Igreja X Justiça

Cartilha de arcebispo diz que Judiciário favorece a quem quiser

Autor

21 de setembro de 2004, 18h52

O arcebispo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Dom Dadeus Grings, decidiu partir para o ataque contra o Judiciário estadual. É o que se conclui ao ler a “Cartilha da Justiça”, distribuída aos fiéis este mês na Catedral Metropolitana da capital gaúcha. A informação é do site Espaço Vital.

Na cartilha, o arcebispo afirma que “nossos Órgãos Judiciários, em suas instâncias, são fundamentalistas e julgam sem visão de conjunto e sem atentar às normas do Bem Comum e da Justiça. Agem por vivissecção, para favorecer a quem quiserem”.

As críticas são provocadas por duas decisões judiciais. A primeira, uma liminar de dezembro de 2002 — cassada em seguida pelo Tribunal de Justiça gaúcho — que obrigava a igreja a fazer um casamento.

A segunda, uma decisão que condenou Grings a pagar indenização de 70 salários mínimos, mais 20% de honorários advocatícios sobre o valor da causa, para a juíza Andréia Terre do Amaral, que concedeu a polêmica liminar determinando a cerimônia.

Histórico

A controvérsia começou quando o padre José Brand, da igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro de Viamópolis, em Porto Alegre, se recusou a fazer o casamento de Jakson Ludwig com sua noiva. O motivo para a recusa foi o de que Ludwig ainda estaria casado.

O noivo entrou com ação contra o cancelamento do casamento e obteve liminar. A juíza entendeu que como ele estava separado de fato e corria na Justiça uma ação de separação, nada impedia a cerimônia religiosa.

A juíza decidiu: “Havendo processo tramitando, a demora na conclusão deste não pode ser oponível ao requerente de modo a lhe trazer prejuízo. Outrossim, já há cerimônia marcada e o deferimento da celebração ao final causará prejuízo irreparável à parte. Ainda, na analogia ao Cân. 1085 § 2, estando o requerente separado na esfera fática, faz jus à contratação de novas núpcias. Nesta perspectiva, defiro a liminar autorizando o requerente a casar-se e determinando à parte ré realize a cerimônia, pena de multa de R$ 5.000,00”.

A igreja recorreu. O Tribunal de Justiça gaúcho cassou a determinação e o arcebispo Grings escreveu artigo no jornal local sobre o fato. Ele ressaltou, entre outras coisas, a ignorância da juíza que concedeu a liminar.

A juíza entrou com ação de indenização e queixa-crime contra o religioso. Um acordo feito em 26 de novembro de 2003 colocou fim à queixa. O arcebispo pagou R$ 8,4 mil à magistrada. Pelo acerto, a ação de indenização contra Grings foi extinta.

Atualmente, corre na Justiça gaúcha uma ação contra a juíza Andréia e os noivos movida pela Mitra da Arquidiocese de Porto Alegre e a Paróquia Nossa Senhora de Fátima. O processo tramita na 2ª Vara Cível de Viamão.

Lenha na fogueira

Em sua “Cartilha da Justiça”, o arcebispo Grings retoma o assunto com força e reforça as críticas que deram origem à ação de indenização contra ele. Segundo Grings, “a ingerência do Poder Civil na celebração de um sacramento constitui um gravíssimo atentado contra a Igreja. Trata-se de uma questão de vida e morte”.

Ele segue seus argumentos afirmando que “para defender a liberdade religiosa e o direito exclusivo da Igreja, na administração de seus sacramentos, na pregação de sua doutrina e na organização de sua entidade, estamos dispostos a ir ao patíbulo”.

Leia os principais trechos da Cartilha da Justiça

O PODER JUDICIÁRIO E A IGREJA

D. Dadeus Grings – arcebispo de Porto Alegre

Setembro de 2004

1. INTRODUÇÃO

Impacto de uma condenação

Para escrever esta produção, sob o impacto de uma condenação judicial, na qual nos foi vedado o direito constitucional de produzir provas, cerceando o sagrado direito de defesa, precisamos rezar muito, para não contaminá-la com o fel dos injustiçados. Com a grada de Deus, conseguimos pautá-la com a força das orientações básicas da fé, da esperança e do amor.

São Paulo nos garante que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (ROM 8,28). Por isso, minha primeira pergunta, com esta condenação, foi: o que Deus quer de mim com esse fato? Creio que se pode extrair dele algo de bom, para mim, pessoalmente, para a Igreja e para o povo. Por isso, esta ação judicial, à primeira vista desastrosa, não abalou nem diminuiu nossa alegria, que vem de Deus e de nossa fé. De fato, o mais pobre entre os pobres é aquele a quem falta a alegria. E esta, para quem crê em Deus, por Jesus Cristo, ninguém pode tirar.

Mas o que de bom, útil e proveitoso pode provir de uma condenação judicial que ordena, injustamente, a pagar uma indenização de 84 (oitenta e quatro) salários mínimos a alguém que invade a jurisdição alheia e lhe manda executar determinada ação, sob cominação pecuniária? Poderíamos assumir esta punição e, para não criar maior polêmica, não ter nenhuma reação pública, silenciar, simplesmente. Contudo, nosso silêncio provavelmente seria interpretado como um reconhecimento de nossa culpa, como lembra um conhecido dito popular: “Quem cala, consente”. E a uma ação injusta se somaria um silêncio imperdoável.


Por isso, não podemos calar. Até porque o fato que motivou a presente cartilha parece apontar para algo emblemático e de particular importância: quem faz uma leitura de acontecimentos recentes, pode sentir uma nova perseguição à Igreja, desta vez provinda de membros do Poder Judiciário, o qual não queremos inculpar como um todo, obviamente. Para essa nova situação é meu dever de Pastor alertar os fiéis católicos. Assim como os bispos, nos primeiros séculos do cristianismo, formaram cristãos para enfrentarem os desafios do Império Romano contra a sua fé, é preciso, também hoje, orientá-los para que não sucumbam às novas investidas e mantenham firmes sua confiança nos pastores, que o Espírito Santo pôs à frente de sua Igreja e se lhe garanta a devida liberdade de ação para o seu ministério.

Por formação e convicção pessoal, tenho aconselhado a pessoas a procurar o Poder Judiciário para dirimir problemas legais. Serei mais cauteloso, no futuro, para fazer tais recomendações. Confesso que minha confiança neste Órgão ficou abalada. Mas a anterior confiança poderá ser restaurada e minhas relações com o Poder Judiciário poderão ser restabelecidas plenamente, quando perceber uma mudança fundamental de atitude por parte deste Órgão, superando o exagerado corporativismo atual e fazendo da justiça o seu referente primeiro e único. Pois este é seu objetivo, esta a sua missão numa sociedade organizada.

Tenho me perguntado, seguidamente e não sem preocupação: se um Órgão como o Judiciário comete tais atropelos num processo e define uma injusta punição para um arcebispo, o que não será capaz de fazer com o povo mais simples, sem recursos de nenhuma ordem para se defender e garantir seus direitos?!

Tenho consciência de que surgirão, em conseqüência das denúncias aqui apresentadas, reações e turbulências de diferente ordem e sentido. Mas, se forem para o bem de nosso país, de seu povo e da igreja, não receio enfrentá-las. Não ignoro, também, que no Judiciário há pessoas honestas e que buscam viver, com consciência social e discernimento justo, a sua difícil missão de magistrados. Tenho, ali, muitos amigos pessoais e estou seguro que entenderão o sentido e o objetivo destas palavras de pastor que, no seu ministério, muitas vezes não pode calar e precisa tomar medidas antipáticas para não violentar a própria consciência.

“Enquanto na discussão sobre todas as outras denominadas “reformas do estado” possamos identificar alguns pontos de divergência sobre a sua necessidade ou oportunidade, em se tratando de reforma do Poder Judiciário há rara unanimidade: ela não só é necessária, como também urgente! Também há unanimidade na identificação de dois fatores que apontam para a urgência da reforma: a morosidade da atividade jurisdicional e a falta de efetividade de suas decisões. A eles acrescentamos um terceiro, que suscita discussões e divergências no plano interno da própria instituição do poder, que é a falta de transparência da atividade jurisdicional em si e, fundamentalmente, de seus atos administrativos.” (Olando Tadeu de Alcântara e João Bosco Pinto Lara).

2. AGRESSÃO DO JUDICIÁRIO

a) O método da indução

Certa feita, ao participar de uma solenidade palaciana, ouvi um Juiz, que se queixava do clima de tensão que passara a reinar entre o Judiciário e a Igreja. Isto jamais acontecera. As relações entre ambos sempre foram harmoniosas. Não se poderia generalizar um fato isolado.

Para não incorrer em erro de avaliação, é preciso firmar o método. A Lógica propõe dois procedimentos para chegar a novas verdades, sempre mantendo firme que o critério último é a evidência. Quando ela não for imediata, será mediatizada por um processo, que pode ser dedutivo, ao proceder de verdades conhecidas para verdades ainda desconhecidas, através de um termo médio conhecido; e pode ser indutivo, ao recorrer à experiência para formular as leis. O primeiro desce do universal ao particular, ao passo que o segundo sobe do particular ao universal.

A indução, chamada argumentativa, é formal quando consegue enumerar todos os casos particulares, para chegar à conclusão universal; e é virtual quando observa alguns casos, enquanto representam todos. Tomemos o exemplo da estatística: uma pesquisa geral entrevista todos os pesquisados, ao passo que a pesquisa por amostragem escolhe alguns, enquanto representam todos. Para que a amostragem seja objetiva requerem-se alguns critérios.

É, pois, óbvio que um caso judiciário pode apenas ser um caso. Mas para quem o examina mais profundamente, pode ser sintomático e representar um modo geral de proceder. O próprio Judiciário se serve deste expediente ao se referir às súmulas vinculantes. É tipicamente o método indutivo. Assim, partindo-se de uma determinada decisão, padroniza-se esta, que serve de paradigma para os demais casos similares, que permanece intocável, até que se prove o contrário.


b) Retrospectos

No dia 06 de dezembro de 2002, foi ajuizada no foro de Viamão/RS a Ação Cautelar Inominada, processo nº 99.996, em que o Autor pleiteava a expedição de Alvará, a fim de que a Igreja Católica fosse compelida a realizar seu casamento, cuja celebração estava marcada, pois, se assim não fosse, sofreria sensíveis prejuízos, já que a festa se encontrava toda organizada.

Acontece que naquela semana a esposa legítima desse Autor, ao entrar na Igreja N. Sra. de Fátima, em Viamópolis, para aprazar a data do batismo de seu filho, se deparou com os proclamas do casamento religioso de seu esposo e pai de seu filho, com outra pessoa.

Denunciou o fato ao Pároco, apresentando certidões de casamento e de nascimento. Este imediatamente providenciou o cancelamento da referida celebração, que fora marcada sem que os interessados noticiassem a existência desse impedimento legal. O Padre chamou, então, os nubentes e, pessoalmente, comunicou-lhes sua decisão oficial.

Não se conformando com a resolução adotada por esse Pároco, o esposo-noivo recorreu à Justiça Comum para conseguir o objetivo por ele perseguido. Com esta medida adotada, ele, evidentemente, se incompatibilizou com a Igreja Católica. Que os cidadãos recorram ao Judiciário, com ou sem razão, é normal. Mas, o que causou espanto, o que jamais se poderia se supor, a bem da verdade, é que o Judiciário viesse, sumária e incontinentemente, acolher essa pretensão.

Eis o texto dessa inusitada liminar: “há notícia nos autos de que a separação judicial concluída é passível de ser aceita para fins de implemento dos requisitos estabelecidos pela Igreja e, havendo processo tramitando, a demora na conclusão deste não pode ser oponível ao requerente de modo a lhe trazer prejuízo. Outrossim, já há cerimônia marcada e o deferimento da celebração ao final causará prejuízo irreparável à parte. Ainda, na analogia ao Cân. 1085 § 2, estando o requerente separado na esfera fática, faz jus à contração de novas núpcias. Nesta perspectiva, defiro a liminar autorizando o Requerente a casar-se e determinando à parte Ré realize a cerimônia, pena de multa de R$ 5.000,00″.

c) Um ato de intromissão

A ingerência do Poder Civil na celebração de um sacramento constitui um gravíssimo atentado contra a Igreja. Trata-se de uma questão de vida e morte. Para defender a liberdade religiosa e o direito exclusivo da Igreja, na administração de seus sacramentos, na pregação de sua doutrina e na organização de sua entidade, estamos dispostos a ir ao patíbulo. Temos exemplos sobejos, ao longo da nossa história, de mártires, que deram sua vida por esta causa.

Fomos constituídos administradores de um patrimônio, que não é nosso, mas nos foi legado por Jesus Cristo, para a salvação da humanidade. Nesta administração não podemos tergiversar. Trata-se de algo sagrado.

Se o Autor desse procedimento cautelar se considerasse prejudicado pela decisão do Pe. José Brand, cabia-lhe o direito, como católico, de recorrer ao Arcebispo. Caso não o encontrasse — porque seus compromissos são muitos perante uma arquidiocese com 3.300.000 habitantes — seria atendido pelo Vigário Geral. Ao socorrer-se do Poder Judiciário, evidenciou que o seu propósito era mesmo litigar contra a Igreja e com ela incompatibilizar-se.

Na Igreja vigora o costume de, ao iniciar a celebração de um casamento, fazer um último e patético apelo: “Diante de Deus e da Santa Mãe Igreja querem casar-se fulano e cicrana. Se alguém souber de algum impedimento que torne inválido ou ilícito esse matrimônio, é obrigado em consciência a declará-lo”. O folclore popular traduziu esta praxe no “casamento da roça”, quando os participantes são inquiridos a respeito de eventual obstáculo que não permita a realização dessa cerimônia, através da tradicional indagação “fale agora ou cale-se para sempre”.

Além de invadir o foro exclusivo da Igreja, a Juíza de Direito da Comarca de Viamão cita o Cân. 1085 § 2 para justificar sua decisão. Ora, inexiste no Código de Direito Canônico qualquer dispositivo que atribua a um Tribunal Civil o direito de renunciar ou dispensar a vigência de um preceito seu, ou mesmo de tentar aplicá-lo. Se tivesse invocado o Código Civil, poderia admitir-se que agira com competência. Jamais, porém, valer-se da legislação canônica, que não lhe outorga nenhuma faculdade para adentrar no âmbito jurisdicional reservado à competência exclusiva da Igreja.

O mais grave, porém, é que o Cân. 1085 § 2 diz exatamente o contrário do que dele se pretendia: “Ainda que o matrimônio anterior tenha sido nulo ou dissolvido por qualquer causa, não é permitido contrair outro antes de constar legitimamente e com certeza da nulidade ou dissolução do primeiro”. Como, então, pôde essa Juíza afirmar, ao fundamentar sua liminar, “por analogia ao Cân. 1085 § 2, e que estando o Requerente apenas separado na esfera fática, faria jus à contração de novas núpcias”?


É oportuno que se tenha presente o texto do Cân. 1071 § 1 – 2º, que estabelece que “Fora do caso de necessidade, sem licença do Ordinário do lugar (que é o Bispo ou o Vigário Geral), ninguém assista ao matrimônio que não puder ser reconhecido ou celebrado civilmente”.

Com efeito, registre-se que o Autor dessa Ação Cautelar foi deliberadamente mendaz perante o Padre da Igreja N. Sra. de Fátima de Viamão/RS, em não revelar-lhe que se encontrava casado no civil, bem como ocultando que ingressara com uma Ação de Separação Litigiosa contra sua legítima esposa, que sequer fora julgada. Portanto, de acordo com o citado Cân. 1071 § 1 – 2º, não poderia “casar no religioso” sem licença do Ordinário. Seu maior erro foi, em vez de pedir esta licença do Bispo, forçar esse Sacerdote a realizar seu casamento, via judicial.

Não me cabe aqui apontar ou discutir qual o procedimento que deveria ter sido adotado pela representante legal do Poder Judiciário, porque não me compete determinar sua ação. Todavia, jamais poderia determinar que fosse efetuada a celebração de um matrimônio católico, fossem quais fossem seus motivos. Se essa Juíza de Direito quisesse realmente ajudar o casal e manter um bom relacionamento com a Igreja, quem sabe — mas não me compete julgar — poderia ter ela indeferido a pretensão do Autor, ante o processo de separação em curso nesse mesmo foro, advertindo-o que deveria aguardar o desfecho desse seu pedido, para, então, se habilitar a contrair novo matrimônio, ou deixando essa decisão a critério do Ordinário local, em atenção ao disposto no Cân. 1071 §§ 1º e 2º.

Mas o que fez essa Autoridade? Ao invés de assumir essa postura, ordenou, sob pena de multa de R$ 5.000,00, a realização desse casamento, contrariando não só o Código de Direito Canônico, mas afrontando a própria autoridade da Igreja e ferindo a Constituição Federal.

d) Disposição conciliatória

O episódio em questão, dado ao público, com riqueza de detalhes, se constituiu em um fato de extrema gravidade. Com espírito conciliador, solicitamos uma audiência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Na qualidade de Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, juntamente com o Diácono Dr. Eduardo Viana Pinto, fomos recebidos pelo Desembargador José Eugênio Tedesco e pelo Desembargador Marcelo Bandeira Pereira, Corregedor Geral da Justiça.

A acolhida foi amável. Procuramos delimitar a questão ao âmbito pessoal. De início, o Presidente do Tribunal de Justiça apresentou desculpas pelo procedimento extravagante e sem precedentes adotado por essa Juíza de Direito da Comarca de Viamão e manifestando sua desaprovação por essa conduta decisória de sua representante legal, debitando esse fato à imaturidade e à ignorância dessa Autoridade Singular. Chegamos até mesmo a concordar com tais conceitos.

Saímos tranqüilos ante o êxito desse diálogo. Noticiei o fato ao público, consignando transparente e objetivamente que não se tratava de uma tensão entre Igreja e Poder Judiciário, mas, sim, de um ato isolado, atribuído à ignorância da prolatora dessa decisão inédita.

e) A reação

O assunto teria ali se esgotado, não tivesse essa Juíza de Direito, se dizendo ofendida com o teor dessa publicação, ingressado perante à Justiça Comum, nos colocando no pólo passivo de uma Ação Indenizatória por Danos Morais e outra, por Crime de Imprensa. Contratou para sua defesa conceituados membros egressos do Poder Judiciário, mais precisamente Desembargadores jubilados do Eg. Tribunal de Justiça do Estado.

O desfecho dessa Ação Reparatória nos foi contrário. E foi concluída em tempo recorde, como destacado. Nosso advogado, inconformado com essa sentença condenatória, ingressou com atempado recurso de Apelação, processo nº 7000.789.7192, fornecendo-nos cópia dessa decisão de 1º grau, cujo texto parcial ora transcrevo:

“Decido. O feito amolda-se ao julgamento no estado em que se encontra, prescindindo da produção de prova em audiência…”

Cita Sílvio Rodrigues, para dizer que quem causa dano a outrem tem o dever de o reparar. E conclui: “Cotejados tais pressupostos, aplicáveis também ao presente caso, verifica-se que se apresentaram na medida necessária para a afirmação da responsabilidade do sacerdote requerido”.

Mais além, recorre ao Dicionário Eletrônico Houaiss, para apurar o significado de “crasso”, “ignorante” e “supino”, e deduzir que “nenhuma das definições acima destacadas pode ser abrandada para conceder refúgio ou atenuação à ofensa, em palavras claras e expressas, cometida pelo demandado”.

Diante destas premissas, extraídas do Dicionário Eletrônico, tira a conclusão, nestes termos:

“Vencida a questão da responsabilidade, resta solucionar o embate da indenização. O episódio não maculou demasiadamente a atuação profissional da requerente, se ressaltando que o expediente correcional provocado pelo suplicado foi devidamente arquivado. Mas, ao mesmo tempo, o meio utilizado pelo réu possui grande alcance, sendo o jornal de maior circulação no interior do Estado. A repercussão entre o meio forense também deve ser considerada, mas também para se levar em conta o inusitado da decisão criticada. Anoto, outrossim, que a utilização do salário mínimo como parâmetro é pertinente pela inspiração advinda da própria lei de imprensa, mas, obviamente, ultrapassada a barreira da tarifação. Assim, vislumbrados os aspectos sobreditos e, ainda, sinteticamente, que o valor da indenização deve guardar relação com a culpa do agente, com o prejuízo da vítima e com as condições sócio-econômicas que apresentam, asseverando que o fato não pode servir de expediente de lucro fácil para a vítima, tenho que deve ficar estabelecida em 70 (setenta) salários mínimos, como quantum bastante à reparação e à censura ao agir desavisado do demandado. Dessarte, merece acolhido o desiderato principal e rejeição o contraposto. Isso posto, julgo procedente o pedido formulado pela Autora contra Dadeus Grings e improcedente a reconvenção deste contra a primeira, para condenar o Réu a indenizar a Autora no montante de setenta salários mínimos, pelo valor vigente à época do efetivo pagamento.


Pela sucumbência, considerados os dois pedidos, condeno o Réu ao pagamento da conta e dos honorários advocatícios, arbitrados em 20% (vinte por cento) do valor que afinal resta apurado, consoante a regra do art. 20 § 3, do CPC, o trabalho empregado e a complexidade da causa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 15 de setembro de 2003″.

f) O alcance da sentença

Não tenho dúvida de que o Exmo. Juiz de Direito, substituto do 2º Juizado da 15ª Vara Cível d/Comarca, lançou sua sentença com plena tranqüilidade de consciência. Cumpriu sua missão. Foi fiel ao mandato recebido. Seus colegas juízes o felicitaram duplamente, pela agilidade em emitir essa sentença e pela coragem de condenar o Arcebispo de Porto Alegre e, eventualmente, fazer calar sua voz, que parece incomodá-los muito. O empenho do Judiciário surtiu efeito.

Já que esse Magistrado da 15ª Vara Cível não quis ouvir nossa versão pessoal sobre essa ação indenizatória, cabe-me, pelo menos, o direito de falar, em voz alta, para que seja ouvido fora do foro. Os romanos, já antes de Cristo, haviam estabelecido não julgar ninguém, sem antes ouvi-lo e dar-lhe o direito de defesa. Nesse episódio em que fomos envolvidos, nossa justiça deu uma enorme marcha-a-ré, baseando-se exclusivamente em escritos, que, pelo visto, foram mal entendidos, mal avaliados, apesar do dicionário eletrônico. O argumento invocado por esse Julgador é mais retórico que realista.

Preliminarmente, cabe criticar o montante da indenização que nos foi imposta: 70 salários mínimos e mais 20%, isto é, mais 14 salários vitais como verba honorária, totalizando 84 salários mínimos.

Como é sabido, o clérigo não é assalariado, trabalha pela causa do Evangelho e, a rigor, não é remunerado. Concede-se-lhe uma ajuda de custo que, na Arquidiocese de Porto Alegre está fixada em 02 (dois) salários mínimos por mês. Para diferenciá-lo do salário recebe o nome de côngrua, denominação que vem desde o tempo do Império. Portanto, a pena que foi imposta ao Arcebispo de Porto Alegre, corresponde rigorosamente a três anos e meio (3 ½) de seus “ganhos mensais”.

Entremos no mérito da sentença condenatória.

Como é sabido, pelo catecismo e pela moral, a ação humana para ser responsável, envolve três condições: conhecimento, advertência e consentimento a respeito da matéria em pauta. Aprende-se que para um pecado ser mortal é preciso que se trate de matéria grave, se tenha perfeita advertência e se aja com pleno consentimento.

Quando referi que essa Juíza de Direito de Viamão, ao prolatar a liminar na ação cautelar antes referida, agira com ignorância crassa e supina, qualificação esta que contou com a adesão e solidariedade do próprio Presidente do Tribunal de Justiça, Des. José Eugênio Tedesco, ninguém entendeu ou, pelo menos, poderia ter entendido, que eu estivesse me referindo ao conhecimento da arte culinária dessa Juíza ou mesmo acenasse para dificuldades na aprovação de seu curso de Direito. O assunto pautado se restringia exclusivamente à sua interferência, como representante do Poder Judiciário, que ordenara a celebração de um sacramento no âmbito da Igreja Católica, e ameaçando-a com a punição pecuniária de R$ 5.000,00, para forçá-la a cumprir sua decisão.

Para o conhecimento exato de um termo pode-se recorrer a sinônimos, como fez o Magistrado da 15ª Vara Cível desta Comarca que, simplesmente, foi procurar no Dicionário Eletrônico Houaiss, um significado fora do contexto e sem especificação. Mas, dentro de uma boa dialética, ter-lhe-ia sido bem mais fácil recorrer aos antônimos, na certeza de que os contrários elucidam melhor a questão. Sabe-se assim mais facilmente o que é vida, contrapondo-a à morte; o que é noite, comparando-a ao dia.

Ora, esse Juiz me condenou por ter chamado sua colega do foro de Viamão de ignorante e por ter adjetivado essa ignorância de crassa e supina. Decidiu que eu errei e, mais ainda, cometi um crime. O argumento apodítico: pena de 84 salários mínimos! Se errei e cometi um delito, fica comprovado que essa Juíza de Direito agiu com pleno conhecimento de causa. Pelos adjetivos criticados, teve, em contraposição, perfeita advertência e pleno consentimento. Isto equivale a dizer que ela agiu de acordo com as normas e orientações do Tribunal de Justiça. Portanto, não se trata de uma ação pessoal, que eu julgara errônea, mas de uma atitude oficial. O Poder Judiciário que emitiu essa decisão condenatória, se confessa com autoridade de pleno direito para interferir nas celebrações litúrgicas da Igreja.

Qual o argumento? 84 salários mínimos de indenização para quem disser o contrário. Essa Autoridade Singular da 15ª Vara Cível não apenas se solidarizou ao pleito dessa sua colega da Comarca de Viamão, mas jogou todo o Poder Judiciário contra a Igreja, ao proferir essa sentença condenatória, pelo que se conclui que este Julgador aprovou a liminar que fora deferida, tanto que nos condenou em 84 salários mínimos, porque criticamos esse procedimento jurisdicional, qualificando essa conduta funcional como de manifesta ignorância.


Eu me equivoquei ao afirmar que essa liminar concedida fora um erro. Paguei por isso. Mas agora o assunto tornou-se muito mais grave. Já não se refere mais à ação isolada de um membro ativo desse Poder Judiciário que, eventualmente, pudesse ter-se enganado. Trata-se de uma norma judicial. Desculpe-me o Des. Tedesco, mas devo dizer que o Senhor me decepcionou. O ignorante, em realidade, fui eu, porque não sabia que o Judiciário agisse desse modo. Ou melhor, não acreditava!

g) O crime da difamação

Estou convicto que tanto esse Juiz de Direito do 2º Juizado da 15ª Vara Cível, bem como colegas e amigos do Judiciário estão irritados com minha interpretação. São capazes de jurar que esta sentença nada tem a ver com a liminar da Juíza de Viamão.

O desate da ação proposta por sua colega de Viamão lhe pareceu singelo e extremamente fácil. Não precisou nem colher o depoimento pessoal do Réu, ou de qualquer testemunha. Bastou ler o texto de nossa lavra, veiculado em nossa coluna jornalística do Correio do Povo. Ali estão as palavras “ignorante”, “supino” e “crasso”. O Dicionário Eletrônico resolveu plenamente a controvérsia. E ato contínuo, é arbitrada a pena: 70 salários mínimos para a Autora e 14 salários para seus advogados (20% a título de honorários). Só que até hoje não consegui entender sobre qual dos numerosos significados que cita, extraídos do seu Dicionário Eletrônico, baseia sua sentença.

O Judiciário dispõe de força e especialmente de poder coercitivo para impor suas injustiças. Mas cabe-me o direito de extrair as conseqüências. E aqui chegamos ao ponto nevrálgico da ação: o Judiciário parece decidir suas questões fora do contexto, sem examinar as causas e sem calcular os efeitos. É o mesmo que acontece em outros campos. Falseia-se a visão dos fatos. Chama-se isso fundamentalismo. Na interpretação da Bíblia, vemô-lo na tentativa de entender os textos ao pé da letra, sem considerar nem seu contexto, nem sua época e linguagem. No plano da filosofia se realça a hermenêutica para a visão dos acontecimentos… O Judiciário enveredou pelo caminho da reportagem, que reduziu o jornalismo da visão ampla do dia, a episódios estanques, descritos nua e cruamente, sem nenhuma referência ao contexto mais amplo, nem do dia, nem da época.

Punir a reação justa e necessária de um Pastor, que adverte seu rebanho contra o perigo dos lobos, a um ato solitário e personalista, sem examinar o motivo determinante desse procedimento, se constitui em um ato de negação da própria justiça, que manda dar a cada um o que é seu. Por causa deste modo de agir, o Judiciário, numa espécie de vivissecção da sociedade, não consegue implantar a justiça no País. Em assim agindo, o Judiciário torna-se o principal culpado da situação de injustiça em que vivemos. Falta-lhe visão de conjunto e consideração com o bem comum. Conseqüentemente, promove a injustiça e o desequilíbrio das relações humanas. Falta-lhe, também, uma hermenêutica mais objetiva e uma apreciação mais global da realidade.

Se essa liminar de responsabilidade dessa Juíza de Viamão não é tomada em consideração para o julgamento de uma atitude, que está intrínseca e indissociavelmente ligada a ela; se se pretende julgar uma denúncia isoladamente, sem ver seu contexto, é obvio que se ferem os princípios mais elementares da Justiça. Quando acusamos nossos órgãos singulares ou colegiados, encarregados de distribuir justiça de injustos e arbitrários, estamos denunciando um método de agir, que impede que se faça ou se implante a justiça em nosso País.

h) O dilema fatal

Como conclusão deste capítulo coloca-se um dilema: ou a sentença que nos foi infligida comprova que a ação dessa Juíza de Direito, determinando a intervenção do Estado na celebração de um casamento religioso, e que representa essa decisão uma norma posta em prática por nossos Tribunais, e assim é declarada guerra aberta à Igreja Católica; ou esse Juiz de Direito julgou esse processo de indenização por danos morais a favor de sua colega, independente de sua liminar. Então, fica demonstrado que os nossos Órgãos Judiciários, em suas instâncias, são fundamentalistas e julgam sem visão de conjunto e sem atentar às normas do Bem Comum e da Justiça. Agem por vivissecção, para favorecer a quem quiserem.

i) Desconhecimento e ignorância

Para o Juiz da 15ª Vara Cível não ter que recorrer novamente ao seu Dicionário Eletrônico e copiar uma série de significados os quais, depois, parece não saber utilizar corretamente, quero esclarecer a diferença entre desconhecimento e ignorância. Alguém é qualificado de ignorante quando deveria saber o que, de fato, não sabe. Desconhecedor, ao contrário, é quando alguém não sabe algo que não tem nenhuma obrigação de conhecer. Assim, por exemplo, um médico que não conheça certas práticas elementares da medicina, deve ser chamado de ignorante, enquanto o resto da população é apenas desconhecedor do assunto. É por isso que quem desconhece, se socorre de quem deve saber. E paga pela consulta.


O estudante que não sabe a lição, que deveria ter estudado e cujos conteúdos lhe foram ministrados em aula, é ignorante. Não, porém, os que não estão naquele curso e não estudaram aquela matéria. São simplesmente desconhecedores. Se um juiz não souber responder o que é “circumincessão trinitária”, não poderá ser chamado de ignorante, mas se um teólogo não o souber, sem dúvida merece este título!

Quando se trata de questões jurídicas, tanto os juízes como os advogados devem conhecer e se inteirar diuturnamente da evolução, mudança e dinâmica das normas e princípios legais, antes de procederem ulteriormente. Se não o souberem devem ser acusados de ignorantes. Ou que agem de má fé.

Do professor espera-se que conheça a disciplina que ministra, do médico e do dentista, que saibam as coisas fundamentais de suas profissões, do padre, que esteja a par da Teologia, do Direito Canônico e da pastoral sacramental. Em relação aos juízes, por evidência, se espera que conheçam não só as normas jurídicas, mas também a realidade à qual devam aplicá-las; tenham conhecimento teórico e prático dos princípios e de sua concretização.

Em outras palavras, conheçam o Direito e tenham uma visão clara do bem comum, da psicologia humana, da sociologia, da filosofia, porque o juiz moderno deve ser um autêntico PENSADOR SOCIAL. Fazer justiça, aplicar o justo apesar da lei, porque não pode ele estar abstraído da realidade da vida, apegado a um positivismo jurídico já ultrapassado e obsoleto, sob pena de nos defrontarmos com um direito embalsamado, como adverte Roberto Lyra Filho, em sua obra “O que é Direito”, e na feliz colocação do Des. Henrique O. P. Roenick, em seu artigo publicado na Revista da Ajuris, sob o título “DA NECESSIDADE DE UMA VISÃO CRÍTICA DO DIREITO”.

j) Um detalhe

No mandado de audiência de conciliação, a Juíza de Direito deu, como “identificação de Autos de Fato, Dadeus Grings, nacionalidade desconhecida”. A pergunta que fica é se este desconhecimento, por parte do Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre, deve ser entendido como ignorância, desleixo ou tem uma segunda intenção?

Explicitando:

Desconhecido por quem?

É óbvio: o Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre, através de sua Juíza de Direito, se reconhece explicitamente, nesta citação, desconhecedor.

Pergunta-se então:

Para fazer esta citação, ele tinha obrigação de investigar e conseqüentemente certificar-se da identidade do acusado?

Se a resposta for “não”, o Juizado será simplesmente “desconhecedor”, como ele mesmo declara. Se, ao invés, a resposta for positiva, o fato de emitir uma citação, sem o devido conhecimento, qualifica o Juizado de “ignorante”.

Deixo ao leitor proceder ulteriormente para apurar se esta ignorância é “crassa” e “supina”, ou se pode ser atenuada para a qualidade de “simples”, ou sem qualificativo.

“Nos países da América Latina, segundo Boaventura de Souza dos Santos, os Magistrados vestem o mito de serem auto-suficientes, no entanto, conhecem o Direito, mas não a realidade. A cultura tecno-burocrática domina entre os Magistrados”. (Flávia Olívia Zamboni).

“Os juízes de todo o mundo usam a toga (os ingleses até peruca) e as salas do Tribunal são lugares muito solenes. Em todos os Estados, inclusive os mais laicizados e secularizados, durante as audiências, os juízes utilizam verdadeiros paramentos, seguem um cerimonial, requerem juramentos e atitudes, que expressam respeito e reverência. Não se entra na sala de chinelos, porque naquele lugar realiza-se algo sagrado, que vai enormemente além da tarefa burocrática de aplicação da lei; alguma coisa maior que os pequenos ou os grandes problemas ou dramas, que neles encontram audiência: procura-se empregar a justiça”. (Giorgio Ronzoni)

Conclusão

Voltamos às considerações iniciais, que garantem que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus. Sentindo-me, como Arcebispo de Porto Alegre e Presidente da Regional da CNBB Sul 3, condenado pela instância de 1º grau do Poder Judiciário deste Estado, é óbvio que me cabia perguntar, diante de Deus e da consciência, sobre o que Ele queria com esta medida. E pareceu-me claro que não se tratava apenas de uma advertência pessoal. Ele me indica uma missão mais ampla, de defender a própria Igreja e todos os cidadãos contra as arbitrariedades — verdadeiro totalitarismo moderno. Criamos uma sociedade injusta, eivada de corrupção e movida pelo medo. Senti que seria preciso reagir em nome da sociedade e em nome da Igreja.

Nosso apelo vai, em primeiro lugar, à própria população e, em especial, aos nossos católicos: estejam precavidos! Mas, mais ainda, não se omitam em denunciar as injustiças e os abusos. Ajudem a moralizar o País. Um outro mundo é possível, se todos nos unirmos em torno dos ideais da Justiça, da Verdade, da Fraternidade e do Bem. Os cristãos têm obrigação, em consciência, de atuar, a partir de seus princípios da fé, na construção de uma sociedade mais justa e solidária.


Se, com estas considerações, conseguir levar nossos fiéis a um empenho maior pelo bem comum, ficarei contente e terá valido a pena ser condenado pelo Judiciário para servir de exemplo e de alerta!

Mas, também, existem pessoas de excelente índole atuando em todo setor, tanto público como privado. A função que ocupam não esgota sua personalidade. Ali as encontramos como fiéis cristãos, como amigos, como solidários. Não podemos criar uma sociedade de inimigos e acirrar os ânimos uns contra os outros. Voltamos a afirmar que a essência da vida cristã é o amor e, pelo amor, o perdão se torna ingrediente indispensável para a convivência humana na terra.

Várias pessoas me falaram que apreciam meus escritos porque eu apresento o que todo mundo pensa mas não tem coragem de dizer. Desde o caso de S. Paulo, quando fui condenado por defender um Município contra uma indenização milionária indevida, arbitrada pelo Judiciário, venho recebendo incentivo para continuar nesta luta. Dela depende o futuro de nossa nação. Naquela ocasião, mais de uma dezena de municípios outorgaram-me o título de cidadão honorário. Na verdade, por cada título, o legislativo e o executivo vieram dar uma bofetada no Judiciário, que não deu a mínima importância ao protesto das entidades municipais. Mas o Povo não esqueceu as injustiças e arbitrariedades!

Ocorre-me, agora, citar a iniciativa de um juiz de futebol que ingressou com uma ação indenizatória de danos morais, por ter sido designado com certos adjetivos impublicáveis por um ato de um dirigente de um clube de futebol. Se fosse equiparar ao meu caso, com uma indenização correspondente a três anos e meio de salário, a soma teria sido certamente bem mais polpuda. Mas o Juiz de Direito, em vez de recorrer ao Dicionário Eletrônico, para conferir o que todo o mundo sabe, preferiu colocar o texto no contexto, que é o de esporte. E concluiu, neste contexto, mais amplo que um fundamentalismo ao pé da letra, que um juiz de futebol, que não estiver disposto a ouvir certos impropérios, que vão desde “filho da…” até safado, ladrão, sem-vergonha e outros mais que todos conhecem melhor do que eu e ele, não se candidate para exercer esse cargo!

Uma decisão destas não estaria também apta a fazer jurisprudência? Não só para mostrar o contexto do esporte, mas, muito mais amplamente, o contexto da sociedade e do bem comum em que vivemos !?

Se pois o Judiciário fizer sua revisão e o governo promover uma profunda reforma de sua estrutura e formação, colocando-o no contexto do bem comum, veremos finalmente brilhar o farol da Justiça em nosso país. Não teremos mais medo de quem apela, por motivos fúteis, enganosos e mentirosos ao Poder Judiciário, com o intuito da obtenção do lucro fácil, ou com o propósito de prejudicar alguém. Saberemos então que existe Justiça neste país, cuja luz ofusca e afugenta os malfeitores e alegra e aproxima todos os que praticam o bem e pautam sua conduta pela honestidade e pelo amor.

Enquanto isso, custe o que custar, continuo firme no meu lema episcopal: “a Verdade vos libertará” (Jo 8, 32). Faço votos e me empenho para que se livre o Brasil de toda falsidade e opressão e se liberte o Judiciário, colocando-o ao serviço do bem comum, da fraternidade e de paz, em parceria com a Igreja e a Sociedade.

Com todos os católicos do Brasil continuo a sonhar com e lutar por uma Igreja livre dentro de um Estado livre. Para que isto se torne realidade, invoco sobre todos a proteção e as bênçãos de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!