vol. 2, p.68):

“Por maior que possa ser o escrúpulo colocado na procura da verdade e copioso e relevante o material probatório disponível, o resultado ao qual o juiz poderá chegar e conservar é, sempre, um valor essencialmente relativo: estamos no terreno da convicção subjetiva, da certeza meramente psicológica, não o da certeza lógica, daí tratar-se sempre de um juízo de probabilidade, ainda que muito alta, de verossimilhança (como é próprio a todos os juízos históricos) (tradução nossa).

Quarto porque a “verdade” juridicamente relevante deve levar em conta elementos impossíveis de serem captados de forma direta ou, ainda que o sejam, de forma científica, muito menos matemática, como por exemplo os elementos subjetivos.

Permitam-nos repetir algumas considerações a respeito que fizemos em nosso “A culpa e sua prova nos delitos de trânsito”, Saraiva, 1993, Cap. IV, considerações aplicáveis ao Direito, em geral, quanto ao mecanismo de apreciação dos fatos e à conclusão quanto à sua legalidade ou ilegalidade. Aliás, no texto, quando há referência a “infração penal, entenda-se ampliativamente, “legalidade ou ilegalidade do fato”.

1. Por encontrar-se no limiar da teoria do conhecimento e da psicologia, a análise do processo mental na formação do convencimento do juiz quanto às provas, apresenta as suas mesmas dificuldades e divergências conceituais. É comum, por exemplo, a confusão entre o conhecimento da experiência enquanto fato e o conhecimento valorado do fato.

Não é de estranhar-se essa confusão, porque os fatos, e mesmo as palavras, se apresentam sempre com grande carga emotiva, de modo que é difícil, na praxis, identificar no raciocínio o que seja a constatação de um fato e o que seja a sua valoração. De outro lado, o cérebro humano é a única inteligência que salta etapas no processo de alcançar a conclusão. Os computadores não podem fazer isso, se é que se pode qualificá-los dentro do conceito de inteligência. Tem, ademais, o cérebro do homem memória analógica, de infinitas gradações e implicações, de modo que as sutilezas da compreensão do fenômeno do convencimento jamais poderiam ser reduzidas a um programa digital.

Não se pretende, também, retornar ao sistema da prova legal ou da dosimetria das provas. Todavia, a análise do procedimento lógico do convencimento, com a decomposição de suas etapas e a identificação de suas naturezas sob o ponto de vista lógico e sob o sistema digital (por passos definidos e separados) é útil, para que o juiz e as partes saibam em que trilhas estão caminhando e possam conferir a sua segurança.

2. BETTIOL procurou distinguir as presunções propriamente ditas das verdades interinas ou provisórias, porque, segundo seu entendimento, as primeiras seriam formulações legais que, a partir de um fato indiciante, levam à conclusão de outro fato, ao passo que as últimas são conclusões que se admitem sem a necessidade de qualquer prova direta de um fato indiciante, respondendo a uma necessidade psicológica que impulsiona o juiz a dar como verdadeiro e existente aquilo que é conforme ao curso natural das coisas. Exemplos de verdades interinas ou provisórias a capacidade penal após os 18 anos, a presunção de voluntariedade do fato, a presunção de dolo, entre outras. Nesse caso, o fato é dado como certo, ainda que possa ser contrariado no caso concreto, mas, segundo o jurista, não apresenta a mesma relação do fenômeno das presunções, que exige a existência de norma legal correlacionando fato indiciante e outro fato, facilitando a prova do segundo.

Distingue, também, o mesmo autor, as presunções das ficções, que consistem na atribuição, feita pela lei, a um fato de conseqüências jurídicas previstas pela ocorrência de um fato diferente, sem que entre os dois fatos subsista algum liame particular. Nas presunções, inclusive as absolutas, o liame feito pela lei corresponde ao que ordinariamente acontece; nas ficções, o resultado jurídico é desejado pela lei ainda que sejam contrários ao cálculo de probabilidades, ou seja, da experiência.

Quanto aos indícios, adverte o mesmo jurista2, são elementos ou complexo de elementos de natureza objetiva e subjetiva dos quais se conclui a existência do fato presumido, não havendo distinção muito precisa entre prova por presunção e prova por indícios, porque esta não é somente resultante de uma indução, mas deve ser corroborada por uma regra de experiência, a qual, segundo acontece na generalidade dos casos, justifica a ligação entre fato indiciante e fato indiciado. E a presunção, como se disse, encerra uma regra de experiência que foi consagrada pela lei.

3. A presente temática se insere, disse-o FLORIAN3, em tormentoso problema: se e em que medida pode o juiz, por si e de maneira unilateral, utilizar o seu saber particular (“scire per se”) no que concerne ao material que servirá de base à sua convicção e à sua decisão expressa na sentença.

Antes de mais nada, é preciso distinguir entre o conhecimento privado do fato concreto “sub judice”, que faria do juiz testemunha, e o conhecimento privado da norma jurídica, de regras científicas ou dos padrões de comportamento humano.

A primeira situação, ainda que indesejável, em muitas hipóteses não pode ser evitada, especialmente em comunidades menores. O juiz não deixa de ler jornais, não deixa de ouvir comentários sobre fato momentoso e não pode evitar de passar pelo cruzamento em que ocorreu uma colisão de veículos, sabendo, portanto, se o cruzamento é sinalizado, ou não, se os ruas estão em aclive ou declive etc..

Nesse caso, da mesma forma que o perito não pode formular conclusões normativas ou fazer a qualificação jurídica dos fatos, não pode o juiz basear a sentença em fatos de seu conhecimento particular que não estejam nos autos ou que estejam, mas em sentido contrário. Pode o juiz, exercendo seu poder de determinar, de ofício, provas em caráter complementar e invocando o princípio da verdade real, providenciar para que a prova seja feita ou corrigida, passando ela pelo crivo do contraditório. Se isso não for providenciado ou não for possível, o juiz deverá concluir exclusivamente a partir das provas constantes dos autos, a despeito de sua convicção íntima estar ditando diferentemente. Ainda que seja imponderável a influência psicológica do conhecimento particular do fato (conhecimento esse que pode ficar oculto para as partes), a segurança do julgamento decorre do que objetivamente for expresso na sentença como fundamento para a conclusão, podendo as partes e os Tribunais de grau superior conferir se o fundamento é suficiente para sustentá-la, como expusemos no Capítulo anterior. Não é apenas no campo do conhecimento particular do fato que pode haver influência psicológica. Também experiências anteriores de vida, a cultura geral, a tendência política, a religiosidade etc. influem, mas ficarão dentro do razoável na medida em que as provas foram examinadas e apreciadas segundo os padrões normais das pessoas, o que, como se afirmou, pode ser conferido em grau de recurso.

Quanto ao segundo tipo de conhecimento privado, o relativo às normas jurídicas, científicas ou comportamentais, a sua utilização faz parte da própria função jurisdicional, não só porque cabe ao juiz conhecer o direito e aplicá-lo, mas também porque a sentença deve corresponder às leis da natureza e às leis sociais de comportamento humano. O perito pode ser um instrumento de apresentação da regra científica, mas as regras científicas também se encontram nos livros e o juiz pode ter esse conhecimento por si mesmo, sem intermediários. Não deve ele, certamente, afastar a participação do perito por conhecer as regras científicas, porque o perito, ao descrevê-las, dá esse conhecimento às partes e ao segundo grau de jurisdição, mas não está o juiz impedido de aplicar o seu conhecimento pessoal e, mesmo, afastar, fundamentadamente, a regra apresentada pelo perito, se o conhecimento científico mais moderno indicar o contrário. Quanto às regras que se aplicam ao comportamento humano, igualmente, podem elas ser do conhecimento geral e o juiz as aplica automática e intuitivamente ou podem ser objeto de investigação, mas serão entendidas sempre como proposições normativas e não como matéria de fato.4

Aqui reside, no plano dos conceitos, o problema mais sério das definições de GIUSEPPE BETTIOL, citado como referência para a crítica, qual seja a confusão ou mesmo a identificação entre o que seja fato e o que seja regra, ou pior, o que seja a conclusão do fato valorado pela regra.

Assim, é manifesta a confusão ou utilização indistinta de indício como prova indiciária, ou ainda de indício como resultado de uma indução corroborada como regra de experiência.

Se, na linguagem popular ou mesmo na do Código de Processo Penal que usa o termo indícios (isoladamente) no sentido de fatos significativos e as expressões “indícios suficientes” e “indícios veementes” para indicar graus de convencimento, isso ocorre usualmente, no plano metodológico, é absolutamente inconveniente, porque confunde coisas diferentes e torna impossível, ou pelo menos muito difícil, conferir o raciocínio desenvolvido pelo juiz.

A concepção de indício como fato significativo é praticamente universal. Aliás daí o termo “indiciado”, que é aquele contra o qual pendem indícios de ter sido o autor da infração penal.

O conceito legal do Código revela esse sentido: “…circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (art. 239).

A mesma idéia é encontrada na doutrina mais antiga como em MALATESTA, ao explicar presunções e indícios como provas indiretas, ou MITTERMAIER, que definiu indício como um fato que está em relação tão íntima com outro fato que o juiz chega de um para outro por meio de uma conclusão muito natural.

E na doutrina mais recente, como em LEVASSEUR7: os indícios são fatos materiais cuja existência está estabelecida e que, sem valor demonstrativo por eles mesmos, podem, aproximados uns de outros, permitir alcançar a conclusão de que este ou aquele acontecimento, cuja existência não tenha sido estabelecida de outra maneira satisfatória, tenha sido realizado. E as presunções humanas são os raciocínios com apoio nos quais se inferem as conclusões relativas à ocorrência dos fatos e à existência dos elementos materiais ou psicológicos da infração.

Este último conceito, ainda que procurando distinguir o fato, sem significado em si mesmo, da conclusão que deles se possa extrair, denota, também, a concepção de que indício é o fato de que se extrai uma conclusão. Mas é importante a distinção que faz entre o indício como fato significativo e o raciocínio que conduz à conclusão, que é a presunção humana8, momentos lógicos cuja separação é necessária ao entendimento do fenômeno.

No plano da compreensão humana assim acontece. O fato (indício) somente interessa se tem significado em face de outro fato que é o que se pretende provar. A atividade investigatória, aliás, desenvolve-se com esse vetor.

Mas, no plano lógico, fato, em si mesmo, não pode ser confundido com fato significativo, porque existem aí dois elementos absolutamente distintos. O fato, de um lado, e a sua interpretação, de outro, sem se falar da conclusão daí decorrente. O art. 239 do Código de Processo Penal, em sua concisão e simplicidade, sugere a solução para o problema.

No texto legal, fato está no sentido de infração penal ou conjunto de dados fáticos correspondentes à descrição típica.

Esses dados fáticos são as circunstâncias elementares, ou simplesmente elementares, podendo ser fatos objetivos ou fatos subjetivos, como, por exemplo, o elemento subjetivo do tipo, e, mais, o fato da autoria.

As elementares e a autoria podem ser demonstradas por prova direta, que é aquela que traz, em caráter imediato, o próprio fato que se pretende provar. Assim é a testemunha que presenciou a infração penal.

Todavia, nem sempre é possível a prova direta, ou porque simplesmente não existe, tendo em vista, entre outros fatores, a clandestinidade da infração, ou porque é impossível, como acontece quanto aos fatos subjetivos.

O convencimento humano, porém, satisfaz-se com a prova indireta (ou crítica), que consiste na demonstração de um fato (“circunstância” no art. 239 do Código de Processo Penal) que não é o elementar ou a autoria, mas que pode levar à conclusão de sua existência.

Essa circunstância de fato é o indício.

Indício, portanto, é fato e a sua aptidão, ou não, de levar à conclusão da existência ou inexistência de outro fato depende da formulação de um juízo que decorre da aplicação de uma regra.

Assim, os fatos, enquanto tais, são anódinos. Seu conteúdo significativo resulta de uma valoração, em processo mental diferente daquele relativo ao convencimento a respeito da sua existência.

Ou seja, uma coisa é ter prova ou convencer-se a respeito de um fato. Outra é a inferência da existência de um segundo fato em decorrência daquele.

Está correta, pois, a definição de indícios no anteprojeto de Código de Processo Penal de 1983: “Art. 314. Indício é a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência de outra circunstância ou fato, de que não se tem prova”. Está correta, também, a exigência da alínea “a” do parágrafo único: “Parágrafo único. Para que o indício constitua prova, é necessário que : a)a circunstância ou fato indicante tenha relação de causalidade, próxima ou remota, com a circunstância ou fato indicado;”. Essa relação de causalidade é dada por um dos “porquês” abaixo comentados. Não está correta, porém, a restrição da alínea “b” do mesmo parágrafo único: “Parágrafo único. Para que o indício constitua prova, é necessário que: a)…;b)a circunstância ou fato coincida com a prova resultante de outro ou outros indícios, ou com as provas diretas colhidas no processo.”

Essa limitação não tem base científica. Há situações em que um fato apenas leva à convicção plena a respeito de outro, ao passo que há outras em que muitos fatos não levam a conclusão nenhuma. Assim, por exemplo, do fato único “tipo de lesão”, conclui-se com absoluta segurança que foi causada por arma de fogo. Há outras situações, porém, em que muitos fatos nada significam. Tudo depende da idoneidade da regra que conduz a uma determinada conclusão, que não está subordinada à quantidade de fatos antecedentes ou à existência de outras provas.

Ainda quanto às proposições de BETTIOL, há que aceitar-se a idéia de que as presunções fazem o liame entre um fato e outro fato. Mas não é certo que, nas chamadas verdades interinas ou provisórias por ele referidas, o mecanismo seja diferente. Há, nelas, também, um fato antecedente, a maioridade penal do acusado, por exemplo, da qual se presume a imputabilidade que é o fato conseqüente; ou houve uma conduta, a qual se presume voluntária, e assim por diante.

A diferença estaria em que os indícios, fatos dos quais se extrai uma conclusão, são específicos do caso concreto submetido à apreciação judicial, e as verdades interinas seriam mais gerais, mas o processo mental é absolutamente o mesmo: de um fato infere-se outro.

A inferência, por sua vez, resulta da aplicação de uma regra: “se ocorreu este fato, estou convencido de que ocorreu aqueloutro, porque…”.

São três as alternativas para esse “porquê”.

1- porque a Lei assim determina.

2- porque existe uma regra causal científica que faz o liame.

3- porque existe uma regra de experiência ligada ao comportamento humano que leva a essa conclusão, uma vez que as pessoas tendem a agir de maneira igual em situações iguais, não só pelo condicionamento de fatores externos, mas também pelas semelhanças psicológicas básicas das pessoas.

No primeiro caso, alcança-se a conclusão em virtude de presunção legal; no segundo, de uma regra técnica ou científica; no terceiro, de uma regra da experiência comum, tendo em vista o que ordinariamente acontece no campo da repetição de determinadas condutas ou no campo do modo de ser da personalidade humana.

As presunções legais podem ser absolutas ou relativas, dependendo da possibilidade, também legal ou jurídica, de se admitir prova em contrário. Ou seja, se existe uma presunção legal significa que, demonstrado um determinado fato, a lei impõe, em caráter absoluto ou relativo o convencimento a respeito do outro. A presunção legal pertence ao sistema da prova legal, sendo instituída pelo legislador para facilitar a demonstração de um fato por meio da demonstração de um fato antecedente (presunção relativa) ou para impor o reconhecimento da existência ou inexistência de um fato tendo em vista a demonstração de um antecedente (presunção absoluta).

As regras técnicas ou científicas asseguram o grau de certeza correspondente ao valor dado a ela pela ciência, em dado estágio de sua evolução. Uma regra da experiência natural pode hoje ser admitida e amanhã não, em virtude do progresso do conhecimento científico, podendo, também, apresentar graus diferentes de probabilidades ou não se aplicar se houver fatores interferentes.

As regras da experiência comum decorrentes da repetição de condutas ou das reações ditadas pela psicologia humana, quanto ao grau de certeza, são de maior ou menor confiabilidade tendo em vista a inexorabilidade ou repetitividade das mesmas condicionantes externas e da formação interna das pessoas. Assim, por exemplo, é mais confiável a regra “Sete de setembro é feriado nacional, logo o comércio permanece fechado”, do que “é dia de futebol, logo o trânsito das ruas próximas ao acontecimento é dificultoso”, isso porque, este segundo caso depende de muitas variáveis, tais como as condições do local, a importância do evento etc..

Aí, é preciso fazer uma importante distinção: uma coisa é a certeza a respeito do fato antecedente, que depende da apreciação da prova a ele relativa; outra é a certeza a respeito do fato conseqüente que não tem prova direta e que decorre da aplicação das regras acima referidas.

Esses são momentos lógico-mentais distintos, ainda que não revelados como tais no processo natural e intuitivo do juiz, inclusive na fundamentação da sentença, mas a sua identificação é necessária à compreensão do fenômeno.

A certeza quanto ao fato antecedente depende da idoneidade do meio de prova, como, por exemplo, a credibilidade da testemunha, a capacidade técnica do perito, a coerência do depoimento ou a consistente constatação feita pelo laudo.

A certeza quanto ao fato conseqüente depende da credibilidade da regra que faz a ponte entre ambos.

Prosseguindo no exame do pensamento de BETTIOL, para fins de tese e antítese, nega ele, em outro passo, a utilização da prova prima facie no processo penal.

Quanto a esse aspecto, porém, a questão parece meramente terminológica. Entende BETTIOL como prova prima facie aquela que daria razão ao autor com base em alguma regra de experiência sem qualquer indício particular, permitindo, porém, ao réu demonstrar que o que acontece na generalidade dos casos não se verificou no caso concreto. Ora, essa situação, na verdade, é de preconceito, e não de prova, como se se dissesse, por exemplo: “todos os habitantes de tal bairro são criminosos; ocorrendo um delito, você, réu, se puder, demonstre o contrário.” Seria, também, algo como a verdade sabida, fato dado como certo independentemente de qualquer comprovação, quer dele mesmo, quer de algum fato antecedente a ele relacionado. Isso faz lembrar o obscurantismo da inquisição.

Nesse sentido, tal “prova” não pode ser mesmo admitida no processo penal, porque não fundada em qualquer base lógica, aliás não é prova, é preconceito, como se disse. Não há, portanto, discordância a respeito.

Todavia, se se entender a prova prima facie como aquela que, baseada em fato demonstrado pertinente à infração penal, leva, em caráter imediato, à conclusão de culpabilidade, economizando etapas no raciocínio do juiz, então pode ser, em tese, admitida, como, por exemplo: “quem dirige embriagado é culpado pelo acidente a que deu causa”. Mas sem prejuízo de se poder verificar se o raciocínio, in genere e no caso concreto, está correto.

Das formulações de BETTIOL e das observações feitas são extraídas as seguintes conclusões:

– indício é uma circunstância de fato que não corresponde à elementar da infração, à autoria ou à excludente. Ela, em si mesma, não tem significado, porque indício é fato; meio de prova é o instrumento que o traz aos autos;

– presunção é a ligação lógica entre um fato antecedente e um fato conseqüente, feita pela lei, por regra de experiência técnica ou por regra de experiência comum;

– aplicada a regra, a partir da comprovação de um ou mais indícios, dá-se como demonstrado um outro fato que é aquele que a lei de direito material considera relevante para produzir determinada conseqüência jurídica.

4. O esquema a seguir apresentado ilustra o processo mental do juiz na apreciação da prova.

O “FATO” aí indicado é o fato que a lei considera delituoso, mais a autoria, e cuja conseqüência jurídica é a procedência da ação penal.

O mesmo “FATO” pode ser uma excludente, cuja existência levaria à absolvição.

Se não é possível a realização de prova direta do “FATO”, é admissível a prova indireta, consistente na prova de outros fatos, os indícios, que levam à convicção da existência daquele.

O processo mental atua da seguinte maneira.

Em primeiro lugar o juiz dá, ou não, como comprovado o fato (ou o FATO). Se a resposta é negativa, cessa a atividade intelectual e aplicam-se as regras sobre o ônus da prova expostas no capítulo anterior.

Se é positiva quanto ao FATO, porque há prova direta, o juiz aplica a conseqüência jurídica prevista na lei de direito material para a hipótese.

Se é positiva quanto a fatos (indícios) que não são os previstos na lei, o juiz concluirá a respeito dos últimos se houver alguma regra legal, de experiência técnica ou de experiência comum que induza essa convicção.

Observe-se, ainda, que, para chegar ao FATO, o raciocínio do juiz pode valer-se de fatos que se ligam a outros fatos, sendo que somente estes é que levam à conclusão a respeito do FATO. Pode haver indícios, portanto, de segundo grau, mas a segurança da conclusão não fica comprometida se as duas (ou mais) conclusões estão baseadas em regras idôneas.

O Código de Processo Penal refere, nesse processo intelectual, um raciocínio indutivo (art. 239). Todavia, o raciocínio feito pelo juiz no ato de aplicar a lei no caso concreto é dedutivo e não indutivo. A indução (raciocínio que, a partir de fatos isolados, leva à formulação de uma regra), no caso, é feita fora da ação penal sob julgamento do juiz, é feita pela observação do que acontece ordinariamente na convivência social e do conhecimento da psicologia humana, de modo que, ao julgar a causa, o juiz já tem a regra definida em sua consciência. É óbvio que, nessa oportunidade, o juiz pode (talvez até devesse) repensá-la e aferir sua pertinência, mas, de qualquer modo, o seu reconhecimento não depende do fato sub judice, mas de outros, estranhos ao processo. Ao aplicar a regra no caso sob seu julgamento, portanto, o raciocínio do juiz é dedutivo, ou seja, da regra geral já formulada chega-se a alguma conclusão na hipótese concreta.

Esse, portanto, em resumo, o desenvolvimento do processo de convencimento do juiz: primeiro dá, ou não, como admitidos fatos tendo em vista a credibilidade dos meios de prova; em seguida, se necessário, conclui pela existência de outros fatos, mediante a aplicação de regras legais, da experiência técnica ou da experiência comum. Estas regras geram presunções, que impõem, ou não, o reconhecimento do fato conseqüente em virtude de sua maior ou menor credibilidade, ou, no primeiro caso (presunção legal), da flexibilidade quanto à contraprova admitida pela lei. Indícios e presunções, portanto, não se confundem com os meios de prova, porque os primeiros são fatos e as segundas, a conseqüência decorrente da existência de uma regra ligando-os a outros fatos, ao passo que meios de prova são os instrumentos ou mecanismos, previstos pela lei ou admitidos pela cultura do processo moderno, que trazem os fatos aos autos. Por essa razão é que a confissão não é meio de prova, é a própria prova ou elemento do prova; meio de prova é o interrogatório ou outro ato em que é produzida.

Cabe, finalmente, fazer duas ponderações:

-o grau de certeza quanto ao FATO não depende de ter sido ele demonstrado por prova direta ou se a ele se chegou mediante a prova de indícios e a aplicação de regras legais ou da experiência técnica ou comum. Depende da credibilidade do meio, primeiramente, e, depois, da credibilidade da regra, de modo que é muito comum chegar-se a convicção mais segura por intermédio de prova decorrente de indícios do que pela prova direta, isso se a regra aplicada tiver alto grau de segurança. Assim, o juiz pode estar mais seguro quanto à ocorrência de um incêndio e suas causas em virtude da análise técnica de seus vestígios (indícios) do que em virtude da prova testemunhal direta ou da confissão. É falsa, portanto, a idéia de que a prova a partir de indícios seja perigosa ou duvidosa por sua natureza. Será duvidosa ou perigosa se a regra que se aplicar não for segura, não for consistente, ou então se for preconceituosa porque desapoiada da realidade das coisas, do que ordinariamente acontece e da psicologia humana.

Não se pretende, com o esquema acima apresentado e com esta análise do raciocínio do juiz e sua decomposição, reduzi-lo a uma fórmula simplista, não se olvidando da sua complexidade e, também, da interferência da emoção, mas não duvidamos de sua contribuição para a análise fenomenológica ou eidética do processo de convencimento, na busca de seu essencial. Não apenas, porém, no plano abstrato ou teórico, mas no da atuação prática da fundamentação das sentenças e sua crítica, especialmente no julgamento de delitos, em que os elementos de natureza subjetiva são os mais importantes.


Nesse contexto, se a “prova” de um fato indiciário não puder ser considerada, não pode fazer parte da fundamentação da sentença e da convicção formal do juiz, ainda que tenha o juiz sua convicção íntima diferente.

Já no inciso I, da artigo 2º, da Lei nº 9.296/96, está prescrito que não será admitida a interceptação telefônica quando não houver indícios razóaveis da autoria e da participação em infração penal. Em se tratando de um procedimento cautelar, tem-se esses indícios razoáveis como o “fumus boni iuris”, ao passo que o “periculum in mora” é representado pela urgência da adoção de tal medida, sob pena de se perder a prova pretendida. Quando se fala em indícios razoáveis, entende-se que são exigidos elementos razoáveis para que seja admitida a instauração daquele incidente processual. Desse modo, não bastam a mera suspeita ou fantasia, o espírito de emulação, para que seja autorizada a interceptação telefônica, sendo necessários elementos consistentes, em termos objetivos, da prática ilícita que está sendo ventilada. Por isso, é inadmissível um pedido de interceptação telefônica baseado em denúncia anônima, em termo de depoimento que a própria autoridade policial que requereu a medida colheu fora dos autos de um procedimento criminal regularmente instaurado. Caso contrário, estar-se-ia subvertendo o espírito da própria lei, em cujo inciso II, do artigo 2º, daquela lei, firmou-se o critério da estrita necessidade (“ultima ratio”), ao estabelecer que é preciso demonstrar cabalmente a necessidade daquela medida para a investigação da prática delituosa. Além disso, na decisão que proferir após a análise do pedido formulado, o juiz deverá demonstrar a presença desses requisitos legais na esteira do que dispõem o inciso IX, do artigo 93, da Constituição Federal, e o artigo 5º, da Lei nº 9.296/96, sob pena do ato decisório autorizador da medida, bem como daqueles que posteriormente forem praticados, serem acobertados por nulidade absoluta. No caso em testilha, verifica-se que o magistrado federal transcreveu, “ipsis litteris”, a quota ministerial na decisão que proferiu, autorizando a interceptação telefônica, mas, sem se ater à exigência de demonstração dos indícios razoáveis da prática de infração penal. Aliás, na própria quota ministerial, o procurador da república critica a exigência contida no texto legal citado, admitindo que faltaria tal requisito no pedido apresentado pela autoridade policial.

III- A ISONOMIA NA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PUBLICO E DO JUDICIÁRIO.

Parece que se esqueceu no Brasil que o Ministério Público e o Poder Judiciário são órgãos do Estado e como tais devem respeitar os princípios constitucionais que regem as relações entre o Estado e as pessoas, entre os quais encontra-se em posição de destaque a impessoalidade e o tratamento isônomo das questões.

Assim o Ministério Público não pode “escolher” os réus ou o juiz não pode decidir diferentemente por razões pessoais ou íntimas.

Como é indiscutível, o princípio da igualdade consiste em se dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.

É o que preleciona JOSÉ CRETELLA JUNIOR, em “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, ed. Forense Universitária, vol. I, p. 179, citando o jurista português Marnoco e Souza:

“Em paridade de condições, ninguém pode ser tratado excepcionalmente, e, por isso, o direito de igualdade não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais por parte de cada um”.

E também MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, em “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, ed. Saraiva, 1990, vol. 1, p. 27:

“A justiça que reclama tratamento igual para os desiguais pressupõe tratamento desigual dos desiguais.”

E ainda, SEABRA FAGUNDES, em “O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder Legislativo”, (RT 235/3):

“O legislador, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades.”

Essa regra, ademais, não é restrita ao Estado-Administração nem somente concerne aos direitos fundamentais do homem. Aplica-se a todas as relações humanas, quer com o Poder Público, quer entre particulares, como lapidarmente consignou o Tribunal de Justiça de São Paulo, em Acórdão do Segundo Grupo de Câmaras, em Revista dos Tribunais 409/167.

Aplica-se, portanto, à intervenção administrativa ou legal no domínio econômico.

Por outro lado, explica JOSÉ AFONSO DA SILVA, (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 191):


“Entre nós, essa distinção (entre igualdade perante a lei e igualdade na lei) é desnecessária, porque a doutrina e a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem sentido que, no estrangeiro, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei.”

Não é outro o entendimento de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, (“O conteúdo jurídico do princípio da igualdade”, ed. Revista dos Tribunais, 1984, p. 13).

Tais conceitos, verdadeiros princípios gerais de direito, encontram suas raízes na chamada justiça distributiva de Aristoteles, como explica GIORGIO DEL VECCHIO, em “Lições de Filosofia do Direito”, trad. de Antonio José Brandão, Coimbra, 1959, p. 54 e segs. e são da essência da ordem jurídica e das relações humanas.

Assim, temos que o princípio constitucional da igualdade, consagrado expressamente no art. 5º “caput” e no seu inciso I:

a)Impõe o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.

b)Aplica-se a todas as relações humanas.

c)Dirige-se, cogentemente, ao legislador e ao aplicador.

E como é cediço, o Ministério Público pode excluir algum dos co-autores ou partícipes da denúncia, mas, desde que mediante prévia justificação. Trata-se do princípio da divisibilidade da ação penal, que tem aceitação pelo Excelso Supremo Tribunal Federal. No entanto, haverá abuso de poder quando o Ministério Público atuar com larga discricionariedade e com as opções de acusar ou não; acusando, mas, escolhendo por qual crime e permitindo que sejam tomadas medidas nitidamente coercitivas para obtenção de confissão ou de colaboração (delação premiada). Entende-se que há uma persecução seletiva quando o tratamento ao imputado é diverso daquele dispensado a outras pessoas em idêntica situação ou quando se funda em circunstâncias ilegítimas. Pois bem, tem-se notícia no caso sob exame que não foi requerida a prisão preventiva de dois dos três magistrados federais que foram denunciados, bem como de um dos delegados federais envolvidos, que, se forem condenados, estarão sujeitos a uma pena agravada nos termos do artigo 61, inciso II, alínea “g”, do Código Penal. Sabe-se, outrossim, que outras pessoas que tiveram conversações telefônicas interceptadas, revelando terem incorrido em possíveis infrações penais, acabaram não sendo denunciadas criminalmente, podendo-se citar dois ex-delegados de polícia e um delegado federal aposentado. É inaceitável tais fatos à luz do princípio da isonomia que garante aos acusados de serem tratados igualitariamente, na medida de suas igualdades e, desigualmente, na proporção de suas desigualdades. Como disse uma vez o Ministro Carlos Velloso, em brilhante voto que proferiu, “Lembro-me de que, no antigo Tribunal Federal de Recursos, um dos seus mais eminentes membros costumava afirmar que ‘o erro do juiz o tribunal pode corrigir, mas quem corrigirá o erro do Ministério Público?’. Há órgãos e órgãos do Ministério Público, que agem individualmente, alguns até, comprometidos com o poder político. O que não poderia ocorrer, indago, com o direito de muitos, por esses Brasis, se o direito das pessoas ao sigilo bancário pudesse ser quebrado sem maior cautela, sem a inferência da autoridade judiciária, por representantes do Ministério Público, que agem individualmente, fora do devido processo legal e que não têm os seus atos controlados mediante recursos” (STF, RE 215.301/CE, DJ 28.5.1999, p. 24).

IV- A PROVA EMPRESTADA E A INDISPONIBILIDADE DE BENS.

Outra questão, ainda, é pertinente:

Poderia a prova obtida com a interceptação legalmente realizada para fins de investigação criminal servir em processo civil como prova emprestada?

A resposta é negativa, porque, no caso, os parâmetros constitucionais são limitativos. A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução processual penal, é, também, a finalidade da prova e somente nessa sede pode ser utilizada. Em termos práticos, não poderá a prova obtida ser utilizada em ação autônoma, por exemplo de indenização, ação civil pública, relativa a direito de família etc. Não haverá impedimento, contudo, de execução civil da sentença penal condenatória fundada naquela prova para a reparação do dano, porque nesse processo não mais será discutida ou examinada.

Com esta orientação, decidiu o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em V. Acórdão assim prolatado:

“PENAL. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO E INSTRUÇÃO CRIMINAL. UTILIZAÇÃO DAS TRANSCRIÇÕES EM PROCEDIMENTOS DIVERSOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PROTEÇÃO À INTIMIDADE.

1. A legislação pertinente (art. 5º, XII, da CF/88 e Lei nº 9.296/96) autoriza as interceptações telefônicas estritamente para fins penais. 2. Configurando a quebra do sigilo das comunicações uma exceção à regra da proteção da intimidade do indivíduo, revela-se incabível lançar mão de interpretação extensiva para autorizar o aproveitamento do conteúdo das aludidas interceptações em procedimento diverso da esfera penal. 3. Segurança denegada.

(…)

VOTO

DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO – Ao apreciar a medida de urgência proferi decisão exarada nos seguintes termos (fls. 106/108):

‘Com efeito, a CF/88 no art. 5º, inciso XII, dispõe expressamente que as interceptações telefônicas serão autorizadas para fins de investigação criminal e instrução processual penal, verbis: ‘É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal’. Da mesma forma, está escrito na Lei nº 9.296/96: Art. 1º. ‘A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça’. Art. 8º ‘A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas’. Art. 10. ‘Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei’. A par disso, doutrina abalizada entende não ser possível a utilização do conteúdo das interceptações em procedimento diverso daquele para o qual foi autorizada, ainda que pena, uma vez que a regra é o sigilo das comunicações (proteção à intimidade) como direito individual. Dentre outros, essa é a inteligência de Vicente Greco Filho, Luiz Francisco Torquato Avolio, Antônio Magalhães Gomes Filho e Luiz Flávio Gomes. A propósito, confira-se o pensamento deste último jurista: ‘Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser ‘emprestada’ (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito. O Min. Luiz V. Cernicchiaro vai mais longe: é uma prova imprestável para qualquer outro inquérito ou processo. Urge o respeito à vontade do constituinte (‘fins criminais’). ao permitir a interceptação, como quebra que é do sigilo das comunicações, somente para ´fins crimnais’, já fazia uso da ponderação e da proporcionalidade, que agora não pode ser ampliada na prática. Impõe-se, por último, acrescentar: essa prova criminal deve permanecer em ‘segredo de justiça’. É inconciliável o empréstimo de prova com o segredo de justiça assegurado no art. 1º’ (in Interceptações Telefônicas, RT, 1997). Nesse contexto, como não se evidencia, de plano, a procedência da tese sustentada na inicial, resta prematuro – sem análise da quaestio pela Turma – o deferimento da medida de urgência. Ademais, o acatamento do pedido nesta quadra preambular, nos termos requeridos, tornaria satisfativa a medida pleiteada, o que levaria à inocuidade qualquer manifestação posterior por parte do Colegiado’.

Completando esse decisum, cumpre frisar inexistir previsão legal acerca da utilização das interceptações além da esfera penal. Ademais, tratando-se o art. 5º, XII, da CF/88, de exceção à regra do segredo das comunicações (proteção à intimidade), há que ser interpretado restritivamente, sob pena de violação não autorizada à garantia individual.

A propósito, vejam-se os ensinamentos de Carlos Maximiliano em ‘Hermenêutica e Aplicação do Direito’, verbis:

(…) hoje as palavras extensiva e restritiva, ou, melhor, estrita, não mais indicam o critério fundamental da exegese, nem se referem a processos aconselháveis para descobrir o sentido e alcance de um preceito; exprimem o efeito conseguido, o resultado a que chegará o investigador empenhado em atingir o conteúdo verdadeiro e integral da norma (…). Em regra, é estrita a interpretação das leis excepcionais, das fiscais e das punitivas (…). (págs. 198 e 205).

Luiz Francisco Torquato Avolio (in ‘Provas Ilícitas – interceptações telefônicas e gravações clandestinas’, 2ª ed., RT, São Paulo, 1999) salienta que a utilização do resultado probatório em outro processo, além da esfera penal, tornaria igualmente sem sentido a previsão da necessidade de provimento motivado pelo juiz, o qual se traduziria numa espécie de ‘autorização em branco’. O citado doutrinador assevera:

A interceptação, ainda que autorizada judicialmente, limita-se à investigação criminal e instrução processual, nos casos e na forma que a lei atualmente disciplina (art. 5º, XII, da CF).

A propósito, a Des. Federal Tânia Terezinha Cardoso Escobar, em artigo publicado sobre o tema (in Revista TRF – 4ª Região, ano 7, número 25, pp. 173/190) ponderou:

‘Observo, ainda, que em momento algum permite a lei utilização do resultado das diligências em outro processo, ou seja, só pode ser utilizada como prova no processo penal para o qual foi colhida’.

Luiz Flávio Gomes, com a costumeira autoridade, leciona no mesmo sentido. Veja-se:

‘O meio probatório que resulta da interceptação, entretanto, não pode ser utilizado em qualquer procedimento ou processo. A Lei 9.296/96, repetindo o texto constitucional, delimitou o uso desse meio probatório, que só vale para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. É discutível sua validade para fins outros, ainda que criminais. (…) No nosso ius positium, em suma, só se admite interceptação pós-delitual. E a finalidade última dessa medida cautelar tem que ser a investigação criminal (ou instrução penal). Não é possível, conseqüentemente, interceptação para fins civis, comerciais, industriais, administrativos, fiscais, políticos, etc. Nem sequer para investigação que envolva direitos difusos (coletivos). Não cabe interpretação em ação civil pública, ação de enriquecimento ilícito, etc. E poderia a prova obtida dentro de uma investigação criminal ou instrução penal ser utilizada em outro processo (civil, administrativo, constitucional, etc.)? Pode haver prova emprestada nessa hipótese? Nelson Nery Júnior responde afirmativamente. Nosso pensamento, no entanto, é divergente. O legislador constitucional ao delimitar a interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base valores envolvidos num e noutro processo. Não se pode esquecer que a proporcionalidade está presente (deve estar, ao menos) na atividade do legislador (feitura da lei), do Juiz (determinação da medida) e do executor (que não pode abusar). Estando em jogo liberdades constitucionais (direito ao sigilo das comunicações frente a outros direitos ou interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse (criminal) em detrimento daquele. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha, fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense’ (in Interceptações Telefônicas, RT, 1997).

Por fim, peço vênia para excerto das informações prestadas, onde a MMa. Juíza impetrada acertadamente registra que:

(…) o preceito constitucional, bem assim a disposição legal permite tão-só o uso dessa prova na instrução processual penal, inexistindo menção acerca de procedimento administrativo. Desta feita, inexistindo referência à utilização desse elemento de prova no âmbito administrativo, pode-se concluir, a partir da interpretação restritiva, que o constituinte ao tratar dessa invasão na seara dos direitos fundamentais do cidadão o fez de modo excepcional, visando apenas a sua utilização para fins de investigação criminal ou instrução processual. Inequivocamente, trata-se de exceção, razão pela qual entende que o legislador não pretendeu o empréstimo dessa prova para instrução de processo disciplinar, mesmo quando produzida em consonância com as determinações legais. (…) Também não merece guarida a alegação de que se a prova foi produzida de acordo com a legislação pertinente, tratando-se de prova legítima e lícita, poderia ser emprestada para o âmbito administrativo, porquanto dos preceitos constitucionais e legais consta expressamente para quais fins a interceptação telefônica pode ser utilizada, o que, de modo inequívoco, ilide a possibilidade de sua utilização na esfera administrativa como prova emprestada. (…) É preciso destacar, nesse passo, que este Juízo, ao indeferir a utilização da prova em comento, apenas o fez em estrita observância ao preceito constitucional aplicável à espécie, utilizando-se para tanto, do método restritivo de interpretação do texto constitucional insculpido no inciso XII do artigo 5º da Carta Política Brasileira. Na lição de Luís Roberto Barroso, em sua obra Interpretação e Aplicação da Constituição, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1998, pg. 114, ‘nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a dificuldade de determinar se, na espécie, deve-se passar além ou ficar aquém do que as palavras parecem indicar’. Assim, cumpre ao operador do direito perquirir se o ‘legislador disse mais do que queria dizer ou dizer menos, quando queria dizer mais. No primeiro, impõe-se uma interpretação restritiva (ou estrita), onde a expressão literal da norma precisa ser limitada para exprimir seu verdadeiro sentido’. (Ob. cit., pg. 114). Segundo o insigne professor e sua respectiva obra outrora citados, ‘a doutrina, de forma casuística, procura catalogar as hipóteses de interpretação restritiva e extensiva. Há de existir certo consenso de que se interpretam restritivamente as normas que instituem as regras gerais, as que estabelecem benefícios, as punitivas em geral e as de natureza fiscal’ (Ob. cit., pgs. 114/115). Feitas essas considerações, impede salientar que a norma estatuída no inciso XII do artigo 5º da Constituição da República de 1988 constitui verdadeira exceção à garantia do sigilo das comunicações telefônicas e, como tal, deve ser interpretada de forma restritiva, na forma expendida no decisório contra o qual pesa esse mandamus. Nesse sentido, é o escólio do Prof. José Afonso da Silva, in verbis: ‘abriu-se excepcional possibilidade de interceptar comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Vê-se que, mesmo na exceção, a Constituição ordenou regras estritas de garantias, para que não se a use para abuso’ (Curso de Direito Constitucional Positivo, 7ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1991, págs. 377-78). Assim, partindo da premissa que o constituinte excepcionou a regra insculpida no inciso supramencionado tão-só para admitir a violação do sigilo das comunicações telefônicas, mediante ordem judicial, para fins específicos e expressos – investigação criminal ou investigação processual penal, preferindo não deixar que a lei assim dispusesse, a exemplo do que permitiu em relação aos demais elementos que compõem a exceção, como as hipóteses e a forma da quebra desse sigilo, é de se concluir que a utilização emprestada da prova produzida com base nessa exceção para fins diversos, feriria o preceito constitucional ao passo que representaria, inequivocamente, uma manobra pela qual se estaria desviando a própria exceção estabelecida pela Carta da República, sob o falível argumento do interesse público. Mister ressaltar que a falibilidade desse argumento do i. impetrante, nesse ponto, especificamente, repousa no fato de que a exceção constitucional aludida encontra seus fundamentos justamente no interesse público (ordem pública e persecução criminal) que, diante do princípio da proporcionalidade, sobrepõe-se em relação ao direito individual de intimidade. Então, se o próprio constituinte regrou a exceção à inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, expressamente estabelecendo os únicos fins para os quais poderá ser decretada a quebra de sigilo, é certo que entendeu que o interesse público somente tem o condão de embasar essas duas finalidades. Em outras palavras, o interesse público só autoriza a violação da regra constitucional para dois fins – investigação criminal ou instrução processual penal. Estender a aplicabilidade da norma em comento, para fazer uso das interceptações telefônicas (ainda que tenham sido autorizadas para os fins previstos na Carta Magna), como prova emprestada em outras searas do direito (que não a penal), sob o mascarado fundamento do interesse público, faria letra morta a própria exceção constitucional. A utilização da interceptação telefônica para os fins colimados pelo impetrante, na qualidade de prova emprestada, seria a exceção da exceção e, nesse sentido, acertado é concluir que, aquilo que excepciona essa regra constitucional, certamente contrai o vício da inconstitucionalidade, o qual esta juíza, em seu decisório, procurou afastar’. (fls. 120/122).

Assim, considerando a ausência de previsão legal para uso das interceptações telefônicas em procedimento diverso do criminal para o qual foram autorizadas, bem como a impossibilidade de se lançar mão de interpretação extensiva em se tratando de restrição ao gozo de garantia individual devem ser mantidas as decisões de primeiro grau.

Pelo exposto denego a segurança” (Colenda Oitava Turma, Mandado de Segurança nº 2003.04.01.020230-5/PR, v.u., j. em 6.8.2003, relator o Desembargador Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO).


Quanto à indisponibilidade de bens, instituto introduzido no Brasil pela Lei nº 6.024, tem sido aplicada em ações civis públicas de maneira abusiva e inconstitucional.

Tem sido decretada a indisponibilidade total de bens sem qualquer proporcionalidade com o eventual dano. Trata-se de medida que fere o princípio constitucional do devido processo legal, de que ninguém pode ser privado de sua liberdade ou seus bens sem o devido processo legal. A indisponibilidade, medida violentíssima que impediria, até, a sobrevivência não pode ser admitida a não ser a partir de uma estimativa do dano correspondente à estimativa do patrimônio a ser bloqueado.

A indisponibilidade total e sem proporpocionalidade ao eventual prejuízo, “data venia” é manifestamente inconstitucional.

No mesmo sentido o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO – SEQÜESTRO DE BEM ADQUIRIDO ANTES DO ATO ILÍCITO – IMPOSSIBILIDADE.

Tem o Ministério´Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário.

A Lei nº 8.429/92, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso.

Recurso parcialmente provido.

(…)

A Lei nº 8.429/92, que tem caráter geral não pode ser aplicada retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso. Seu artigo 7º, parágrafo único, diz claramente que a indisponibilidade só atinge os bens adquiridos ilicitamente, só podendo ser arrestados ou seqüestrados os bens resultantes de enriquecimento ilícito. É claro que não podem ser atingidos pela constrição judicial os bens adquiridos licitamente, antes da vigência da citada norma legal que, em seu artigo 16, estabelece que, havendo fundados indícios de responsabilidade, pode ser requerida ao juiz a decretação do seqüestro dos bens do agente que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

A Egrégia Segunda Turma, no Recurso em Mandado de Segurança nº 6.182-DF, relator, Ministro Hélio Mosimann e relator para acórdão, Ministro Adhemar Maciel, julgado no dia 20.02.97, DJ de 1º.12.97, decidiu que:

‘A Lei nº 8.429/91, em seu art. 16, caput e § 1º, fala em ‘sequestro’, remontando expressamente ao art. 822 e 825 do CPC. No caso concreto, não há que se falar na sua retroatividade, pois já existiam outras normas dispondo sobre malversação de dinheiro público. Força é reconhecer, todavia, que somente os bens adquiridos a partir dos fatos criminosos é que se acham sujeitos a seqüestro, não os anteriores’.

Dou parcial provimento ao recurso para determinar que o arresto ou seqüestro (indisponibilidade) só podem atingir os bens adquiridos após o fato tido como criminoso” (Colenda Primeira Turma, Recurso Especial nº 196.932-SP, v.u., j. em 18.3.1999, relator o Ministro GARCIA VIEIRA).

V- COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA E CONEXÃO. IMPEDIMENTO DO JUIZ INSTRUTOR.

É expresso o Código de Processo Penal no sentido de que no caso de conexão ou continência, havendo réu com prerrogativa de função, prevalece a jurisdição de maior hierarquia, de modo que, havendo a possível participação de magistrado no eventual crime, imediatamente juiz de primeiro grau revela-se incompetência, em caráter absoluto, para qualquer ato processual ou pré-processual.

O procedimento de interceptação é de natureza cautelar, sendo sua finalidade a produção de prova processual penal, e os requisitos para sua autorização constituem os seus pressupostos específicos, que se enquadram nos conceitos genéricos de fumus boni iuris e periculum in mora e como a competência é do juiz da causa, é do Tribunal de maior hierarquia havendo possível envolvido com prerrogativa de função.

Em qualquer caso (determinação de ofício ou a requerimento) deverá ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a identificação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

O pedido de interceptação deverá conter a demonstração de sua necessidade e dos pressupostos de sua licitude, com a indicação dos meios a serem empregados.

A decisão do magistrado, a ser tomada no prazo máximo de 24 horas, deverá obrigatoriamente ser fundamentada sob pena de nulidade e deverá indicar a forma de execução da diligência, que não poderá exceder de 15 dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. A lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo.


Quanto à fundamentação, valem as observações feitas pela doutrina e jurisprudência quanto ao quanto ao decreto de prisão preventiva, ou seja, não pode ser genérica ou apenas repetir as palavras da lei, mas deve basear-se em argumentos fáticos específicos do caso.

Finalmente há que se considerar o fato absolutamente inusitado de juiz que presidir o inquérito vir a ser o Relator do processo criminal.

O impedimento é evidente.

O Supremo Tribunal Federal tem veementemente afastado a possibilidade de a mesma pessoa vir a exercer diversas funções no processo criminal, como por exemplo com a edição da Súmula 361:

“No processo penal, é nulo o exame realizada por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão”

Ou também com a orientação de que, no flagrante, o condutor não pode ser o escrivão “ad hoc”.

Trata-se de impedimento implícito no sistema da garantia de imparcialidade do juiz. O contrário seria admitir-se que o Delegado de Polícia que presidiu o inquérito policial viesse a julgar o seguinte processo criminal em se tornando juiz.

Poder-se-ia argumentar que no processo falimentar o mesmo juiz que preside o inquérito judicial pode vir a julgar o processo criminal, como acontece no Estado de São Paulo. Contudo, além de o sistema não ter sido questionado sob esse aspecto, trata-se de norma especial, inexistindo regra análoga na Lei Orgânica da Magistratura que prevê o inquérito judicial para os crimes de competência originária eventualmente praticados por magistrados.

RESPOSTA À CONSULTA

Com isso é possível passar à resposta das indagações:

Quesito 1.– É válida a determinação de interceptação telefônica se não for comprovado que a prova pretendida pela autoridade requerente poderia ser obtida por outros meios de busca de prova?

R. A interceptação telefônica é uma exceção à regra constitucional do sigilo das telecomunicações e ao princípio do direito à privacidade e ao que se denomina a esfera intangível da pessoa e que, na atualidade tem sido constantemente violada, infelizmente inclusive por decisão judicial. A fundada suspeita que justificaria a interceptação tem, como o nome diz, que ter elementos suficientes de convicção, nos mesmos moldes da justa causa para a ação penal ou os elementos suficientes para a pronúncia. Não pode ser determinada, sob pena de nulidade, sobre linhas telefônicas em relação às quais não haja justificativa fundada.

Quesito 2.– Considerando que consta expressamente no “Relatório Parcial de Inteligência – Auto Circunstanciado 10” informação sobre o envolvimento do Co-Réu CASEM MAZLOUM em prática tida como delituosa, mais propriamente em interceptação telefônica ilícita, e que tal pessoa era, à época dos fatos, magistrado federal lotado à Justiça Federal da 3ª (Terceira) Região, indaga-se se o Juiz da 4ª Vara Federal, da Seção Judiciária de Maceió, Estado de Alagoas, SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES, poderia ter autorizado a continuidade dos trabalhos de interceptação telefônica, como de fato acabou ocorrendo na mencionada decisão proferida nos autos do Procedimento Criminal nº 2003.03.00.048044-6. Houve violação ao princípio do juiz natural, nos termos do inciso LIII, do artigo 5º, da Constituição da República, bem como à regra prescrita no artigo 1º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996? Em caso afirmativo, indaga-se quais seriam as conseqüências legais da inobservância daqueles dispositivos legais, particularmente que concerne à instauração da Ação Penal nº 128-SP, com base exclusivamente na prova obtida a partir de interceptação telefônica?

R. A partir do momento em que se passou a investigar atuação de juiz de direito, revelou-se a incompetência hieráquica absoluta do juiz de primeiro grau, eis que a Lei de Interceptação atribui competência para aquela ao juiz da causa. Mas essa incompetência não se refere apenas aos atos posteriores ao conhecimento do juiz que teria determinado a providência anterior mas a todos os atos anteriormente decididos, de modo que são nulos os atos praticados pelo juiz de primeiro grau, aplicando-se a norma constitucional de impossibilidade de utilização da prova obtida por meio ilícito.

Quesito 3.– Indaga-se se é obrigatória a degravação oficial das conversas telefônicas interceptadas tidas como pertinentes, após terem sido consultadas tanto a acusação como a defesa, isto é, que seja determinada a realização do trabalho de transcrição por peritos que integram o corpo de técnicos especializados que incumbe ao Estado de organizar, em vista do que dispõe § 1º, do artigo 6º, da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, e o artigo 158, do Código de Processo Penal, que estabelece que o exame de corpo de delito constitui elemento imprescindível nos crimes que deixam vestígios, sendo prova essencial e obrigatória, não suprimível por qualquer outra? Em outras palavras, a prova documental que se exige para garantir a força probante das conversações telefônicas interceptadas deve ser feita impreterivelmente mediante a realização de uma perícia oficial ou se tal prova pode ser substituída pelo conjunto formado pelo depoimento da autoridade policial que efetuou a interceptação, pelos relatórios circunstanciais que foram produzidos e pela “transcrição digitalizada das conversas telefônicas interceptadas”?


R. A transcrição integral das gravações é essencial à consideração das peças como provas, não somente porque transcrições parciais podem dar a entender situações e fatos diferentes, mas também porque não representam a realidade do aparentemente revelado. Ademais, a transcrição integral é o corpo do delito e deve ser objeto de perícia oficial; não pode ser parcial, “censurado” ou “escolhido”, sob pena de violação da exigência legal do exame de corpo do delito com a conseqüência de nulidade do processo.

Quesito4.– Pergunta-se se as conversações que foram objeto de interceptação telefônica constituem prova suficiente para a condenação de alguém ou se é necessária, ainda, sua confirmação por outros meios de busca de prova disponíveis.

R. A nulidade da alegada prova torna-a inútil para qualquer decisão condenatória, que deverá, necessariamente, fundamentar-se em outras prova suficientes, ainda que o juiz tenha sua convicção íntima em contrário a respeito.

Quesito 5.– A prova produzida a partir da interceptação telefônica, bem como as provas que dela são derivadas, como, por exemplo, os documentos recolhidos a partir de busca e apreensão determinada com base nos relatórios circunstanciais produzidos pela autoridade policial, podem ser utilizadas como prova emprestada em ação indenizatória posteriormente ajuizada contra o réu? Se for ajuizada uma eventual ação indenizatória enquanto estiver pendente de julgamento a ação penal, é válido o bloqueio da integralidade dos bens que integram o acervo patrimonial do réu, para garantir o ressarcimento de danos que ainda são ilíquidos, isto é, que não foram quantificados na inicial e que dependeriam do julgamento transitado em julgado da ação penal?

R. Não quanto à primeira indagação. A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução processual penal, é, também, a finalidade da prova e somente nessa sede pode ser utilizada, conforme dispõe o texto constitucional, abrangendo, também as provas dela derivadas. Em termos práticos, não poderá a prova obtida ser utilizada em ação autônoma, por exemplo de indenização, ação civil pública, relativa a direito de família etc.

Quanto à segunda indagação, o bloqueio de bens tem sido providência abusiva e de violência de poder, porque não determinada e nem quantificada. Trata-se de violação do devido processo legal, direito a que tem toda a pessoa de não ser privada de sua liberdade (entenda-se liberdades) e de seus bens sem o devido processo legal. Trata-se de medida que repete o nazismo, o fascismo e outros sistemas autoritários detestáveis.

Quesito 6.– Na esteira do princípio constitucional da isonomia, é aceitável que seja determinada a prisão temporária e, posteriormente, a prisão preventiva de apenas alguns dos co-réus, deixando-se livres outros que, inclusive, estiverem respondendo por outras acusações, e mais graves, em procedimentos criminais correlatos?

R. A questão depende da análise da prova dos autos, mas não há dúvida de que, em situações iguais as providências devem ser iguais, porque o princípio da igualdade também de aplica ao Ministério Público e à Magistratura.

Quesito 7.– Considerando que a Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA figurou como presidente do Inquérito Judicial nº 533-SP, e, posteriormente, como relatora nos autos da Ação Penal nº 128-SP, pergunta-se se é permitido esse acúmulo de funções, bem como quais são as conseqüências legais da inobservância da garantia do devido processo legal que sugere o julgamento por um juízo competente e imparcial? A esse respeito, indaga-se qual é o posicionamento jurisprudencial que atualmente prevalece no Supremo Tribunal Federal.

R. O impedimento é absoluto. No inquérito de preparação da ação penal de competência originária contra juiz, o desembargador que o preside exerce as funções de autoridade policial. É absurdo pensar que a autoridade policial pudesse julgar o caso que investigou. A atividade inquisitiva deve estar separada da atividade de julgamento, de modo que todas as decisões da digna Relatora são nulas por impedimento, uma vez que não poderia participar como julgadora de processo em que figurou como investigadora. O Supremo Tribunal Federal mantém linha de entendimento no sentido, democrático e garantista, de impedir que a mesma pessoa exerça funções sucessivas no processo, como por exemplo não admitindo que aquele que participe do flagrante faça a perícia ou que seja a mesma pessoa que lavre o flagrante, que o presida ou que o secretarie.

Quesito 8.– Considerando que está prescrito no artigo 207, do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª (Terceira) Região, que caberá agravo regimental contra algumas decisões do relator e tendo em vista o que dispõe a legislação infraconstitucional aplicável à espécie, indaga-se se não seria esse o recurso adequado para impugnar os atos praticados pelo relator na ação penal de competência original em desacordo com a lei, dentre os quais aquele que indefere o pedido de revogação de prisão preventiva ou o de produção de alguma prova requerida pela defesa?

R. Trata-se do recurso adequado. Decisões de Tribunais constitucionalmente tem de ser colegiados, de modo que decisões monocráticas sempre são recorríveis ao colegiado respectivo, porque jamais podem ser as finais ou definitivas.

Quesito 9.– Numa ação penal originária, qual seria a participação dos outros magistrados que compõem o órgão especial, de um determinado tribunal, em relação aos trabalhos desenvolvidos pelo relator sobretudo na fase de instrução processual?

R. Representam o segundo grau das decisões monocráticas, a partir da possibilidade essencial de recurso, especialmente considerando-se a já supressão de uma primeira instância.

São Paulo, 12 de julho de 2004

Vicente Greco Filho

Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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