O leão e a tartaruga

O leão do Fisco age como a tartaruga na hora de devolver impostos

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19 de setembro de 2004, 19h26

Consta que foi por obra e graça da imaginação criativa de um publicitário brasileiro que o Fisco Federal resolveu adotar o leão como seu símbolo.

Ao longo da história da humanidade diversos animais têm sido escolhidos para representar ou simbolizar determinadas instituições, partidos políticos ou mesmo movimentos religiosos.

O peixe identifica-se com o cristianismo, a coruja com a sabedoria, o tucano com um partido político do Brasil e assim por diante. Recentemente, em pesquisa de opinião, descobriu-se que o povo brasileiro identifica a nossa Justiça com a tartaruga. Faz sentido…

Ao que parece a escolha do leão como símbolo da Receita Federal foi para transmitir ao contribuinte a sensação de medo, o que é ruim, pois o Fisco não deveria inspirar medo, mas respeito. A escolha da tartaruga foi do povo, em resposta a uma pesquisa que consta ter sido encomendada pelo pessoal do Judiciário. Neste caso, não se inspira medo, mas desesperança…

Não importa muito se a intenção do Fisco foi transmitir medo, o que poderia também ser viabilizado com outros animais, como as cobras, o tigres, as onças, os escorpiões, etc. Também não é relevante que a “tartaruga” seja o retrato da Justiça, pois há quem diga que, pelo que acontece atualmente, há vários outros animais que também poderiam representá-la.

O que importa é que, ao que parece, o “leão” da Receita e a “tartaruga” da Justiça mantêm entre si tão boas relações que, em certos momentos, o “leão” age como “tartaruga” e vice-versa. Vamos aos fatos.

O “leão” age mais lentamente que qualquer “tartaruga” ou “bicho preguiça”, quando se trata de devolver o imposto de renda que foi retido na fonte de quem não deveria pagá-lo. Há contribuintes que esperam há mais de dois anos na “fila” para receber de volta parte do seu salário que foi confiscado.

O Fisco, imaginando que nós contribuintes somos “burros”, tenta explicar, alegando que muitas declarações estariam na malha fina e tenta justificar com o grande número de erros que as declarações conteriam, e mesmo com o fato de que a fonte pagadora que fez a retenção não a recolheu aos cofres públicos. Afinal, não explica nem justifica…

A tal “malha fina”, se existe mesmo, revela a irresponsabilidade das autoridades fazendárias que devem fazer o seu trabalho com rapidez. Se o contribuinte errou, deve ser notificado para corrigir seu erro e, se for o caso, multado. Se a pessoa jurídica desconta imposto na fonte e não recolhe, deve ser autuada e mesmo ser responsabilizado criminalmente aquele que se apropriou de dinheiro público. O trabalhador, aquele que sofreu a retenção, neste caso é duplamente vítima: do patrão que surrupiou o dinheiro do Fisco e do Fisco que não fez nada para resolver o problema.

Outra situação em que age o “leão” como se “tartaruga” fosse, é no atendimento aos contribuintes, quando estes ou seus representantes são obrigados a procurar a repartição, quase sempre para corrigir erros criados pela BURROcracia fazendária, que pretende reinventar a escravidão, agora aplicável a qualquer pessoa, de qualquer cor, raça ou sexo. E aí, tome filas, senhas, idas e vindas, atendimento precário, funcionários mal treinados, algumas vezes arrogantes, expediente diminuto, etc.

Realmente, escravo é quem seja obrigado a trabalhar sem pagamento. E de tempos para cá o fisco federal criou uma série de exigências, formulários, guias, declarações disso e daquilo, que custam uma enormidade de tempo e dinheiro para os contribuintes, muitas vezes com duvidosa utilidade e geralmente sem nenhuma legalidade, pois criadas por atos normativos que qualquer “mula” sabe que não é lei. E a Constituição, assim, vai para o brejo, naquela tal cláusula pétrea que diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Também se comporta “tartarugadamente” (registrem o neologismo…) o “leão”,aliás um animal irracional, estrangeiro e selvagem, quando, apesar dos bilhões que gasta em informática e dos bons salários que paga, demora anos e anos para encaminhar débitos para inscrição na dívida ativa e mesmo para conferir as DCTFs, pois hoje os escravos do “leão” estão correndo à procura de papéis de quatro ou cinco anos atrás, porque na “floresta” onde tal animal reina cultiva-se o selvagem hábito de cobrar aquilo que já foi pago!

Mas a “tartaruga” da Justiça também sabe ser selvagem e irracional. Veja-se, por exemplo, essa coisa animalesca e demoníaca que é a tal penhora “on line” (eis aí o estrangeirismo a comprovar que tais animais não são típicos do Brasil…) que possibilita bloquear dinheiro das pessoas ao arrepio de outra cláusula pétrea, que é a da ampla defesa.

Também age de forma selvagem e irracional a “tartaruga” quando, ignorando o Pacto de San José, acordo diplomático solenemente aprovado pelo Brasil, decreta prisão por dívidas, muitas vezes sem cuidado, de forma precipitada, como ocorre com freqüência nos setores de Execução Fiscal, a pretexto de serem os devedores “depositários infiéis”.

E essa “tartaruga” ainda dá-se ao luxo de manter férias de 60 dias por ano para os magistrados, férias coletivas em muitos Tribunais, emenda feriados, cria pontos facultativos, fazendo tudo o que pode para que os feitos não andem, sempre procurando “pêlo em ovo” para não dar andamento a um feito, transformando o exercício de um direito em exercício de paciência…

Diante disso tudo, parece que encontramos na “Divina Comédia” de Dante a frase que estava escrita na porta do inferno, mas que combina mais com os prédios da Receita e as portas do Fórum: “Deixai toda esperança, vós que entrais”…

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