Perspectiva zero

‘Reforma sindical é inconstitucional e não passa no Congresso’

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13 de setembro de 2004, 19h30

A proposta de reforma sindical que será enviada ao Congresso Nacional é inconstitucional e não deverá ser aprovada. A opinião é do juiz José Carlos Arouca, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Para ele, a reforma fere os princípios da unicidade sindical e do poder normativo da Justiça do trabalho, ambos garantidos pela Constituição.

Fazem parte do projeto cerca de 230 artigos que alteram a estrutura sindical do país. Entre as mudanças previstas está o fim do imposto sindical, equivalente a 3,33% do salário de março do trabalhador.

Arouca é autor do livro “O Sindicalismo em um mundo globalizado”. Recentemente, o magistrado foi escolhido como membro da Academia Nacional do Direito do Trabalho. A data da posse ainda será marcada pela instituição. Arouca também integra o Instituto de Direito Social Cesarino Júnior.

Leia a entrevista publicada no site da Anamatra

Qual a opinião do senhor sobre a proposta de reforma sindical que já foi finalizada pelo Fórum Nacional do Trabalho e deve ser encaminhada ao Congresso Nacional nos próximos meses?

Essa reforma está sendo feita reservadamente e com informações desencontradas. Estou chegando do Rio de Janeiro, onde fiz uma palestra, e, surpreendentemente, uma advogada lá presente me disse que o sindicato patronal que ela assiste recebera um ofício da Delegacia do Trabalho do Rio convocando o sindicato para participar de um encontro no qual seria apresentado um relatório sobre a reforma. Hoje, no site do PC do B dá conta de que, na verdade seria a entrega, no Recife, do anteprojeto de reforma da lei sindical. Não conheço esse anteprojeto, conheço o relatório final. Pela análise que fiz, os anteprojetos destoam muito do consenso presente no relatório final. Há uma coisa que deixa perplexo: eu não podia acreditar na hipótese de se remeter para o Congresso um projeto de lei ordinária, sem antes haver uma PEC, uma proposta de emenda constitucional. Porque os anteprojetos, tal como estão redigidos atentam decisivamente contra vários dispositivos da Constituição. A começar pelo Parágrafo 2° do Artigo 114, que assegura o poder normativo da Justiça do Trabalho e que acaba com o anteprojeto. Em segundo lugar fere o Artigo 8°, Inciso 2° que contempla a unicidade sindical e daí por diante.

O que pode ocorrer se o projeto for enviado para o Congresso sem alterações no texto?

Se for, ele não passa da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), porque é absolutamente inconstitucional. Como que vai acabar com a unicidade sindical sem reformar o Inciso 2°? Como que vai acabar com o poder normativo sem reformar o Artigo 114? O pessoal é técnico. O que está havendo de atropelamento é a forma como estão redigindo, como estão fazendo esse trabalho. A comissão tem o seu projeto de reforma constitucional. Em um trabalho recente que levei à publicação eu digo o seguinte: que não precisa fazer um dispositivo constitucional detalhista como o Artigo 8° atual. Basta repetir, por exemplo, o que está na Constituição de 1946: a organização sindical é livre e será conforme a regulamentação ordinária.

Qual seria então a reforma sindical ideal?

Em primeiro lugar, nós precisamos analisar os nossos tempos. E esses tempos não são os tempos de 1946 e nem de 1988. Hoje é o tempo da globalização, da redução de postos de trabalho, da terceirização da mão-de-obra. A própria reforma da legislação sindical conduz a que? A aquilo que a oposição criticava no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ou seja, a adoção do negociado sobre o legislado. É o diálogo social a partir de sindicatos fortalecidos para um regime de parceria entre capital, trabalho e o governo por meio do contrato coletivo de trabalho. Isso tudo leva, segundo as declarações dos ministros Jacques Wagner (Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Ricardo Berzoini (Trabalho e Emprego) e do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à prevalência do legislado sobre o negociado. Esse é o propósito assumido dessa reforma. Para mim, nesses tempos bicudos, o essencial é manter a unidade dos sindicatos. Não vejo razão para dividir, ainda mais quando a idéia original era ótima. Era interiorizar os sindicatos nos locais de trabalho, o que implicaria na democratização dos sindicatos.

Então a proposta de reforma que está sendo fechada enfraquece os sindicatos?

Vale aquilo que prenunciou o então presidente da CUT (Centra Única dos Trabalhadores), João Felício, que dizia o seguinte: a reforma sindical implodiria os sindicatos. E vai implodir mesmo. Agora, isso é bom? Acredito que não. A começar por essa história de um índice de representatividade alto quando está havendo desemprego, quando está havendo o afastamento dos trabalhadores do sindicato por causa inclusive da política salarial tabelada. O que adianta negociar? Vai negociar única e exclusivamente, se conseguir, a recomposição dos salários de acordo com a inflação.

O senhor avalia que esse texto resultou de uma conseqüência de uma discussão demasiadamente restrita da reforma pelo Fórum Nacional do Trabalho?

Acredito que a discussão foi até ampla, mas não sei se os interlocutores estão habilitados para representar todo o conjunto de empresários e de trabalhadores. O que a reforma priorizou foram as centrais sindicais. Então o que elas fizeram: elas vão se tornar, conforme está no relatório final, o órgão de direção dos sindicatos e do movimento sindical. Os sindicatos perdem esse poder que têm até agora e passam a ser uma divisão das centrais. Elas é que vão fazer aquelas negociações de nível nacional, onde irá constar também o que o sindicato pode e o que ele não pode negociar no nível inferior. É a prevalência total das centrais sobre os sindicatos. No meu modo de ver, anulando inclusive as individualidades, que estão bem colocadas no Inciso 2° do Artigo 8°, que diz que os trabalhadores e os empregadores interessados é que definirão suas organizações sindicais.

Na avaliação do senhor ainda há como salvar essa reforma?

A reforma não foi obtida por meio de consenso. A CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), por exemplo, que é a terceira central mais expressiva se afastou do Fórum do trabalho. As confederações que tinham sido alijadas no Fórum constituíram um fórum paralelo e se adiantaram ao governo, apresentando um projeto na Câmara dos Deputados, mas que ao meu modo de ver não atende aos interesses dos trabalhadores. Quando o projeto do governo chegar no Congresso, haverá uma ampliação da discussão com a participação de segmentos que até agora não opinaram. Não conheço a posição da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Não conheço a posição da Anamatra, bem como a do Ministério Público. A comissão de notáveis criada pelo governo poderá dar uma repassada no texto e melhorá-lo antes de a reforma ser enviada ao Legislativo. Há uma série de segmentos sociais interessados na reforma, mas eles sequer foram ouvidos. Do jeito que essa reforma está ela não passa nem pela CCJ. Encaro essa reforma com muitas reservas, assim como encarei a reforma do Judiciário, que durou 12 anos e não trouxe nada. A reforma sindical, para mim, deveria garantir de fato a democratização interna dos sindicatos, inclusive com a participação das minorias. Esse é um projeto que pretende ser moderno, mas que não atende esse primado da estrutura sindical aliado à cidadania.

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