Pena substituída

Editor nazista é condenado a quase dois anos de reclusão

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10 de setembro de 2004, 11h03

O editor nazista, Siegfried Ellwanger, foi condenado a um ano e nove meses de reclusão. A sentença do juiz Paulo Roberto Lessa Franz, da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, foi publicada esta semana. Cabe recurso ao TJ gaúcho.

Na sentença de 47 páginas, o juiz considera que mais do que a pena privativa da liberdade, “essa condenação, por si só, é suficiente”. Ele substituiu o confinamento pela prestação de serviços à comunidade e o pagamento de prestação pecuniária de 20 salários mínimos em favor da Associação Beneficente Fraterno Auxílio Cristão da Sagrada Família.

De acordo com a denúncia, os livros vendidos por Siegfried Ellwanger, a partir de 2 de novembro de 1996, na Feira do Livro, “trazem mensagens racistas, discriminatórias e preconceituosas, incitando e induzindo ao ódio e ao desprezo contra povo de origem judaica.”

A defesa do editor sustentou “a inexistência do crime de racismo na conduta do acusado, que apenas se constitui em práticas de cunho ideológico, contra o movimento sionista internacional e não contra os judeus”.

O juiz entendeu que está caracterizada “a conduta do acusado de desprezo ao povo judeu, ao se dedicar reiteradamente à edição, publicação e à venda de obras que exprimem manifestações puramente preconceituosas”.

Segundo o site Espaço Vital, o detalhe interessante é que — em função da decisão de 19 de março deste ano, do Supremo Tribunal Federal, negando o Habeas Corpus do editor contra sua condenação anterior — ele já perdeu a primariedade. De acordo com o site, “esse detalhe, certamente, comportará discussão sob o prisma processual nas novas etapas desta ação criminal”.

Histórico

1. O Mopar – Movimento Popular Anti Racista é formado pelo Movimento Judeu (representado por Luis Milman e Mauro Nadvorny), Movimento Negro (liderado por Luis Francisco Barbosa, juiz aposentado, hoje advogado ) e Movimento de Justiça e Direitos Humanos (na época dos fatos, Jair Krischke era o presidente).

2. Em 2/11/96, Luis Milman flagrou, na Feira do Livro, o editor Siegfried Ellwanger divulgando e comercializando os mesmos livros já proibidos face à condenação anterior por racismo. Milman foi até a Área Judiciária da Polícia e registrou queixa. Registrada a ocorrência, integrantes do Mopar foram ao juiz de plantão, Ícaro Carvalho de Bem Osório, que ligou para o relator do processo-crime que gerou a primeira condenação de Siegrfeid Ellwanger.

3. O desembargador Fernando Mottola confirmou a informação sobre a precedente condenação de Ellwanger e o juiz plantonista proferiu a decisão que mandou apreender os exemplares do livro “A História Secreta do Brasil”, da Editora Revisão. A apreensão foi feita.

4. Em 12/11/96, o advogado Luiz Francisco Barbosa comprou outro exemplar do mesmo livro, na editora de Siegfried Ellwanger e peticionou ao juiz plantonista.

5. Em 2/2/98. o promotor Rui Nazário de Oliveira apresentou denúncia. O Mopar se habilitou como assistente da acusação, tendo como seu representante processual o advogado Carlos Josias Menna de Oliveira.

6. Em 8/8/02, foram apresentadas as alegações finais.

7. A sentença condenatória foi proferida em 26 de agosto. O resumo foi disponibilizado, no site do TJ-RS.

Leia a íntegra da sentença

8ª VARA CRIMINAL

Nº de ordem:

Processo-crime n.º 1397026988 – 08720

IP n.º 0442/96/100329 – A

Data: 26/08/2004

Juiz Prolator: PAULO ROBERTO LESSA FRANZ

Autor: O MINISTÉRIO PÚBLICO

Acusado: SIEGFRIED ELLWANGER

Vistos etc.

01. Por entender configurada infração ao disposto no artigo 20, caput, da Lei 8.081 de 21.09.90, o representante do Ministério Público ofertou denúncia contra SIEGFRIED ELLWANGER, brasileiro, natural de Candelária-RS, separado judicialmente, nascido em 30/07/28, filho de Artur Ellwanger e de Annelise Castan Ellwanger, alfabetizado, residente na Rua Dr. Voltaire Pires, 300, ap. 04, Porto Alegre.

Narra a peça angular acusatória o seguinte fato delituoso:

“No dia 02 de novembro de 1996, durante o horário de funcionamento da Feira do Livro, na Praça da Alfândega, nesta cidade de Porto Alegre, o denunciado, na qualidade de sócio e dirigente da REVISÃO EDITORA LTDA, colocou em exposição para a venda ao público livros editados pela sua nominada empresa e sob sua única responsabilidade, cujos conteúdos trazem mensagens racistas, discriminatórias e preconceituosas, incitando e induzindo o ódio e ao desprezo contra povo de origem judaica. Tal conduta, aliás, é sistemática e reiterada por parte do denunciado, o qual já conta, inclusive, com condenação em processo dessa 8ª Vara Criminal por fato da mesma natureza.

Dentre as obras apreendidas, destacam-se, exemplificativamente, as seguintes, transcrevendo-se alguns trechos reveladores das mensagens anti-semitas:

DOS JUDEUS E SUAS MENTIRAS: “A QUESTÃO JUDAICA ! – Fantasmagórica, qual Ahasveros, há milênios ronda os destinos da humanidade como terrível incógnita! O que há com este povo que outrora rejeitou a graça divina, rejeitou o seu messias, perseguindo-o até os nossos dias com ódio implacável, que pregou na cruz e aos brados raivosos proclamou que seu sangue venha sobre nós e nossos filhos! Que papel lhe foi dado no seio dos povos onde vive, por toda a terra? Será o fermento da decomposição, que tudo destrói, o espírito que sempre nega? Já se viu em Mefisto o símbolo Judá, mas onde está a força que sempre cria o bem? Tudo perguntas sem respostas (…) Todos concordam, no entanto, em ver no judeu um perigo universal. Martin Luther, o grande Reformador alemão, merece destaque especial entre os que se ocupam da questão judaica. Espírito vigoroso, Lutero a princípio se empenhou na conversão dos judeus. Mais tarde, porém, experiências pessoais o convenceram do contrário, reconhecendo o grande perigo que Judá representa para o povo alemão, e isto já há mais de quatrocentos anos!” (Pág. 5 e 6).


Mais adiante: “As autoridades devem tratá-los como sugiro. E tu, cristão, quando vires um judeu, pense assim: olhe esta boca maldita, que todo o sábado ofende a Nosso Senhor, que derramou seu sangue por nós, e que reza para que eu e minha mulher e meus filhos morramos indignamente, transpassados por espadas (coisas que fariam pessoalmente, se pudessem), para apoderar-se dos nossos bens. Só no dia de hoje, quantas vezes não deve ter cuspido no chão, amaldiçoando Nosso Senhor?! E com uma boca destas devo compartilhar à mesa, escutá-la, beber e ouvi-la? Que me guarde Deus!” (Pág. 25).

SIONISMO X REVISIONISMO (de Sérgio Oliveira): após abordar a questão da escravidão do negro no Brasil colonial e imperial, e afirmar que o termo holocausto, criado para identificar o massacre dos judeus pela Alemanha, o autor faz a seguinte interrogação: Foram os portugueses os responsáveis por este holocausto?

E responde: “A historiografia oficializada responde afirmativamente a esta pergunta. Mas a análise fria dos fatos responde negativamente. Não foram os portugueses que colonizaram o Brasil, não foram autênticos lusitanos que implantaram aqui o sistema colonial, baseado na exploração da indústria açucareira. Não foram eles que desenvolveram o tráfico negreiro, que deram curso ao holocausto brasileiro. Os Noronhas, os Nunes, os Cavalcanti, os Lins e uma infinidade de outros sobrenomes aparentemente lusitanos, abrigavam cristãos-novos desejosos de fazer fortuna em plagas distantes, onde a Santa Inquisição os deixava em relativa paz. Foram estes cristãos-novos, em outras palavras, judeus disfarçados de portugueses, que vieram se instalar na costa brasileira com a finalidade única de fazer fortuna a qualquer custo” (Pág. 14).

CRISTIANISMO EM XEQUE (de Sérgio Oliveira): “Quando os povos cristãos e ímpios abriram generosamente as suas fronteiras aos emigrantes judeus, equiparando-os aos das outras nações, jamais poderiam imaginar que desse albergue a eterno conspiradores, sempre dispostos a trabalhar na sombra e sem descanso, até dominar o povo ingênuo que lhe abriu as portas. Sempre que algum país que abrigava os judeus sem pátria, acabou se dando conta do erro que cometera, expulsou-o de suas fronteiras. Foi o que aconteceu na Europa durante séculos a fio. Eles foram escorraçados e forçados a emigrar, constantemente, de um país para outro. Em muitos países tiveram de viver confinados em áreas especiais, os chamados guetos. Os judeus se especializaram na prática de usura (…) Essa ocupação, como não poderia deixar de ser, contribuiu ainda mais para agravar a animosidade contra eles” (pág. 48).

Mais adiante, depois de mencionar que o Presidente Getúlio Vargas chegou a adotar medidas drásticas contra a etnia hebraica, e de acusar os judeus de planejarem e executarem a intentona comunista, o autor escreve:

“Adolf Hitler foi, no século que caminhava para o ocaso,o grande nome que se opôs às forças ocultas nomeadas por Getúlio e Jânio Quadros. Ele não se restringiu em nomeá-las com rodeios ou subterfúgios, não se valeu de meias palavras, de mensagens enigmáticas. Afirmou em claro e bom tom: “Se as nações e a Igreja não se rebelarem contra a sinagoga de satanás, o globo terrestre mergulhará no abismo e, possivelmente, o planeta venha a girar sem vida para a eternidade.” Era uma época em que o arsenal nuclear não passava além do campo da ficção científica. Hoje, ainda que coma trégua entre os Estados Unidos e a Rússia, os arsenais atômicos não foram destruídos e os riscos continuam tão grandes como alguns anos atrás. A belicosidade de Israel e dos Hebreus espalhados pelo mundo, o domínio por eles exercidos junto aos governos, a ignorância dos povos ante o andamento do plano diabólico contido nos Protocolos, o enfraquecimento do Cristianismo – o mais tradicional inimigo dos judeus, tudo isso contribui para que a exortação de Hitler continue viva.” (Pág. 120/121)

Em HISTÓRIA SECRETA DO BRASIL (de Gustavo Barroso, obra em seis volumes, dos quais foram apreendidos cinco), onde o autor atribui ao povo judeu a autoria intelectual e a participação direta ou por meio de “organizações secretas” de manobras polícias, financeiras, religiosas e, inclusive, lutas armadas (citando especialmente a nossa Revolução Farroupilha), com o fim de golpear Governos e assumir o Poder no Brasil, desde o período colonial até a época atual, e noutros países, lê-se:

“As revoluções que deveriam cercear o poder real com a constituição, bem como separar o Brasil de Portugal e ir semeando as primeiras idéias republicanas, etapas das grande marcha mundial para o domínio de Israel, estavam decididas nos conluios secretos da maçonaria e da sinagoga. (…) É preciso compreender que o judaísmo está fora dos povos e quer o esmagamento de todos. Por isso lança uns contra os outros, lucrando com todas essas lutas. Seus agentes de qualquer espécie, portanto, podem figuram nos campos os mais opostos” (Vol.2, pág. 13).


“Estudemos perfunctoriamente o plano geral que a Tartufo-Maçonaria executa por conta do Poder-Oculto-Judaísmo. Se o Poder Oculto – expõe Copin-Albancelli – é um grupo humano, se representa raça, cujos membros estão unidos por um pacto social e religioso, essa raça possui aquilo que precisa para durar. Destruindo nas nações cristãs o pacto social e religioso que mantinha a duração desta, assim as torna inferiores e tem probabilidades de vencê-las. Substituindo este pacto pela religião materialista que suprime todo ideal, precipitando as nações na busca de um estado social tanto mais incoerente quanto é precisamente mais suscetível se tornar impossível este estado, o Poder-Oculto consegue pôr o mundo cristão em pleno absurdo, em completa demência, isto é, fora das leis da própria vida” (Vol.3, pág. 90/91).

“De braço dado com a maçonaria se encontram por toda a parte outras sociedades secretas, trabalhando em prol da RAÇA. Eufemismo com que os anônimos autores do manifesto retro escondem o seu preito de vassalagem vil, abjeta e infame à Raça Judaica, ao povo maldito de Israel. Em São Paulo, a Burschenchaft age de concerto com as lojas; no Pará, é o iluminismo; no Rio Grande do Sul, o carbonarismo, em cujos sete primeiros graus muito se fala no cristianismo para embair os papalvos; mas em cujos três últimos se declara guerra a toda religião e sociedade. No grau de mestre, o ritual carbonário acusa Nosso Senhor Jesus cristo por ter atentado contra a igualdade original dos homens, dizendo-se filho de Deus. No sétimo grau, o carbonário jura guerrear toda religião e todo governo positivo” (Vol. 4, pág. 04.)

“Para chegar a seus fins, o judaísmo mascara-se com todas as máscaras e manobras todas as maçonarias por meio de sua MÃO OCULTA de mauá ao braço de Carruthers, de castro & Cia, de Machester, distribuindo o ouro judaico que alimentava o derramamento de sangue brasileiro. Muito sangue de herói iria custar a República Riograndense …” (Vol. 4, pág. 23).

“Com essa insidiosa propaganda, mascarada sob o manto de estudos folclóricos ou etnológicos e culturais, o judaísmo perverte o são juízo da mocidade das altas classes e mergulha as baixas no culto macumbeiro e nos sortilégios do baixo espiritismo” (Vol. 4, pág. 74).

“No labirinto cretense das intrigas maçônicas que confundem e dilaceram a humanidade, em cujo insondável recesso se oculta satanicamente o Minotauro do judaísmo à espera do momento de devorar as gerações cristãs, o menor fio de ariandna não pode nem dever ser desprezado para nos guiar no dédalo trevoso e ensangüentado. Masé preciso, sobretudo, não ter medo do Minotauro. Quem o tiver estará perdido” (Vol.4, pág. 88).

“O judaísmo internacional não poderia permitir o desenvolvimento, o engrandecimento desse império que já se mostrava capaz de resolver as questões de sua vizinhança na ponta das baionetas e com elas arrancava de Buenos Aires um tirano acastelado havia longos anos e armado até os dentes. Era necessário enfraquecê-lo e, do dia para a noite, a crise bateu-nos às portas…Em julho de 1852, depois do triunfo de Caseros, o Governo Imperial tomou em Londres, por intermédio de Rotschild, um empréstimo de (…) a juros módicos de 41/2%, do qual nem cheiro sentia. Com esse ouro, que não chegou a sair dos cofres judaicos, resgatamos os remanescentes do empréstimo da independência, que já nos levava trinta anos de juros, e do empréstimo português, que ficara a nosso cargo. Só em 1882 nos libertamos desse peso! (Vol. 5, pág. 67)

“Em verdade, quando acompanhamos a marcha dos elementos judaicos se enquistando nas várias civilizações, sugando-as e abandonando-se, logo que se enchem de ouro, vamos encontrá-los após Cartago, em Alexandria, em Bizanco, em Veneza, em Lisboa, em Amsterdã e, afinal, depois de Israel, no pleno domínio do Império Britânico. Foram essas as etapas que o judaísmo foi percorrendo até construir, em Albion, um trono de ouro sobre o mar, como dizia Ruskin” (Vol. 5, pág. 82)

“Um dos efeitos da colonização bancária judaica é o aumento de impostos para pagamento da dívida crescente, encarecendo a vida e provocando a revolta da população contra os governos. O judeu, embora não pareça, é o único fator de tais desordens que enfraquecem o organismo nacional e preparam para o domínio do parasita. A Monarquia Brasileira sentiu isso em 1880, na questão chamada no Imposto do Vintém” (Vol. 6, pág. 42).

“Na verdade, assim, Israel gravou todos os povos com uma nova hipoteca que eles jamais poderão pagar com suas rendas. O domínio Universal que tantos conquistadores sonharam está nas mãos dos judeus … Jerusalém impôs tributo aos impérios. A melhor parte da renda pública do todos os Estados, o produto mais direto do trabalho de todos passa para a bolsa dos judeus sob o nome de juros da dívida nacional” (Vol. 6, pág. 44).”


Após parecer favorável do órgão ministerial, foi deferida a assistência à acusação aos integrantes do MOPAR – Movimento Popular Anti-Racismo. (fls. 81/82 e 82)

A denúncia foi recebida em 22/06/98.

O acusado foi citado (fl. 212) e interrogado (fls. 214/215), tendo, por defensor constituído, apresentado defesa prévia, com rol de testemunhas. (fls. 216/263)

Na instrução processual, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes (fls. 435/437, 463/467, 468/474, 475/477, 482 e 541), com a homologação da desistência das testemunhas Mauro Juarez Nadvorny e Sérgio Oliveira, requeridas pelo Ministério Público e pela defesa, respectivamente. (fl. 548)

No prazo do art. 499 do Código de Processo Penal, as partes nada requereram.

Em alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação do acusado, nos termos da denúncia. Sustentou que suas obras trazem conteúdos racistas e de incitamento à discriminação contra o povo judeu, não havendo identificação com o trabalho de um historiador. Ainda, alegou que se a Constituição Federal assegura o direito de livre expressão, também proíbe práticas discriminatórias, como o preconceito de raça, cor, etnia e procedência. (fls. 557/559)

No mesmo sentido, a assistência da acusação pugnou pela condenação, repetindo trecho do voto do Des. Fernando Mottola, no acórdão que condenou o acusado pelo mesmo crime, em outro processo por fatos similares.

Por seu turno, a defesa sustentou a inexistência do crime de racismo na conduta do acusado, que apenas se constitui em práticas de cunho ideológico, “contra o movimento sionista internacional” e não contra os judeus. Também asseverou que os judeus não constituem uma raça, razão pela qual contra eles não pode haver o crime de racismo. Aduziu que a denúncia imputa ao acusado um crime onde não há vítimas e que dele não resultou qualquer prejuízo. Citou trecho da sentença proferida pela juíza de 1º grau, quando do julgamento do processo nº 01391013255, segundo o qual as obras editadas pelo acusado apenas traduzem-se em manifestações de opinião e relatos sobre fatos históricos, incapazes de gerar qualquer sentimento discriminatório ou preconceituoso. Distribuiu longas críticas aos judeus, afirmando não terem sido eles vítimas do acusado. Asseverou que a lei em que fora enquadrado o acusado, foi aprovada e promulgada visando o próprio réu, em virtude das insistentes pressões da comunidade judaica junto a determinados parlamentares. Aduziu ser necessário um resultado do induzimento ou incitação ao racismo para que o crime reste configurado, salientando que no caso do acusado não há notícia de que as obras por ele editadas tenham levado leitores à prática de racismo. Sustentou que o acusado apenas reeditou alguns livros, como, por exemplo, “Dos Judeus e suas Mentiras”, de Martinho Lutero, editado pela primeira vez em 1.543, questionando se uma norma penal (art. 20 da Lei 7.716) pode retroagir para incriminar o que era livre, incriminando o acusado. Quanto à prova oral colhida, alegou que as testemunhas de acusação estão desprovidas de credibilidade, pois figuram como assistentes de acusação. Alegou que a todo indivíduo é reconhecido o direito da liberdade de pensamento, cabendo ao ofendido, se extrapolado o seu limite, o direito de resposta e/ou indenização. Ressaltou ser incompatível com a Democracia a proibição, a censura à livre manifestação de pensamento. Mencionou que o acusado está sendo perseguido em razão das suas publicações revisionais, apontando inverdades com relação ao holocausto. E mais, justificou que a oposição a sua revisão histórica deve-se à “Indústria do Holocausto”, ou seja, no objetivo dos judeus em obter vultuosas indenizações com base na verdade do holocausto. Frisou que o acusado é apenas anti-sionista, sendo ideológica a sua luta. Salientou que a obra “A história secreta do Brasil” de Gustavo Barroso, não tem qualquer conteúdo racista, caracterizando-se como obra de inestimável valor histórico, traduzindo a exploração que sofreram os brasileiros pelos cartéis internacionais, comandados pelos judeus. (fls. 565/614)

RELATEI.

DECIDO.

02. O acusado SIEGFRIED ELWNAGER responde a presente ação penal pela prática do crime de induzimento e incitação ao preconceito e discriminação – art. 20 da lei 7.761/89.

A materialidade do delito denunciado encontra-se consubstanciada frente à prova produzida no feito e através das obras “Dos Judeus e suas mentiras: A questão judaica”, “Sionismo X Revisionismo”, “O Cristianismo em Xeque”, “História Secreta do Brasil”, volumes II, III, IV, V e IV, todas acostadas aos autos.

O acusado, ao ser interrogado em juízo, nega a autoria do delito, ressaltando que as obras apreendidas não são de sua autoria, mas apenas publicadas pela editora Revisão Editora Ltda., de sua propriedade. Sustenta que as obras que edita têm conteúdo apenas histórico e ideológico, sem qualquer conotação racista. Aduz que os livros são frutos de revisionismo histórico, apresentando uma outra face da história. (fls. 214/215)


Ouvido por carta precatória, a testemunha Luiz Francisco Correa Barbosa informa ser fundador da ONG Movimento Popular Anti-Racismo, sendo atuante na área dos direitos humanos. Diz que não esteve presente na Feira de Livro em que estavam expostas as obras apreendidas, mas ficou sabendo do fato na qualidade de conselheiro da referida entidade. Afirma que entre os livros, havia uma obra de autoria do réu que considerava uma farsa o holocausto e que seria impossível o sacrifício de 6 milhões de judeus. Relata que o réu é controlador da Editora Revisão e que desde 1985 edita obras de cunho “revisionista”, como costuma entitular. Assevera que as obras editadas pelo acusado têm nítido caráter anti-semita, são obras racistas e nazistas. Não se considera vítima do réu, apenas aponta as infrações às regras constitucionais por ele praticadas. (fls. 435/437)

A testemunha Luís Milmann, ao ser ouvida em juízo, declara que esteve na Feira do Livro, sendo constatado que o acusado continuava expondo obras de conteúdo racista, pelo que já havia sido condenado pelo Tribunal de Justiça. Não recorda se o réu estava presente por ocasião do fato, mas informa que a banca era da editora de propriedade do acusado. Confirma ter lido algumas das obras, declarando que todas possuem natureza racista e discriminatória, especificamente contra os judeus. Alega que os livros continuam sendo oferecidos via internet. Não considera os judeus como uma raça, mas ressalta, in verbis: “racismo é um conceito negativo, ele só é utilizado para agredir, profanar a dignidade dos outros”. (fls. 463/467)

Em seus informes judiciais, Jair Lima Krischke narra que esteve na Feira do Livro no ano de 1996, constatando expostos, na banca da Revisão Editora, diversos livros, pelos quais o réu já havia sido condenado e cuja a circulação estava proibida. Refere que se dirigiu ao Palácio da Polícia, onde formalizou o boletim de ocorrência. Afirma que todas as obras apresentam conteúdo racista e anti-semita. Relata que alguns desses livros vinculam os judeus ao mundo do crime e ao crime organizado. Menciona que as obras continuam sendo oferecidas em um site da internet (www.revision.com.br) e que tal fato foi comunicado ao Ministério Público e à Polícia Federal. Informa que, quando do recebimento da denúncia no outro processo movido contra o acusado, por fatos semelhantes, foi determinada a busca e apreensão dos livros, bem como proibida a comercialização. Não entende como revisionistas as obras editadas pelo acusado, in verbis: “Para revisar é necessário analisar-se documentos, documentos verdadeiros, documentos que tenham calor, que sejam considerados cientificamente históricos. Agora, fazer um exercício de falsear a verdade, de modificar a verdade, isso é incompatível com aquilo que seria uma revisão histórica do ponto de vista científico, de rebuscar a história e reescrevê-la segundo fatos reais e concretos acontecidos.” (fls. 468/474)

Wander Ramage de Oliveira, ao depor em juízo, relata ter lido as obras publicadas pela editora do acusado, não tendo encontrado, em nenhuma delas, qualquer expressão que instigasse o racismo ou qualquer idéia preconceituosa. Diz que, anualmente, comparecia na Feira do Livro para adquirir os livros publicados pelo acusado e que, quando soube das dificuldades por ele enfrentadas, colocou-se à disposição para ajudá-lo, na qualidade de advogado. (fls. 475/477)

A testemunha Gilnei Castro Muller, ouvida por precatória, informa ter lido uma das obras do acusado, não tendo constatado nenhuma manifestação de desprezo ao povo de origem judaica. Sabe que os livros editados pelo réu tratam dos judeus e de Hitler, sendo dada versões diferentes do que a história costuma contar. (fl. 482)

Altair Reinehr, ao ser inquirido, declara ter lido todas as obras descritas na inicial, informando que nunca vislumbrou qualquer resquício de racismo a quem quer que seja. Diz nunca ter observado qualquer conduta racista do acusado. (fl. 541)

Esse, pois, o conjunto probatório coligido ao bojo dos autos.

Como suso mencionado, em seu interrogatório judicial, o acusado nega a prática delitiva que ora lhe é imputada, sustentando que as obras publicadas pela sua editora possuem conteúdo meramente histórico e de cunho ideológico, sem qualquer conotação racista e/ou discriminatória.

Todavia, entendo que tal não procede.

Basta uma breve leitura de alguns poucos trechos dos livros descritos na exordial, para que se desminta o argumento defensivo, constando-se, através do conteúdo das referidas obras, a escancarada apologia a idéias racista e preconceituosas contra o povo judeu.

É o que facilmente se verifica das passagens extraídas da obra “Dos Judeus e suas Mentiras: A Questão Judaica”, de Martin Luther, que passo a transcrever:

“A não compreensão das leis divinas, aliadas a seu orgulho e arrogância contra os pagãos, que não têm orgulho e por isso melhores, é atitude condenável deste falsos santos, blasfemos e mentirosos. Cida-se, pois, dos judeus e de suas escolas que não passam de ninhos diabólicos, cheias de blasfêmias, mentiras e arrogância contra Deus e todas as gentes, como só faz o próprio demônio;e onde vires um judeu pregar , saiba que ele está envenenando as pessoas, envenenando e matando com o maior descaramento. Não entenderam a ira de Deus; acham, ao contrário, que a blasfêmia, orgulho e outras maldades contra os não judeus, é servir ao seu Deus e resguardar sua nobre estirpe e sangue. Cuidado com eles!” – grifei, p. 13.

“Será que os profetas de Deus não tinham outra coisa para anunciar a estes malditos judeus, senão satisfazer seu apetite pelo ouro e pela prata? Eles nutrem aos não judeus um ódio fatal, herdado dos pais e dos não rabinos, ódio, como diz o Salmo 109, que lhes passa pelos ossos e pela carne, e, como não se mudam ossos nem carne, não mudará seu ódio nem seu orgulho, a não ser por um ato milagroso de Deus. Saiba pois, caro cristão, que não tens inimigo mais atroz, mais forte, mais venenoso do que o judeu convicto.” – grifei, p. 16.

“Em vez de matá-los, os deixamos impunes pelos assassinatos, blasfêmias e mentiras dando-lhes espaço entre nós; protegemos suas casas, suas escolas, suas vidas e seus bens, deixando que nos roubem, e ainda escutamos deles que nós devíamos ser espolidos e mortos! Os judeus proclamam que têm razões sagradas para nos destruir. As práticas contra nós são convicção religiosa! O que nós, cristãos, devíamos fazer com este povo maldito e amaldiçoado? Que fazer, já que os temos entre nós, para não compartilhar suas mentiras e blasfêmias? – grifei, p. 21.


O mesmo pode, ainda, ser observado no livro “O Cristianismo em Xeque”, de Sérgio Oliveira, em que o autor atribui aos judeus a prática de diversas “manobras”, visando a destruição do cristianismo e do catolicismo. A esse respeito, citam-se os seguintes passagens:

“A condenação do anti-semitismo por parte de João Paulo II dá margem para que os judeus ampliem pelo mundo inteiro sua manobra de amordaçamento de seus opositores. Esta manobra, que já vigora em alguns países, consiste – segundo Maurice Pinay (Complô contra a Igreka, p. 155/161), basicamente, no seguinte:

Primeiro passo: Conseguir a condenação do anti-semitismo, tornando-o inclusive sujeito às penas legais, por meio de hábeis campanhas e de pressões de todo o gênero, granjeando a simpatia e apoio de outros segmentos.

Segundo passo: Conseguir que os dirigentes políticos e religiosos, um após outro, passem a condenar o anti-semitismo visto como:

a)uma discriminação racial do mesmo tipo que a exercida pelos brancos de certos países contra os negro ou vice-versa;

b)uma simples manifestação de ódio contra o povo judeus, que contradiz a máxima sublime de Cristo: “Amai-vos uns aos outros”.

Dando ao anti-semitismo inicialmente esses e outros significados, conseguem os judeus ou seus agentes infiltrados nos governos, na mídia e na própria cristandade, iludir a boa-fé das pessoas levando-as a reconhecer como expressão de anti-semitismo toda e qualquer manifestação contrária aos interesses judaicos.

Terceiro passo: Depois de conseguirem essas condenações ao anti-semitismo, os judeus tratam de dar a esse vocábulo um significado muito diferente. Serão anti-semitas:

– aqueles que defendem os seus países das agressões do imperialismo judaico;

– aqueles que criticam e combatem a ação das forças judaicas (cinema e TV, por exemplo), que destroem a família cristã e degeneram a juventude, com a difusão de falsas doutrinas (Nova Era, por exemplo), ou de toda a classe de vícios;

– aqueles que, de qualquer forma, censuram ou combatem o ódio e a discriminação racial, que os judeus praticaram contra os cristãos, embora o neguem hipocritamente (…)” – grifei, p. 40/41.

“O que os judeus pretendem realmente, ao impor aos católicos a tese de ilicitude de combater a seita judaica, é conseguir a aquisição de uma nova carta de corso, que lhes permita prosseguir, sem embaraço, nos seus intentos.

Os judeus e seus cúmplices, muitos deles infiltrados na própria igreja, querem assegurar de forma cômoda o triunfo definitivo do imperialismo judaico, uma vez que se os cristãos se abstiverem de contra-atacar e vencer a cabeça de toda a conspiração , os seus tentáculos (comunismo, franco-maçonaria, movimento Nova Era, etc.), com todos os seus derivados, se dedicarão a atacar, de maneira solerte e impiedosa, as instituições religiosas, políticas e sociais da cristandade e do mundo inteiro.” – p. 54.

Por sua vez, através da publicação “Sionismo X Revisionismo”, de Sérgio Oliveira, o autor justifica como plenamente aceitáveis às críticas contra o povo judeu e sua cultura, sob o argumento de que se pretende um “revisionismo” histórico.

A mesma conotação discriminatória pode ser também observada em “História Secreta do Brasil”, de Gustavo Barroso, obra editada em seis volumes, na qual o autor traça uma leitura distorcida acerca dos fatos que marcaram a história do país, sempre apontando a participação do povo judeu em manobras políticas, religiosas e econômicas, baseadas em objetivos escusos.

Eis uma pequena amostra – e já suficientemente expressiva, do que propõe o autor:

“As revoluções que deveriam cercear o poder real com a constituição, bem como separar o Brasil de Portugal e ir semeando as primeiras idéias republicanas, etapas de grande marcha mundial para o domínio de Israel, estavam decididas nos conluios secretos da maçonaria e da sinagoga. Os movimentos e perturbações se manifestariam aquém e além mar, nos domínios da coroa portuguesa, às vezes até de maneira contraditória, o que serve para estabelecer a confusão dos espíritos desprevenidos. É preciso compreender que o judaísmo está fora dos povos e quer o esmagamento de todos. Por isso, lança uns contra os outros, lucrando com todas essas lutas. Seus agentes de qualquer espécie, portanto, podem figurar nos campos mais opostos.” – v. 2, p. 13.

“A conquista judaica – ensina Drumont – difere somente das outras no seguinte: é que, ao invés de proceder abertamente, se exerce pela entrega a Israel de todas as molas do governo, que por meio dos judeus, quer por meio de maçons, quer por meio de funcionários e magistrados comprados a dinheiro”. Podemos acrescentar em sã consciência: quer por meio da anarquia da sociedade, levada a efeito por indivíduos habitualmente transformados em verdadeiros instrumentos inconscientes do Poder Oculto que desarticula o mundo cristão. A obra de desarticulação tem como principal fator a imprensa mercantilizada, abastardada, mentirosa, péfida, judaizada.

Raiol viu isso demasiado bem para seu tempo, em que ninguém conhecia, como hoje se conhece, o plano maldito do judaísmo.” – v.3, p. 113.

“Aí está o porque o galo preto e a galinha preta são para o povo um sinal de morte. Vimos que a macumba não passa de um satanismo de fundo cabalistra, isto é, tem oculta a inspiração judaica, embora sua forma aparente africana. Por essa razão, Israel, usando da imbecilidade dos cristãos, e põe em moda, levando os desprevenidos, os ávidos de sensações estranhas e esnobes a freqüentá-la como coisa muito importante dos nossos costumes. Todo esse africanismo que anda por aí, apregoado como fonte imprescindível de nossa cultura (?), é simplesmente sugestão judaica para levar os tolos ao convívio dos animismos fetichistas, afastando-os desta ou daquela forma do verdadeiro espírito cristão da nossa civilização. (…) Com essa insidiosa propaganda, mascarada sob o manto de estudos folclóricos ou etnológicos e culturais, o judaísmo perverte o são juízo da mocidade das altas classes e mergulha as baixas no culto macumbeiro e nos sortilégios do baixo espiritismo.” – v. 4, pág. 74.

“A suprema habilidade do judaísmo é enganar os que insubordina, fazendo-os pensar que estão seguindo seus pensadores naturais.” – v. 4, p. 79.”

“De acordo com o legado do barão Hirsch, os judeus pretendem fundar sob o disfarce da colonização da República Israelita abrangendo essa parte do território sul-americano, onde entestam fronteiras Paraguai, Argentina, Brasil e Bolívia. Tudo poriam em prática pra minar e destruir a obra da civilização jesuítica-guarani processada de modo admirável.” – v. 4, p. 88.

“São sinceros, porque ainda não compreenderam que a revolução mundial de Israel é um plano diabólico e milenário que se vai desenrolando em etapas sucessivas e fatais, umas logicamente dependentes das outras, de modo a provocar o mínimo possível de reações.” – v. 4, p. 89.

É preciso nunca esquecer que o judaísmo não serve a ninguém, embora pareça; serve sempre a si próprio. Servia-se dos Farrapos atiçados pela carbonária, enquanto isso lhe conveio aos planos de enfraquecimento do Brasil e houve probabilidade de êxito. Abandonava-os no momento em que os via perdidos e subindo o calvário da desilusão e dos reveses.” – v. 5, p. 34.

“Praticamente, o povo judeu chega a não existir. Reduz-se hoje à maruja dos navios e aos mineiros do carvão. À sombra das famosas leis liberais inglesas, a camarilha judaica se apoderou do país, detendo os postos técnicos e de comando. O mundo tem a impressão de um governo inglês e de uma política inglesa, quando o que existe, na verdade, é um governo judaico com uma política judaica, agindo sob a camuflagem de Nação Inglesa”. – v. 5, p. 83

“Os judeus tomaram gosto pelo CRIME BRUTAL dos cananeus e quando se espalharam no mundo, tendo trocado a Bíblia pelo Talmud, passaram a sacrificar cristãos sempre que puderam. O sangue das vítimas, misturados ao vinho, serve para amassar o pão ázimo ou pascal, que assim se torna verdadeiro pão abençoado. Com o sangue cristão, de acordo com os ritos talmudistas, se preparam as fugatias ou fogaças da cerimônia que precede a ceia pascal nas famílias rabínicas. Depois de pedir a Deus de Moisés que lance sobre os não-judeus as dez maldições com que cobriu os egípcios, aspergindo a mesa com vinho, o chefe de família divide com os presentes os pães amassados com o sangue.” – v. 6, p.37.

“A maçonaria destruía no setor econômico-financeiro qualquer possibilidade de um Terceiro Reinado. O país estava definitivamente hipotecado ao judeu, a quem melhor convinha a República para mais seguramente realizar à custa de um povo explorado, verdadeira cobaia de laboratório, através da inópia ou pretensão de presidentes ou ministros da Fazenda, empréstimos, fundings, encampações, defesas de produtos, valorizações, desvalorizações, inflações, deflações, sustentamento de taxas cambiais, conversões, estabilizações e todos os demais malabarismos do gênero, a sua EXPERIENTIA IN ANIMA VIL!…” – v. 6, p. 45.

“Quem conhece a fundo a maçonaria sabe que ela obedece às sugestões e ao comando invisível do judaísmo, e que este se utiliza dela sem a menor compaixão pelos cristãos néscios que se iniciam nas lojas e lhe servem de instrumentos. Atiram-nos uns contra os outros ou os unem, conforme as necessidades. E, segundo os “Protocolos dos Sábios de Sião”, o judaísmo internacional destruirá a própria maçonaria no dia em que, de posse do domínio do mundo, dela não precisar mais.” v. 6, p. 48.


Ora, não há como negar o conteúdo racista e anti-semita das passagens supra transcritas, todas eivadas de preconceitos contra a raça judia, o que pode ser facilmente observado, por exemplo, diante das repetidas expressões pejorativas utilizadas – “conspiradores”, “destruidores”, “mascarados”, etc.

Mas não é somente isso que se verifica.

As obras editadas e publicadas pelo acusado caracterizam-se pela evidente e pretensiosa intenção de subverterem fatos sobejamente consagrados na história do Brasil e do mundo, sempre atribuindo aos judeus a responsabilidade pelas mazelas que marcaram o passar dos anos.

E é nessa linha de raciocínio que seguiu a defesa do réu.

No decorrer de seu longo arrazoado final, a defesa pretendeu, em vão, desqualificar os judeus, referindo-lhes longas e severas críticas, tentando demonstrar a procedência e a veracidade daquilo que o acusado intitula de “revisionismo histórico”.

Sobre esse aspecto, com brilhantismo manifestou-se o Dr. Procurador de Justiça, quando do recurso de apelação interposto pelo assistente de acusação, no processo em que restou o acusado condenado pela prática do mesmo crime e cujos argumentos a seguir transcritos reitero na íntegra:

“Tamanho o exagero nas inverdades históricas, criadas por sua inteligência ou pela de outros, cujas obras públicas, e a voracidade nos assaques aos judeus, homem e etnia, que somente podem ser entendidas em um contexto deliberadamente criminoso, atentatório de um dos bens mais valiosos que o ser humano pode titular, bem que a Conferência de Puebla disse ser inviolável, a dignidade do ser humano e da raça a que pertence, e que a CF erigiu em princípio fundamental, sem que haja mínimo espaço a uma discussão rotulada pelo sugestivo título de revisionismo, de que se vale o réu para fazer crer que seu único propósito é o de revisar a história, como se esta trágica passagem da história, aliás o maior conflito da história da humanidade e o momento decisivo da história do século XX, fosse passível de revisão em suas principais circunstâncias e, especialmente, em seus efeitos sobre a dignidade humana. Revisar o que é notório, fazendo-se de conta que o racismo, as idéias de eugenia e o anti-semitismo não tenham dado corpo à ideologia nazista, ideologia excludente e condenatória, é querer acobertar inverdades e preconceitos.” (Grifei – pág. 145/146)

Com efeito, como bem salientado pelo órgão ministerial, em sede de alegações finais, revisar fatos históricos é analisá-los à luz de documentos, provas e argumentos científicos, devendo o historiador demonstrar a sua investigação de forma isenta, com formulação de hipóteses lógicas e calcadas em bases factíveis.

Não é o que ocorre no caso dos autos.

As obras apreendidas e cuja exposição originaram a presente demanda, assim como os demais livros referidos quando do julgamento do processo nº 1391013255, apresentam conteúdo eminentemente racista e discriminatório contra o povo judeu, demonstrando, modo induvidoso, que a conduta do acusado está voltada para deliberadamente incitar a discriminação e ao ódio contra o povo judeu.

Portanto, não há falar-se em simples manifestações de opinião e relatos sobre fatos históricos incapazes de gerar qualquer sentimento discriminatório ou preconceituoso.

E aqui cumpre destacar ser totalmente despicienta a discussão acerca da verdadeira ideologia defendida pelo acusado, pouco importando que o mesmo se diga voltado contra o movimento sionista e não contra os judeus. O que releva é o evidente caráter discriminatório presente em todas as obras e flagrantemente dirigidos aos judeus, seja como povo, raça, religião, etc..

No mesmo sentido, salienta-se que a alegação defensiva quanto a ter sido a lei em que fora enquadrado o acusado aprovada e promulgada em razão das insistentes pressões da comunidade judaica, não tem qualquer fundamento jurídico e, portanto, revela-se absolutamente impertinente ao julgamento do presente feito, não merecendo a questão maiores esclarecimentos.

Ainda, cumpre registrar que pouco importa o comprometimento das testemunhas de acusação, por também atuarem como assistentes de acusação, uma vez que a prova dos autos é fartíssima e vem estampada frente às obras apreendidas por ocasião do fato descrito na inicial.

Por outro lado, sustenta a defesa que os judeus não constituem uma raça e, por essa razão, contra eles não poderia ser praticado o crime de racismo.

A questão já foi exaustivamente enfrentada pelas mais Altas Cortes deste país, em virtude do que passo a adotar as passagens dos votos a seguir transcritos, como razões de decidir.

Assim manifestou-se o Min. Jorge Scartezzini, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 15155, junto ao Superior Tribunal de Justiça:


“Pretende, agora, que tais fatos não lhes sejam imputados como “prática de racismo”, mas somente como “prática de discriminação”, já que, no seu entender, judeu não é raça, mas sim povo, devendo ser afastada a pecha da imprescritibilidade da pena. Logo, o cerne da questão, ao meu sentir, está em saber acerca da conceituação da palavra judeu, quer stricto, quer lato sensu, e seus desdobramentos, para averiguar se foi correta ou não a posição adotada pelo v. aresto de origem ao condenar o paciente pela incitação, indução e prática de racismo.

Inicialmente, verifico que a expressão racismo encontra o seguinte significado em nossos dicionários jurídicos:

RACISMO. 1. Direito penal. a) Teoria defensora da superioridade de uma raça humana sobre as demais; b) crime inafiançável e imprescritível consistente em fazer discriminação racial, sujeito a pena de reclusão; c) segregacionismo; tipo de preconceito conducente à segregação de determinadas minorias étnicas; d) ação ou qualidade de pessoa racista; e) discriminação e perseguição contra raças consideradas inferiores (Matteucci). 2. Sociologia Geral. a) conjunto de caracteres físicos, morais e intelectuais que distinguem certa raça; b) apego à raça” (DINIS, MARIA HELENA, in “Dicionário Jurídico”, vol. 4, Editora Saraiva, 1998, p. 29) – grifei.

“RACISMO. S. m. (Fr. Racisme) Dir. Pen. Forma extremada de preconceito que leva à segregação certas minorias étnicas. Segregacionismo. Cognato: racista (adj.), que é adepto ao racismo. CF. arts. 3 (IV), 4 (VIII), 5 (XLII); L 7716, de 5.1.1989. …” (OTHON SIDOU, J.M., in “Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas”, 2ª edição, Ed. Forense Universitária, p. 465) – sublinhei.

MANOEL GONÇALVER FERREIRA FILHO, ao comentar ao art. 5º do Texto Maior, assim se expressa acerca do tema:

“A forma comum de racismo é a afirmação da superioridade de certas raças em relação as outras, idéia antiga e que não será eliminada pelo sopro da lei. Todavia, correntes políticas se aproveitaram e se aproveitaram dessa idéia como bandeira, semeando a discórdia nas comunidades multirraciais. Mas é também racismo, e condenável, propugnar a separação das etnias, ainda que a pretexto de reparar injustiças antigas ou de favorecer a igualdade das condições.

Grave é o perigo social do racismo, particularmente em nações como a brasileira, em que se integram várias raças, cuja convivência pacífica é indispensável.

Por isso, já o constituinte de 1967 lembrara-se de determinar que o legislador punisse o preconceito de raça, como a sua difusão (art. 153, parág. 8º, in fine). O tratamento desigual em razão da raça é, portanto, condenado pelo preceito constitucional, devendo ser caracterizado como crime. …” (in Comentários à Constituição Brasileira de 1989”, vol. 1, 1997, Ed. Forense, p. 481).

No mesmo diapasão, CELSO RIBEIRO BASTOS (in, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2, 1989, Ed. Saraiva, os. 216 e 221) e JOSÉ CRETELLA JÚNIOR (in, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1, 1997, Ed. Forense, p. 481).

Assim, nossos doutrinadores pátrios são categóricos em afirmar, numa linguagem técnico-científico-jurídica que o legislador constituinte teve a intenção de não só punir o preconceito decorrente das diferentes raças, mas também aqueles oriundos das desigualdades relacionadas à etnia ou à grupos nacionais. Certas as palavras do parquet federal ao anotar que “… também configura racismo qualquer discriminação ilegal em relação a grupos de pessoas, quer sejam ligadas por uma cultura e religião comuns (católicos, protestantes, muçulmanos, budistas, judeus, etc.), quer sejam unidas pelo liames da mesma nacionalidade (alemães, americanos, argentinos, portugueses, israelitas, chineses, brasileiros, etc.), quer sejam jungidos por laços de origem regional semelhante (nordestinos, sulistas, etc.), quer sejam vinculados por outros traços emocionais ou psicológicos, tais como a aparência da cor da pele (negros, índios, europeus, mestiços, etc.). …” (fls. 641)” (Grifei)

No mesmo sentido, o Min. Maurício Correa, quando do julgamento do HC 82424 – STF, esclarece que, ao se aplicar o direito, o que deve ser considerado são os valores sociais, políticos e culturais construídos e consagrados ao longo da história da humanidade e que demonstram a existência de diversas raças.

Ou seja, os fatos demonstram que na concepção nazista, o povo judeu constitui uma raça, ou melhor, uma sub-raça, raça inferior da natureza humana, alicerce no qual se procurou justificar toda a tragédia que gerou o holocausto.

E é nessa linha que seguem os argumentos que passo a transcrever, os quais endosso na íntegra:


“A questão, como visto, gira em torno da exegese do termo racismo inscrito na Constituição como sendo inafiançável e imprescritível. Creio não se lhe poder emprestar isoladamente o significado usual de raça como expressão simplesmente biológica. Deve-se, na verdade, entendê-lo em harmonia com os demais preceitos com ele inter-relacionados, para daí mensurar o alcance de sua correta aplicação constitucional. Sobretudo levando-se em conta a pluralidade de conceituações do termo, entendido não só à luz de seu sentido meramente vernacular, mas também do que resulta de sua valoração antropológica e de seus aspectos sociológicos.

Nessa ordem de idéia, impende, de plano, examinar se ainda procede, do ponto de vista científico, a clássica subdivisão de raça humana aferível a partir de suas características físicas, especialmente no que concerne à cor da pela. Como se sabe, já não é de hoje que tal diferenciação não mais subsiste, o que agora encontra reforços nas descobertas desenvolvidas pelo Projeto Genoma (PHG).

(…)

Embora haja muito mais para ser desvendado, algumas conclusões são irrefutáveis, e uma delas é a de que a genética baniu de vez o conceito tradicional de raça. Negros, brancos e amarelos diferem tanto entre si quanto dentro de suas próprias etnias. Conforme afirmou o geneticista Craic Venter: “há diferenças biológicas ínfimas entre nós. Essencialmente somos todos gêmeos.”

(…)

Com efeito, a divisão do seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens. Disso resultou o preconceito racial. Não existindo base científica para a divisão do homem em raças, torna-se ainda mais odiosa qualquer ação discriminatória da espécie. Como evidenciado cientificamente, todos os homens que habitam o planeta, sejam eles pobres, ricos, brancos, negros, amarelos, judeus ou muçulmanos, fazem parte de uma única raça, que é a espécie humana. Isso ratifica não apenas a igualdade dos seres humanos, realçada nas normas internacionais sobre direitos humanos, mas também os fundamentos do Pentateuco ou Torá acerca da origem comum do homem.

(…)

Em conseqüência, apesar da diversidade de indivíduos e grupos segundo características das mais diversas, os seres humanos pertencem a uma única espécie, não tendo base científica as teorias de que grupos raciais ou étnicos são superiores ou inferiores, pois na verdade são contrárias aos princípios morais e éticos da humanidade. Pode-se concluir, assim, que o vetusto conceito – agora cientificamente ultrapassado – não nos serve para a solução do caso.

Na história observa-se que além das guerras pelo poder e território, a humanidade sublinha uma gama de ações que visaram, e às vezes ainda visam, a supremacia de um povo sobre o outro, sob a perspectiva de que esses últimos constituiriam uma raça inferior. Temos como exemplos marcantes desse triste episódio histórico o escravismo e o racismo.

Como tive a oportunidade de dizer improvisada manifestação na assentada em que se iniciou este julgamento, “se formos catalogar todo o sofrimento dos judeus desde a época em que Abraão saiu de Ur até hoje, presenciaremos repetidos fatos – amargos e terríveis – que macularam a história, humilhando e martirizando não uma raça – salvo as tresloucadas concepções de Hitler e de seus asseclas -, mas um povo. E a mais dura quadra, a mais triste, cruel, aquela que nos deixou marcados para o resto da vida foi a da Segunda Guerra Mundial, em que seis milhões de judeus foram mortos., exterminados em campos de concentração de Auschwitz, de Dechau e em tantos outros. Antes, porém, experiências sem nenhum sentido científico utilizaram esses seres humanos como cobaias, legando a alguns sobreviventes, a seus amigos e familiares, e à humanidade como um tudo lúgubres memórias e marcas indeléveis de dor e de aflição”.

(…)

Concebida e posta em prática a distinção, o povo judeu passou mesmo a ser considerado uma sub-raça, parte da composição teórica do nazismo em contraposição à supremacia da raça ariana, que deveria prevalecer sobre outras, particularmente sobre os judeus, para a limpeza da terra, objetivo final esse que quase se consuma com o genocídio perpetrado. Tal calamidade acabou superando, em milhões de vítimas, outra página triste da história da humanidade, a inquisição, que no seu período áureo teve como alvo maior também os judeus, cujo resultado atingiu a casa de muitos milhares de mortos, além de outras vítimas que foram condenadas com penas diversas, após torturas cruéis e desumanas, e ao confisco de seus bens, como registram estudos estatísticos posteriormente realizados, para dizer de sues efeitos apenas na Espanha e em Portugal.

(…)

Assim esboçado o quadro, indiscutível que o racismo traduz valoração negativa de certo grupo humano, tendo como substrato características socialmente semelhantes, de modo a configurar uma raça distinta, à qual se deve dispensar tratamento desigual da dominante. Materializa-se à medida que as qualidades humanas são determinadas pela raça ou grupo étnico a que pertençam, a justificar a supremacia de uns sobre os outros. …

(…)

Embora hoje não se reconheça mais, sob o prisma científico, qualquer subdivisão da raça humana, o racismo persiste enquanto fenômeno social, o que quer dizer que a existência das diversas raças decorre de mera concepção histórica, política e social, e é ela que deve ser considerada na aplicação do direito. É essa circunstância de natureza estrita e eminentemente social e não biológica que inspira a imprescritibilidade do delito previsto no inciso XLII do art. 5º da Carta Política.

(…)

Dessa forma, dúvida não pode haver que o anti-semitismo dogmatizado pelos nazistas constitui uma forma de racismo, exatamente porque se opõe a determinada raça, essa tida sob a visão de uma realidade social e política, tendente a hierarquizar valores entre certos grupos humanos. Pregar a restauração dessa doutrina, ainda que por vezes sob o disfarce de “revisionism”, como pretendeu o paciente em seus atos, é praticar racismo.”


Na mesma linha, argumentou o Min. Gilmar Mendes:

“A questão central trazida à análise do Supremo Tribunal Federal gira em torno do alcance do termo “racismo” empregado pelo constituinte no art. 5º, inciso XLII, para se considerar ou não imprescritível a conduta anti-semita atribuída ao paciente.

Parece ser pacífico hoje o entendimento segundo o qual a concepção a respeito da existência de raças assentava-se em reflexões pseudo-científicas. Nesse sentido, destaquem-se as considerações de Kevin Boyle:.

“Reconhecemos hoje que a classificação biológica dos seres humanos em raça e hierarquia racial – no topo da qual encontrava-se certamente a raça branca – era produto pseudo-científico do século XIX. Num tempo em que nós já mapeamos o genoma humano, prodigiosa pesquisa que envolveu o uso de material genético de todos os grupos étnicos, sabemos que existe somente uma raça – a raça humana. Diferenças humanas em aspectos físicos, cor da pele, etnias e identidades culturais, não são baseadas em atributos biológicos. Na verdade, a nova linguagem dos mais sofisticados racistas abandona qualquer base biológica em seus discursos. Eles agora enfatizam diferenças culturais e irreconciliáveis como justificativa de seus pontos de vista extremistas.” (Boyle, Kevin. Hate Speech – The United States versus the rest of the world? In: Maine Law Review, v. 53:2, 2001, p. 490)

É certo, por outro lado, que, historicamente, o racismo prescindiu até mesmo daquele conceito pseudo-científico para estabelecer suas bases, desenvolvendo uma ideologia lastreada em critérios outros.

A propósito da configuração da ideologia racista, anota Bobbio, que são necessárias três condições, que ele define como postulados do racismo como visão de mundo, verbis:

“1. A humanidade está dividida em raças diversas, cuja diversidade é dada por elementos de caráter biológico e psicológico, e também em última instância por elementos culturais, que, porém, derivam dos primeiros. Dizer que existem raças significa dizer que existem grupos humanos cujos caracteres são invariáveis e se transmitem hereditariamente.

[…]

2. Não só existem raças diversas, mas existem raças superiores e inferiores. Com essa afirmação, a ideologia racista dá um passo avante. Mas fica diante da dificuldade de fixar os critérios com base nos quais se pode estabelecer com certeza que uma raça é superior a outra.

[…]

3. Não só existem raças, não só existem raças superiores e inferiores, mas as superiores, precisamente porque são superiores, têm o direito de dominar as inferiores, e de extrair disso, eventualmente, todas as vantagens possíveis. A justificação do colonialismo se serviu sobretudo do segundo princípio: há não muitos anos, a União Soviética justificou a agressão ao Afeganistão sustentando que era seu dever dar uma ajuda fraterna ao povo vizinho ameaçado por inimigos poderosos. No entanto, o racismo jamais renunciou ao uso do terceiro princípio.” (Bobbio, Norberto. Elogio da Serenidade. São Paulo: Unesp, 2002. p. 127-128)

Daí concluir Bobbio:

“Não há necessidade de ler o Mein Kampf de Hitler para encontrar frases em que se afirma peremptoriamente que as raças superiores devem dominar as inferiores, porque já no tempo do colonialismo triunfante havia quem dizia, como o historiador e filósofo Ernest Renan, que a conquista de um país de raça inferior por parte de uma raça superior não tem nada de inconveniente. Mas foi apenas com o advento ao poder de Hitler que se formou pela primeira vez na história da Europa civilizada ‘um Estado racial’: um Estado racial no mais pleno sentido da palavra, pois a pureza da raça devia ser perseguida não só eliminando indivíduos de outras raças, mas também indivíduos inferiores fisicamente ou psiquicamente da própria raça, como os doentes terminais, os prejudicados psíquicos, os velhos não mais auto-suficientes.” (Bobbio, Elogio da Serenidade, cit., p. 128-129)

Já em 1932, como aponta Pierre-André Taguieff, em seu La force du préjugé, a referência ao termo “racista” apresentada pela Larousse restringia sua extensão aos “nacionais-socialistas alemães”, ao atribuir-lhes uma intenção assim descrita na referida enciclopédia:

“… eles pretendem representar a pura raça alemã, excluindo os judeus, etc.” (Taguieff, Pierre-André. La force du préjugé : essai sur le racisme et ses doubles, Paris, la Découverte, 1992, p. 149)

Surge assim, conforme Taguieff, um dos dois elementos centrais metafóricos constitutivos das definições do racismo – a pureza da raça – , por meio de uma referência que caracterizava o nacional-socialismo, antes mesmo de sua instituição como regime. O segundo elemento metafórico, a superioridade da raça, apareceu no suplemento de 1953 da mesma Larousse, que assim definiu o termo “racismo”:


“Teoria que tem por finalidade proteger a pureza da raça dentro de uma nação e que lhe atribui uma superioridade sobre as demais”. (Taguieff, La force du préjugé, cit.,p.149)

Continua Taguieff:

“Em 1925, no seu livro de referência sobre a Alemanha contemporânea, Edmond Vermeil reintroduziu proposital e expressamente o adjetivo ‘racista’ para traduzir o termo intraduzível alemão völkisch e sugeriu a identificação, que acabou se banalizando na década dos trinta, do racismo (alemão) ao anti-semitismo nacionalista ou às tendências anti-judaicas do movimento nacionalista na Alemanha dos anos vinte: ‘É assim que o partido nacional-alemão se dividiu em dois campos. A extrema direita ‘racista’ (völkisch) se separou do partido. O racismo pretende, assim, reforçar o nacionalismo, lutar, internamente, contra tudo que não é alemão e, no exterior, em favor de todos os que têm nomes alemães. Sua doutrina incorporou a de Hitler na Baviera. Ele floresce hoje em todos os estados alemães, onde está por toda parte em luta aberta contra os elementos mais moderados do nacionalismo […]. O Partido Populista […] se crê tão patriota, tão alemão quanto os nacionais-alemães ou os racistas” (Taguieff, La force du préjugé, cit., p. 131)

Daí a observação de Taguieff:

“Se há racismo no discurso sobre as raças e fora dele, se há racismo com ou sem a invocação da raça, é porque há um sentido social complexo daquilo que chamamos de racismo, e por trás daquilo que designamos ordinariamente como tal – a saber, as marcas exteriores do racismo […]. O ‘racismo’ não é um conceito biológico, remarcou um dia Emmanuel Lévinas, que acrescentou: ‘o anti-semitismo é o arquétipo de todo aprisionamento. A opressão social, ela mesma, não faz mais do que reproduzir este modelo. Ela enclausura em uma classe, priva de expressão e condena ao ‘significante sem significado’, e, desde já, à violência e aos combates.” (Taguieff, La force du préjugé, cit., p. 105-106)

Sobre a dinâmica que marca o fenômeno do racismo, é interessante registrar a observação de Norberto Bobbio, verbis:

“Dou alguns exemplos para mostrar que não existem surpresas: o preconceito é monótono. As frases que hoje são dirigidas aos extracomunitários, ou seja, aos que não pertencem à Comunidade Européia, são mais ou menos as mesmas que, há alguns decênios, em Turim, eram dirigidas aos italianos do Sul, aos meridionais.

[…]

O preconceito não apenas provoca opiniões errôneas, mas, diferentemente de muitas opiniões errôneas, é mais difícil de ser vencido, pois o erro que ele provoca deriva de uma crença falsa e não de um raciocínio errado que se pode demonstrar falso, nem da incorporação de um dado falso, cuja falsidade pode ser empiricamente provada.” (Bobbio, Elogio da Serenidade, cit., p. 120-121)

Sobre esse aspecto, vale também trazer a lição de Norberto Bobbio, que, ao descrever a fenomenologia do racismo, esclarece:

“[…] A relação de diversidade, e mesmo a de superioridade, não implica as conseqüências da discriminação racial. Que não se restringe à consideração da superioridade de uma raça sobre outra, mas dá um outro passo decisivo (aquele que chamei de terceira fase no processo de discriminação): com base precisamente no juízo de que uma raça é superior e a outra é inferior, sustenta que a primeira deve comandar, a segunda obedecer, a primeira dominar, a outra ser subjugada, a primeira viver, a outra morrer. Da relação superior-inferior podem derivar tanto a concepção de que o superior tem o dever de ajudar o inferior a alcançar um nível mais alto de bem-estar e civilização, quanto a concepção de que o superior tem o direito de suprimir o inferior.

Somente quando a diversidade leva a este segundo modo de conceber a relação entre superior e inferior é que se pode falar corretamente de uma verdadeira discriminação, com todas as aberrações dela decorrentes. Entre estas aberrações, a historicamente mais destrutiva foi a ‘solução final’ concebida pelos nazistas para resolver o problema judaico no mundo: o extermínio sistemático de todos os judeus existentes em todos os países em que o nazismo estendera seu domínio. Para chegar a esta conclusão, os doutrinadores do nazismo tiveram de passar por estas três diversas fases: a) os judeus são diferentes dos arianos; b) os arianos são uma raça superior; c) as raças superiores devem dominar as inferiores, e até mesmo eliminá-las quando isto for necessário para a própria conservação.” (Bobbio, Elogio da Serenidade, cit., p. 109-110)

Essas considerações demonstram que, do ponto de vista estritamente histórico, não há como negar o caráter racista do anti-semitismo

Não é por outra razão que, tal como ressaltado nos votos dos Ministros Maurício Corrêa e Celso de Mello, diversos instrumentos internacionais subscritos pelo Brasil não deixam dúvida sobre o claro compromisso no combate ao racismo em todas as suas formas de manifestação, inclusive o anti-semitismo.

A propósito, vale aqui mencionar decisões proferidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América e pela Câmara dos Lordes na Inglaterra, transcritas no Parecer do Professor Celso Lafer, já referidas nos votos dos Ministros Maurício Corrêa e Celso de Mello.

A Suprema Corte Americana, em caso julgado em 1987 (Shaare Tefila Congregation versus Cobb, US 615), reformou decisão proferida pelas instâncias inferiores, no sentido de se negar aos judeus, por não serem grupo racial distinto, a tutela prevista pela legislação norte-americana de 1982, voltada para o combate à discriminação racial.

Entendeu a Corte Americana que, apesar de serem judeus, na data da decisão, parte do que é tido como a raça caucasiana, estavam eles tutelados pela legislação de 1982, que visava a proteger da discriminação classes identificáveis de pessoas, dando assim, maior conteúdo jurídico à dignidade da pessoa humana e à repressão à prática do racismo (cf. Lafer, Celso, Parecer, p. 44-47)

A Câmara dos Lordes, em 1983, no caso Mandla e outro versus Dowell Lee e outro, entendeu que, à luz do Racial Relations Act de 1976, tratava-se de um caso de discriminação, apesar das longas discussões acerca da inclusão ou não do sikhs como um “grupo racial”. Firmou a Corte que o significado do termo ‘étnico’ não pode ter sido empregado em sentido estrito. Acrescentou, ainda, que seria absurdo o Parlamento pretender que grupos raciais fossem formados a partir de uma prova científica. Afirmou, então, o juiz inglês que a palavra “étnico” deveria ser interpretada de maneira ampla, em seu sentido cultural e histórico (cf. Lafer, Parecer, p. 47-50).

Nesse sentido, bem conclui Trina Jones, Professora Associada de Direito da Universidade de Duke:


“Raça é o significado social atribuído a uma categoria. É um conjunto de crenças e convicções sobre indivíduos de um grupo racial em particular. Essas crenças são abrangentes, compreendendo convicções sobre a parte intelectual, sobre a parte física, sobre classe e moral, dentre outras coisas.” (Shades of Brown: the Law of Skin Color. In: Duke Law Journal, v. 49: 1487, 200, p. 1497)

Todos esses elementos levam-me à convicção de que o racismo, enquanto fenômeno social e histórico complexo, não pode ter o seu conceito jurídico delineado a partir do referencial “raça”. Cuida-se aqui de um conceito pseudo-científico notoriamente superado. Não estão superadas, porém, as manifestações racistas aqui entendidas como aquelas manifestações discriminatórias assentes em referências de índole racial (cor, religião, aspectos étnicos, nacionalidade, etc.).

Assim é que asseverou o Professor Celso Lafer em seu bem lançado parecer, já referido nos votos dos Ministros Maurício Corrêa e Celso de Mello:

“Neste sentido é essa a quarta conclusão deste parecer: discutir o crime da prática do racismo a partir do termo raça nos termos dos argumentos apresentados no HC 82424-2 em favor de Siegfried Ellwanger, é uma maneira de reduzir e, no limite, esvaziar completamente o conteúdo jurídico do preceito constitucional consagrado pelo art. 5.°, XLII, devidamente disciplinado pela legislação infra-constitucional, convertendo-o em crime impossível. O art. 5.°, LXII, não menciona raça e o conteúdo jurídico do crime da prática do racismo reside nas teorias e preconceitos que discriminam grupos e pessoas a eles atribuindo características de uma ‘raça’. Só existe uma ‘raça’ – a espécie humana – e, portanto, do ponto de vista biológico, não apenas os judeus, como também os negros, os indígenas, os ciganos ou quaisquer outros grupos, religiões ou nacionalidades não formam uma raça o que não exclui, ressalvo, o direito à diversidade. No entanto, todos são passíveis de sofrer a prática do racismo.” (p. 42)

Assim não vejo como se atribuir ao texto constitucional significado diverso, isto é, que o conceito jurídico de racismo não se divorcia do conceito histórico, sociológico e cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-semitismo.” (Grifei)

Na verdade e como quer a defesa, não são os judeus uma raça, assim como não o são os brancos, amarelos, índios, ou quaisquer outros integrantes da espécie humana. Todos, no entanto, podem ser vítimas da prática do racismo.

Com efeito, ao estabelecer o racismo como crime, o constituinte não considerou qualquer conceito cientificamente puro de raça. Uma leitura formalista do texto constitucional, conforme propõe a defesa, conduziria ao absurdo de converter-se o crime de racismo em crime impossível pela inexistência de objeto, isto é, pela ausência de raças cientificamente identificáveis.

Portanto, a base fática que irá caracterizar o crime do racismo não será necessariamente a raça, mas sim os preconceitos e sua propagação, que discriminam grupos e pessoas, a elas atribuindo as características de um grupo social inferior, em função de sua aparência ou origem.

Por outro lado, improcede a alegação defensiva de que não pode ser o acusado condenado por crime do qual inexistem vítimas e do qual não tenha restado qualquer prejuízo.

O crime em tela é de mera conduta e não exige, para a sua configuração, a produção de sentimentos discriminatórios ou preconceituosos naqueles contra quem foi dirigida a ação.

Tratando-se de crime formal, ou de mera conduta, sua consecução independe dos efeitos que venham a ocorrer. Não há necessidade do resultado para que se consume o crime. É suficiente o eventus periculi ou o dano em potencial, ou seja, a consumação antecede ao eventus damni.

Há de se ater, ainda, à conduta típica descrita no dispositivo legal.

Assim dispõe o artigo 20, caput, da Lei 7.716: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

Percebe-se, da simples leitura do texto legal, que o legislador não exige, para tipificar a conduta do agente, qualquer resultado material.

Basta a realização de um dos comportamentos típicos e a presença do elemento normativo do crime para o fato se juridicizar.

Por oportuno, vale reproduzir parecer exarado pelo Douto Procurador de Justiça nos autos do processo em que restou o acusado condenado pelo crime de racismo:

“É que o crime não exige a produção de resultado material. Consuma-se com a simples realização da conduta típica. Irrelevante tenham sido ou não aflorados nos leitores sentimentos discriminatórios ou preconceituosos a que se refere. A Lei nº 8.081, de 21 de setembro de 1990, foi editada com a finalidade de estabelecer os crimes e fixar as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor religião, etnia ou procedência nacional, praticados por meio de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, buscando preservar o tratamento igualitário que a ordem jurídica se propõe a assegurar. Tratamento igualitário que é princípio estrutural das democracias modernas, no sentido de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput, da CF). Para assegurá-lo, a própria Carta estabeleceu que “as lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, inc. XLI). Nesse vinculante contexto constitucional é que surgiu a Lei, com a nítida e necessária tendência de punir as práticas discriminatórias de qualquer natureza, como meio asseguratório e protetivo do princípio da igualdade e de maneira mais ampla do que originariamente feito pela Lei nº 7.716/89.

Especificamente em relação ao crime definido no art. 20, que é o delito imputado ao réu, as ações nucleares de praticar, induzir ou incitar devem ser desenvolvidas pelos meios de comunicação social ou por publicações de qualquer espécie ou natureza, compreendendo-se por meios de comunicação de social todos os que servirem a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo” (art. 20, caput, da CF). Praticar é levar a efeito; fazer, realizar, cometer, executar; expor ou exprimir por palavras; dizer, proferir. Induzir consiste em causar, inspirar, incutir; sugerir, persuadir. Incitar significa instigar, impelir, mover; estimular, instigar, açular, excitar; provocar.

Crime formal ou de mera conduta, cuja característica é o da consumação antecipada, configura-se independentemente da produção de qualquer resultado fenomenológico. “Basta, para o aperfeiçoamento do crime, a realização de qualquer ato caracterizador da prática, induzimento ou realização de discriminações ou preconceitos através dos meios de comunicação e de publicações de qualquer natureza”, sendo indiferente que se concretizem ou não as finalidades de discriminação e de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional. Discriminação como ato ou efeito de discriminar, de separar, de apartar, de segregar uma raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, como política de segregação, de isolamento de um grupo social. Preconceito como conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos, geradores de suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etnias, etc.

Assim, em termos de adequação típica da conduta e da consumação do delito, o importante é a aptidão ou potencialidade das abordagens veiculadas nas obras em termos de malferimento da igualdade constitucional e, de modo especial, a probabilidade de lesão aos valores protegidos pela norma.

Esta probabilidade de lesão, ou lesão potencial, que é a alma da ilicitude, é pura valoração acerca do caráter lesivo de uma ação humana, relação entre o fato e o valor como objeto da tutela. Aliás, é a noção de lesividade que fundamenta e dá conteúdo ao tipo. As condutas previstas no art. 20 são sancionadas não porque anti-jurídicas, mas porque juridicamente desvaloradas pelo Direito. A norma traduz o desvalor do Direito à conduta. Quando o legislador define o ilícito penal, significa postura axiológica negativa referente à conduta descrita. O Direito Penal é na sua essência tutela de valores, complexo de normas predispostas à garantia das exigências ético-sociais dominantes. Fora do resguardo aos valores, o Direito Penal perde a razão de sua existência e se transforma fatalmente num instrumento de terror ou num meio técnico de profilaxia social. Lesividade que não se esgota nem se confunde com o dano material provocado pela conduta. É uma noção normativa pura, intelectiva. Exatamente por isso, diz Carnelutti, “a ilicitude resolve-se em um juízo da lesividade do fato praticado, pois uma antijuridicidade sem conteúdo não tem razão de ser”.

Nessa ótica, percebe-se, em definitivo, a irrelevância do aspecto a que a sentença deu tamanho destaque, pois, ainda que milhares de pessoas possam ter lido as obras incriminadas sem se sentirem tomadas por preconceito contra a comunidade judaica, o que releva notar é a potencialidade dos textos em induzir ou incitar o leitor a sentimento discriminatório ou preconceituoso em relação aos judeus, como povo, raça, etnia, procedência nacional. O art. 20 contém um tipo de crime de perigo. Perigo como probabilidade de lesão ai bem jurídico tutelado. E os trechos denunciados, lidos e avaliados no conjunto de cada obra, materializam a tese acusatória quanto a potencialidade discriminatória e preconceituosa.” (grifei)


No caso vertente, o acusado, expondo à venda ao público livros de conteúdo racista, discriminatório e preconceituoso, incitou e induziu ao ódio e ao desprezo contra o povo de origem judaica, e isto é o quanto se exige para a caracterização do delito em questão.

De outra banda, ressalta a defesa que os livros editados e publicados pelo acusado apenas traduzem-se em expressões ideológicas e, como tais, encontram-se sob o pálio do princípio da liberdade de pensamento e expressão, consagrado constitucionalmente.

Entretanto, como já referido supra, as obras que originaram o presente feito possuem evidente cunho racista e discriminatório, incitando ao ódio público contra o povo judeu, não estando amparadas em qualquer fonte histórica realmente séria, ao contrário, partindo de uma total distorção de fatos públicos e notórios.

De fato, o princípio aclamado pela defesa é inerente a qualquer ordem efetivamente democrática e a ele é reservada a necessária tutela constitucional.

Todavia, o direito à livre expressão do pensamento não é absoluto, encontrando limites dentro do próprio sistema constitucional. Ou seja, a prerrogativa da liberdade de manifestação será válida enquanto amparar condutas conforme o direito e em harmonia com os demais preceitos constitucionais.

Por certo, a liberdade de expressão não pode proteger condutas criminosas, que extravasam ao alcance do dito princípio, nem pode se constituir em meio de legitimar publicações criminosas, nitidamente voltadas à propagação do ódio e da intolerância ao povo judeu.

Portanto, tal conduta jamais poderia ser considerada sob a égide do princípio da liberdade de manifestação, até porque vem de encontro a valores outros, como a dignidade da pessoa humana, cuja preponderância é de ser reconhecida.

Sobre este aspecto, assim manifestou-se o Min. Celso de Mello, quando da confirmação de seu voto no julgamento já mencionado:

“Tenho por irrecusável, por isso mesmo, que publicações que extravasam, abusiva e criminosamente, os limites da indagação científica e da pesquisa histórica, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e sobretudo, do estímulo à intolerância e ao ódio público pelos judeus (como se registra no caso ora em exame), não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de manifestação de pensamento, pois o direito à livre expressão não pode compreender, em seu âmbito de tutela, exteriorizações revestidas de ilicitude pena.

Salientei, então, no voto que proferi na Sessão de 09/04/2003, que a prerrogativa concernente à liberdade de manifestação de pensamento, por mais abrangente que deva ser o seu campo de incidência, não constitui meio que possa legitimar a exteriorização de propósitos criminosos, especialmente quando as expressões de ódio racial – veiculadas com evidente superação dos limites da crítica política ou da opinião histórica – transgridem, de modo inaceitável, valores tutelados pela própria ordem constitucional.

Tenho por inquestionável, no tema, na linha de diversos pronunciamentos emanados do Supremo Tribunal Federal (RTJ 173/805-810, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.), que não é ilimitada a extensão dos direitos e garantias individuais assegurados pela Carta Política, mesmo tratando-se da liberdade de manifestação do pensamento, cuja invocação não pode nem deve legitimar abusos cuja prática, como no caso, qualifique-se como ato revestido de ilicitude penal.

O fato é que a liberdade de expressão não pode amparar comportamentos delituosos que tenham, na manifestação do pensamento, um de seus meios de exteriorização, notadamente naqueles casos em que a conduta desenvolvida pelo agente encontra repulsa no próprio texto da Constituição, que não admite gestos de intolerância que ofendem, no plano penal, valores fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, consagrados como verdadeiros princípios estruturantes do sistema jurídico de declaração dos direitos essenciais que assistem à generalidade das pessoas e dos grupos humanos.

É certo que a liberdade de manifestação de pensamento, impregnada de essencial transitividade, destina-se a proteger qualquer pessoa cujas opiniões possam, até mesmo, conflitar com as concepções prevalecentes, em determinado momento histórico, no meio social, impedindo que incida, sobre ela, qualquer tipo de restrição de índole política ou de natureza jurídica, pois todos hão de ser livres para exprimir idéias, ainda que essas possam insurgir-se ou revelar-se em desconformidade frontal com a linha de pensamento dominante no âmbito da coletividade.

Isso não significa, contudo, que a prerrogativa da livre manifestação do pensamento ampare exteriorizações contrárias à própria lei penal, pois o direito à liberdade de expressão, que não é absoluto, não autoriza condutas sobre as quais já haja incidindo, mediante prévia definição típica emanada do Congresso Nacional, juízo de reprovabilidade penal que se revele em tudo compatível com os valores cuja intangibilidade a própria Constituição da República deseja ver preservada.

É por tal razão que esta Suprema Corte já acentuou que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

(…)

Concluo este voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, reconheço, em um contexto de liberdades aparentemente em conflito, que a colisão dele resultante há de ser equacionada, utilizando-se, esta Corte, do método – que é apropriado e racional – da ponderação concreta de bens e de valores, de tal forma que a existência de um interesse público na revelação e no esclarecimento da verdade, em torno de ilicitudes penais praticadas por qualquer pessoa, basta, por si só, para atribuir, ao Estado, o dever de atuar na defesa de postulados essenciais, como o são aqueles que proclamam a dignidade da pessoa humana e a permanente hostilidade contra qualquer comportamento que possa gerar o desrespeito à alteridade, com inaceitável ofensa aos valores da igualdade e da tolerância, especialmente quando as condutas desviantes, como neste caso, culminem por fazer instaurar tratamentos discriminatórios fundados em inadmissíveis ódios raciais.”


Ainda, segundo o notável entendimento esposado pelo Min. Gilmar Mendes, o princípio da liberdade de expressão deve ser exercido de modo compatível com o direito à imagem, à honra e à vida privada e a ele não se pode atribuir primazia em face de valores outros, como o da igualdade e o da dignidade humana.

É que a cada caso concreto levado à apreciação do aplicador do direito, deve-se sopesar os valores que estão sendo contrapostos, estabelecendo-se uma preponderância, através do princípio da proporcionalidade. Vale dizer, quando verificada a existência de um conflito entre distintos princípios constitucionais, necessário que se estabeleça o peso relativo de cada um deles, segundo os preceitos que compõem o já referido princípio da proporcionalidade – a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Eis o teor do voto supra aludido:

“O racismo e a liberdade de expressão e de opinião

Se se aceita a idéia de que o conceito de racismo contempla, igualmente, as manifestações de anti-semitismo, há de se perguntar sobre como se articulam as condutas ou manifestações de caráter racista com a liberdade de expressão positivada no texto constitucional. Essa indagação assume relevo ímpar, especialmente se se considera que a liberdade de expressão, em todas as suas formas, constitui pedra angular do próprio sistema democrático. Talvez seja a liberdade de expressão, aqui contemplada a própria liberdade de imprensa, um dos mais efetivos instrumentos de controle do próprio governo. Para não falar que se constitui, igualmente, em elemento essencial da própria formação da consciência e de vontade popular.

Não se desconhece, porém, que, nas sociedades democráticas, há uma intensa preocupação com o exercício de liberdade de expressão consistente na incitação à discriminação racial, o que levou ao desenvolvimento da doutrina do “hate speech”. Ressalte-se, porém, que o “hate speech” não tem como objetivo exclusivo a questão racial (Boyle, Hate Speech, cit., p. 490).

Nesse sentido indaga Kevin Boyle, em um estudo recente: “Por que o ‘discurso de ódio’ é um tema problemático?” Ele mesmo responde:

“A resposta reside no fato de estarmos diante de um conflito entre dois direitos numa sociedade democrática – a liberdade de expressão e o direito à não-discriminação. A liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa, é fundamental para uma democracia. Se a democracia é definida como controle popular do governo, então, se o povo não puder expressar seu ponto de vista livremente, esse controle não é possível. Não seria uma sociedade democrática. Mas, igualmente, o elemento central da democracia é o valor da igualdade política. ‘Every one counts as one and no more than one’, como disse Jeremy Bentham. Igualdade política é, conseqüentemente, também necessária, se uma sociedade pretende ser democrática. Uma sociedade que objetiva a democracia deve tanto proteger o direito de liberdade de expressão quanto o direito à não-discriminação. Para atingir a igualdade política é preciso proibir a discriminação ou a exclusão de qualquer sorte, que negue a alguns o exercício de direitos, incluindo o direito à participação política. Para atingir a liberdade de expressão é preciso evitar a censura governamental aos discursos e à imprensa.” (Boyle, Hate Speech, cit., p. 490)

Como se vê, a discriminação racial levada a efeito pelo exercício da liberdade de expressão compromete um dos pilares do sistema democrático, a própria idéia de igualdade.

(…)

O princípio da proporcionalidade

Nesse contexto, ganha relevância a discussão da medida de liberdade de expressão permitida sem que isso possa levar à intolerância, ao racismo, em prejuízo da dignidade humana, do regime democrático, dos valores inerentes a uma sociedade pluralista.

Pode-se afirmar, pois, que ao constituinte não passou despercebido que a liberdade de informação haveria de se exercer de modo compatível com o direito à imagem, à honra e à vida privada (CF, art. 5o, X), deixando entrever mesmo a legitimidade de intervenção legislativa, com o propósito de compatibilizar os valores constitucionais eventualmente em conflito. A própria formulação do texto constitucional – “Nenhuma lei conterá dispositivo…, observado o disposto no art. 5o, IV, V, X, XIII e XIV” – parece explicitar que o constituinte não pretendeu instituir aqui um domínio inexpugnável à intervenção estatal. Ao revés, essa formulação indica ser inadmissível, tão-somente, a disciplina legal que crie embaraços à liberdade de informação. A própria disciplina do direito de resposta, prevista expressamente no texto constitucional, exige inequívoca regulação legislativa.

Outro não deve ser o juízo em relação ao direito à imagem, à honra e à privacidade, cuja proteção pareceu indispensável ao constituinte também em face da liberdade de informação. Não fosse assim, não teria a norma especial ressalvado que a liberdade de informação haveria de se exercer com observância do disposto no art. 5o, X, da Constituição. Se correta essa leitura, tem-se de admitir, igualmente, que o texto constitucional não só legitima, mas também reclama eventual intervenção estatal com o propósito de concretizar a proteção dos valores relativos à imagem, à honra e à privacidade.

Da mesma forma, não se pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. Daí ter o texto constitucional de 1988 erigido, de forma clara e inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5º, XLII), além de ter determinado que a lei estabelecesse outras formas de repressão às manifestações discriminatórias (art. 5º, XLI).

É certo, portanto, que a liberdade de expressão não se afigura absoluta em nosso texto constitucional. Ela encontra limites, também no que diz respeito às manifestações de conteúdo discriminatório ou de conteúdo racista. Trata-se, como já assinalado, de uma elementar exigência do próprio sistema democrático, que pressupõe a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos.

O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma “proibição de excesso” na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy (Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986), coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.

Nesse sentido, afirma Robert Alexy:


“O postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma lei de ponderação, cuja fórmula mais simples voltada para os direitos fundamentais diz:

quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção’.” (Palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10.12.98)

Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed., p. 264).

No caso concreto, poder-se-ia examinar se a decisão condenatória ao enquadrar, como racismo, a conduta do paciente e, portanto, imprescritível, atendeu às máximas do princípio da proporcionalidade.

A Corte constitucional alemã entende que as decisões tomadas pela Administração ou pela Justiça com base na lei eventualmente aprovada pelo Parlamento submetem-se, igualmente, ao controle de proporcionalidade. Significa dizer que qualquer medida concreta que afete os direitos fundamentais há de se mostrar compatível com o princípio da proporcionalidade (Schneider, Zur Verhältnismässigkeits-Kontrolle, cit., p. 403).

Essa solução parece irrepreensível na maioria dos casos, especialmente naqueles que envolvem normas de conformação extremamente aberta (cláusulas gerais; fórmulas marcadamente abstratas) (Jakobs, Michael, Der Grundsatz der Verhältnismässigkeit, Colônia, 1985, p. 150). É que a solução ou fórmula legislativa não contém uma valoração definitiva de todos os aspectos e circunstâncias que compõem cada caso ou hipótese de aplicação.

Richter e Schuppert analisam essa questão, com base no chamado “caso Lebach”, no qual se discutiu a legitimidade de repetição de notícias sobre fato delituoso ocorrido já há algum tempo e que, por isso, ameaçava afetar o processo de ressocialização de um dos envolvidos no crime. Abstratamente consideradas, as regras de proteção da liberdade de informação e do direito de personalidade não conteriam qualquer lesão ao princípio da proporcionalidade. Eventual dúvida ou controvérsia somente poderia surgir na aplicação “in concreto” das diversas normas (Richter/Schuppert, Casebook Verfassungsrecht, p. 29).

No caso, após analisar a situação conflitiva, concluiu a Corte que “a repetição de informações, não mais coberta pelo interesse de atualidade, sobre delitos graves ocorridos no passado, pode revelar-se inadmissível se ela coloca em risco o processo de ressocialização do autor do delito” (BVerfGE 35, 202 (237))

(……)

Diante de tais circunstâncias, cumpre indagar se a decisão condenatória atende, no caso, às três máximas parciais da proporcionalidade.

É evidente a adequação da condenação do paciente para se alcançar o fim almejado, qual seja, a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância. Assegura-se a posição do Estado, no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), do pluralismo político (art. 1º, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo, que rege o Brasil nas suas relações internacionais (art. 4º, VIII), e a norma constitucional que estabelece ser o racismo um crime imprescritível (art. 5º, XLII).

Também não há dúvida de que a decisão condenatória, tal como proferida, seja necessária, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz. Com efeito, em casos como esse, dificilmente vai se encontrar um meio menos gravoso a partir da própria definição constitucional. Foi o próprio constituinte que determinou a criminalização e a imprescritibilidade da prática do racismo. Não há exorbitância no acórdão.

Tal como anotado nos doutos votos, não se trata aqui sequer de obras revisionistas da história, mas de divulgação de idéias que atentam contra a dignidade dos judeus. Fica evidente, igualmente, que se não cuida, nos escritos em discussão, de simples discriminação, mas de textos que, de maneira reiterada, estimulam o ódio e a violência contra os judeus. Ainda assim, o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul agiu com cautela na dosagem da pena, razão pela qual também aqui a decisão atende ao princípio da “proibição do excesso”.

A decisão atende, por fim, ao requisito da proporcionalidade em sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência de proporção entre o objetivo perseguido, qual seja a preservação dos valores inerentes a uma sociedade pluralista, da dignidade humana, e o ônus imposto à liberdade de expressão do paciente. Não se contesta, por certo, a proteção conferida pelo constituinte à liberdade de expressão. Não se pode negar, outrossim, o seu significado inexcedível para o sistema democrático. Todavia, é inegável que essa liberdade não alcança a intolerância racial e o estímulo à violência, tal como afirmado no acórdão condenatório. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão na espécie.

Assim, a análise da bem fundamentada decisão condenatória evidencia que não restou violada a proporcionalidade.

Nesses termos, o meu voto é no sentido de se indeferir a ordem de habeas corpus”.


Com base nos argumentos referidos acima, é que afasto a argumentação defensiva quanto à afronta o princípio da liberdade de expressão e/ou manifestação.

De outra banda, questiona a defesa se uma norma (no caso o art. 20 da Lei 7.716, com redação dada pela Lei 8.081/90) poderia retroagir para atingir a publicação de obras antes permitidas.

Todavia, recorda-se à defesa que o que está sob julgamento é a conduta do acusado em incitar o ódio e o desprezo contra o povo de origem judaica, ao expor à venda ao público livros editados sob sua responsabilidades, todos com conteúdo flagrantemente racista.

Portanto, desimporta para o crime em questão o momento em que os livros, objetos da presente ação, tenham sido escritos ou editados, se antes ou após o advento da lei que regulamentou a prática do racismo. O que releva é que a conduta do acusado amoldou-se ao tipo penal denunciado, no exato dia 02 de fevereiro de 1996, quando a lei em que fora enquadrado já estava em vigor e produzindo os seus normais efeitos.

Aproveito a mesma linha de raciocínio para afastar a tese da defesa, segundo a qual uma opinião racista não pode constituir crime e que, caso fosse considerada ofensiva, deveria oferecer punição ao seu autor intelectual e não ao mero editor.

De fato, o que enquadra a conduta do acusado no tipo em que fora denunciado não é o conteúdo racista de um ou de outro livro, cuja autoria pertence à terceira pessoa. Como já referido, o que é ilícito no presente feito é a conduta do acusado em incitar e induzir ao ódio e ao desprezo contra o povo judeu, ao se dedicar reiteradamente a edição, publicação e à venda de obras que exprimem manifestações puramente preconceituosas.

Por conseguinte, estando devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitiva, outro caminho não resta senão o da condenação do acusado.

A ação desenvolvida pelo réu foi típica, antijurídica e culpável.

Não vislumbro do processado qualquer causa de isenção de pena ou excludente de ilicitude a socorrê-los, impondo-se a procedência parcial da ação penal com aplicação de reprimenda penal pertinente.

DA DOSIMETRIA DA PENA

Considerando ordinário o grau de reprovabilidade social de sua conduta, sendo que lhe era exigida conduta diversa, tendo o réu plena consciência do seu agir. A personalidade e a conduta social do agente denotam certa anormalidade, uma vez que o fato denunciado não se apresenta isolado. Os seus antecedentes não são bons, possuindo o réu, inclusive, condenação transitada em julgado pelo mesmo delito que ora resta condenado, conforme está a estampar a certidão lançada nas folhas 623/624 dos autos. Os motivos, as circunstâncias e as conseqüências foram peculiares ao tipo penal transgredido. As vítimas em nada contribuíram para a verificação do delito. Assim, sopesadas todas as diretrizes elencadas no artigo 59 do diploma repressivo fixo a sua pena-base em UM ANO E NOVE MESES DE RECLUSÃO.

É de se observar que a denúncia capitulou o fato delituoso como infringente ao disposto no artigo 20, caput, da Lei 8.081/90. Todavia, aludida lei apenas acrescentou o artigo 20 à Lei 7.716/89, o qual, por sua vez, teve a pena alterada pela Lei n.º 9.459/97 – “reclusão de um a três anos e multa”.

Verifica-se, dessa forma, que a nova legislação – Lei 9.457/97 – posterior ao fato delituoso descrito na denúncia, diminuiu a sanção reclusiva – a anterior era de dois a cinco anos de reclusão – acrescentando a pena de multa cumulativa.

Sendo lex mellius, em relação à pena reclusiva, retroage para beneficiar o réu.

De outro lado, sendo lex gravior, ao acrescentar a pena de multa cumulativa, não retroage, posto que prejudicial ao acusado.

Assim, aplico ao denunciado, unicamente, a pena reclusiva, a qual resta definitiva em UM ANO E NOVE MESES DE RECLUSÃO.

03.ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na peça inaugural acusatória para efeito de CONDENAR o réu SIEGFRIED ELLWANGER, ao início qualificado, à pena de UM ANO E NOVE MESES DE RECLUSÃO, por infração ao disposto no artigo 20, caput, da Lei 7.716, de 05.01.89, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei 9.459/97, de 13.05.97.

Presentes os requisitos estampados no artigo 44 do diploma repressivo, e por entender que essa condenação por si só lhe seja suficiente, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito consistente em:

a) prestação de serviço à comunidade, cujas tarefas serão indicadas pela Vara de Execuções Criminais e desenvolvidas graciosamente;

b) prestação pecuniária no valor de 20 (vinte) salários mínimos, em favor da Associação Beneficente Fraterno Auxílio Cristão da Sagrada Família, localizada na Av. José do Patrocínio n.º 920, Porto Alegre, conforme estabelece o artigo 45, § 1º do Código Penal. Ressalta-se que se trata de entidade privada com destinação social conforme Decreto Estadual n.º 17.285, de 28/04/1965.

A pena restritiva de direito – prestação de serviço à comunidade – terá a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, observando-se o § 4º, do artigo 46, do Código Penal, com a nova redação que lhe foi dada.

Estabeleço o regime aberto como inicial para o eventual cumprimento da pena privativa de liberdade.

Custas pelo apenado.

Uma vez transitada em julgado a presente sentença condenatória, deverá o cartório:

I – Preencher e devolver o Boletim Estatístico.

II – Comunicar ao TRE (art. 15, III, da CF).

III – Lançar o nome do apenado no rol dos culpados.

IV – Expedir o PEC.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Demais diligências legais.

Porto Alegre, 26/Agosto/2004.

PAULO ROBERTO LESSA FRANZ

Juiz de Direito em substituição

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