Mata aberta

Decreto que criou Parque Nacional da Serra do Itajaí é suspenso

Autor

8 de setembro de 2004, 19h23

O juiz substituto da 2ª Vara Federal de Blumenau, Edilberto Barbosa Clementino, suspendeu os efeitos do decreto que criou o Parque Nacional da Serra do Itajaí, assinado em junho deste ano pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão foi proferida em uma ação popular contra o presidente, proposta por sete proprietários de imóveis localizados em áreas abrangidas pelo parque, três deles residentes em Blumenau e três em Botuverá, ambas em Santa Catarina. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A liminar obriga o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a não criarem exigências ou obstáculos aos proprietários de imóveis situados nos limites do parque. As desapropriações de imóveis em decorrência do decreto também estão suspensas. Restrições impostas por atos normativos anteriores estão mantidas.

Barbosa Clementino aceitou a alegação dos autores populares, de que, em seis dos nove municípios atingidos pelo decreto (Ascurra, Botuverá, Gaspar, Guabiruba, Presidente Nereu e Vida Ramos), não teriam sido realizadas audiências públicas para que a população local pudesse se manifestar.

Segundo o juiz, a lei prevê que a criação de uma unidade de conservação, como um parque nacional, deve ser precedida de consulta pública. A lei prevê ainda que o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a

outras partes interessadas. Os outros municípios atingidos

são Blumenau, Apiúna e Indaial.

Segundo Clementino, a consulta pública feita em municípios vizinhos não atendeu à determinação legal. “A população rural está, via de regra, excluída do acesso às informações de além dos limites do seu círculo de convivência, além de não integrar a grande teia de

informações que é a Internet”.

Para ele, “a página do Ministério do Meio Ambiente efetivamente não é o meio suficiente para fornecer informações adequadas e inteligíveis

à população local e demais interessados”.

Clementino ressaltou que quase todos os municípios atingidos pela

criação do parque nacional manifestaram interesse diverso, ao criarem, em área praticamente idêntica, áreas de proteção

ambiental (Apas).

As Apas são unidades de uso sustentável, cujo objetivo é conciliar a preservação da natureza com a utilização de parcela dos recursos naturais. “É de grande relevância tal constatação, que mostra uma grande rejeição pelas municipalidades à idéia de optar-se pela criação de um parque nacional”.

A mera criação das Apas não impediria em tese, segundo ele, a criação do parque nacional. Entretanto, a situação evidencia “um descompasso entre as opiniões do poder público, nas esferas federal e municipal, quanto à melhor alternativa, o que demonstra a necessidade de ampliarem-se os debates”.

“Contudo, a situação em que criadas evidencia um descompasso

entre as opiniões do Poder Público, nas esferas Federal e

Municipal, quanto à melhor alternativa, o que demonstra a

necessidade de ampliarem-se os debates, com o necessário

esclarecimento da população afetada”.

A necessidade de concessão da liminar, conforme a decisão, se

justifica pelo fato de que a condição de parque nacional “enseja ao Poder Público a desapropriação dos bens imóveis localizados no interior do seu perímetro, com severas conseqüências do ponto de vista de aproveitamento das propriedades privadas”. Clementino entendeu que a suspensão do decreto não gera nenhuma conseqüência para a parte contrária.

Além disso, o juiz considerou a possibilidade de lesão ao patrimônio da União. “É relevante o argumento, haja vista que o desrespeito legal pode levar à nulidade do ato e assim o poder público estaria sujeito ao pagamento de indenizações”.

Leia a íntegra da decisão

AÇÃO POPULAR

Autos n.º 2004.72.05.003898-9

Trata-se de Ação Popular proposta por ANTÔNIO DOGNINI E OUTROS contra o PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, pretendendo o reconhecimento da ilegalidade do Decreto sem número, de 04.06.2004, publicado no DOU, edição n.º 108, do dia 07.06.2004, que criou o “Parque Nacional da Serra do Itajaí”, delimitado no artigo 2.º do referido Decreto, por estar eivado de vício formal, além de implicar lesão ao patrimônio público.

Este diploma normativo estaria fulcrado no artigo 11 da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, o qual regulamenta o artigo 225, § 1.º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, instituindo o “Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC”, regulamentado pelo Decreto n.º 4.340, de 22.08.2002.

Segundo os Autores Populares, o Decreto de Sua Excelência, o Presidente da República, não teria atendido aos preceitos legais que regem sua edição, especialmente pela ausência da participação das populações locais, habitantes dos nove municípios atingidos pela criação do Parque Nacional (Ascurra, Apiúna, Blumenau, Botuverá, Gaspar, Guabiruba, Indaial, Presidente Nereu e Vidal Ramos, no Estado de Santa Catarina), todos na área de Jurisdição desta Subseção Judiciária.


Acrescentam que anteriormente ao Decreto Presidencial, os Municípios atingidos pela criação do Parque Nacional já haviam instituído Áreas de Proteção Ambiental, que atingiriam o objetivo de preservação, sem os pesados encargos da criação do Parque Nacional.

Afirmam os Autores que a criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, da forma como ocorreu, implica lesão ao patrimônio público, por impor, desnecessariamente ao Erário o dispêndio de uma quantia considerável de dinheiro a título de indenizações, entre 86 e 148 milhões de reais.

Aduz ainda que a criação do Parque Nacional afetaria sobremodo a região no tocante ao seu desenvolvimento econômico, o que não ocorreria em se tratando de APAs, que atingiriam com maior eficiência o objetivo preservacionista.

À f. 182, foi determinada a comprovação de que os Autores Populares estivessem em condição de regularidade perante a Justiça Eleitoral, o que foi cumprido às f. 189/201.

Outrossim, às f. 184/188, os Autores emendara a inicial juntando novos documentos (f. 202/292). Acrescentam que além do vício formal indicado na petição inicial, teria havido também mácula ao artigo 215 da Constituição Federal, pelo fato de a criação do Parque Nacional violar o direito às manifestações culturais da população local, tais como a produção de mel e técnicas de agricultura familiar, empregadas há várias gerações.

Acrescentam ainda que a Resolução n.º 13 do CONAMA prevê uma área de entorno de dez quilômetros, o que faria com que os efeitos da criação do Parque Nacional se estendessem até o centro de Blumenau, com graves conseqüências.

Requereu, finalmente, que acaso não reconhecida a ilegalidade do Decreto S/N.º da Presidência da República, sejam as áreas das APAS instituídas pelos municípios de Blumenau, Botuverá, Indaial, Guabiruba, Apiúna, Vidal Ramos e Presidente Nereu excluídas da área do Parque Nacional Serra do Itajaí.

À f. 393, determinou-se a emenda da inicial no sentido de que os Autores deveriam promover a citação da União e do IBAMA, bem como a comprovação de que teriam ocorrido audiências públicas nos municípios previamente à criação das respectivas Áreas de Proteção Ambiental (Indaial, Botuverá, Presidente Nereu, Guabiruba, Apiúna e Vidal Ramos), bem como a juntada de cópia do cadastro de áreas pertencentes à APA Padre Raulino Reitz a que se refere o artigo 1.º, § 2.º, do Decreto Municipal (de Blumenau), n.º 6.797, de 19 de fevereiro de 2001.

Em atendimento à determinação, os Autores Populares, às f. 396/427 e 429/436, apresentaram petição na qual requerem a citação da União Federal e do IBAMA e apresentam novos documentos.

Documentos relevantes que instruem a inicial, além de cópias de Leis, Decretos e notícias publicadas a respeito dos fatos narrados:

Decreto s/n.º de 04/06/2004 (f. 60/67);

Mensagem eletrônica relativa à Consulta Pública via Internet (f. 98/100);

Notícias do Parque Nacional Serra do Itajaí na Página do Ministério do

Meio Ambiente (f. 102/103, 160/163 e 167/168);

Decreto n.º 1.074/04 do Município de Apiúna que cria a sua APA (f. 105/106

Decreto n.º 6.797/01 do Município de Blumenau que cria a sua APA (f.109/115);

Decreto n.º 1.026/04 do Município de Vidal Ramos que cria a sua APA (f.116/117);

Decreto n.º 022/04 do Município de Presidente Nereu que cria a sua APA (f. 117);

Decreto n.º 009/04 do Município de Guabiruba que cria a sua APA (f. 118);

Decreto n.º 1.880/04 do Município de Indaial que cria a sua APA (f. 119/120);

Decreto n.º 935/03 do Município de Botuverá que cria a sua APA (f. 121/122), com seu Regimento Interno às f. 123/129;

Instrução Normativa n.º 001, de 09/01/1991, do IBAMA (f. 131/132);

Lei n.º 4.990, de 05/06/1998, do Município de Blumenau que cria o Parque Natural Municipal “Nascentes do Garcia” (f. 134/135);

Precedente relevante do Supremo Tribunal Federal às f. 137/151;

Ofício do Governador do Estado de Santa Catarina, datado de 02/06/2004, ao Presidente da República, intercedendo em favor da Associação Comercial de Industrial de Blumenau – ACIB, em parceria com a Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL, Associação dos Micro e Pequenos Empresários – AMPE e a Intersindical com o objetivo de evitar a decretação do Parque Nacional Serra do Itajaí, questionando essa opção como melhor forma de preservação da Mata Atlântica (f. 153);

Abaixo assinado nos moradores de Indaial, favoráveis à criação de uma APA no município (f. 252/379);

Manifestação da Câmara Municipal de Botuverá, por seu Presidente, contrariamente à criação do Parque Nacional Serra do Itajaí, que abrangeria mais de 40% do território do Município (f. 283/385);

Manifestação da Câmara Municipal de Vidal Ramos favoravelmente à criação de uma APA municipal (f. 386/387);


Abaixo assinado dos proprietários de imóveis no Município de Botuverá, no sentido da criação de uma APA Municipal (f. 400/410);

Abaixo assinado contrário à criação do Parque Nacional (f. 415/424);

Ofício datado 17/09/2002, do Presidente Câmara Municipal de Presidente Nereu e do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região ao Governador do Estado de Santa Catarina solicitando providências contra a criação do Parque Nacional Serra do Itajaí (f. 425/757);

Ofício datado de 19/09/2002 da Câmara de Vereadores de Presidente Nereu ao Ministério do Meio Ambiente questionando a futura criação do Parque Nacional sem consulta à Municipalidade, não obstante o fato de que os estudos indicarem que mais de 20% do Município seria alcançado pelo Parque (f. 427);

Abaixo assinado dos proprietários de imóveis no Município de Presidente Nereu requerendo ao Executivo a criação de uma APA no município, datado de 23/03/2004 (f. 430/433);

Mapa político de Blumenau, indicando as áreas urbana e rural do Município (f. 434;

Lista de Freqüência do Programa Acorda Brasil – Reunião Comunitária – Fartura (f. 435/436).

É o breve relatório

FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe a Constituição Federal:

CAPÍTULO VI

DO MEIO AMBIENTE

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

[…]

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Regulamentando os dispositivos constitucionais supra referidos foi promulgada a Lei n.º 9985, de 18 de julho de 2000, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e impondo regras a serem seguidas pelo Poder Público para alcançar o desiderato constitucional.

Esta prevê, em seu capítulo III, diversas categorias de unidades de conservação, divididas em dois grupos fundamentais: as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável.

O grupo das Unidades de Proteção Integral (composto Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumentos Naturais e Refúgios de Vida Silvestre), como o próprio nome indica, está sujeito a regramento mais rígido quanto à sua ocupação e exploração econômica, em razão das características inerentes à região de preservação.

O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais (que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais), com algumas exceções previstas na própria Lei.

Já o grupo das Unidades de Uso Sustentável (integrado pelas Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural) tem como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, o que também abrange o seu uso direto, ou seja, aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais.

Estabelecer de plano esta diferença é extremamente importante para a perfeita intelecção das considerações a seguir. A argumentação expendida na exordial é relevante especialmente no ponto que trata da inexistência de consulta à população local quando se estavam realizando os estudos técnicos a respeito da possível criação do Parque Nacional.

Negar-se importância a iniciativas tendentes à proteção do meio ambiente é negar-se importância à vida. Entretanto, o homem vem interferindo na natureza desde sempre, com o objetivo de amoldá-la aos seus mutáveis interesses (para dela extrair riquezas, ou para aumentar seu conforto, ou para satisfazer interesses estéticos, ou quaisquer outros). Um dos principais motivos da atuação do homem para modificar a natureza é destacadamente o interesse econômico. Não se pode ter uma postura maniqueísta no sentido de dizer que tudo que é preservacionista é bom, e que os interesses econômicos são maus quando contrapostos à preservação integral daquela. Há que se buscar uma acomodação de ambos os interesses, haja vista que não se pode buscar o progresso econômico à custa da saúde e mesmo da vida do homem. É possível a conciliação entre ambos os interesses. A Lei 9985/2000 prevê diferentes categorias de Unidades de Preservação, justamente para amoldá-las aos casos concretos.


No presente caso, o Decreto Presidencial sem número de 04.06.2004 optou pela criação de um Parque Nacional, que pertence ao grupo das categorias de Unidades de Preservação Integral. Não se pretende aqui tecer considerações a respeito do mérito do Ato Administrativo, o que é manifestamente vedado ao Judiciário. Pautarei, pois, esta análise tão-somente aos aspectos relativos à legalidade do ato administrativo.

Dispõe a Lei de regência das Unidades de Conservação que:

DA CRIAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.

§ 1º (VETADO)

§ 2º A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.

§ 3º No processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.

Alegam os Autores Populares que esse preceito normativo teria sido malferido pela autuação do Poder Público que teria alijado das discussões políticas grande parcela de interessados.

Segundo os Autores, não teriam sido realizadas audiências públicas nos municípios de Ascurra, Botuverá, Gaspar, Guabiruba, Presidente Nereu e Vidal Ramos. Tal afirmação é bastante grave, e, sendo verdadeira, fulminaria de plano o decreto que ensejou a criação do Parque Nacional.

Nem se diga que a Consulta Pública realizada em municípios vizinhos atenderia ao comando legal, haja vista que apesar do avanço da globalização, que fez ruir as antigas fronteiras, a população rural está, via de regra, excluída do acesso às informações de além dos limites do seu círculo de convivência, além de não integrar a grande teia de informações que é a Internet.

Por isso, a página do Ministério do Meio Ambiente efetivamente não é meio suficiente para fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e demais interessados, consoante exige a lei.

De resto, cabe salientar que a população rural é integrada por um grande número de analfabetos, sobre os quais os efeitos da edição do Decreto Presidencial se farão sentir com mais intensidade. Essa população merece especial atenção, devendo ser convenientemente instruída a respeito das implicações jurídicas e fáticas que aquele ato normativo há de causar na vida dos habitantes dos nove municípios atingidos pela criação do Parque Nacional.

Dispõe o Decreto n.º 4.340, de 22.08.2002, que:

Art. 4º Compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade.

Art. 5º A consulta pública para a criação de unidade de conservação tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade.

§ 1º A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas.

§ 2º No processo de consulta pública, o órgão executor competente deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade proposta.

A Lei 9985/200 e o Decreto n.º 4.340/02 especificam que os estudos técnicos e a Consulta Popular têm como objetivo identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, sendo, portanto, absolutamente indispensável a sua realização.

Dentre as diversas categorias de Unidades de Preservação, a criação do Parque Nacional, por ser mais gravosa para a população local, com supressão de propriedade e criação dos mais diversos ônus, é que, com maior razão deveria ensejar a preocupação do Poder Público em respeitar a necessidade de informar e esclarecer os seus habitantes para que estes possam participar do processo de tomada de decisões.

A exigência da Lei no tocante à necessidade de prévia Consulta Popular não se trata de requisito de importância relativa, mas absoluta, diante da seriedade das conseqüências do ato de criação do Parque Nacional que implica a necessidade de desapropriação de áreas, haja vista que as terras particulares incluídas em seus limites serão de posse e domínio públicos.

É verdade que o resultado dessa consulta não é determinante para a tomada da decisão final do Poder Público, diante da ausência de força vinculante da deliberação popular. Contudo, devido ao caráter democrático dessa consulta, ainda assim é de suma importância a sua efetiva realização para que se possa discutir quais são as propostas e se há melhores alternativas.


Nosso sistema federativo, pela Constituição Federal de 1988 coloca os Municípios integrantes do pacto federativo, não podendo estes ficar excluídos das discussões relativas à tomada de decisões desse porte. É de se destacar que a área abrangida pelo Decreto vergastado é de 57.374 hectares, alcançando áreas expressivas de nove municípios.

Quase todos os municípios atingidos pela criação do Parque Nacional manifestaram interesse em forma distinta de proteção ambiental, por intermédio de criação de Áreas de Proteção Ambiental (que integram o grupo das Unidades de Uso Sustentável que, como já dito, tem como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, o que também abrange o seu uso direto, ou seja, aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais) em área praticamente idêntica à do Parque Nacional.

Segundo consta da inicial, os seguintes municípios teriam decretado Áreas de Proteção Ambiental no âmbito de seus respectivos limites, procurando dessa forma evitar o que consideravam contrários aos interesses econômico/ambientais da população local: 1) Apiúna (Decreto n.º1.074, de 12/05/2004); 2) Blumenau (Decreto n.º 6.797 de 19/02/2001); 3) Botuverá (Decreto n.º 935 de 13/10/2003); 4) Guabiruba (Decreto n.º 9 de 12/05/2004); 5) Indaial (Decreto n.º 1.880, de 11/05/2004); 6) Presidente Nereu (Decreto n.º 2 de 13/15/2004) e 7) Vidal Ramos (Decreto n.º 1.026 de 13/04/2004).

Dentre esses sete municípios, como se pode verificar das datas de seus respectivos decretos, apenas o Município de Blumenau já possuía APA em data anterior aos trabalhos de viabilização do Parque Nacional Serra do Itajaí. A criação das APAs dos demais municípios foi efetivada com o evidente propósito de buscar uma alternativa à criação da Área de Preservação Integral. É de grande relevância tal constatação, que mostra uma grande rejeição pelas municipalidades à idéia de optar-se pela criação de um Parque Nacional.

A mera criação das APAs não teria, ao menos em Juízo preliminar, o efeito pretendido pelos Autores Populares, de obstar a criação do Parque Nacional. Contudo, a situação em que criadas evidencia um descompasso entre as opiniões do Poder Público, nas esferas Federal e Municipal, quanto à melhor alternativa, o que demonstra a necessidade de ampliarem-se os debates, com o necessário esclarecimento da população afetada, consoante os termos da Lei regente.

O perigo da demora se evidencia pelo fato de que o status de Parque Nacional enseja ao Poder Público Federal a desapropriação dos bens imóveis localizados no interior do seu perímetro, com severas conseqüências do ponto de vista de aproveitamento das propriedades privadas cujos titulares não poderão usufruir de seus bens de forma plena, além das graves conseqüências no tocante ao imediato decréscimo de valor econômico da área, dentre outras.

Ademais, a mera suspensão do Decreto de criação do Parque Nacional não traz nenhuma conseqüência deletéria à parte adversa.

Por outro lado, cabe ressaltar que a Ação Popular é via legítima para a defesa do patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, nos termos da Lei n.º 4.717/1965:

Art. 1º. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição artigo 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União representa os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita ânua de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1º. Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

[…]

É relevante o argumento de que a criação do Parque Nacional Serra do Itajaí possa ensejar lesão ao patrimônio da União, haja vista que o desrespeito ao procedimento legal pode levar à nulidade do ato e assim o Poder Público estaria sujeito ao pagamento de indenizações, o que caracteriza possibilidade real de prejuízo aos cofres públicos.

Em respeito ao Princípio Democrático que repousa no artigo 1.º da Constituição Federal, merece acolhida o pedido de concessão de liminar, haja vista que mesmo que os motivos sejam relevantes (proteção ao patrimônio ambiental), não podem prevalecer medidas autoritárias que visem a impor opiniões que não tenham sido convenientemente discutidas pelas populações interessadas.

Pelo exposto, diante da relevância dos argumentos apresentados pelos Autores Populares, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR, no sentido de suspender os efeitos do Decreto s/n.º, de 04.06.2004, determinando ao Ministério do Meio Ambiente e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA que não criem aos proprietários de imóveis abrangidos pelo Parque Nacional Serra do Itajaí obstáculos ou exigências em razão desse status jurídico (de Parque Nacional), restando igualmente obstada a desapropriação de imóveis em decorrência do Decreto, cujos efeitos ora se suspendem. Restam mantidas, obviamente, as restrições decorrentes dos diplomas normativos anteriores inerentes ao tema.

Outrossim, deverão ser apresentados com as Contestações os documentos relativos aos trabalhos que ensejaram a criação do Parque Nacional Serra do Itajaí, a fim de aferir-se a veracidade das alegações de ilegalidade manifestadas pelos Autores Populares.

Retifique-se a autuação, com a inclusão da União Federal e do IBAMA no pólo passivo da ação.

Citem-se os Réus.

Dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Intimem-se.

Blumenau, 6 de setembro de 2004.

EDILBERTO BARBOSA CLEMENTINO

Juiz Federal Substituto

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!