Desmatamento Zero

Bagunça jurídica das regras florestais beneficia desmatamento

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14 de setembro de 2004, 15h46

Cessar a derrubada de florestas nativas. No dia da árvore, 21 de setembro, bem que os agricultores nacionais poderiam bancar essa idéia. Chega de cortar matas por aí.

A sociedade aplaudiria de pé. Uma moratória poderia ser proposta: nada de desmatamento por dez anos. Até lá o Estado, em parceria com a sociedade, organiza um decidido sistema de monitoramento ambiental. Hoje, finge-se que tal exista.

Assumindo a bandeira preservacionista, em troca o governo oferece aos produtores rurais um novo código florestal. Há verdadeira bagunça jurídica nessa matéria. Ninguém se entende, e continua a devastação.

A legislação florestal do país nasceu em 1965. Foi quando se firmou o conceito da reserva legal (RL), obrigatória, fixada em 20% da propriedade. Tal área deveria permanecer protegida com mata natural. Na Amazônia, a reserva chegava a 50% de preservação.

Estabeleceu-se ainda outra restrição, mais severa. Criaram-se as áreas de preservação permanente (APP), visando garantir refúgios de fauna e flora em nascentes, mananciais e encostas íngremes.

Acostumados a derrubar florestas, houve compreensível resistência dos produtores rurais a preservá-las. Proteger árvores exige, mais que lei, pedagogia. Uma questão cultural.

No passado, a expansão da fronteira agrícola se iniciava pela beirada dos rios. Duas eram as razões: primeiro, nos vales se encontram os solos mais férteis. Segundo, perto da água moravam os mosquitos transmissores da malária.

Até os anos 50, o procedimento normal mandava limpar a beirada dos rios. Os próprios órgãos públicos assim o recomendavam. Na sociedade, bicho do mato era sinônimo de perigo. Basta olhar os livros escolares de então. A peçonha vivia na floresta. Fogo nela!

Tudo mudou. A devastação das florestas e a poluição urbana provocaram uma alteração de paradigma. As crianças aprendem ecologia na escola, despertando nova consciência global, alterando atitudes. Surge moderna postura frente aos recursos naturais.

O produtor agrícola pouco conseguiu, nesse processo, livrar-se da pecha de devastador. Por certo, falhou no entendimento dos problemas ecológicos. Errou, também, na comunicação. O discurso rural, de caráter produtivista, enxerga virtude onde a sociedade vê mazela.

Está na hora de virar essa página. O agricultor deve se colocar à frente do pelotão ambientalista. Afinal, ninguém mais que ele depende dos recursos naturais, para plantar, criar, colher, viver. Água limpa significa irrigação sadia, solos conservados reduzem a adubação, ecossistemas equilibrados diminuem pesticidas. A paisagem bela agrega valor à fazenda.

A moratória ajudará a esclarecer de vez esse assunto. O Brasil pode muito bem aprimorar a produção agropecuária sem arder florestas nativas. Tampouco a reforma agrária poderá se impor à custa da moto-serra assassina. Questão social não se resolve criando monstro ambiental.

A proposta do desmatamento zero não agrada aos gananciosos que teimam em supor eterna a expansão da fronteira agrícola. Mas a verdade é que parece pouco inteligente aumentar em ritmo veloz a safra agrícola, entupindo os mercados e rebaixando seus preços. Será mais sensato planejar, e retardar, esse crescimento.

Agora, existe o outro lado. Há quem defenda a interdição de 20% das propriedades rurais, a título de recompor a reserva florestal (RL), desmatada no passado. Ora, inexiste razão técnica comprovando a eficácia desse procedimento. Diversidade não se cria, se mantêm. A tese da interdição configura discurso pseudo-ecológico.

Quem mais gosta dessa idéia esdrúxula, que agride a produção agropecuária, são os agentes de topografia. Averbá-las, então, à margem da escritura, com cláusulas de perpetuidade, mesmo tendo sido desmatadas há décadas, apetece fortemente aos donos de cartório. Ganham dinheiro com isso.

Atenção. Não confundir com as áreas de preservação permanente (APP). Estas sim, carecem ser restauradas cem por cento. Aqui está uma prioridade, sujeita à severa pena. Quem passar arado na barranca do rio comete crime. Dependendo do dano ambiental, merece cadeia.

A legislação florestal brasileira precisa urgentemente ser mais bem definida, através de um grande pacto. Convoque-se uma conferência científica para viabilizá-lo.

Seria a melhor oportunidade para se superar uma burrice: o estabelecimento de percentuais fixos para a preservação e exploração agropecuária. A lei atual não distingue uma propriedade paulista localizada nas planícies férteis de Ribeirão Preto de outra encravada nas montanhas arenosas de Minas Gerais. Ambas podem derrubar — ou explorar — o mesmo percentual de suas áreas. O critério é matemático, não ecológico nem agronômico.

O consenso chama-se “zoneamento ecológico-econômico”. Rigoroso, participativo, é o planejamento ambiental que deve moderar a ocupação produtiva, regulando-a em função da capacidade de uso dos solos. Pouco importa a localização no mapa geográfico. Fundamental será a característica do ecossistema.

Quem mais se oporá à moratória florestal serão os madeireiros. Aqui está o grande vilão. Enquanto o Ibama e os órgãos ambientais continuam perseguindo agricultores que carpem suas leiras de irrigação, prosseguem os graúdos a devastar a floresta amazônica. Na barba das autoridades.

Prendam os bandidos florestais e dêem uma chance aos agricultores. Antes da multa, a pedagogia. Os produtores, com certeza, toparão essa parada. Em favor das árvores, do futuro.

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