Débitos tributários

Estado deve indenizar por inscrição indevida de débitos tributários

Autor

  • Roberto Armond

    é advogado conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amapá contabilista especialista em Direito Tributário pela PUC-SP MBA em gestão empresarial e em projetos pela FGV pós-graduado lato sensu em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura de São Paulo ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT-SP) ex-conselheiro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (função absorvida pelo atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) ex-professor universitário e ex-consultor Sebrae.

2 de setembro de 2004, 22h46

O Estado, diferentemente dos particulares, tem o poder e o dever de criar os seus próprios títulos e exigi-los em consonância com os ditames legais. Em regra, a criação da dívida tributária dá-se através do auto de infração ou da confissão, ambos modalidades de lançamento.

O lançamento oriundo do auto de infração é lavrado pelo agente de fiscalização, passível de controle por parte do contribuinte e do próprio Estado, através de recursos e impugnações, daí que sujeito a menor probabilidade de erro. Situação diversa ocorre diante das declarações advindas do contribuinte (DCTF, GIA, GFIP), as quais, consistindo confissão, constituem o crédito tributário sem qualquer controle na sua formalização, autorizando, por conseqüência, a inscrição em dívida ativa do tributo declarado e sua natural cobrança.

No plano doutrinário, a validade dessas declarações, como substitutivas do lançamento, nos termos do Código Tributário Nacional, é de longa data atacado pela melhor doutrina, sem encontrar eco, contudo, no Poder Judiciário. Recentemente, julgamento de 16 de setembro de 2003, no Recurso Especial 416701/SC, a primeira turma do STJ reforçou esse entendimento, in verbis: “A Declaração de Contribuições e Tributos Federais – DCTF constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente a exigência do referido crédito, ex vi do art. 5º, § 1º, do DL 2.124/84. O reconhecimento do débito tributário pelo contribuinte, mediante a DCTF, com a indicação precisa do sujeito passivo e a quantificação do montante devido, equivale ao próprio lançamento, restando o Fisco autorizado a proceder à inscrição do respectivo crédito em dívida ativa. Assim, não pago o débito no vencimento, torna-se imediatamente exigível, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte, sendo indevida a expedição de certidão negativa de sua existência.”

Por essa razão, o Poder Executivo, por atos administrativos, inscreve e exige o tributo sem maiores preocupações. Por exemplo, para a GFIP, isso é autorizado pelo art. 225 do Decreto 3.048/99; quanto à DCTF, a Instrução Normativa n. 126/98, da Secretaria da Receita Federal desempenha tal função.

Considerando, então, que essas declarações são feitas pela própria empresa, processadas em massa pelos sistemas informatizados do Fisco, sem qualquer auditoria efetiva, apesar de haver previsão legal nesse sentido, a ocorrência de erros é em proporções grotescas. Por exemplo, a inclusão indevida de zeros na declaração é capaz de transformar uma dívida singela em um débito milionário; o pagamento antecipado do tributo ou a inversão de um código na guia de recolhimento são passíveis de tornar irreconhecível um pagamento. Mas o campeão de todos os problemas é justamente o processamento tardio das declarações retificadoras, gerando o desprezo destas e, por conseguinte, o direcionamento da cobrança a uma declaração originária e equivocada.

Não raras vezes, o contribuinte só descobre a falha quando a dívida já está inscrita, incluída no Cadin (para débitos federais) e, quem sabe, a ação de execução ajuizada. O resultado prático de tudo isso reside na impossibilidade de o pretenso devedor negociar com o Estado (vender produtos, prestar serviços, obter financiamentos em instituições estatais etc). Por sua vez, com o ajuizamento da ação de execução, a credibilidade financeira do contribuinte sofre abalo.

A solução mais rápida para esses casos tem sido — pasmem — obtida com a colaboração do Judiciário, o qual, intrometendo-se nas atribuições inerentes ao Órgão Fiscal, determina à máquina administrativa que resolva o caso com maior celeridade. A triste realidade demonstra que a simples apuração de um erro nas vias administrativas, sem intervenção do Judiciário, transforma-se em verdadeira via-crúcis a ser percorrida pelo contribuinte em prazo não inferior a um ano (situação essa vivenciada pelos contribuintes da União na capital do estado de São Paulo).

Pois bem, o resultado de tamanho transtorno, por ineficiência do Estado, acarreta indenização a título de danos morais, utilizando-se como critério indicativo desse valor o dobro da quantia exigida, ex vi do art. 940 do Código Civil de 2002. É óbvio que outros prejuízos de cunho material podem também ser objeto de pleito indenizatório, por exemplo: impedimento de participar de licitação, financiamento negado, linha de crédito glosada junto ao sistema financeiro etc. Tais situações significam prejuízo muito superior àquele patamar legal, logo, a indenização deverá ser compatível com a circunstância presente.

Advirta-se que a responsabilidade estatal é objetiva, independe de culpa, bastando provar o dano e o nexo de causalidade com a conduta estatal para estar demasiadamente configurado o direito ao ressarcimento.

É bem verdade que até o recebimento dessa indenização há árduo caminho no Judiciário a ser percorrido, contudo, sem tais pedidos, de cunho também corretivo, o Poder Executivo jamais se preocupará em evitá-los. Por outro prisma, pode ser também um mecanismo de obtenção de vultoso ressarcimento, proporcional ao prejuízo amargado pelo contribuinte.

Em conclusão, a inscrição indevida, por erro imputado ao Estado, é indenizável e o Poder Judiciário é o caminho mais célere para solucionar os transtornos originados por este.

Autores

  • Brave

    é advogado, contabilista, especialista em direito tributário pela PUC-SP e pós graduado em direito empresarial pela Escola Paulista da Magistratura. Foi juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo no triênio 2001/2003.

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