Gargalo da Justiça

Presidente do TJ paulista critica greve que já dura 68 dias

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3 de setembro de 2004, 9h37

Acossado por uma greve que completa 68 dias nesta sexta-feira (3/9), o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Luiz Elias Tâmbara, recebeu a revista Consultor Jurídico para falar de controle de produtividade na justiça paulista, reforma do Judiciário, unificação dos tribunais de alçada e paralisação dos servidores.

Tâmbara respondeu as críticas de omissão diante da greve. Afirmou que está aberto ao diálogo, que apresentou contraproposta de reajuste salarial “bastante razoável”, mas que vai descontar os dias parados dos salários dos servidores.

Para ele, a paralisação tem provocado enorme prejuízo à sociedade e aos operadores de justiça. São mais de 12 milhões de processos parados em primeira instância. Em dois meses, cerca de 300 mil audiências foram suspensas.

Sete meses depois de assumir o cargo de presidente da maior e mais importante Corte estadual de Justiça, Tâmbara contesta os que afirmam que há baixa produtividade no Tribunal.

Com base no ‘Diagnóstico do Judiciário’ feito pelo Ministério da Justiça, afirma que o Judiciário paulista ocupa a primeira posição no ranking de primeira instância, com uma produtividade de 2.354 processos julgados por juiz. “É quase duas vezes a média nacional”, ressalta.

De posse dos mesmos dados, prevê que cada desembargador julgará em média 800 recursos este ano. Reconhece as sobras que se acumulam ano a ano na segunda instância e diz que só há uma saída: ou aumentar o número de julgadores ou diminuir o número de recursos.

Ele aposta na informatização do Judiciário, que espera ver concluída até abril de 2005, e na reforma processual.

Leia a entrevista:

Consultor Jurídico — O senhor fez publicar no Diário Oficial resolução em que pede aos juízes para informar ao Tribunal sobre quem está trabalhando e quem está parado. Sua estratégia é endurecer com os grevistas?

Elias Tâmbara — Não. Não é a política de endurecer. Sempre estive aberto para o diálogo, sempre recebi as lideranças. O que estamos fazendo, agora, é cumprir a lei. Como não há regulamentação do direito de greve toda falta é falta injustificada. E a falta injustificada não pode ser remunerada. A resolução também dispôs que esta ausência não poder ser objeto nem de compensação, nem de abono.

Com esta medida o sr. quer pôr fim à paralisação, forçar o desfecho da greve?

Tâmbara — O desfecho da greve é o retorno dos servidores, porque eles não vão ficar indefinitivamente parados. Vai chegar um momento que ou caracteriza abandono de emprego e, então, virá uma sanção muito mais drástica – a perda do cargo. Eu acredito que o tempo vai pôr as coisas em sua normalidade. O que eu poderia oferecer já foi oferecido. E o que ofereci é bastante razoável diante da conjuntura econômica. Agora, depende apenas dos servidores, meditarem, ter um pouco de bom senso, e retornarem ao trabalho.

Mas os servidores estão entendendo a medida como tentativa de amedrontá-los, como política de endurecimento. O sr. não teme maiores dificuldades de lado a lado para negociar?

Tâmbara — Não. No último encontro com as lideranças, enumerei os benefícios que estava oferecendo aos servidores. Além do aumento de 10%, me propus a reconhecer a licença prêmio para 19 mil servidores e pagar o fator de atualização monetária de até 500 reais para 11 mil servidores.

O que está acontecendo com o projeto de lei que prevê reajuste de 26,39% para os funcionários do Judiciário? As lideranças reclamam que o substitutivo ainda não foi entregue à Assembléia Legislativa.

Tâmbara — O projeto inicial tinha duas lacunas: uma era a tabela de vencimentos, que já foi encaminhada, a outra era a fonte para o pagamento. Esta o Tribunal não tem. Nós não dispomos de recursos no orçamento. A fonte tem de vir do Tesouro do Estado.

Depois de passada essa situação excepcional, que planos o Judiciário paulista pretende pôr em prática para amenizar as conseqüências desses dias parados?

Tâmbara — Como nosso quadro de servidores está desfalcado, tentamos suprir isso desde o início da minha gestão, admitindo estagiários de nível médio e superior. Fizemos uma licitação – que foi ganha pela Fundap – e desde o dia 1º deste mês começamos a admissão de 3 mil estagiários, sendo 2,5 mil de nível médio e 500 de nível superior.

Mas a contratação é suficiente?

Tâmbara – A medida ajuda. Os estagiários serão contratados para suprir uma deficiência dos nossos quadros de servidores, não para substituí-los.

Receberão salários?

Tâmbara – Não. Receberão uma bolsa de estudos, porque o que eles vêm fazer aqui é um estágio que integra o Tribunal com a escola e serão gratificados com esta bolsa-estudo.


Mas desta maneira, a falta de funcionários está sendo atacada de frente? O que será feito de imediato?

Tâmbara – Nossa meta prioritária é a informatização, que vai facilitar a vida dos juízes, desembargadores e funcionários.

Por que o TJ paulista está sendo o último do país a se informatizar?

Tâmbara – A informatização da Justiça de um estado como São Paulo tem um custo alto. Estamos calculando que os gastos serão da ordem de R$ 300 milhões. Já investimos algo superior a R$ 150 milhões. O Tribunal nunca teve em seu orçamento uma verba de investimento, tarefa que sempre coube ao Executivo. Por exemplo, quem constrói os nossos prédios é o Executivo. Não tínhamos verba própria para esses investimentos.

E quando isso começou a mudar?

Tâmbara – A partir de 1994 foi editada a lei que criou o fundo de modernização do Judiciário. As receitas desse fundo – que vinham de concursos, de cobranças de cópias – eram muito baixa. A partir de 2003, esse fundo começou a receber parcelas dos emolumentos dos atos extrajudiciais – escrituras, registros, protestos de títulos. Como é o Tribunal que fiscaliza esses serviços, nada mais justo que ele receba. Com isso, as receitas desse fundo melhoraram muito.

Em quanto?

Tâmbara – Os dados de 2003 apontam que o Tribunal recebe valores que variam de R$ 3 a R$ 5 milhões por mês. A partir deste ano, o Tribunal passou a ter uma participação nas custas processuais da ordem de 21%. Isso representa algo em trono de 5 milhões/mês.

Então quando será concluída a informatização?

Tâmbara – Até abril do próximo ano. O projeto original previa concluir a informatização até o final de 2004. Mas a greve atrasou esse cronograma. Estamos montando cabos de fibra ótica em todo o estado. São mais de 32 mil pontos, que ligarão em rede cerca de 30 mil computadores. Será uma revolução no Judiciário que vai permitir acompanhar o andamento de processos em toda a justiça estadual.

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil está articulando um Movimento contra o Estado de Calamidade Pública da Justiça Paulista para pressionar o governo estadual a ir buscar empréstimo ou financiamento externo do BID ou Banco Mundial, aproveitando as verbas para a modernização do Judiciário no Terceiro Mundo. O que o senhor pensa a respeito?

Tâmbara – Desconheço esse movimento. Mas todo recurso será bem-vindo. Nem também tenho conhecimento de qualquer outro Tribunal nos Estados que recorreram a empréstimos de instituições internacionais. O que há, e também aqui em São Paulo, são parcerias com bancos que detêm os depósitos judiciais, repassando verbas para o custeio da modernização do Judiciário.

Qual é o volume de processo que espera por distribuição no Tribunal de Justiça?

Tâmbara – Eu tenho dados até 31 de julho. No segundo grau, o estoque é de 196 mil processos aguardando distribuição.

Então, como o explicar o baixo índice operacional da Justiça paulista?

Tâmbara – Isso é uma deformação. Não há baixo índice operacional no Judiciário de São Paulo. Basta citar o diagnóstico do Ministério da Justiça divulgado recentemente. Nele, São Paulo ocupa a primeira posição no ranking da primeira instância da Justiça comum, com uma produtividade de 2.354 processos julgados por juiz, ou seja 1,9 vezes a média nacional, que ficou em 1.207. Os juízes de São Paulo julgaram praticamente o dobro da média nacional. Então como falar em baixa produtividade?

E no segundo grau?

Tâmbara – O Tribunal de Justiça ficou em segundo lugar, atrás apenas do Rio Grande do Sul.

Então, como se explica o fato de um recurso levar mais de cinco anos para chegar às mãos de um juiz? Não falta celeridade à Justiça?

Tâmbara – Não é isso. O que temos aqui é um número de processo muito maior que qualquer outro Estado. De janeiro a julho entraram no Tribunal 67.203 recursos, para um ambiente de 132 julgadores. Foram julgados 54.951. Isto significa que ficou uma sobra, sem possibilidade de julgamento, de quase 13 mil processos. De janeiro a julho cada desembargador julgou 416 recursos. O limite que a lei orgânica da magistratura estabelece nos tribunais é de 300 recursos por ano para cada desembargador. Mas em São Paulo, cada desembargador está julgando cerca de 800 recursos por ano. Então, a saída é criar novos cargos de julgadores ou reduzir o número de recursos. Outro milagre é impossível.

Por que esse fenômeno não se repete em outros estados que, embora com menos processos, também têm menos juízes?

Tâmbara – Vou dar um exemplo de um encontro de presidentes de Tribunais de Justiça ocorrido em Tocantins. Em Palmas, eles estavam inaugurando um fórum para 26 juízes. A população de Palmas é de 180 mil habitantes. Se tomarmos uma comarca como a de Sumaré, em São Paulo, que compreende as cidades de Sumaré e Hortolândia vamos ver a enorme diferença. Cada uma dessas cidades tem 200 mil habitantes. Ou seja, a comarca tem 400 mil habitantes. Lá atuam quatro juízes. O que significa um juiz para cada 100 mil habitantes. Então tem de reclamar.


E qual a solução?

Tâmbara – Passa por uma reforma processual. A reforma do Judiciário tem que ser vista por dois lados: primeiro, a reforma da modernização, que se consegue pela informatização. Com a informatização vamos reduzir a necessidade de pessoal em 40%, vamos facilitar a vida de quem usa o Judiciário como promotores, procuradores, advogados, juízes, funcionários e a sociedade. Será um choque de modernização. A segunda, a reforma das leis processuais. O Código de Processo Civil hoje torna o processo demorado. Há um processo de conhecimento, um processo de execução. O cidadão que recorre à Justiça para fazer uma cobrança tem de percorrer todas as instâncias até o trânsito em julgado da sentença aí ele começa o segundo drama que é o processo de execução.

Cite um exemplo de como essa reforma pode ajudar na celeridade dos processos?

Tâmbara – Coisas simples como, por exemplo, retirar como regra o efeito suspensivo da apelação. O recurso ter como regra apenas o efeito devolutivo e deixar a critério do relator no Tribunal se deve suspender ou não. Se num primeiro exame o relator entende que comporta suspensão ele dá o efeito suspensivo. Quer dizer, não se executa desde logo a decisão. Mas se ele percebe que o recurso é meramente protelatório ele não empresta esse efeito ao recurso. Então, ainda, que se demore depois seis meses ou oito meses para julgar o recurso, a decisão do juiz já se torna executável. Então isso é uma reforma aparentemente simples e que viria agilizar e muito o Judiciário.

Como vai ser o processo de unificação dos tribunais de alçadas? A proposta já está pronta?

Tâmbara – Nós aguardávamos a reforma do Judiciário onde há uma previsão de unificação dos tribunais de alçada. Como a reforma está parada estou disposto a reabrir a discussão aqui em São Paulo para unificar os tribunais, no nosso ritmo e tendo em conta o interesse público e as peculiaridades do nosso Estado.

Há resistências internas?

Tâmbara – Toda unificação gera problemas iniciais. Ela só vai produzir efeitos no médio prazo, porque são estruturas administrativas diferentes. Cada tribunal de alçada tem uma secretaria com cerca de 1.200 servidores. Com a unificação, todos esses servidores seriam incorporados pelo Tribunal de Justiça. Já existem estudos e sugestões sobre como seria feita essa unificação. A resistência é maior da parte dos servidores do que dos juízes.

Como vão ficar os salários dos juízes de alçada?

Tâmbara – No Judiciário, temos um escalonamento onde o topo da carreira é o cargo de desembargador. Abaixo dele é que vem o cargo de juízes de alçada, seguido de juízes de entrância especial, terceira entrância, segunda e primeira e juiz substituto. O Estado de São Paulo é o que pior remunera a magistratura. O juiz substituto, em início de carreira, ganha 5,8 mil reais brutos. Com a unificação os juízes de alçada passariam automaticamente para desembargadores.

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