Destino concorrido

Supremo recebe mais de três pedidos de extradição por mês

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5 de setembro de 2004, 16h41

A lista de estrangeiros processados em seu país natal que vêm procurar refúgio no Brasil sempre contou com nomes famosos. Entre eles, o ex-general Lino Oviedo, o assaltante do trem pagador londrino, Ronald Biggs, e a cantora mexicana Gloria Trevi.

Em busca de criminosos célebres ou não, de janeiro de 2003 até agosto de 2004, 14 países fizeram 73 pedidos de extradição ao Supremo Tribunal Federal — uma média de mais de três por mês. Destes, em 23 casos os extraditandos ainda não estão presos e os processos correm em segredo de Justiça.

Agora, outra personalidade pode engordar essa lista: Michael Jackson. O juiz no processo de abuso sexual de menores contra o cantor negou redução da fiança de US$ 3 milhões imposta a ele, citando evidências de que Jackson estaria planejando fugir para o Brasil.

Se viesse para cá, o artista seria o sétimo americano procurado pela Justiça de seu país a desembarcar no Brasil nos últimos 20 meses. Mas é Portugal o campeão em pedidos de extradição. Dos 50 requerimentos de extradição no STF abertos à consulta pública, 9 foram feitos pelo governo português. Até o momento, cinco foram atendidos, dois negados e dois continuam pendentes de julgamento.

A maior parte dos extraditandos é de origem européia — somando todos os pedidos de países do continente, eles totalizam 31. Os requerimentos provenientes da América Latina chegam a 12 e apenas um tem origem no Oriente Médio (Israel).

Para o professor de Direito Penal Luiz Flávio Gomes, o país é um destino procurado por criminosos estrangeiros por dois motivos. O primeiro é a extensão do território nacional, o que facilita o esconderijo. O segundo é a precariedade “do controle policial”.

“A imagem da impunidade transmitida para fora é muito forte. O Brasil é, por isso, visto como um paraíso para se refugiar. E não é de hoje, a fama existe desde o princípio do século. É histórico”, diz. Gomes afirma que não há paralelo com os outros países da América Latina. “Nenhum deles registra tantos pedidos de extradição.”

Além da “propaganda” desfavorável que chega lá fora, tão maciça que até Holywood já fez do país refúgio para alguns de seus famosos bandidos, o sistema penal brasileiro justifica o fenômeno com suas punições brandas. “Somos, para o criminoso, dos males o menor”, diz a procuradora de São Paulo, Luiza Nagib Eluf. “Nossa legislação não prevê prisão perpétua ou pena de morte, como a de outros países.”

“É muito melhor para o bandido ser pego aqui, nossa tolerância com o crime é um absurdo”, diz. Devem ser levados em consideração, ainda segundo ela, a morosidade da Justiça brasileira e a idolatria da sociedade aos ricos. “Em vez de ser rejeitado nas altas camadas porque conseguiu dinheiro de forma ilícita, certos ladrões estrangeiros, sem escrúpulos em ostentar riqueza, são convidados para eventos e aparecem nas colunas sociais”.

Já para o assessor criminal do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Arnaldo Hossepian Júnior, se considerada a quantidade de países que compõem a ONU e estabelecem tratados ou acordos de reciprocidade para efeitos jurídicos com o Brasil, o número não é alto, “nem digno de nota”.

Há de se levar em conta, segundo ele, por exemplo, se o crime pelo qual o estrangeiro é procurado é ordinário ou político – situação em que a legislação não permite a extradição. “São situações muito pontuais (de recusa do pedido). Existe o costume de atender aos países com os quais temos tratados e não há a intenção de agasalhar criminosos.”

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