Dever de cuidar

Ecovias é condenada a indenizar motorista que teve pneu danificado

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19 de setembro de 2004, 14h21

São de responsabilidade da concessionária da rodovia os danos causados ao veículo que trafega por suas pistas. Esse é o entendimento do juiz Rafael Tocantins Maltez, da Turma recursal do Juizado Especial de Itanhaém, litoral de São Paulo.

Os juízes condenaram a Concessionária Ecovias Imigrantes S/A a pagar indenização de R$ 206,00 a um motorista que teve o pneu dianteiro do seu carro danificado, por causa de um cone que estava caído na pista. Não cabe mais recurso.

Para Maltez, relator da questão, não restou dúvida de que o caso é de relação de consumo, porque se enquadra nos artigos 2º e 3º, da Lei 8.078/90. Ele citou também o artigo 7º, da Lei 8.987/95, que determina a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre prestador de serviços e usuário.

O juiz afirmou que a empresa “tem lucros milionários em decorrência da prestação dos serviços e por certo há riscos no empreendimento, devendo arcar assim com os prejuízos acarretados aos consumidores”.

Segundo o magistrado, “o serviço não ofereceu a segurança que dele legitimamente se espera, eis que, ao se utilizar do serviço posto pela concessionária, pagando-se por isso preço elevadíssimo (pedágio), não encontrado em qualquer lugar do mundo, espera-se que se vá encontrar excelência nos serviços e não balizador caído na rodovia às 23h00”.

Para o juiz a empresa não ofereceu a segurança esperada. “A rodovia não foi construída para que o consumidor tivesse que desviar de obstáculos e sim para se deslocar de um ponto a outro com segurança e conforto”.

Leia a íntegra da decisão:

Recorrente: DIOGENES APOLINÁRIO RODRIGUES

Recorrida: CONCESSIONÁRIAS ECOVIAS IMIGRANTES S/A.

Vistos etc…

Ao relatório da sentença de fls. 95/96, acrescente-se que houve interposição de recurso inominado por parte do requerente (fls. 105/108) por entender que a sentença merece ser reformada porque o recorrente não teria como apresentar testemunha pudesse ter visto, naquela hora da noite, caído na pista, um cone que danificou o pneu dianteiro do veículo do recorrente, existindo o nexo causal.

Contra-razões a fls. 111/115.

Recurso preparado e tempestivo (fls. 110)

É O RELATÓRIO.

Comprovou o recorrente que na data dos fatos estava trafegando pela rodovia (fls. 04).

Em resposta ao pedido de ressarcimento de danos feito pelo autor, a ré em nenhum momento nega a existência do fato, mas apenas nega a responsabilidade de indenizar (fls. 09/10). Por via transversa acaba por confirmar a existência do acidente ao explicar a demora no atendimento. Ora, se houve atendimento é porque o fato narrado na inicial existiu.

Mas não é só. Segundo o controle diário de ocorrências apresentado pelo próprio requerido (fls. 44/45), há registro de que houve utilização de guincho quando dos fatos às 23h26, em relação ao veículo do autor (Ford KA – CSX-3789).

Aqui, mais uma vez demonstrado o fato de que o recorrente utilizou-se do guincho da ré, evidenciador do acidente ocorrido.

Na contestação, o recorrido confessa que o recorrente foi atendido pela concessionária quando solicitou auxílio, tendo seu veículo sido removido por um guincho da própria concessionária.

Mais ainda, a testemunha da requerida Sérgio Felício Abelha, que é operador de tráfego, confirmou a instauração do procedimento no qual consta que o recorrente passou com o veículo sobre um balizador quando trafegava pela rodovia sob concessão da requerida, o que acabou por produzir danos em um pneu. Confirmou a existência de balizadores na rodovia, que são colocados na pista para dividir duas faixas.

Portanto, tem-se por coerente e harmônica a prova dos autos, de que o recorrente realmente trafegava pela rodovia, de que existiam balizadores na rodovia e que existiu o dano, sendo portanto presumível pelos indícios apresentados e pela coerência da prova de que os danos foram causados pelo balizador e pelo transporte do veículo feito pelo guincho da recorrida.

Posta a situação fática indaga-se se o direito ampara o recorrente.

É necessária, inicialmente, a fixação da natureza jurídica da relação travada entre as partes.

Não há dúvida de que é de consumo, posto enquadrar-se nos artigos 2º e 3º, da Lei 8.078/90.

Não obstante, para que se dissipe qualquer dúvida, o artigo 7º, da Lei 8987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos dispõe que “Sem prejuízo do disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: 1. Receber serviço adequado”.

Assim é que, referido artigo 7º expressamente determina a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre prestador de serviços e usuário.

Colocadas essas premissas tem-se que o autor faz jus à indenização pleiteada.

Incide a responsabilidade objetiva do artigo 12, do Código de Defesa do Consumidor e por isso mesmo independe de culpa.

Como é cediço, a partir da vigência do Código de Defesa do Consumidor, diante da hipossuficiência dele e da falta de substrato jurídico para regular situações que dantes eram irressarcíveis, tem-se a responsabilidade pelo fato do serviço (seção II, capítulo IV, do CDC).

Assim é que, a responsabilidade exsurge unicamente pelo fato de se prestar o serviço (“quem tem os cômodos deve arcar com os incômodos”).

Tal se dá devido ao próprio risco da atividade econômica desenvolvida pela recorrida. Ela tem lucros milionários em decorrência da prestação dos serviços e por certo há riscos no empreendimento, tal como aquele dos autos, devendo arcar assim com os prejuízos acarretados aos consumidores.

Neste caso estão preenchidos portanto, os requisitos da responsabilidade objetiva, quais sejam, a conduta, o resultado e o nexo causal.

De outra banda, o serviço não ofereceu a segurança que dele legitimamente se espera, eis que, ao se utilizar do serviço posto pela concessionária, pagando-se por isso preço elevadíssimo (pedágio), não encontrado em qualquer lugar do mundo, espera-se que se vá encontrar excelência nos serviços e não balizador caído na rodovia às 23h00. Por isso, repita-se, não ofereceu a segurança legitimamente esperada, porque a rodovia não foi construída para que o consumidor tivesse que desviar de obstáculos e sim para se deslocar de um ponto a outro com segurança e conforto.

De se ressaltar que deve sempre o fornecedor oferecer serviço seguro e adequado, e se assim não conseguiu, com a devida preservação e conservação das rodovias, mantendo-as limpas de obstáculos, deverá indenizar eventuais danos ocorridos pelo simples fato dos serviços conforme determinação legal expressa, funcionando assim a responsabilidade civil objetiva, caso contrário, estar-se-ia praticando a teoria da irresponsabilidade civil a qual o nosso ordenamento não acolheu, consistente na ocorrência e dano e não haver indenização correspondente. Por oportuno, diga-se que a existência de circulação de viaturas pelo sistema não é motivo a impedir a responsabilidade e se não consegue a recorrida inspetores de tráfego em número suficiente para manter a rodovia segura, caberá indenizar ou ser substituída por outra concessionária que consiga tal simples e básico mister. Não procede assim, a justificativa de prestação de um serviço ineficiente.

Ademais, não comprovou a recorrida que o recorrente estivesse conduzindo o veículo em infração às normas do Código Nacional de Trânsito.

Por fim, a recorrida não impugnou especificamente, conforme lhe competia, os orçamentos de fls. 06/08, nem comprovou que os danos já existiam.

Pelo todo o exposto conheço do recurso, sendo meu voto pelo provimento para condenar a recorrida ao pagamento de R$ 206,00, acrescido de juros de 0,5% a m., a partir da citação e atualizado monetariamente pela Tabela Prática de Atualização Monetária de Débitos Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir do ajuizamento da ação. Arcará a recorrida com o pagamento das custas e despesas processuais. Os honorários advocatícios serão fixados oportunamente conforme convênio PGE/OAB.

RAFAEL TOCANTINS MALTEZ

Juiz Relator

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