Questão de competência

MP contesta decisão que afrontou acórdão do TJ de Mato Grosso

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11 de setembro de 2004, 7h01

O Ministério Público de Mato Grosso apresentou reclamação ao Tribunal de Justiça contra a decisão que extinguiu Ação Civil Pública que acusa os deputados estaduais José Riva e Humberto Bosaipo, o ex-policial e empresário João Arcanjo Ribeiro, e mais noves servidores da Assembléia Legislativa, de desvio de verbas e apropriação indevida de dinheiro público.

A reclamação foi motivada pela decisão do juiz da 3ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá, Alberto Ferreira de Souza, que extinguiu uma Ação Civil Pública por improbidade administrativa, sem julgamento do mérito, alegando que a competência para apreciação seria do Tribunal de Justiça.

Os promotores afirmam que a extinção do processo contraria decisão já proferida pelo Tribunal de Justiça em relação à mesma Ação Civil Pública, em 5 de julho de 2004. Na ocasião, o juiz convocado Círio Miotto, relator da questão, declinou da competência em favor de uma das Varas Especializadas da Fazenda Pública de Cuiabá.

Segundo entendimento do relator, o Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar ações civis públicas por improbidade administrativa e as que figuram no pólo passivo deputados estaduais.

“A decisão do Tribunal Pleno sobre a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, que estendeu o foro privilegiado por prerrogativa de função para determinadas autoridades às ações de improbidade, vincula os demais órgãos de execução do Judiciário Estadual, portanto, devia ter sido respeitada, não podendo ser repugnada de forma tão simplista e pragmática”, registrou o Ministério Público.

O objetivo da reclamação apresentada pelo Ministério Público ao Tribunal de Justiça é restabelecer a autoridade do Acórdão da Ação de Arguição de Inconstitucionalidade 38.486/2003.

A Ação Civil Pública proposta contra os deputados, os nove servidores do Parlamento e João Arcanjo Ribeiro refere-se a fraudes de desvio de verbas e apropriação indevida de dinheiro público. Os prejuízos causados ao erário, segundo o Ministério Público, giraram em torno de R$ 6,8 milhões.

Leia a íntegra da representação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO,

por seu Procurador Geral de Justiça e pelos agentes de execução atuantes nas 22ª e 23ª Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Capital, ao final assinados, no exercício da função institucional prevista no art. 129, III, da Constituição Federal e no art. 29, inciso VI, da Lei nº 8.625/93 e art. 26, da Lei Complementar Estadual nº 27/93, vem perante Vossa Excelência com fundamento no art. 15, inciso I, alínea “t”, e art. 231, ambos do Regimento Interno deste Sodalício, apresentar…

R E C L A M A Ç Ã O

….em face da decisão proferida em 20.08.04 (doc. 01) pelo Magistrado da 3ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá, Dr. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, presidindo os autos de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA nº 1.352/03 (código 166612), em trâmite na 3ª Escrivania da Fazenda Pública da Comarca da Capital, com o propósito de garantir a autoridade do Acórdão proferido em 13.11.03 pelo Tribunal Pleno nos autos da Ação de Argüição de Inconstitucionalidade nº 38.486/2003 (doc. 02), nos termos do art. 169 do Regimento Interno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (RITJMT), e art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

O cabimento da Reclamação e o seu processamento encontra-se previsto, no Regimento Interno deste Sodalício, nos arts. 231 e seguintes.

“Art. 231. Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.

Parágrafo único – A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal, instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao Relator da causa principal, sempre que possível”.

In casu, a competência para julgamento da presente é do Tribunal Pleno, conforme se depreende da leitura do artigo 15 do Regimento Interno do TJ-MT:

“Art. 15. – Compete ao Tribunal Pleno: I – Processar e julgar originariamente:

(…)

t) as reclamações para preservação de sua competência e garantia de suas decisões”.

O Supremo Tribunal Federal, recentemente manifestou-se sobre o cabimento de Reclamação, nos Tribunais Estaduais, em Acórdão assim ementado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ? ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA ‘J’ DO REGIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL ? PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO ? INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ? INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA.


1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF).

2. A reclamação constitui instrumento que, aplicado no âmbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro Tribunal local.

3. A adoção desse instrumento pelos Estados-membros, além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais.

4. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente”. (STF – ADI-2212/CE – PLENO – Relatora Ministra ELLEN GRACIE – j. 02/10/2003 ? DJU de 14/11/2003, p. 00011).

Para melhor compreensão deste Egrégio Tribunal de Justiça, mister se faz resumir a matéria fática e jurídica abordada na ação civil pública nº 1.352/2004.

Em 10.09.03 o Chefe do Ministério Público aviou ação civil pública, nos moldes da Lei 8.429/92, neste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob o protocolo nº 33.176/2003, em desfavor aos parlamentares JOSÉ GERALDO RIVA e HUMBERTO MELO BOSAIPO, e ainda dos Réus JOÃO ARCANJO RIBEIRO, NIVALDO DE ARAÚJO, LUIS EUGÊNIO DE GODOY, NASSER OKDE, GUILHERME DA COSTA GARCIA, FRANCISCO DE ASSIS RABELO NETO, CRISTIANO GUERINO VOLPATO, JURACY BRITO, NILSON ROBERTO TEIXEIRA, JOSÉ QUIRINO PEREIRA e JOEL QUIRINO PEREIRA.

Em síntese, trata a lide acima referida de diversas fraudes de desvio de verbas e apropriação indevida de dinheiro público.

As fraudes foram perpetradas pelos integrantes da Mesa Diretora daquela Casa de Leis e alguns dos servidores, mancomunados com terceiros particulares em má fé, que geraram o vultoso prejuízo de R$ 6.858.468,42 (seis milhões, oitocentos e cinqüenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e oito reais, e quarenta e dois centavos), pelo engenhoso artifício de emissão de cheques a empresas “fantasma” ou inexistentes, verdadeiramente inidôneas.

Restou adredemente apurado no Inquérito Civil nº 020/2003 que os Deputados JOSÉ RIVA e HUMBERTO BOSAIPO pessoalmente ou através dos servidores NASSER OKDE, LUIZ EUGÊNIO DE GODOY, JURACY BRITO ou CRISTIANO GUERINO VOLPATO, compareciam ao estabelecimento Confiança Factoring, portando os cheques emitidos pela Mesa Diretora, tendo como supostos beneficiários as diversas empresas “fantasma”, montadas e administradas pelos irmãos Contadores JOEL QUIRINO e JOSÉ QUIRINO, e lá na Factoring convertiam os referidos cheques (já endossados) em dinheiro.

Para viabilizar a operação e transformar os cheques emitidos pelos parlamentares JOSÉ RIVA e HUMBERTO BOSAIPO, contra a conta corrente da Assembléia Legislativa, imediatamente em dinheiro e colocar o numerário à disposição dos Réus, entrava em ação a pessoa do co-requerido NILSON ROBERTO TEIXEIRA, Gerente da Confiança Factoring, agindo a pedido dos Deputados e sob as ordens de seu patrão, o famoso “Comendador” JOÃO ARCANJO RIBEIRO.

Após tempestuoso tramitar da ação civil pública no Tribunal Pleno desta Egrégia Corte, em 05.07.04, portanto, quase um ano após a distribuição e sem que ainda tivessem sido apreciados os requerimentos iniciais e liminares efetuados pelo Ministério Público, o culto Relator do feito, Dr. CÍRIO MIOTTO, houve por bem em declinar da competência em favor de uma das Varas Especializadas da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá (vide doc. 03).

Remetida à primeira instância, a ação foi distribuída à 3ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca da Capital, onde atua o ilustre Magistrado, ora Reclamado, Dr. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, ganhando nova numeração – Feito nº 1.352/2004, código 166612.

O Ministério Público, na esperança de que desta feita a ação seria regularmente processada, peticionou nos autos, reiterando os pedidos liminares de afastamento de cargo/função pública e indisponibilidade dos bens dos Réus, mas para surpresa do Autor, o preclaro Magistrado, ora Reclamado, sem adentrar no mérito dos pedidos liminares, exarou o inusitado decisum (doc. 01) assim redigido:

“(…) Versam os autos civil pública colimando ressarcimento do erário estadual mercê das conseqüências advindas de improbidade administrativa, aforada pelo Ministério Público local, contra José Geraldo Riva [Presidente da Assembléia Legislativa local], Humberto Melo Bozaipo, ambos Deputados Estaduais, e outros. Juntou documentos. Posta a substância, decido. Porque absoluta a incompetência deste Juízo, urge seja, ex officio, declarada, em estrita vassalagem ao disposto no art. 113 do pergaminho processual.


Com efeito, à saciedade, os autos dão-nos conta de que a prática verberada restou, em tese, perpetrada por Deputados Estaduais desta unidade federada. Impende, pois, perscrutar, se faz-se presente o pressuposto de admissibilidade da relação processual, dizendo com a competência do juízo. Consoante assentamos alhures, estamos que não. Deveras, de lege lata [art. 84, § 2º do CPP c/c art. 29, § 4º da Carta Estadual], a competência pela prerrogativa de foro, em razão do exercício de função pública, mercê de ação decorrente de improbidade administrativa praticada por Deputado Estadual e outros, vem de ser afeta ao Tribunal de Justiça respectivo, prorrogando-se em relação aos demais requeridos [outros – vis atrativa]. Ora, a Lei nº 10.628/02 diz que a ação de improbidade será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública.

A lei está sendo examinada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI 2797], cuja liminar foi indeferida, impondo-se, até o julgamento final [mérito], seja de todo observada, porquanto, à evidência, continua em pleno vigor. Intelecção que não venha de quadrar a dito estado de coisas, para além de inovar na ordem jurídica, em subido menoscabo ao Estado Democrático de Direito, faz tabula rasa do princípio do juiz natural, com manifesta vulneração às clausulas pertinentes, dispostas no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal. Ação de improbidade. Ex-Governador de Estado. Posse como Deputado Federal. Lei nº 10.628, de 24/12/02. Competência do Supremo Tribunal Federal. 1.

Devem os autos da presente ação de improbidade, proposta contra ex-Governador de Estado, atual Deputado Federal, ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal diante da Lei nº 10.628, de 24/12/02, e da Decisão monocrática proferida pelo Supremo Tribunal Federal (McRCL nº 2.381-8, Relator o Ministro Carlos Ayres Britto, DJ de 15/10/03), confirmada pelo Plenário, em 06/11/03, ao desprover agravo regimental do Ministério Público Federal. Segundo a orientação adotada, o referido diploma deve ser cumprido até o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade respectiva, na qual foi indeferido o pedido cautelar de suspensão.

2. Agravo regimental desprovido. [AGP 2589, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 14.06.2004, p. 00152] AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. DECISÃO CONCESSIVA DE MEDIDA LIMINAR QUE DETERMINOU O SOBRESTAMENTO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO, VISANDO À APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ALEGADAMENTE PRATICADOS POR EX-GOVERNADOR DE ESTADO, HOJE SENADOR DA REPÚBLICA.

Enquanto não sobrevier o julgamento de mérito da ADI 2.797, é desta colenda Corte, nos termos do artigo 84, § 2º, do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei nº 10.628/2002), a competência para processar e julgar ação de improbidade administrativa a ser ajuizada em face de Senador da República. Agravo regimental desprovido [Rcl 2.381/MG – Rel. Ministro Carlos Britto]. Logo, faltante pressuposto de constituição válida da relação processual, dou-a por extinta. Sem custas e sem honorária.

P. R. I.

Cuiabá, 20 de agosto de 2.004.

Alberto Ferreira de Souza

Juiz de Direito”

Tal decisão contraria, expressamente, decisão anterior deste Egrégio Tribunal de Justiça, causando sérios gravames à parte autora, impedindo-lhe o acesso à jurisdição.

Ocorre que em 13.11.03 o Tribunal Pleno dessa Egrégia Corte proferiu, à unanimidade, nos autos da Ação de Argüição de Inconstitucionalidade nº 38.486/2003 ? Classe II-37, interposta na Ação Penal Pública Originária nº 14.545/2003 – Classe I-02 – Capital, acórdão declarando incidenter tantum a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, cuja redação foi dada pela Lei 10.628/2002. Restou assim ementado (doc. 02):

“PROCESSO PENAL – CONSTITUCIONAL – AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA – ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – EX-PREFEITO – CRIMES COMUNS E DE RESPONSABILIDADE – NÃO CARACTERIZADA A COMPETÊNCIA ESPECIAL DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO – CANCELAMENTO DA SÚMULA 394 DO STF – INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DOS §§ 1º e 2º DO ARTIGO 84 DO CPP, ALTERADO PELA LEI 10.628/02 – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE 1º GRAU – QUESTÃO DE ORDEM.

O ex-prefeito não goza de foro especial por prerrogativa para crimes de comuns ou de responsabilidade, mesmo quando estes lhe tenham sido imputados na vigência do mandato eletivo, compete, então, ao juízo de 1º grau da comarca de origem processar e julgar a ação penal pública. Declarada a inconstitucionalidade incidenter tantum dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, com redação da Lei nº 10.628/2002″.

Esta decisão reflete aplicação obrigatória para todos os órgãos judicantes deste Judiciário, em razão da dicção art. 169 do Regimento Interno do Egrégio TJ-MT, verbis:


“Art. 169. A decisão que declarar ou rejeitar a inconstitucionalidade, se for proferida por quorum superior, a maioria absoluta dos membros do Tribunal Pleno ou reiterada em mais duas sessões, será de aplicação obrigatória para todos os órgãos do Tribunal, salvo se qualquer deles, por motivo relevante, achar conveniente novo pronunciamento do Tribunal Pleno, ou se houver ulterior decisão, em sentido contrário, do Supremo Tribunal Federal, tratando-se da Constituição da República, ou do próprio Tribunal quando se trata da Constituição do Estado”. (grifo nosso)

A determinação acima prestigia o princípio da economia processual, uma vez que torna desnecessário, em cada caso concreto, novo pronunciamento do Plenário da Corte Estadual, bem como está em consonância com o preconizado no parágrafo único do artigo 481 do Código de Processo Civil:

“Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

É pacífico o entendimento jurisprudencial, inclusive, no Superior Tribunal de Justiça, quanto a vinculação do órgão fracionário à decisão proferida pelo Plenário em sede de controle difuso de constitucionalidade:

“PROCESSUAL CIVIL. ARTS. 535, II E 481, § ÚNICO DO CPC. VIOLAÇÃO COMPROVADA. EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES DO PLENÁRIO DO STF. 1. Os Tribunais, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, devem observar a norma dos arts. 97 da Constituição e 480-482 do CPC, que determinam a remessa da questão constitucional à apreciação do Órgão Especial, salvo se a respeito dela já houver pronunciamento deste órgão ou do Supremo Tribunal Federal.

Nesses casos, o órgão fracionário está dispensado de suscitar o incidente, devendo simplesmente invocar o precedente da Corte ou do STF, à cuja orientação fica vinculado. O que é ilegítimo, e ofende o art. 481 e seu parágrafo do CPC, é o acolhimento da inconstitucionalidade por órgão fracionário, sem submissão da matéria ao Plenário e, ainda mais, adotando entendimento contrário ao de precedente do STF. 2. Recurso especial provido”. (STJ – Resp-514246/RJ – Primeira Turma – Rel. Ministro Teori Albino Zavascki – DJ 08/03/2004 p. 00171)

“CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – TRIBUNAL PLENO – ORGÃO ESPECIAL – CONSTITUIÇÃO, ARTIGOS 97 E 93, XI – CPC, ARTIGOS 480 E 481-

I – Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo Órgão Especial poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo (CF, artigos 97 e 93, XI; CPC, artigos 480 e 481). Declarada a inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo, na forma acima indicada, as Turmas ou Câmaras darão aplicação, nos casos futuros, a decisão do Tribunal Pleno ou do Órgão Especial.

II – Inocorrência de contrariedade aos artigos 480 e 481, CPC. III – Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp nº 2566/RS – Segunda Turma – Rel. Ministro Carlos Velloso ? DJU de 11/06/1990, p. 05353)

Ao reconhecer a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal (com a nova redação da Lei 10.628/2002), o Tribunal Pleno tornou paradigma o venerando acórdão proferido na Ação de Argüição de Inconstitucionalidade nº 38.486/2003 (doc. 02) para as demais ações em trâmite nesta Corte e como conseqüência considerou que essa Corte é absolutamente incompetente, para processar e julgar ações civis públicas de responsabilidade por improbidade administrativa, como o da Ação Civil Pública nº 1.352/2003, onde figuram no pólo passivo Deputados Estaduais.

Tanto é assim que, em outro caso análogo, nos autos de Ação Civil Pública nº 28.789/2003 (Classe 6 – Feito não especificado/Inominado), que igualmente tramitou no Tribunal Pleno desta Corte, onde eram partes Autor: Ministério Público Estadual, e Réus: Deputado SÉRGIO RICARDO DE ALMEIDA e outro, o augusto Relator CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA obrou com a mesma exegese (vide decisão – doc. 04):

“(…) Com o advento da Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, a douta Procuradoria Geral de Justiça endereçou a ação a este Tribunal em face da prerrogativa de função afeta a Sérgio Ricardo de Almeida por ter sido eleito Deputado Estadual. Em ação distinta a mesma douta Procuradoria Geral de Justiça, sustentando a inconstitucionalidade do § 2º, do art. 84, do Código de Processo Penal, teve seu pleito levado ao julgamento pelo Tribunal Pleno, na data de 13.11.03, advindo, à unanimidade, a declaração incidental de inconstitucionalidade no processo n. 38.486/2003, da relatoria do Eminente Des. Paulo da Cunha.

Nos termos do artigo 169 do Regimento Interno todos os órgãos do Tribunal ficam vinculados à decisão, sendo de aplicação obrigatória. E agora, além da decisão citada acima, que por si só imponha a aplicação obrigatória, na sessão plenária do dia 12.08.04 o Tribunal Pleno apreciando a argüição de inconstitucionalidade suscitada nos agravos de instrumento nºs. 39467/2003, 39468/2003, 39894/2003, ratificou a decisão proferida anteriormente.


Pelo exposto, determino a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis da Comarca de Cuiabá, competente para receber e, se for o caso, processar a ação em epígrafe.”

Logo, nota-se que operou com lídima justiça e sereno senso constitucional o Relator CÍRIO MIOTTO, ao remeter os autos àquele r. Juízo de 1º grau, já que este Egrégio Tribunal, já havia decidido, tratar-se de competência funcional/absoluta do órgão jurisdicional de primeira instância.

A decisão do Tribunal Pleno sobre a inconstitucionalidade da lei 10.628/02, vincula os demais órgãos de execução do Judiciário Estadual, portanto, devia ter sido respeitada, não podendo ser repugnada de forma tão simplista, e pragmática como fez o Dr. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, em sua fulminante decisão terminativa, declarando-se incompetente para apreciar a ação, sob o argumento de que, nos termos da lei 10.628/02, a competência seria do Tribunal de Justiça, terminando por extingüir o feito, sem julgamento do mérito.

Ad argumentandum tantum, nem se cogite que a Lei Federal nº 10.628/03 goza de presunção de constitucionalidade em razão de ainda não haver sido declarado seu vício pelo Supremo Tribunal Federal, pois “(…) No sistema brasileiro, qualquer órgão judicante, sem exceção dos juízes singulares de primeira instância, pode deixar de aplicar a lei a um caso concreto, por considerá-la incompatível com os cânones constitucionais (…)” (SAHID MALUF in Teoria geral do estado. 22. ed. rev. e atual. pelo prof. Miguel Alfredo Malufe Neto, p. 200-201, São Paulo: Saraiva, 1993).

À guisa de protesto: É inconcebível e inaceitável que o Ministério Público Estadual intente uma ação civil pública, fundamentada em farta documentação e sérios indícios de graves danos ao erário, imputando ainda a prática de atos de improbidade administrativa, entre outros, a ninguém menos que o Presidente do Poder Legislativo Estadual e não receba resposta alguma do Poder Judiciário. Está ocorrendo, no presente caso, um verdadeiro cerceamento do direito de acesso à Jurisdição.

Portanto, em que pese o brilhantismo dialético e o esforço argumentativo contidos na sentença terminativa do Dr. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, exarada em 20.08.04 (doc. 01), a verdade é que seu dispositivo colide frontalmente com o Acórdão proferido pelo Tribunal Pleno da Corte Estadual na Ação de Argüição de Inconstitucionalidade nº 38.486/2003 (doc. 02), razão pela qual, faz-se necessário a intervenção desta Corte para restabelecer a autoridade do Acórdão retro citado.

Assim sendo, em consonância com o comando do art. 481, parágrafo único, do CPC e art. 169, do RITJMT e homenageando os princípios da economia processual e segurança jurídica, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, requer a Vossa Excelência a procedência da presente RECLAMAÇÃO, para restabelecer a autoridade emergente do Acórdão da Ação de Argüição de Inconstitucionalidade nº 38.486/2003 (doc. 03), ao feito da Ação Civil Pública nº 1.352/2004, determinando o seu regular processamento naquela 3ª Vara e Escrivania da Fazenda Pública desta Comarca de Cuiabá até seus ulteriores termos, por tratar-se aquele Juízo a quo do “juiz natural” preconizado constitucionalmente (art. 5º, LIII, da CF/88).

Por ser de justiça, aguarda acolhimento.

Cuiabá, 03 de setembro de 2004.

LUIZ EDUARDO MARTINS JACOB

Procurador-Geral de Justiça

ROBERTO APARECIDO TURIN CÉLIO JOUBERT FÚRIO

Promotor de Justiça

Relação dos Documentos que instruem a Reclamação (art. 231, § único, RITJMT):

Doc. 01 – Cópia da sentença terminativa proferida pelo Magistrado ALBERTO FERREIRA DE SOUZA em 20.08.04 nos autos de Ação Civil Pública nº 1.352/2004, que tramitou na 3ª Vara Especializada da Fazenda Pública, tendo como partes Autor: Ministério Público Estadual, e Réus: Deputados JOSÉ GERALDO RIVA e HUMBERTO MELO BOSAIPO e outros;

Doc. 02 – Cópia do acórdão proferido nos autos de Ação de Argüição de Inconstitucionalidade nº 38.486/2003, que tramitou no Tribunal Pleno do Egrégio TJ/MT;

Doc. 03 – Cópia da decisão proferida pelo Relator Dr. CÍRIO MIOTTO em 05.07.04 nos autos de Ação Civil Pública nº 33.176/2003, que tramitou no Tribunal Pleno do Egrégio TJ/MT, tendo como partes Autor: Ministério Público Estadual, e Réus: Deputados JOSÉ GERALDO RIVA e HUMBERTO MELO BOSAIPO e outros;

Doc. 04 – Cópia da decisão proferida pelo Relator CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA em 13.08.04 nos autos de Ação Civil Pública nº 28.789/2003, que tramitou no Tribunal Pleno do Egrégio TJ/MT, tendo como partes Autor: Ministério Público Estadual, e Réus: Deputado

SÉRGIO RICARDO DE ALMEIDA e outro.

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