Comercial x residencial

Promotor pede que Casa Cor não seja realizada no Morumbi, em SP.

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16 de setembro de 2004, 20h42

O promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, José Carlos de Freitas, quer impedir a realização do Casa Cor 2004 em um imóvel do Morumbi, bairro nobre da capital paulista. Ele recorreu da decisão indeferiu liminar para anular três atos administrativos que permitiram o evento.

Na ação civil pública proposta pelo Ministério Público, Freitas alega que os atos administrativos são ilegais e inconstitucionais “porque a legislação de zoneamento que grava o imóvel impede uso diverso do residencial”. A ação foi ajuizada contra a Casa Cor Promoções e Comercial Ltda, o município de São Paulo, o Clube Portofino e seus proprietários José Amaral Lattes, Flávio Amaral Lattes, Maria Eugênia Amaral Lattes Abdalla, Cesar Amaral Lattes.

Freitas pede a condenação dos réus à restituição do imóvel cedido para a realização do evento ao estado anterior (demolindo as edificações), da família Lattes e Clube Portofino à obrigação de não fazer (não dar destinação diversa dos usos permitidos no imóvel) e dos sete primeiros réus à indenização por danos morais à ordem urbanística. O promotor requer multa diária de R$ 10 mil caso as medidas sejam descumpridas.

Leia a íntegra do recurso

RAZÕES DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Processo nº 053.04.023637-7 (controle 1389/04)

Juízo: 7ª Vara da Fazenda Pública

Agravante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Agravados: Casa Cor Promoções e Comercial Ltda e Outros

EGRÉGIO TRIBUNAL

COLENDA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

DD. PROCURADOR DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública ajuizada em face de Casa Cor Promoções e Comercial Ltda, Clube Portofino, José Amaral Lattes, Flávio Amaral Lattes, Maria Eugênia Amaral Lattes Abdalla, Cesar Amaral Lattes e Municipalidade de São Paulo em que o agravante pleiteia a declaração de nulidade de 03 atos administrativos, por serem ilegais e inconstitucionais (um deles o alvará de autorização expedido pelo CONTRU), que viabilizaram a realização do evento comercial CASA COR 2004 no imóvel situado na rua Dona Maria Mesquita Motta e Silva, nº 90, Vila Andrade, porque a legislação de zoneamento que grava o imóvel (Z1, Z8-AV8 e Z8-CR6) impede uso diverso do residencial. Pediu-se a condenação dos réus à restituição do imóvel objeto do evento ao estado anterior (demolindo as edificações), a família Lattes e Clube Portofino a obrigação de não fazer (não dar destinação diversa dos usos permitidos no imóvel) e os sete primeiros réus à indenização por danos morais à ordem urbanística.

Pleiteou o agravante liminar para os réus Casa Cor e a família Lattes paralisarem as atividades e obras no imóvel, sob pena de multa diária de R$10.000 (dez mil reais).

Após prévia consulta à Municipalidade, sobreveio decisão da Dra. Juíza indeferindo a liminar, não reconhecendo o “fumus boni iuris”, sob os argumentos de que: as restrições urbanísticas pesam sobre os lotes, não sobre as vias lindeiras (a rua não é residencial); o lote (imóvel do evento) pertence à zona Z8-AV8, onde se visa a preservação de área verde, e não área estritamente residencial; foram ouvidos diversos órgãos para a expedição do alvará; não há inconstitucionalidade no poder normativo atribuído à Secretaria de Planejamento – SEMPLA, porque a Lei Municipal nº 13.430/02 prevê essa atribuição ao órgão (composto por 16 membros da sociedade civil) e porque a lei não pode prever todas as situações de uso de imóveis; embora tenha havido fechamento administrativo do imóvel, ele não foi para esse evento.

DA DISTRIBUIÇÃO POR CONEXÃO E PREVENÇÃO

A agravada e co-ré Casa Cor propôs ação cautelar na 7ª Vara da Fazenda Pública contra a Municipalidade (fls. 131/159 – autos nº 053.04.012.301-7 – controle 741/2004), obtendo liminar que sustou os efeitos do auto de embargo da obra e do auto de auxílio policial, ambos expedidos pela Subprefeitura de Campo Limpo, e ajuizou ação anulatória (053.04.016.557-7) desses atos administrativos (fls. 161/185).

O Tribunal de Justiça cassou a liminar em 31/05/04 (fls. 31), conferindo efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento nº 377.681-5/0 interposto pela Municipalidade. Em 29/06/04, a 2ª Câmara de Direito Público do TJSP negou provimento ao Agravo Regimental nº 377.681-5/2-01 da co-ré Casa Cor (fls. 32/33), restabelecendo a plena eficácia dos atos de polícia (embargo).

A ação civil pública nº 053.04.023637-7 (controle 1389/04) foi distribuída por conexão perante o juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública. Havendo anterior pronunciamento da 2ª Câmara de Direito Público sobre os fatos, há prevenção dessa respeitável Câmara, justificando a distribuição deste agravo de instrumento por conexão e prevenção, porquanto a ação coletiva trata dos mesmos fatos da ação primeira intentada pela agravada Casa Cor e porque visa restabelecer o embargo promovido pela Subprefeitura de Campo Limpo.


RAZÕES DA REFORMA

O Agravante subscreve todos os fatos e fundamentos contidos na petição inicial que compõe o instrumento (fls. 386/416), e demonstrará que a Dra. Juíza foi induzida em lamentável erro pela Municipalidade e pela agravada Casa Cor. Será novamente demonstrado o “fumus boni iuris” não divisado pela Dra. Juíza.

Cumpre dizer, antes, que o evento CASA COR, realizado a cada ano em imóveis diferentes, é um espaço para arquitetos e decoradores promoverem seus trabalhos inovadores de arranjos de interiores, assim como o lançamento de móveis, tecidos e os mais variados objetos de decoração e construção, com projeção nacional, revelando a arte do belo, da estética, da funcionalidade, do “morar bem” e toda a criatividade dos profissionais do ramo.

A marca registrada do evento consiste na transformação dos imóveis que ocupa, construindo tanto na parte interna quanto externa. É uma vitrine da decoração, do design, da arquitetura e do paisagismo.

Infelizmente, para seu deslustre, o evento CASA COR 2004 traz consigo o estigma da ilegalidade observado já na mostra CASA COR 2002 (no Pacaembu), realizado sem alvará ou qualquer outra licença urbanística da Municipalidade (fls. 364/377) e, pior, sem embargo administrativo (item 1.5 da petição inicial: precedente de ilegalidade), embora a construção, a realização do evento e a demolição das obras tivessem perdurado por mais de seis meses…

Mas neste ano, de 29/03/04 a 26/04/04, a Subprefeitura de Campo Limpo notificou, multou e embargou obras clandestinas da Casa Cor (fls. 348/359) que, a seu turno, procurou desesperadamente obter qualquer tipo de alvará para seu evento (item 1.2 da inicial e fls. 363), culminando com a expedição do alvará de autorização pelo CONTRU (fls. 311), órgão da Secretaria de Habitação Municipal incumbido de apreciar aspectos de segurança e solidez das construções.

Esse alvará foi precedido da edição de dois outros atos ilegais da Câmara Técnica de Legislação Urbanística – CTLU, órgão da Secretaria de Planejamento Municipal – SEMPLA:

Pronunciamento SEMPLA–CTLU nº 095/2004, que deliberou pelo enquadramento do evento CASA COR 2004 na categoria de uso “Espaços e Edificações Transitórias para Exposições” (fls. 287/288), ou uso E3.2 (fls. 240 ou 265); e

Resolução SEMPLA-CTLU/008/2004, que genericamente disciplinou e incluiu, na categoria de uso “Espaços e Edificações Transitórias para Exposições”, os eventos de natureza semelhante (fls. 272/273).

FATOS PRECEDENTES À EDIÇÃO DO PRONUNCIAMENTO E DA RESOLUÇÃO

Convém destacar que antes dos atos da CTLU e SEMPLA:

a) ao solicitar à SEMPLA o adequado enquadramento do evento CASA COR 2004, a agravada Casa Cor afirmou que “o mesmo não se enquadra em nenhuma das Categorias de Uso relacionadas na Legislação de Uso e Ocupação do Solo” (sic – grifos nossos – fls. 266), e ponderou “não se enquadrar [o evento] na Categoria de Uso E3.2 – espaços e edificações para exposições, por realizar-se em edificação licenciada para uso diverso do pretendido” (sic – sublinhado no original – grifos nossos);

b) nas ações cautelar e anulatória ajuizadas contra a Municipalidade, a agravada Casa Cor afirmou que nem o Código de Obras nem a Legislação de Uso e Ocupação do Solo dispõem a respeito dessas obras e evento (fls. 134, 164, 165), tratando-se de lacuna legislativa;

c) a arquiteta da SEMPLA enfatizou que a instalação do evento CASA COR não se enquadra “em nenhuma das categorias de uso relacionadas na Legislação de Uso e Ocupação do Solo, por seu caráter de transitoriedade tanto na edificação quanto na atividade nessa edificação instalada” (fls. 269);

d) a mesma Arquiteta, em resposta ao Agravante, falou da impossibilidade de subsunção do evento à categoria de uso E3.2 (espaços e edificações para exposições), porquanto “este enquadramento, como os demais usos e atividades se referem às atividades ou usos permanentes a serem instalados em edificações permanentes (ex. Anhembi).” (fls. 301 – sublinhamos)

A justificativa da SEMPLA para a competência legislativa da CTLU baseia-se no art. 2º I e II, Lei Municipal nº 9.841, de 04/01/1985 (fls. 249) que conferiu à antiga Comissão de Zoneamento – CZ atribuição de órgão normativo, para expedir normas sobre dúvidas urbanísticas e jurídicas, bem como decidir casos não previstos na legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo (informação SEMPLA.DEPLANO/762/04, datada de 18/08/04 – fls. 299/300).

Essa lei, na parte que conferiu competência legislativa ao órgão administrativo, não foi recepcionada pelas Constituições Federal de 1988 e Estadual de 1989 (itens 2.2 e 2.3 da petição inicial da ação civil pública), que exigem lei material e formal para criar, extinguir ou modificar direitos na ordem urbanística. E não caberia questioná-la em ação direta de inconstitucionalidade porque a jurisprudência não admite ADIn em face de leis pretéritas.


A Municipalidade, falando à Dra. Juíza, disse que SEMPLA e CTLU exercem competência extraída do Plano Diretor Estratégico (Lei nº 13.430/02 – art. 286, I) para promover interpretação integrativa da legislação (sic – fls. 419).

Mas a expressão “analisar casos não previstos e dirimir dúvidas na aplicação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo” (art. 286, I) não confere competência legislativa ao órgão do Executivo, pois, na verdade, a CTLU exerce relevante papel de parecerista nas propostas de alterações legislativas na seara urbanística (art. 286, II, III e IV do Plano Diretor Estratégico). Nada mais.

Não foi por outra razão que o Tribunal de Justiça Bandeirante julgou inconstitucional a famosa “Lei das Operações Interligadas”, que cometia à CNLU (hoje CTLU) competência para estabelecer índices urbanísticos de construção e características de uso e ocupação de solo de imóveis, flexibilizando a mudança de zoneamento por critérios e atos discricionários da Administração (ADIN n° 45.352.0/5).

Parece que a lição do Órgão Especial do TJSP não foi aprendida…

LIBERAÇÃO DAS OBRAS POR ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO (…)

A agravada Casa Cor executa obras no imóvel, aumentando a área construída em mais de 1.000 m², altera o uso do imóvel, sua volumetria, com movimentação de terra, enfim, verdadeira reforma que exige alvará de aprovação e de execução, conforme determina o Código de Obras e Edificações – COE.

Há apenas alvará de autorização, que se presta a situações de montagem e desmontagem de divisórias, stands, sem acréscimo de área, cuja previsão na Portaria nº 395/03 (fls. 216) não se aplica ao caso: porque essa portaria foi editada para disciplinar a realização de eventos geradores de público em locais de reunião em geral (o imóvel ocupado pelo Clube Portofino só pode congregar seus associados em atividades sociais e esportivas); porque no imóvel as limitações das normas de zoneamento excluem atividades do jaez da CASA COR; porque a ré Casa Cor admite sua não-aplicação ao caso (fls. 165).

O CONTRU atestou em auto de inspeção (fls. 336) que no local há obras em andamento, internamente consistentes na colocação de paredes, pisos e forro falsos, com instalações elétricas e hidráulicas independentes dos originais da casa. Do lado externo há estruturas de ferro e madeira apoiadas sobre blocos de cimento. As fotos de fls. 383 ilustram as obras em madeira, alvenaria e ferro que estão sendo feitas na parte externa do imóvel.

Não se trata de pequena reforma, pois o Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo, no Capítulo I, item 1.1, define que pequena reforma é a “reforma com ou sem mudança de uso na qual não haja supressão ou acréscimo de área, ou alterações que infrinjam as legislações edilícias e de parcelamento, uso e ocupação do solo” (grifamos). No caso dos autos há acréscimo de área no importe de 1.199,69 m² (fls. 203).

DISTORCENDO OS FATOS: A DRA. JUÍZA FOI INDUZIDA EM ERRO

Para pedir o indeferimento da liminar na ação civil pública e sustentar a legalidade dos seus atos, a Municipalidade, por intermédio do seu Procurador Dr. Flávio César Damasco, disse em 13/09/04 à Dra. Juíza que:

“… hoje a co-ré Casa Cor obteve o documento necessário para a realização do evento, vale dizer, Alvará de Autorização, nos termos da Portaria-Pref. 395/2003, após cumprir uma série de exigências impostas pela Administração Municipal.” (fls. 418)

“Ademais, não haverá acréscimo de área, mesmo porque, conforme expresso no alvará de autorização, tudo que for montado, deverá obrigatoriamente ser desmontado no prazo fixado.” (os destaques são do original – fls. 420)

Mas a Municipalidade, ré na ação proposta pela Casa Cor, ao pleitear e conseguir a cassação da liminar conferida à última, na 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça Bandeirante, afirmou na peça do agravo de instrumento em 23/05/04 (fls. 202/204), pelo mesmo Procurador que:

“…as obras levadas a efeito pela agravada não podem ser caracterizadas como, “pequenas reformas”, mas de verdadeira “Reforma”, passível de Alvará de Aprovação e Execução e não simples “Alvará de Autorização”, consoante observou a fiscalização que embargou a obra”

“não se pode cogitar de “pequena Reforma”, visto que esta é definida no Capítulo I, item 1.1 do Código de Obras e Edificações do Município…. ”

“Constata-se que o conceito de “pequena Reforma” é incompatível como acréscimo ou supressão de área, ante a infração as legislações edilícias e do parcelamento, uso e ocupação do solo”

“O acréscimo de área é confessado pela própria agravada na planta acostada aos autos, onde declara “área a construir de: 1.199,69 m², e no projeto completo declara a construir área de 1.176,00.”


“Em suma, a obra levada a efeito pela agravada no imóvel, caracteriza-se como verdadeira “reforma”, sendo exigível ALVARÁ DE APROVAÇÃO, cuja finalidade é para movimento de terra, muro de arrimo, reformas, instalação de equipamento e sistema de segurança etc. Além disso, faz-se mister ainda ALVARÁ DE EXECUÇÃO, para os mesmo atos, mais a DEMOLIÇÃO. (conceitos extraídos do COE) ”

“Alvará de autorização é aceitável para as hipóteses de montagem e desmontagem de divisórias, stands, sem acréscimo de área, enquanto que alvará de aprovação e execução caracterizam “reforma”, nos termos do Código de obras, com acréscimo de área que posteriormente será objeto de demolição com a expedição do respectivo alvará”

“Diante disso, não se cuida de “pequena reforma”, mas sim de verdadeira “reforma”, sendo, portanto, imprescindível alvará de aprovação e execução” (grifamos)

Foi conveniente à Municipalidade sustentar, perante o Tribunal de Justiça, na ação da Casa Cor, para cassar uma liminar, que o evento depende da expedição de alvarás de aprovação e de execução. Agora, na ação civil pública em que é ré, para indeferir uma liminar, diz que basta um simples alvará de autorização.

Dois discursos para a mesma realidade…

DOS USOS INCIDENTES SOBRE O IMÓVEL

Lamentavelmente a Dra. Juíza deixou-se seduzir por informação equivocada da Municipalidade e da Casa Cor. Nunca o Agravante disse que as restrições urbanísticas pesam sobre a via pública (…)

O imóvel utilizado pela agravada Casa Cor tem entrada real por uma viela de acesso pela av. Dona Maria Mesquita Motta e Silva, nº 90. Situa-se em zona de uso residencial Z1-014 (informação SEMPLA.DEPLANO/762/04, de 18/08/04 – fls. 301). Aliás, a rua Prof. Benedito Montenegro, indicada no alvará de autorização como endereço oficial, não existe de fato (item 1.7 da petição inicial).

Cabe considerar outro fato relevante não enfrentado pela Municipalidade nem pela Casa Cor, até agora.

Os fundos do imóvel divisam com a rua Prof. Benedito Montenegro, nº 75, que a legislação de zoneamento caracteriza como corredor de uso especial Z8-CR6, a cujo respeito o “site” da Prefeitura de São Paulo exibe as seguintes informações ao público (fls. 237):

CORREDORES DE USO ESPECIAL

Z8 – CR6

De uso estritamente residencial, de densidade demográfica baixa. Este corredor também foi criado para proteger a zona Z1 e nele somente são permitidos usos residenciais com restrições diferentes nos dois lados da via.

O lado da via pertencente à Z1 somente admitirá residências unifamiliares, e, no lado oposto pertencente à outra zona de uso, somente serão admitidas casas e edifícios residenciais com o máximo de nove andares. Este é essencialmente um corredor residencial, pois não se admite qualquer outro tipo de atividade.

Por lei, portanto, imóvel de corredor especial Z8-CR6, lindeiro a Z1, não pode ter outro uso que não o residencial R.1 (residência unifamiliar: uma habitação permanente por lote – fls. 239). A única exceção prevista no quadro de usos especiais é E4, que relaciona extensa lista de usos institucionais permitidos, tais como base comunitária de segurança, conjunto de exposições de caráter permanente com área construída superior a 80.000 m², de interesse ou utilidade pública, corpos de bombeiros, locais e monumentos históricos, parques públicos, torres e equipamentos de telecomunicações, etc. (fls. 238 e 240), ou seja, nada que se assemelhe ao evento comercial e lucrativo “CASA COR”…

Ainda que se admitisse a inclusão da atividade “CASA COR” como E3.2 (o que a própria SEMPLA não considera), o zoneamento Z8-CR6 que define os usos dos imóveis da rua Prof. Benedito Montenegro só permite uso especial E4.

Frise-se que a esses argumentos nenhuma linha foi dedicada pela Municipalidade nem pela Casa Cor ao pedirem o indeferimento da liminar à Dra. Juíza. Nem antes, na esfera administrativa, quer pela SEMPLA quer pela CTLU. Por quê ninguém explica isso?

IMÓVEL DE ZONA Z8-AV8 E PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO (Lei 13.430/02) – SISTEMA DE ÁREAS VERDES DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

Cumpre anotar que a sigla AV-8 significa área verde de propriedade particular que integra o Sistema de Áreas Verdes do Município desde a edição do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de São Paulo (Lei Municipal nº 7.688/71), que conferiu ao imóvel assim definido especial isenção de impostos municipais:

Art. 41 – Considera-se área verde a de propriedade pública ou particular, delimitada pela Prefeitura, com o objetivo de implantar ou preservar arborização e ajardinamento, visando a assegurar condições ambientais e paisagísticas, podendo ser utilizada para a implantação de equipamentos sociais.


Art. 43 – As áreas verdes de propriedade particular, classificam-se em:

I – clubes esportivos sociais (AV-8);

II – clubes de campo (AV-9);

III – áreas arborizadas (AV-10)

Art. 49 – As áreas particulares que vierem a ser incorporadas, na forma desta lei, ao Sistema de Áreas Verdes são isentas dos impostos municipais sobre elas incidentes.

Os clubes esportivos sociais legalmente instituídos e com quadro de associados, por se caracterizarem como equipamento público de interesse para a cidade, foram incluídos na zona de usos especiais Z8 pela Lei Municipal nº 8001/73:

Art. 25 – Ficam enquadrados na zona de usos especiais Z8, com as designações de Z8-AV8 e Z8-AV9, as áreas onde estão instalados os Clubes Esportivos Sociais e os Clubes de Campo relacionados no Quadro nº 9A anexo a esta lei.

A Lei Municipal nº 9.411/81 enquadrou o imóvel na categoria de Zona de Uso Especial Z8-AV8 (clubes esportivos sociais) para a instalação do clube Guarantã, antecessor do co-réu Clube Portofino (fls. 257), para atividades esportivas e sociais de seus associados. Não foi reconhecido, por lei, qualquer outro uso além das atividades de deleite pelos associados do Clube Portofino e para proteção ambiental.

A Lei nº 10.676/88 (antigo Plano Diretor) classificou como áreas verdes do Sistema de Áreas Verdes do Município de São Paulo os clubes esportivos sociais AV-8 (art. 37, II, “a”).

O atual Plano Diretor Estratégico – Lei Municipal nº 13.430/02 definiu que nas áreas verdes de tipologia Clubes Esportivos Sociais (integrantes do Sistema de Áreas Verdes do Município – art. 133, II, “c”) as instalações cobertas, de qualquer natureza, não podem ultrapassar 30% da área total do terreno, e as demais instalações edificadas ou não (incluindo edificações, áreas de estacionamento, quadras esportivas e equipamentos de lazer ao ar livre), não podem ultrapassar 60% do total do terreno, sendo que 40% da área total do terreno devem estar livres, permeáveis e destinados à implantação e preservação de ajardinamento e arborização (art. 140).

Já o art. 144 do PDE dispõe sobre a imutabilidade das áreas verdes integrantes do Sistema de Áreas Verdes do Município, não permitindo quaisquer ampliações na ocupação ou aproveitamento do solo:

Art. 144 – Nas áreas verdes públicas ou particulares, integrantes do Sistema de Áreas Verdes do Município que já estejam em desacordo com as condições estabelecidas nesta lei não serão admitidas quaisquer ampliações na ocupação ou aproveitamento do solo, admitindo-se apenas reformas essenciais à segurança e higiene das edificações, instalações e equipamentos existentes.

Parágrafo único – Ficam ressalvadas das restrições do “caput” deste artigo as excepcionalidades de interesse público e de regularização da ocupação por meio de projetos habitacionais de interesse social.

Aqui outra ilegalidade: permitir-se, em área verde, a ampliação da ocupação (ainda que transitória) e o aproveitamento comercial do solo pela Casa Cor.

CLÁUSULA CONTRATUAL E JUDICIÁRIO RECONHECEM ILEGALIDADE NO USO

Os proprietários do imóvel e o Clube Portofino (comodatário) sabiam da atividade econômica e comercial da co-ré Casa Cor e da incompatibilidade de outro uso não-residencial no imóvel, tanto que ajustaram uma “isenção de responsabilidade” estabelecendo na cláusula 7ª, incisos III e IV, no “contrato de cessão temporária de comodato e outras avenças”, as seguintes ressalvas (fls. 98):

III – “A CESSIONÁRIA está ciente do fechamento administrativo do estabelecimento Clube Portofino objeto do termo lavrado em 11 de setembro de 1997 através do processo administrativo nº 1996.0.048.073-7, bem como declara ter conhecimento da Ação de Indenização promovida pelo vizinho do imóvel objeto deste contrato, Sr. Daniel Soares Filho contra o Clube Portofino e outros, em curso perante a 35ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, processo nº 000.00.505759-0 e declara que tais fatos não serão considerados óbices ao cumprimento deste contrato” (sublinhamos)

IV – “…o eventual fechamento administrativo que venha a impedir a realização ou a continuidade do Evento não será causa para a CESSIONÁRIA postular rescisão do presente contrato…” (sublinhamos)

Os réus contratantes fixaram cláusulas pouco usuais em contratos do gênero, pois o imóvel foi utilizado no passado para várias atividades irregulares, como demonstram as ações judiciais de vizinhos (fls. 45/71).

Um desses usos ensejou o fechamento administrativo pela Municipalidade, um mandado de segurança do co-réu Clube Portofino e uma decisão definitiva do Tribunal de Justiça Bandeirante reconhecendo a legalidade do ato administrativo, assinalando que “o Clube sequer dispõe de alvará de funcionamento, ao longo de 20 anos de atividade” (Agravo de Instrumento nº 140.808-5/8, j. em 22/02/2000 – fls. 228/230) e que “o Clube Portofino foi instituído com o objetivo de congregar seus associados, através de recreações, esportes e lazer. Entretanto, teve sua sede social transformada em local eminentemente para locação de festas… fica configurado o desvio da finalidade constitutiva do referido clube” (Apelação Cível nº 154.279-5/0-00, j. em 30/07/2002 – fls. 231/234).


A própria ré Casa Cor reconheceu “não se enquadrar [o evento] na Categoria de Uso E3.2 – espaços e edificações para exposições, por realizar-se em edificação licenciada para uso diverso do pretendido” (fls. 266).

A atividade da ré Casa Cor não tem definição na legislação municipal como categoria de uso. Essa assertiva é unânime entre a ré Casa Cor (fls. 134 e 164), a Municipalidade (fls. 301), os proprietários e o Clube (cláus. 7ª, III e IV do contrato – fls. 98). Há lacuna legislativa, na dicção da ré Casa Cor (fls. 164/165).

VOCAÇÃO LEGISLATIVA DA CTLU – INCONSTITUCIONAILDADE

Na ação civil pública ajuizada não se postula a declaração de inconstitucionalidade de lei nem de ato normativo, que é própria das ações diretas ajuizadas perante o Órgão Especial do TJSP (controle concentrado). Busca-se o chamado controle difuso, que compete a qualquer Juiz, de qualquer grau de jurisdição, conforme sustentado pela Doutrina pátria e Jurisprudência do STF . Admite-se esse controle também por ação civil pública.

A edição de atos administrativos pela CTLU e SEMPLA, para incluir casuisticamente na legislação de uso e ocupação do solo uma categoria de uso não prevista pelo legislador (inclusive acrescentando a palavra “transitórias” na expressão espaços e edificações para exposições – rol legal de fls. 240), privilegiando a Casa Cor, ofende os princípios constitucionais que moldam a conduta da Administração Pública (arts. 37 e 182 da Constituição Federal e arts. 5º, § 1º; 111, 144 e 181 da Constituição Estadual): princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da separação dos poderes e do interesse público, conforme dito alhures (itens 2.2 e 2.3 da petição inicial da ação civil pública).

PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR

Finalizando este necessário e longo arrazoado, é evidente que a fumaça do bom direito está presente.

Quanto ao perigo da demora do pronunciamento final, reitera o agravado os termos do item 3 da petição inicial, notadamente os argumentos do fato consumado.

Há prejuízos concretos. O aumento na circulação de veículos automotores (provindos das mais diversas regiões da cidade e municípios vizinhos), a maior emissão de poluentes e de ruídos provocados pelo afluxo de automóveis, decorrentes de atividade comercial, num bairro de qualificação urbana residencial são significativos, inclusive pelo desconforto e tráfego gerados.

Usos indevidos do imóvel no passado já causaram prejuízos aos moradores do entorno (constam ações movidas por alguns deles – item 1.4 da petição inicial). Certamente a demora brindará os infratores com lucros auferidos em local onde a lei não permite esse uso.

Haverá, novamente, o triunfo do FATO CONSUMADO, que tanto tem enriquecido tão poucos, quem vêem na omissão e conivência do Poder Público Municipal espaço para novas violações, para novas vantagens e para outras leis de anistia (…). Esses mesmos atores continuarão alegando que sua atividade gera empregos, promove a cultura, envolve compromissos contratuais… para não terem suas atividades embargadas.

E a sociedade assistirá atônita ao desprestígio da lei e da ordem, do Estado Democrático de Direito. Haverá apenas o conforto da lição do então Desembargador CÉZAR PELUSO, hoje Ministro do STF, afirmando que a edificação de prédio (infração à ordem urbanística), aprovada pela Municipalidade, mas ao arrepio da legislação local, causa gravame ao patrimônio municipal urbanístico, por estar em jogo o interesse da coletividade quanto ao respeito às regras jurídicas urbanísticas, como garantia da qualidade de vida, e também sob o aspecto ético, correspondente à obrigatoriedade geral das normas jurídicas e à observância dos fins públicos dos atos administrativos.

Requer o Agravante, assim, seja atribuído efeito ativo ou tutela antecipada ao presente agravo, concedendo-se a liminar pleiteada na ação civil pública e, ao final, seja dado provimento a este recurso, confirmando a ordem de paralisação das obras e atividades do evento CASA COR 2004 aos agravados Casa Cor e proprietários do imóvel, até final sentença de mérito, tudo em favor da ordem urbanística.

São Paulo, 16 de setembro de 2004.

José Carlos de Freitas

1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo

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