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Juiz declara inconstitucionais Cofins e PIS sobre importação

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3 de setembro de 2004, 11h00

As contribuições Cofins-Importação e PIS-Importação, previstas na Lei 10.865, de 30 de abril de 2004, foram declaradas inconstitucionais pelo juiz substituto da 3ª Vara Federal de Florianópolis, Cláudio Roberto da Silva.

A sentença foi proferida esta semana em um mandado de segurança ajuizado pela empresa 4 Music Comércio, Importação e Exportação Ltda. A decisão, que confirma uma das primeiras liminares concedidas no país, em 24 de maio deste ano, desobriga a empresa de recolher os tributos. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Leia a íntegra da sentença

Processo nº 2004.72.00.007154-7

Mandado de Segurança

Impetrante: 4 Music Comércio, Importação e Exportação Ltda.

Impetrado: Delegado da Secretaria da Receita Federal em Florianópolis

I – Relatório

A impetrante, qualificada à fl. 03, ingressou com o presente mandamus contra ato atribuído ao Delegado da Receita Federal em Florianópolis, através do qual se insurge contra as instituição e cobrança de tributos criada pela Medida Provisória nº 164, de 29 de janeiro de 2004, convertida na Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, denominadas PIS-Importação e COFINS-Importação.

Alegou que a mencionada medida provisória criou novos tributos, distintos da COFINS e do PIS já conhecidos, incidentes sobre o valor aduaneiro de bens estrangeiros, acrescido do valor do ICMS da operação e mais o valor das próprias contribuições, conforme art. 7º, I, da Lei, e ainda sobre a importação de serviços acrescidos do valor do ISS e do valor das próprias contribuições, conforme art. 7º, II, da Lei 10.865/2004, com alíquotas gerais de 7,6% e 1,65%, respectivamente.

Disse que tais contribuições foram criadas com fundamento no artigo 195, IV, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 42, de 19/12/2003.

Sustentou que a Lei nº 10.865/2004 é inconstitucional, não sendo meio válido para obrigar a impetrante a pagar tributos por ela introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro.

Fundamentou sua insurgência na inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 42, que teria inovado ilegitimamente a Constituição Federal ao criar “figura jurídica inédita” não prevista pelo Constituinte Originário, ferindo com isso o sobreprincípio da segurança jurídica e induzindo a inconstitucionalidade da própria Lei 10.865/2004, não sendo viável à Emenda Constitucional criar tributo.

Defendeu ainda a inobservância do disposto no art. 246 da Constituição Federal, uma vez que o art. 195 da Constituição Federal já havia sido alterado pela EC 20/98, limitando a edição de Medidas Provisórias, como a ora editada e que foi convertida na Lei nº 10.865/2004, com o que essa Lei haveria nascido com vício insanável.

Pugnou ainda pelo reconhecimento do efeito confiscatório do novo tributo, pois não permite ao contribuinte deduções do que pagará a título de COFINS-importação e PIS-importação com o devido a título de PIS e COFINS.

Apontou ofensa ao princípio da isonomia em razão do disposto nos artigos 15 e 17 da Lei 10.865/2004. Disse, ainda, ser inconstitucional a base de cálculo dos tributos instituídos pela nova lei em razão de contrariarem o disposto no artigo 149, § 2º, II, da Constituição Federal que permite a utilização apenas do valor aduaneiro como base de cálculo.

Asseverou, também, que as contribuições em referência carecem de fundamento constitucional que autorize a sua exigência. Argumentou, por fim, que os tributos criados pela Lei nº 10.865/2004 não são contribuições, mas verdadeiros impostos, tudo em razão da falta de referibilidade dos mesmos, pois a Lei 10.865 não “estabelece a razão de ser dos tributos por ela instituídos e a vinculação de sua receita”, ensejando, dessa forma, a ocorrência de verdadeiro bis in idem, vez que a entrada de bens em território nacional já é tributada pelo Imposto de Importação, com o que há malferimento ao artigo 154, I, da Constituição Federal.

Disse estarem presentes os requisitos próprios à concessão da liminar. Pugnou pelo deferimento da liminar para o fim de que seja desonerada do pagamento da COFINS-Importação e do PIS-Importação sobre bens e serviços que venha a promover.

A medida liminar foi concedida (fls. 54/73). A autoridade indicada como coatora prestou informações (fls. 78/90). O Ministério Público Federal opinou pela concessão da segurança (fls. 92/99). Vieram-me os autos conclusos para sentença.

II – Fundamentação

Na oportunidade do exame liminar, manifestei-me no seguinte sentido:

“Através do presente mandamus busca a impetrante obter provimento jurisdicional liminar que lhe desobrigue do pagamento das contribuições COFINS — Importação e do PIS — Importação, instituídas pela MP 164/2004, convertida na Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004.


Diversas as alegações da impetrante como fundamento da inconstitucionalidade das novas exações, na iminência de lhe serem exigidas em razão dos efeitos concretos oriundos da relação obrigacional tributária, o que legitima a segurança de natureza preventiva.

No provimento liminar basta a identificação do fumus boni juris e periculum in mora em qualquer dos fundamentos a fim de afastar-se a exigência do tributo.

a) Inconstitucionalidade da EC 42.

O central tema da legitimidade do Poder Constituinte encontra hoje assentado em que o Poder Constituinte originário é soberano para criar o “novo sistema”, ainda assim com os temperamentos que inúmeras correntes de pensamento, tal como o do jusnaturalismo engendra, e que, se a titularidade é do povo, o que no Brasil se ilustra com a expressão de que “todo poder emana do povo”, o exercício dessa titularidade é contínuo, o que se materializa no poder constituinte derivado.

Ocorre que a pretensão de imutabilidade da Constituição levou os teóricos a admitir as reformas desde que resguardado o núcleo essencial. Carl Schmitt, no seu Teoria de la Constitución. Madrid. Alianza Universidad Textos, 1996, p. 93 diz que a faculdade de reformar a Constituição, atribuída por uma normação legal-constitucional, significa que uma ou várias regulações legais-constitucionais podem ser substituídas por outras regulações de igual natureza, mas somente sob a hipótese de restarem garantidas a identidade e a continuidade da Constituição considerada em seu conjunto.

Tal ensinamento é fundamental e visa evitar o que Hesse chamou de suicídio do Estado Democrático (ver Gilmar Ferreira Mendes. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo. Saraiva, 1993, p. 97), certo, contudo, que identificar esse núcleo essencial é ainda problema sem solução satisfatória em qualquer constitucionalismo moderno.

A Constituição Federal de 1988 traz as hipóteses constituintes do núcleo da República Federativa do Brasil no seu artigo 60, § 4º, sendo certo, desde já, que a única hipótese cuja apreciação seria aqui cabível é o inscrito no inciso IV do referido dispositivo, segundo o qual direitos e garantias individuais estariam resguardados quanto às reformas oriundas do exercício do poder constituinte derivado.

Ocorre que a ora impetrante não esclarece qual a garantia constitucional ofendida com a edição da EC 42, mesmo que não se desconheça que tais garantias e direitos não são apenas aquelas enumeradas no artigo 5º da Constituição Federal, por força do próprio § 2º deste citado artigo, argumentar com o sobreprincípio da segurança jurídica nada mais é do que dizer o óbvio, aliás resguardado pela Constituição Federal quando erigiu como direito núcleo da República ao acolher a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, no artigo 5º, XXXVI.

O que faz a EC 42 é apenas introduzir novas hipóteses constitucionais passíveis de serem utilizadas pelo legislador infraconstitucional como base de cálculo, o que, evidentemente, não é capaz de atingir qualquer das cláusulas pétreas.

b) Artigo 246 da Constituição Federal e MP’s.

Se aprofundará sobre a natureza jurídica das presentes contribuições, contudo, a partir da ótica da impetrante, parte-se do enfrentamento dos tributos como contribuições para a seguridade social, cuja matriz de incidência encontra-se estampada no art. 195 da Constituição Federal. Dispõe o art. 195 da Constituição Federal:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (…) O inciso IV do dispositivo transcrito acima foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. A Emenda Constitucional nº 32, publicada em 12 de setembro de 2001, dentre as inúmeras alterações que fez ao texto constitucional, manteve a redação do art. 246 da Constituição, apenas ampliando o prazo de vedação à regulamentação de dispositivos constitucionais alterados por medida provisória.

Eis a redação do artigo em referência:

Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação da presente emenda.

O dispositivo em questão foi originariamente introduzido na Constituição, através da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, no Ato das Disposições Constitucionais Gerais.

Também a Emenda Constitucional nº 7, manteve idêntica a redação do art. 246. Mantendo este mesmo comando, seguiram-se as Emendas Constitucionais nº 8 e 9.


Com efeito, até o presente momento, quando a Constituição Federal já conta com mais de 40 emendas, o dispositivo permanece em vigor, reproduzindo uma preocupação do legislador constitucional derivado de atalhar a exacerbação de atribuições pelo Poder Executivo, nas hipóteses de regulamentação de matérias que, pela sua relevância, devem ser precedidas de ampla discussão e deliberação parlamentar, assegurada através do regular processo legislativo.

Segundo José Afonso da Silva (in Curso Direito Constitucional Positivo, 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000) “(…) o objetivo imediato (do art. 246 da Constituição consistiu em estabelecer limites de atuação do Poder Executivo quanto às leis das mencionadas Emendas.”

Em resumo, o dispositivo veda a regulamentação de qualquer inovação introduzida na Constituição através de emendas constitucionais promulgadas entre 1º de janeiro de 1995 e data da promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, as quais somente poderão ser tratadas mediante processo legislativo regular definido para leis ordinárias ou complementares.

As medidas provisórias são instrumentos normativos editados pelo Presidente da República, a quem compete o juízo de urgência e relevância. São, portanto, medidas excepcionais, as quais somente poderiam ser utilizadas em situações extraordinárias. Todavia, não raras vezes, tais instrumentos vêm sendo utilizados de forma abusiva pelo Chefe do Executivo.

Como referência vale lembrar que no período de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso foram editadas mais de 2.600 (duas mil e seiscentas) medidas provisórias, o que corresponde a uma média de quase duas por dia, segundo estudos feitos por Sérgio Sérvulo da Cunha, publicado na Revista de Trimestral de Direito Público nº 26, p. 77.

A medida provisória deve circunscrever-se à competência do Poder Executivo, sob pena de subverte-se em verdadeiro instrumento de autoritarismo e ingerência, contrário ao Estado Democrático de Direito à que alude o art. 1º da Constituição Federal. A respeito do tema em debate, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, adotando o seguinte entendimento:

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. 2. Medida Provisória nº 1819-1, de 30.4.1999. 3. Conhecimento, em parte, da ação, por maioria de votos, vencido, em parte, o relator, que conhecia da ação, em menor extensão. 4. Relevância dos fundamentos do pedido, em face do art. 246 da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 6/1995. 5. Deferimento, por unanimidade, da medida cautelar, para suspender, até o julgamento final da ação, a eficácia da Medida Provisória nº 1.819-1, de 30.4.1999. (ADI 2005 MC/DF – Supremo Tribunal Federal, Pleno, Min. Néry da Silveira, julg. 26.05.1999, public. 19.04.2002.)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LIMINAR. ARTIGO 1º DA MP 1481-48, DE 15 DE ABRIL DE 1997, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ARTIGO 13 DA LEI 8031/90. DECRETO 1204, DE 29 DE JULHO DE 1994, ARTIGOS 39 E 43. ALIENAÇÃO DE AÇÕES EM ATÉ CEM POR CENTO DO CAPITAL VOTANTE. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO POR PARTE DO PODER EXECUTIVO. NOVA MODALIDADE DE AÇÃO CRIADA POR DECRETO: NÃO-OCORRÊNCIA. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DO USO DE MEDIDA PROVISÓRIA PARA TRATAR DO TEMA. INTERPRETAÇÃO CONFORME.

1. Perde relevo no juízo cautelar a alegada violação aos artigos 5º, II, e 84, IV, da Constituição Federal, visto que as ações de classe especial têm origem na Lei 8031/90, artigo 8º c/c o artigo 6º, XIII, e § 2º, e não em norma regulamentar. Não-conhecimento da ação nesta parte.

2. Confronto do Decreto 1204/94 com a Lei das Sociedades por Ações. Questão cujo debate refoge ao contencioso constitucional.

3. Artigo 13 da Lei 8031/90, com a redação dada pelo artigo 1º da MP 1481-48/97, e artigo 39 do Decreto 1204/90: interpretação conforme para, até julgamento final da ação, afastar do campo da incidência dessas normas a alienação de sociedades de economia mista que se dediquem às atividades enquadradas no § 1º do artigo 176 da Constituição Federal.

4. Se a atual redação dada ao citado dispositivo foi introduzida pela EC 06/95, mostra-se relevante o pedido em face da regra prevista no artigo 246 da Carta da República. Ação não conhecida em parte. Na parte de que se conheceu, o pedido foi deferido parcialmente, com interpretação conforme (ADI 1597-4 – Supremo Tribunal Federal, Pleno, Min. Néry da Silveira, julg. 08.05.1997, decisão ainda não publicada). Contudo, se é certo que a Corte Superior já conferiu eficácia ao dispositivo ora guerreado, a tese da impetrante peca já na premissa, eis que é inequívoco que a EC 42, sendo posterior à publicação da EC 32, por ela não é alcançada, motivo pelo qual só haveria fundamento para discutir-se eventual alteração da base de cálculo do tributo ora em comento em razão da EC 20/98, anterior à EC 32, mas jamais à EC posterior, não sendo possível, ante a evidência da inovação da EC 32, vincula-la à anterior EC 20/98.


c) Tributação e Confisco.

Assume particular relevância para o caso em exame os princípios constitucionais da capacidade contributiva e do não-confisco.

O princípio da capacidade contributiva vem expresso no art. 145, § 1º, da Constituição Federal e se entrelaça com o princípio do não-confisco (art. 150, IV, da Constituição Federal).

Sacha Calmon Navarro Coelho, ao discorrer sobre o princípio em referência, destaca: “(…) A capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay – principale). É subjetiva, quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva, quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada, etc…) Aí temos ‘signos presuntivos de capacidade contributiva’. Ao nosso sentir o constituinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte”. A finalidade do princípio em referência é garantir a justiça fiscal e, como explica Kiyoshi Harada “(…) não gera direito subjetivo para o contribuinte, que não poderá bater às portas do Judiciário pleiteando que determinado imposto ajuste-se ao seu perfil econômico, de outro, esse preceito produz efeito pelo seu aspecto negativo, à medida que confere ao contribuinte a faculdade de exigir que o poder tributante não pratique atos que o contravenha.”

Aferir, a partir do aumento da alíquota, como no caso, ou da base de cálculo de determinada exação, a violação aos princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, ainda em sede liminar de uma ação mandamental, é tarefa árdua.

A dificuldade deriva do próprio conteúdo material de tais princípios, os quais, pela sua natureza dão azo à compreensão nas mais diversas formas.

Ao decidir a questão da contribuição para os inativos, acolhendo sua inconstitucionalidade, afastei, contudo, a caracterização do confisco, diferentemente do que fez o Supremo Tribunal Federal ao julgar cautelarmente a matéria, e isso pelas razões lá aduzidas e que agora reproduzo, por cabíveis.

“Já quanto ao caráter confiscatório do tributo, certo que os tributos não podem ter efeito confiscatório (art. 150, IV, CF), é de ver que tal princípio relaciona-se, intimamente com o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF), o qual “…serve de baliza à tentativa de fazer-se política social menos injusta. (TRF 1ª Região, MS 136.428/94. Rel. Eliane Calmon). “Ainda que este último aplique-se aos impostos, recomendável breve digressão, considerando-se, que o impetrante entende que de imposto se trata, além do que sustenta a impossibilidade do caráter progressivo do tributo.

Se é questionável que a norma em tela atende o desiderato acima referido, tal questão é passível de aprofundadas discussões, pois, como adverte Alfredo Becker: “…A regra jurídica constitucional que juridicizou o ‘princípio da capacidade contributiva’ tem eficácia jurídica exclusivamente perante o legislador ordinário. Somente o legislador ordinário está juridicamente obrigado por esta regra constitucional e sua obrigação consiste no seguinte: ele deverá escolher para a composição da hipótese de incidência da regra jurídica criadora do tributo, exclusivamente fatos que sejam signos presuntivos de renda ou de capital. A desobediência, pelo legislador ordinário a esta regra constitucional, tem como conseqüência a inconstitucionalidade da lei. (Teoria Geral do Direito, p. 454).”

Tal princípio tem correlato no art. 194, IV, CF, no que pertine às contribuições de natureza previdenciária.

A apreciação, caso de imposto se tratasse, sobre se o tributo guarda caráter confiscatório, demanda averiguações que não se coadunam com a via estreita do mandamus.”

Veja-se que não quantificou o legislador brasileiro — diferentemente do que ocorre em países como a Argentina, onde se tem por confiscatório qualquer tributo que cuja alíquota ultrapasse mais de 33% (trinta e três por cento) — qualquer percentual de carga tributária a partir da qual se poderia considerar a exação como sendo de caráter confiscatório.

Sendo imprecisa apuração da capacidade contributiva, também o será o reconhecimento da existência de confisco tributário, vez que aquela verificação é basilar à identificação dessa ocorrência.

O Ministro José Delgado, em voto proferido na Apelação em Mandado de Segurança nº 49.273/PB, ainda quando integrava o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, salienta a questão que ora se examina: “A vedação ao confisco, muito embora seja de difícil conceituação no direito pátrio, face a ausência de definição objetiva que possibilite aplicá-lo concretamente, em princípio, deve ser estudado em consonância com o sistema sócio-econômico vigente, observando-se a proteção da propriedade, em sua função social. Constante entre um dos seis principais princípios fundamentais da limitação ao poder de tributar, é entendimento de alguns que, toda vez que a tributação retira a capacidade do contribuinte se sustentar ou se desenvolver, ou como ocorre no caso do IOF, tem o poder de reduzir uma aplicação financeira ao invés de elevá-la, estamos diante de um tributo de efeito confiscatório. Para Yves Gandra Martins, o confisco não pode ser examinado a partir de cada tributo, mas sim, através da universalidade de toda carga tributária incidente sobre um único contribuinte. Dessa forma, entende que, se a soma dos diversos tributos incidentes representam carga que impeça o contribuinte de viver e se desenvolver, estar-se-á perante carga geral confiscatória. ‘razão pela qual todo sistema terá que ser revisto, mas principalmente aquele tributo que, quando criado ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão’, concluindo que, na realidade pode ocorrer a existência de um tributo confiscatório ou um sistema confiscatório.”


Uma vez positivado o princípio, cabe ao Poder Judiciário, no exame do caso concreto, aferir a limitação da suportabilidade da carga fiscal pelo contribuinte, considerando a totalidade da carga tributária.

Aliás, no esforço de conferir qualificado conteúdo jurídico ao princípio constitucional em referência, há inúmeros trabalhos, dentre os quais destaco Fernando Aurélio Zilvetti, “Capacidade Contributiva e Mínimo Existencial (Direito Tributário – Estudos em Homenagem a Brandão Machado, p. 38 e seguintes)” e a Juíza Federal Ana Cecília Mendonça de Souza (Confisco – Uma Análise Comparativa de sua Evolução Doutrinária), todos anotando a necessidade de efetivação do princípio, bem como a viabilidade de delimitar-lhe os lindes através da atuação do Judiciário.

Todavia, invocando os ensinamentos dos tributaristas referidos acima, sem chegar aos extremos que inspiraram a Justiça em momentos prévios à Constituição Federal de 1988, quando o STF entendeu ser o princípio de iniciativa discricionária do legislador, não subsistindo espaço para a atuação judicial (Ap. 3.673, de 19/05/1923. Rel. Min. E. Lins. RF 41/487), entendo, todavia, que a constatação no limiar da ação não é possível em razão da própria limitação inerente ao expediente.

Em que pese o aumento do valor nominal das exações a partir da edição da MP 164/03, convertida Lei nº 10.865/2003, tal ocorrência não é capaz de, por si só, implicar violação à capacidade contributiva da impetrante, tampouco se podendo reconhecer como confiscatória a exação referida, tendo em conta o aumento ou modificação da base de cálculo perpetrada, ou, em outras palavras, não há, no caso, a possibilidade de dizer, de plano, a partir de qual momento o aumento do tributo importará confisco vedado na Constituição, mormente para o presente caso, em que se defende a criação de novo tributo.

d) Isonomia.

Ainda, quanto ao ferimento do princípio da isonomia em decorrência do sistema de compensação adotado, trata-se de utilização do Mandado de Segurança para discutir Lei em tese, o que é vedado (Súmula 266 STF).

A opção quanto à tributação mais gravosa às operações de importação em detrimento às operações internas é, então, questão meramente de ordem política, não sendo viável discutir-se no writ as próprias razões da opção, ainda que positivada, pois trata-se de discutir a lei em tese.

e) Natureza Jurídica das Contribuições PIS-importação e COFINS-importação e Base de Cálculo. É inequívoco que as contribuições em tela só foram criadas a partir das alterações viabilizadas pela EC 42 de 19/12/03, o que deve ser seriamente considerado ao apreciar a ainda polêmica questão quanto à natureza do PIS, deixando-se, desde já marcado que, quanto à COFINS não há qualquer dúvida quanto à sua natureza de contribuição previdenciária.

Ocorre que a EC 42 alterou tanto o art. 149, § 2º, II quanto o artigo 195, IV da Constituição Federal, o que mais exige atenção ao ponto.

Anteriormente à promulgação da Constituição Federal, o produto resultante da arrecadação da contribuição para o PIS era destinado ao Programa de Integração Social, cujo objetivo era promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas, tal como consignava expressamente o art. 1º da Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a exigência da contribuição para o PIS foi mantida com fundamento na Lei Complementar nº 7/70, recepcionada pela Nova Carta em seu art. 239, destinando sua arrecadação ao financiamento do seguro-desemprego e do abono anual a que se refere o parágrafo terceiro do artigo em referência.

Para o deslinde da quaestio, indispensável que se faça o estudo da natureza jurídica da contribuição para o PIS, como forma de verificar se a argüição de inconstitucionalidade levantada pela impetrante é procedente, já que os fundamentos deduzidos pela impetrante estão estreitamente relacionados à tese segundo à qual, após a EC 20/98, o PIS passa a ter natureza de contribuição social para a seguridade social.

A regra-matriz de todo tributo, como se sabe, está dada pela Constituição Federal, e, em se tratando de contribuições sociais, sua previsão se encontra no art. 149, que possui a seguinte redação, in verbis:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III e 150, I e II, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Pertinente ainda mencionar-se o artigo 239, que completa o desenho constitucional do tributo ora em tela:


Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.

Da leitura do artigo 149 da Constituição Federal, é possível identificar três espécies de contribuições sociais, a saber: as contribuições gerais, as contribuições para a seguridade social, e as contribuições especiais, incluídas aí as de intervenção no domínio econômico e as de interesse das categorias profissionais ou autônomas, sendo que cada espécie tem regime próprio de tributação.

O Ministro Carlos Velloso, no julgamento do Recurso Especial nº 138.284/CE, do qual foi relator, ensaiou a seguinte classificação: “Os tributos, nas suas diversas espécies, compõem o Sistema Constitucional Tributário, que a Constituição inscreve nos seus artigos 145 a 162. Tributo, sabemos, encontra definição no art. 3º do CTN, definição que se resume, em termos jurídicos, no constituir ele uma obrigação, que a lei impõe às pessoas, de entregar uma certa importância em dinheiro ao Estado. As obrigações são voluntárias ou legais. As primeiras decorrem da vontade das partes, assim do contrato; as legais resultam da lei, por isso são denominadas obrigações ex lege e podem ser encontradas tanto no direito público como no direito privado. A obrigação tributária, obrigação ex lege, a mais importante do direito público, ‘nasce de um fato qualquer da vida concreta, que antes havia sido qualificado pela lei como apto a determinar seu nascimento’(Geraldo Ataliba, ‘Hermenêutica e Sistema Constitucional Tributário’, in Diritto e Prática Tributária, volume L, Padova, Cedam, 1979). As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1) de melhoria (CF, art. 145, III); c.2) parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1) sociais, c.2.1.1) da seguridade social (CF, art. 195, I, II e III), c.2.1.2) outras da seguridade social (CF, art. 194, § 4º), c.2.1.3) sociais gerais (o FGTS, o salário educação, CF, art. 212, § 5º, contribuições para o Sesi, Senai, Senac, CF, art. 240); c.3) especiais: c.3.1) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2) corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária, d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148). (…) O citado art. 149 instituiu três tipos de contribuições: a) contribuições sociais; b) de intervenção; c) corporativas. As primeiras, as contribuições sociais, desdobram-se, por sua vez, em a.1) contribuições de seguridade social, a.2) outras de seguridade social e a.3) contribuições sociais gerais. Examinemos mais detidamente estas contribuições. As contribuições sociais, falamos, desdobram-se em a.1) contribuições da seguridade social: estão disciplinadas no art. 195, I, II e III, da Constituição. São as contribuições previdenciárias, as contribuições do Finsocial, as da Lei 7.689, o PIS e o Pasep (CF, art. 239). Não estão sujeitas à anterioridade (art. 149, art. 195, § 6º); a.2) outras da seguridade social (art. 195, § 4º): não estão sujeitas à anterioridade (art. 149, art. 195, § 6º). A sua instituição, todavia está condicionada à observância da técnica da competência residual da União, a começar, para sua instituição, pela exigência de lei complementar (art. 195, § 4º, art. 154, I); a.3) contribuições sociais gerais (art. 149): o FGTS, o salário-educação (art. 212, § 5º), as contribuições do Senai, Sesi, do Senac (art. 240). Sujeitam-se ao princípio da anterioridade. As contribuições de intervenção no domínio econômico (art. 149), como as contribuições da IAA, do IBC estão sujeitas ao princípio da anterioridade. As corporativas (art. 149), cobradas, por exemplo, pela OAB, pelos Conselhos de Fiscalização de profissões liberais e pelos sindicatos (contribuição sindical) estão sujeitas, também, ao princípio da anterioridade(…).”

Tenho asseverado que toda classificação é questionável. Todavia, certo é que o que mais ressai de qualquer classificação jurídica é a sua maior ou menor utilidade.

Com relação à contribuição para o PIS, muito se tem discutido a respeito da sua natureza jurídica, chegando alguns doutrinadores a considerá-lo como verdadeiro imposto.

O critério que distingue as contribuições sociais gerais das contribuições para a seguridade social é exatamente a finalidade e a destinação do produto da arrecadação de cada uma delas.


O produto da arrecadação das chamadas contribuições para a seguridade social é destinado ao financiamento das atividades de previdência, assistência e saúde, visto que a seguridade abrange as ações dos Poderes Públicos nessas áreas.

Com efeito, se a finalidade da instituição de tais contribuições é servir de fonte de recursos para que sejam desenvolvidas as atividades descritas acima, essa finalidade representa a própria natureza jurídica da exação, de modo que a sua existência no mundo jurídico somente tem validade se destinada ao atendimento desta finalidade.

Não se olvida que, desde as preciosas lições de Alfredo Augusto Becker em seu Teoria Geral do Direito Tributário, cada vez mais firma-se a idéia correta de que a determinação da natureza jurídica do tributo marca-se a partir do critério objetivo e jurídico da base de cálculo. Diz Becker que “Basta verificar a base de cálculo: a natureza desta conferirá, sempre e necessariamente, o gênero jurídico do tributo.” (Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed. 1998, p. 373).

Preciso que se leia corretamente a lição, pois, além de núcleo do tributo, há outros elementos, tais como a destinação, fundamental para distinguir entre as contribuições, e que conferem ao tributo, ou à contribuição, a sua espécie. Tal idéia é esclarecida por Becker ao dizer que “… o núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo. Os elementos adjetivos são todos os demais elementos que integram a composição da hipótese de incidência. Os elementos adjetivos conferem à espécie àquele gênero jurídico de tributo.” (grifo meu) (in op. cit. p. 374)

Dentre a infinita variedade de elementos adjetivos descritos na hipótese de incidência encontra-se como elemento adjetivo o que liga a hipótese de incidência a alguém (in op. cit. p. 331) sendo que, quando se trata de contribuição, reconhece-se na destinação do tributo este elemento de ligação, por isso que contribuição é tributo que não prescinde da referibilidade em relação ao contribuinte.

Esclareça-se que este destinação ligada à referibilidade, direta ou indireta, do tributo ao contribuinte, conforme se trate de taxa ou contribuição, respectivamente, não se confunde com a irrelevância da destinação legal do produto da arrecadação tributária para determinar-se a natureza específica de um tributo, conforme estabelecido no artigo 4º do CTN e isso porque é essencial à definição de taxa ou contribuição a presença da referibilidade, sendo de se anotar, especificamente quanto às contribuições, a seguinte lição:

“O arquétipo básico da contribuição deve ser respeitado: a base deve repousar no elemento intermediário (pois, contribuição não é imposto e não é taxa); é imprescindível circunscrever-se, na lei, explícita ou implicitamente, um círculo especial de contribuintes e reconhecer-se uma atividade estatal a eles referida indiretamente. Assim, ter-se-á um mínimo de elementos para configuração da contribuição.” (ver Geraldo Ataliba. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. 6ª tiragem. p. 138 e 170).

Firma-se que, se é verdade que a base-de-cálculo é fundamental para marcar o gênero do tributo, e, no caso, possuir o PIS base de cálculo referida ao artigo 195 da Constituição Federal não deixa dúvida de sua natureza de contribuição, ainda assim não resolve o tema da espécie tributária, pois para defini-la é sim fundamental que se esclareça a destinação constitucional do produto da arrecadação da contribuição, que será vinculativa ao legislador ordinário, o qual terá que perseguir, necessariamente, uma daquelas constitucionalmente previstas no artigo 149 da Constituição Federal ou nos outros dispositivos inerentes (201, §§ 1º e 7º, 212, § 5º, 239, § 4º e 240).

Ora, já foi devidamente explicitado qual é o fim constitucional do PIS (art. 239), mantido pela Lei 7.998/90, artigos 10 e 23, e cuja finalidade perseguida não é mantida pelo INSS, mas sim pelo Ministério do Trabalho, elementos suficientes para não identificá-lo com as contribuições para a seguridade social, uma vez que estas são destinadas, conforme artigo 194 da Constituição Federal, ao custeio da saúde, previdência e assistência social, destinações distintas daquelas previstas para o PIS. Neste sentido, decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, como anoto:

“O programa do seguro-desemprego não integra o regime geral da Previdência Social (art. 9º, § 1º, da Lei 8.213/91), estando a sua consecução a cargo do Ministério do Trabalho.” (TRF 3ª Região. AC 94.03.035434/SP. Rel. Juíza Sylvia Steiner. 2ª Turma. DJU de 20/03/96, p. 16.874)

O artigo 239 da Constituição Federal não foi alterado pela EC 42/2003, nem a Lei 7.998/90 foi revogada, havendo alteração quanto à base de cálculo, o que tem o efeito de manter o PIS dentre as contribuições, mas nem por isso passando a caracterizá-lo como contribuição da seguridade social em razão de ter destinação certa aos seus recursos, que em hipótese alguma financiam programas de saúde, previdência ou assistência social.


Trata-se de contribuição social, tal como o FGTS, que, a despeito de seu caráter social, não se confunde com as contribuições sociais e não se sujeita ao regime especial destas.

A se partir então da premissa de que a contribuição para o PIS melhor se insere na disciplina do artigo 149 da Constituição Federal, apresenta-se inconstitucional o tributo, como passo a demonstrar.

De fato, o exame perfunctório do feito revela, ictu occuli, flagrante inconstitucionalidade quanto à base de cálculo dos tributos instituídos pela Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004.

Prescreve o art. 7º da lei em referência:

Art. 7o A base de cálculo será:

I – o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3o desta Lei; ou

II – o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza – ISS e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso II do caput do art. 3o desta Lei.

A atribuição de competência à União para instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas também sobre importação de produtos estrangeiros ou serviços foi obra da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que alterou a redação do art. 149, parágrafo segundo, como já dito, in verbis:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (…)

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (…)

II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;

III – poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (…)

Com efeito, ao permitir a instituição do PIS e da COFINS sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços, a Constituição Federal delimitou a esfera de atuação do legislador ordinário impondo por base de cálculo das mencionadas contribuições o valor aduaneiro, sobre o qual devem incidir alíquotas ad valorem, já que eleger a “importação de produtos estrangeiros ou serviços” ainda não responde a todas as necessidades dos elementos do tributo.

A chamada “alíquota ad valorem” corresponde à definição própria de alíquota, ou seja, um percentual fixo ou variável incidente sobre um valor, que representa própria base de cálculo da exação.

Por sua vez, a conceituação do que seja “valor aduaneiro” – que corresponde em parte à base de cálculo das contribuições instituídas pela Lei nº 10.865 – exige análise mais aprofundada a respeito do tema.

A definição acerca do valor aduaneiro foi dada pelo artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT, que fixou 6 (seis) métodos de valoração aduaneira.

A sigla GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) denomina o organismo internacional destinado a proporcionar a redução de entraves ao comércio entre os países. Dentre os 23 países que, em 1947, assinaram o acordo de criação do GATT, estava o Brasil.

Especificamente quanto à uniformização dos procedimentos destinados à fixação do que seja o valor aduaneiro, em 1994 o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras (GATT) foi incorporado pelo Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC).

No Brasil, os termos artigo VII do GATT de 1994 passou a ter vigência através do Decreto 1.335, de 30 de dezembro de 1994, que incorporou os resultados da rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterias do GATT.

Posteriormente, o Decreto 4.543, de 26 de dezembro de 2003, ao regulamentar as atividades aduaneiras e a tributação das operações de comércio exterior tendo por base o Acordo incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 1.355/1994, sobre o valor aduaneiro, prescreve:

Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 8, parágrafo 2, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto no 1.355, de 30 de dezembro de 1994):


I – o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;

II – os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e

III – o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II.

A leitura do dispositivo deixa claro que, independentemente do método de valoração adotado, o valor aduaneiro é representado pelo valor da mercadoria acrescido dos custos e despesas nominadas no dispositivo transcrito acima.

Ora, não sendo o valor aduaneiro composto por qualquer outro elemento além daqueles constantes do art. 77 do Decreto nº 4.543/2003 que, por sua vez, reproduz os termos do art. VII, do Acordo do GATT de 1994, incorporado no Brasil pelo Decreto 1.355/94, evidente que exorbitou o legislador ordinário o poder de tributar que lhe conferiu a Constituição Federal, porquanto além do valor aduaneiro, incluiu na base de cálculo das novas contribuições, o montante pago a título de Imposto de Importação e de ICMS, em flagrante contrariedade ao disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal.

Sendo o valor aduaneiro a base de cálculo do imposto de importação, que, por sua vez, integra a base de cálculo das novas contribuições, a Lei nº 10.865/2004 ao incluir outras espécies tributárias como componentes da base de cálculo dessas exações, elasteceu o próprio conceito de valor aduaneiro, dado pelo Acordo.

No âmbito do ordenamento jurídico tributário brasileiro, cabe ao legislador infraconstitucional, no exercício da competência tributária, fixar os elementos material, temporal e quantitativo da incidência fiscal, observado, obviamente, o disposto no art. 110, do Código Tributário Nacional que impõe:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Não se pode considerar a inovação da Lei 10.685/04, referida induvidosamente à hipótese constitucionalmente prevista como capaz de alterar a natureza de conceitos, de conteúdos, institutos e formas de direito privado (art. 110, CTN).

Sobre o tema, importante é o precedente que traz a síntese esclarecedora do voto proferido pelo Ministro Luiz Gallotti, no Recurso Extraordinário nº 71.758, proveniente do extinto Estado da Guanabara, apreciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 14 de junho de 1972: “Se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição. Ainda há poucos dias, numa carta ao eminente Ministro Prado Kelly, a propósito de um discurso seu sobre Milton Campos, eu lembrava a frase de Napoleão: “Tenho um amo implacável, que é a natureza das coisas”. (RTJ 66/165).

Assim, se a Constituição Federal, na limitação de competência tributária, utiliza-se de um elemento próprio do direito privado — in casu, o conceito de valor aduaneiro — cujo conteúdo é dado por acordo internacional já incorporado ao ordenamento jurídico nacional, certo que não está o legislador ordinário autorizado a ampliar o seu conceito a fim de impor nova exação ao contribuinte, porquanto flagrantemente inconstitucional a exigência. A se admitir tal possibilidade estar-se-ia permitindo que lei ordinária, na redefinição de um conceito próprio do direito privado, modificando com isso a Constituição Federal e culminando por esvaziá-la por completo. Quanto a este aspecto, inconstitucional, portanto, a nova lei.

Mas a Lei 10.865/04, cuidando de duas contribuições distintas, ainda remete a outras considerações que estão a maculá-la de modo indelével.

O advogado Thiago Buschinelli Sorrentino, no artigo (Contribuição ao PIS e Lei nº 10.637 (MP 66) – Estrutura Jurídica e Inconstitucionalidade, RDDT nº 89, p. 99-105) aponta dois critérios que servem à identificação da natureza jurídico-tributária da contribuição para o PIS: o critério intrínseco e o critério extrínseco. Segundo o autor referido “(…) O critério intrínseco baseia-se somente nos próprios aspectos da regra-matriz da incidência tributária para determinar-lhe a espécie, especificamente a hipótese de incidência, confirmada, infirmada ou afirmada pela respectiva base de cálculo. Já o critério extrínseco extrapola a regra-matriz ao considerar a relação entre a norma que institui o tributo e as normas que prescrevem uma destinação específica ao produto arrecadado ou determinam a restituição destes valores.”


Valendo-se do critério extrínseco a que alude o autor Thiago Buschinelli Sorrentino, a conclusão a que chegou é a de que a contribuição para o PIS constitui verdadeira contribuição para a seguridade social, cujo fundamento de validade está dado pelo art. 195, inciso I, “b”, e isso porque o seguro-desemprego tem por escopo prover a assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, bem como auxiliá-lo na busca de novo emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional. Também o abono anual, financiado com recursos do PIS, é destinado ao desenvolvimento social e à melhoria da vida do trabalhador que percebeu até 2 (dois) salários-mínimos mensais, em média, por ano, finalidades que são próprias da seguridade social, segundo o autor.

O mesmo autor destaca, ainda, que em se utilizando o critério intrínseco, também é possível concluir que a contribuição em referência integra as chamadas contribuições sociais à seguridade social. Assevera que “(…) Assumindo-se que o critério para a determinação da espécie tributária é o intrínseco e a hipótese de incidência para a contribuição ao PIS, tanto em sua modalidade originária, quanto na variação veiculada pela Lei nº 10.637/02, ‘é dado o fato de auferir receita, independentemente da respectiva classificação legal’ então não é inverossímil inferir que este tributo subsume-se ao disposto no art. 195, inc.I, b, da Constituição Federal, que dispõe que a ‘seguridade social será financiada (…) mediante recursos provenientes (…) e das seguintes contribuições sociais: I (…) da empresa (…) incidente sobre: b) receita ou faturamento.”

Como se vê, para o autor a contribuição aventada constitui contribuição para a seguridade social, cuja matriz de incidência encontra-se estampada nos arts. 149 e 195 da Constituição Federal.

Em verdade, tal posição não pode passar por ora desapercebida, sobretudo em se considerando a natureza do presente provimento, pois é certo que o entendimento das Cortes Superiores têm sido o de que, na instituição de contribuições para a seguridade social, o único requisito a ser obedecido é o formal, ou seja, criação por Lei Complementar e que, no caso em que a contribuição já existe prevista constitucionalmente desnecessária Lei Complementar para sua modificação, sendo esta viável por meio de Lei Ordinária, cabendo lembrar que inexiste hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar, mas apenas campos de atuação diversos, tudo partindo da classificação do PIS como verdadeira contribuição para a seguridade social.

A questão restou bem apreciada no voto do Sr. Ministro Carlos Velloso, no julgamento do RE 138.284-CE (RTJ 143/314), já citado, raciocínio aqui aplicável, onde diz: “… O PIS e o PASEP passam, por força do disposto no art. 239 da Constituição, a ter destinação previdenciária. Por tal razão, as incluímos entre as contribuições de seguridade social. Sua exata classificação seria, entretanto, ao que penso, não fosse a disposição inscrita no art. 239 da Constituição, entre as contribuições sociais gerais… Todas as contribuições, já falamos, estão sujeitas, integralmente, ao princípio da legalidade, inclusive no que toca à alteração das alíquotas e da base de cálculo. A norma matriz das contribuições, bem assim das contribuições de intervenção e das contribuições corporativas, é o art. 149 da Constituição Federal. O artigo 149 sujeita tais contribuições, todas elas,`a lei complementar de normas gerais (art. 146, III). Isto, entretanto, não quer dizer, também já falamos, que somente a lei complementar pode instituir tais contribuições. Elas se sujeitam, é certo, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III). Todavia, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art. 146, III, a). Somente para aqueles que entendem que a contribuição é imposto é que a exigência teria cabimento. Essa é, aliás, a lição sempre precisa do eminente Sacha Calmon Navarro Coelho, hoje professor titular da UFMG. (Sacha Calmon Navarro Coelho, “Comentários à Constituição de 1988 — Sistema Tributário”. Forense, 1990, págs. 145/146). As contribuições de seguridade social que exigem, para sua instituição, lei complementar, são as denominadas “outras de seguridade social”, previstas no parág. 4º do art. 195 da Constituição Federal, cuja criação está condicionada à observância da técnica da competência residual da União (CF, art. 154, I “ex vi” do parág. 4º do art. 195).” (grifei)

No julgamento do RE 228.321/RS, Informativo 127, de 21-10-98, decidiu o STF que a remissão do art. 195, § 4º CF ao art. 154, I CF impõe lei complementar apenas para a instituição de contribuições de seguridade social novas e diversas das previstas pelos incisos do caput do art. 195.


Ora, e aqui está-se diante da inconstitucionalidade insuperável, pois, partindo-se da consideração de que tanto o PIS-importação quanto a COFINS-importação são contribuições de seguridade social, será demonstrado que a Lei 10.865/04 tratou verdadeiramente de criação de novo tributo, com o que feridos foram os artigos 154, I c/c 195, § 4º, da Constituição Federal.

De fato, passam a incidir não sobre as receitas, ou até mesmo valor aduaneiro para o caso, bases de cálculo características, mas agora sobre os valores de bens ou serviços resultantes da importação pela pessoa física ou jurídica, tudo acrescido do valor dos próprios tributos mais o ICMS, com o que há alargamento da base de cálculo.

Estamos então tratando de novos tributos.

Neste sentido, Gabriel Lacerda Troianelli diz que “… não podemos deixar de atentar para o fato de que tanto as contribuições tratadas pela Medida Provisória nº 164/04 – o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação – são absolutamente novas, como também são novos os seus fundamentos constitucionais, o artigo 149, § 2º, II, acrescido pela Emenda Constitucional nº 33/01 e com a atual redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, e o artigo 195, IV, acrescido pela Emenda Constitucional nº 42/03” (RDDT 103/60)

Assim, tratando-se da criação de novos tributos, independentemente da diversidade de fundamento constitucional (art. 149, § 2º, III e art. 195, IV), fato é que, ou se está diante de contribuições para a seguridade social, e aí está claramente demonstrada a inconstitucionalidade pela ausência de lei complementar, conforme artigo 154, I, c/c artigo 195, § 4º, com o que, ao menos em relação à COFINS já se demonstra que a Lei 10.865/04 não poderia dispor; ou ainda, mesmo em se considerando o PIS-importação contribuição distinta daquela sujeita à limitação do artigo 195, § 4º, remanescente a inconstitucionalidade por se tratar de criar por lei infraconstitucional conceitos não albergados pela base de cálculo constitucionalmente admitida.

Feitas tais considerações, outro aspecto merece ser analisado ainda quanto à base de cálculo das contribuições instituídas pela Lei nº 10.865/2004.

De acordo com o disposto no art. 7º, inciso II, da lei em referência para se determinar o valor das novas contribuições – PIS-Importação e COFINS-Importação – mister que se inclua o valor devido a título de ICMS.

No entanto, importa lembrar que integram a base de cálculo do ICMS na importação o valor das próprias contribuições, ou seja, para que se apure o valor do ICMS é necessário que se saiba previamente o valor das contribuições para o PIS-Importação e COFINS-Importação.

Esse é o conteúdo da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar nº 114, de 16 de dezembro de 2002, a saber:

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (…)

VIII – do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços:

a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto de competência estadual, como definido na lei complementar aplicável; (…)

Art. 13. A base de cálculo do imposto é:(…)

IV – no fornecimento de que trata o inciso VIII do art. 12; (…)

e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras;

Por sua vez, para que se obtenha o valor das contribuições para o PIS-Importação e COFINS-Importação, mister que se tenha o valor do ICMS, que por sua vez, como se disse, é composto também do valor das contribuições referidas, dando início a uma operação aritmética cíclica, que, à margem da complexidade no seu entendimento, apresenta-se, aparentemente sem solução.

Não obstante tenham os Tribunais admitido a validade das chamadas bases de cálculo “por dentro”, para o caso demonstra-se a própria impossibilidade de apurar-se corretamente o valor do tributo, gerando-se incerteza incompatível com os princípios que orientam o direito tributário, mormente quanto à necessidade de permitir-se o planejamento e segurança do contribuinte.

Ante ao exposto, identificadas as inconstitucionalidades no que respeita à base de cálculo dos novos tributos, como fundamentado, defiro a liminar para afastar a incidência da Lei 10.865/2003, com relação às contribuições COFINS-Importação e PIS-Importação, desobrigando a impetrante do seu recolhimento até decisão final no presente mandamus.”

A conclusão foi no sentido de que a base de cálculo de tais tributos, descrita no artigo 7º da Lei 10.865/2004 é flagrantemente inconstitucional.

Sob uma primeira ótica, pautada na natureza jurídica de contribuição social, referida ao artigo 149 da Constituição Federal, porque simplesmente destrói o conceito de valor aduaneiro, como exaustivamente demonstrado; já sob uma segunda ótica, referida agora especificamente ao artigo 195, IV, porque simplesmente a definição da base de cálculo não se relaciona com a hipótese constitucional, valendo aqui ainda, e caso a base de cálculo eleita em lei fosse respeitadora da hipótese constitucional, a inobservância da lei complementar exigida, eis que é esta que efetivamente institui o tributo.


Considerando todos os demais argumentos da impetrante periféricos, convém então deter-se algo mais na base de cálculo dos tributos em tela.

As informações buscaram fundamentar a improcedência quanto à base de cálculo nas suas considerações em fls. 82/85, itens 17 a 33, donde se conclui que ignora, olimpicamente, e isso é importante em relação à contribuição ao PIS, os fundamentos postos em liminar que consideraram essa contribuição com fundamento no artigo 149 da Constituição Federal, e não no seu artigo 195.

Não consegue explicar porque a Lei 10.865/2004, já em seu artigo 1º, refere-se ao artigo 149, § 2º, II, da CF, culminando por concluir que “… ainda que não existisse na lei o fundamento no art. 149, § 2º, II, não ficaria prejudicada a instituição das contribuições, considerando que bastaria o fundamento do artigo 195, inciso IV.” do que só se pode concluir que pretende o impetrado que simplesmente se desconsidere o referido art. 1º da Lei 10.865/2004, o que, se em primeira vista é tentador em face da brutal ausência de técnica legislativa na imposição tributária que cada vez leva a crer que se põe na lei fundamentos indevidos, numa segunda mirada enseja duas conclusões básicas: primeiro a de que o intérprete não deve considerar inúteis as palavras (e fundamentos) contidos na Lei, premissa ensinada por Carlos Maximiliano em seu famoso Hermenêutica e Interpretação, e ainda, em segundo lugar, que, conforme fundamentos expendidos em liminar, de fato considero o PIS uma contribuição social e não destinada à seguridade social, pelo que o legislador então teria acertado na natureza do tributo.

Do fundamentado parecer do Ministério Público Federal, em fls. 92/99, emerge o mesmo entendimento, eis que citando o precedente do Tribunal Regional Federal na REO 33.489/SC, DJU de 10/03/04, e referindo-se ao desvirtuamento do conceito de valor aduaneiro pela Lei 10.865/04, concluiu que “É cediço que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, nos termos do art. 170 do Código Tributário Nacional. Logo, existe flagrante inconstitucionalidade no art. 7º da Lei nº 10.865/2004, que criou novo conceito de valor aduaneiro utilizado para a base de cálculo das contribuições sociais em análise, inserindo, no cálculo destas, também o valor do ICMS e do ISS.”

Ora, a importância da base de cálculo na própria definição do fato gerador, como elemento endógeno ao tributo e que vem desde antes da Emenda Constitucional 18/65, motivou se a tornasse expresso em relação ao ICM, sempre com a preocupação de traduzir o “verdadeiro” valor da mercadoria, com a adoção de acordos internacionais, como resume Rubens Gomes de Souza “Essa explicitação foi procurada na chamada ‘definição de Bruxelas’. Assim se denomina o conceito elaborado pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, órgão técnico sediado naquela cidade, decorrente do Acordo Geral de Tarifas e Comérciao (General Agreement on Tariffs and Trade), dito GATT, do qual o Brasil é membro. A definição em apreço foi elaborada pelo Conselho à vista ‘das vantagens que apresentaria, no plano internacional, a adoção de um método uniforme de avaliação das mercadorias importadas’ e aprovada por uma Convenção assinada em 15.12.1950, cujos países signatários se obrigam a reproduzi-la em suas respectivas legislações aduaneiras.” (RDP nº 11, jan/mar de 1970)

Isto demonstra a enorme responsabilidade do legislador tributário em não defraudar, com a inserção de novos elementos, o conceito de valor aduaneiro.

Mas tal questão ainda não resolveria o problema das bases de cálculo, e isso porque a COFINS é, indubitavelmente, contribuição para a seguridade social e depois porque, conforme demonstrei em liminar, há copiosa jurisprudência no sentido de que também o PIS o é.

Atentamente lidos os itens 20 a 23 das informações, vê-se que o impetrado apega-se ferrenhamente à vinculação da arrecadação à seguridade social, o que legitimaria, por toda possível ótica, a tributação com base no inciso IV do artigo 195 da Constituição Federal.

Reproduzo o dispositivo constitucional, novamente:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (…)

Agora, confronte-se com a base de cálculo tratada na Lei 10.865/04:

Art. 7o A base de cálculo será:

I – o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3o desta Lei; ou

II – o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza – ISS e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso II do caput do art. 3o desta Lei.

É assombrosa a falta de correlação.

Veja-se que o dispositivo constitucional, em verdade, não elege uma “base de cálculo”, mas sim se refere ao elemento subjetivo do “fato gerador”.

Ora, a vinculação da arrecadação do tributo, ou, tecnicamente e para o caso, a referibilidade da contribuição aos fins de seguridade, marcam a espécie tributária, conforme deixei atrás registrado a partir da pena de Becker, sendo fundamental a base de cálculo para fixar-se o próprio gênero do tributo.

A prevalecer a tese do impetrado, que olvida a redação do dispositivo que fixou a base de cálculo no artigo 7º, mutatis mutandis, bastaria que qualquer lei, com fundamento agora no artigo 195, I, que elege o empregador como sujeito passivo das contribuições de seguridade social, dispusesse que as rendas do empregador constituem base de cálculo do PIS para legitimar-se então o tributo, o que seria rematado disparate, já que se teria eleito base de cálculo de imposto, o que é vedado, e ainda, por outra ótica, não se teria voltado à eleição de uma base de cálculo constitucionalmente aceita, mas a um sujeito passivo constitucionalmente eleito.

Ora, base de cálculo não se confunde com sujeito passivo, sendo por demais óbvio que o artigo 7º da Lei 10.865/2004 nada tem que ver com o artigo 195, IV, da Constituição Federal, dizendo unicamente respeito ao artigo 149, II, “a”.

Finalmente, quanto à inclusão de parcelas de ICM na base do PIS, nenhuma contrariedade com o entendimento sumulado pelo STJ em suas súmulas 68 e 94, sendo certo que o que não conseguiu explicitar o impetrado foi a legalidade do procedimento inverso, ou seja, a inclusão do PIS/FINSOCIAL na base do ICM quando se gera uma relação de tributação cíclica, pelo que tal dificuldade/impossibilidade de apuração, que poderia parecer meramente técnica ou contábil, é ainda mais indiciária da completa inconstitucionalidade dos tributos ora em mira.

Assim, devem prevalecer integralmente os fundamentos da decisão liminar.

III – Dispositivo

Ante o exposto, confirmo a liminar e concedo a segurança para declarar a inconstitucionalidade das contribuições COFINS-Importação e PIS-Importação, previstas na Lei nº 10.865/2004, desobrigando a impetrante do seu recolhimento.

Sem honorários (Súmula 105 do STJ)

Custas ex lege.

Sentença sujeita ao reexame necessário pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Publique-se. Registre-se e Intimem-se.

Florianópolis, 31 de agosto de 2004.

Cláudio Roberto da Silva

Juiz Federal Substituto

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