O nascer de um novo Judiciário

O nascer de um novo Judiciário

Autor

29 de outubro de 2004, 17h02

Especial – Os juízes que estão construindo um NOVO JUDICIÁRIO

Fonte: Jornal Notícias Forenses (Especial Outubro de 2004)

por Cátia Franco

Sai de cena a figura do juiz austero, contido e distante, e entra a do magistrado mais humano, parceiro e incorporado ao papel que lhe pertence dentro do contexto social. A adoção de uma postura mais aberta e par ticipativa por parte dos togados está diretamente relacionada com a disseminação de uma nova consciência entre os membros do Poder Judiciário, que passaram a enxergar por trás dos processos, pessoas. Somado a isso, há também a necessidade de se resgatar parte da credibilidade perdida pela instituição em razão da repercussão ampla e negativa de casos isolados de corrupção na Magistratura e pela insatisfação da sociedade com o serviço prestado pela Justiça.

O que segue abaixo é a descrição de iniciativas e projetos alavancados por juízes estaduais, nas mais diferentes esferas de suas atuações (Infância, Execuções Criminais, etc.). Essas ações representam uma pequena amostra do que vem sendo feito no País para se assegurar aos cidadãos brasileiros uma resposta rápida aos seus pleitos, fazendo, acima de tudo, valer os direitos garantidos pela Constituição, entre eles, o acesso à Justiça. Com certeza, existem muitas outras, não divulgadas aqui não por questões de mérito, mas por não terem chegado ao nosso conhecimento e porque também não haveria espaço suficiente para abarcar todas. O critério para seleção privilegiou projetos que se destacaram em quesitos como inovação e o grau de êxito obtido com os resultados. Demos preferência ainda a iniciativas idealizadas por magistrados em parcerias com setores da sociedade civil. O propósito era mostrar não apenas que os juízes vem ampliando o rol de atividades extraprocessuais, mas também revelar que existe uma preocupação dos magistrados em estreitar as suas relações com a comunidade, derrubando fronteiras, que, por vezes, dão margem a interpretações errôneas e julgamentos pejorativos. Confira abaixo os projetos que estão mudando a imagem que a sociedade faz em relação aos magistrados brasileiros:

Rotina processual

Apenas uma questão de método e visão

A simples mudança de método de trabalho e visão do Direito pode adicionar a prestação jurisdicional uma grande dose de celeridade, como puderam comprovar o juiz Max Gouvêa Gerth, de São Paulo, e o desembargador Carlos Cini Marchionatti, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Quando chegou à Comarca de Cardoso (SP), em julho de 2001, o juiz Gerth se deparou com uma pauta de audiência bastante extensa para o porte da comarca, classificada em 1ª entrância (inicial). O prazo médio para o agendamento da 1ª audiência era de 3 a 4 meses. “Houve épocas em que se demorava até meio ano”, lembra Gerth.

Ao analisar os processos em trâmite, o magistrado chegou à conclusão de que, na maioria deles, era possível julgar de forma antecipada. “Foi apenas uma mudança de conduta na análise de feitos”, explica. “Em vez de ficar marcando audiência para, por exemplo, requerer uma prova que ao meu ver era desnecessária, eu já julgava logo a questão.”

Também adotando uma visão diferenciada, mais simplificada do processo, o desembargador Marchionatti conseguiu atingir a surpreendente média de 10 a 15 recursos por dia. Nos despachos e decisões monocráticas, o desembargador procura primar pela clareza e objetividade, em detrimento da citação exaustiva de doutrinas e julgados, em sinal de erudição. “Não é lugar para tanto”, considera. “Cito o indispensável, prioritariamente os julgados da Câmara, do STJ e do STF. Assim, o que se pode julgar em decisão monocrática do relator, julga-se no dia, e o que deve ser apresentado à Câmara, apresenta-se na semana seguinte”, diz.

É o próprio desembargador que faz a distribuição do serviço no seu gabinete. Marchionatti fica tanto com os casos mais complexos, como o mais simples. “Prefiro ficar com estes (os simples) para ganhar tempo. O assessor, às vezes, perde muito tempo com caprichos”, explica. Aos assessores (ao todo, são quatro) cabem os casos corriqueiros.

Se o processo permite conferência imediata, o desembargador dita o relatório, o despacho, a decisão ou voto na mesma hora. Nas ações repetidas, para quais se adota determinado modelo, também é possível conferir de pronto. “Em pouco tempo e sem colocar em risco a segurança, é possível concluir um maior número de recursos”, garante.

O expediente no gabinete de Marchionatti inicia-se bem cedo, às 8 horas. Os processos devem ficar prontos no mesmo dia em que chegam. “Quando muito, nos dias subseqüentes”, diz o desembargador. Caso haja acúmulo de feitos, recupera-se o prejuízo no final de semana. “A semana deve começar com o número de processos zerados”, afirma.


Assim como no caso do desembargador Marchionatti, as alterações na rotina de trabalho foram decisivas para uma maior agilidade dos trabalhos na Comarca de Cardoso. Além de aumentar o número de audiências diárias, o magistrado Gerth separou os processos por áreas do Direito (Família, Criminal, Previdenciário, etc.), reservando para cada matéria um dia da semana. “Na segunda, só cuidávamos das questões previdenciárias, na terça, as criminais, e assim por diante”, exemplifica o juiz. Depois seis meses trabalhando sob esse novo método, a pauta de audiência foi reduzida para duas semanas – um recorde em vista do prazo anterior, de quatro meses.

Atitude

Juiz e população: sintonizados na mesma estação

Os problemas na Comarca de Cardoso não se restringiam a uma pauta extensa. Outra questão que incomodava profundamente o juiz Max Gouvêa Gerth era o elevado índice de descumprimento das penas alternativas. “Na realidade, a pessoa não pagava pela infração que cometeu”, relata. Preocupado com o fato de que a negligência em relação ao assunto resultasse na prática de novos crimes por parte dos apenados, Gerth adotou, num primeiro momento, uma medida radical: determinou a prisão de 3 condenados, que, embora intimados, continuavam a não cumprir a pena. “O que fiz foi regredir a pena, mandando prendê-los. Isso serviu para alertar os demais”, diz.

No entanto, o magistrado queria que a toda a comunidade tomasse conhecimento de sua resolução. “Precisava criar um meio de comunicar a todos que aquela situação de inércia do Judiciário em relação à questão tinha acabado. Foi aí que tive a idéia de buscar a ajuda do pessoal da rádio local.” Um repórter vinha até o Fórum, gravava uma entrevista com o juiz e, dois, três antes dela ir ao ar, a rádio anunciava, durante a programação, que o magistrado iria falara à população num determinado dia e horário. “Além de justificar o por quê da minha decisão, eu prestava esclarecimentos à população sobre, por exemplo, como funcionava as penas alternativas, quem poderia ser beneficiado com elas, etc.”, conta. “O resultado foi excelente. Muitos réus passaram a me procurar dizendo que queriam cumprir a pena, mas não conseguiam porque os horários oferecidos pelas entidades não eram compatíveis, ou porque não tinham instituições para recebê-los.”

Gerth entrou em contato a Santa Casa, a Apae, o asilo, entre outras entidades, a fim de ampliar a rede de instituições interessadas em receber os prestadores de serviço.

Atualmente na Comarca de Palmeira D’Oeste, para onde foi promovido há cerca de 5 meses, o magistrado diz que saiu de Cardoso com a sensação de dever cumprido. “Sei que poderia fazer muito mais, se ficasse por um tempo maior. No entanto, me empenhei ao máximo para poder resolver os problemas mais prementes, que eram a demora da prestação jurisdicional e o não-cumprimento das penas alternativas”, expõe Gerth, para quem o juiz não deve se restringir a apenas sentenciar. “É possível fazer muita coisa extraprocessual. Basta um pouco de boa vontade e dedicação”, diz.

Infancia

Pela construção de um futuro para crianças e adolescentes do Rio

O juiz Siro Darlan de Oliveira tornou-se nacionalmente conhecido em razão de polêmicas geradas em torno de algumas decisões suas, entre elas, a de proibir a participação de crianças numa novela do horário nobre da TV Globo e mandar colocar tarjas nos outdoors da revista Playboy que traziam a ex-dançarina do grupo É o Tchan, Carla Perez, seminua. No entanto, o que a mídia não divulga – e por isso, poucos conhecessem – é a faceta empreendedora do magistrado. Sob o seu comando, a 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro firmou uma série de parcerias que vêm beneficiando muitos menores. Dos 13 projetos tocados ou apoiados pela 1ª VIJ, destaca-se o “Almoçando com o juiz”. Os “almoços”, que ocorrem desde meados de 2002, servem de pretexto para que o pessoal do Juizado da Infância e Juventude tenha a oportunidade de conhecer o universo que circunda esses menores e descubra quais são as necessidades, frustrações, medos, anseios e potencialidades desses jovens, para depois, por meio de ações integradas com outros órgãos, possibilitar a eles o resgate da condição de “cidadãos”. Os encontros acontecem sempre na cantina do Juizado, com o acompanhamento do juiz Darlan e uma equipe de profissionais multidisciplinar. Após o almoço, as crianças participam de dinâmicas em grupo e atividades diversas, que possibilitam aos profissionais do Juizado criar um vínculo de confiança com o adolescente, fazendo com que ele se sinta seguro e à vontade para expor suas carências e problemas.

Outra iniciativa bastante interessante desenvolvida pela 1ª VIJ é a “Justiça nas Comunidades”, que tem como principal intento assegurar o acesso à Justiça. Criada com o propósito de levar às comunidades carentes da cidade do Rio de Janeiro toda a estrutura do Juizado da Infância e Juventude (Ministério Público, Defensoria Pública, Setor Social, comissários, auxiliares judiciários, etc.) para realizar audiências especiais e regularizar a situação de crianças e adolescentes da comunidade, o projeto já contabilizou, entre novembro de 2002 e setembro de 2004 mais de 20 mil atendimentos, que englobaram serviços tais como, fornecimento de registro civil de nascimento e definição legal de guarda de crianças e adolescentes.


A extensão dos resultados produzidos pelas ações capitaneadas pelo juiz Darlan é tamanha, que já chegou ao conhecimento da ONU. No relatório da renomada organização sobre venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, o comissário especial das Nações Unidas, Juan Miguel Petit, tece o seguinte elogio: “A experiência da 1ª VIJ é uma excelente prática que serve como modelo inspirador, seja para o Judiciário, seja para o planejamento de políticas preventivas.”

De volta para o aconchego do lar

Um levantamento feito pela Vara da Infância e Juventude de Pinheiros, na capital paulista, revelou que a metade das crianças e adolescentes custodiados em abrigos estavam nessas instituições por falta de condições financeiras de suas famílias. Sensibilizado com a situação – “é muito triste ver um filho afastado da mãe porque ela não tem recursos para criá-lo” -, o juiz Rodrigo Lobato Junqueira Enout convocou a equipe técnica da Vara para discutir formas de se reverter o quadro. “Queríamos criar um programa onde durante um certo tempo nós daríamos uma ajuda custo ao responsável pelo menor para que ele pudesse se estabilizar e adquirir condições de criar a criança ou adolescente”, explica Enout. Faltava, porém, encontrar quem se dispusesse a patrocinar a idéia – função que ficou a cargo do corpo psicossocial do Fórum. Depois de fazer uma série de contatos com diversos setores da iniciativa privada, o Setor Social conseguiu o apoio de um grupo: a Fundação Orsa, mantida por empresa de mesmo nome. Durante nove meses, pais ou responsáveis recebiam um salário mínimo, além de acompanhamento social e psicológico. “Inclusive, eles assinavam um termo se comprometendo a, durante o período em que eles estariam sendo beneficiados pelo projeto, procurar meios efetivos de reestruturarem suas vidas, de maneira a possibilitar a reintegração do menor ao convívio familiar”, explica o magistrado. “Caso as assistentes sociais verificassem que o responsável estava descumprindo o acordo, não tomando nenhuma providência para se reorganizar financeiramente, ele era excluído do programa.”

Durante quatro anos – a parceria foi encerrada há cerca de três meses para passar por uma reformulação -, o programa beneficiou 81 famílias, permitindo que cerca de 80% das crianças e adolescentes atendidas pela Vara da Infância de Pinheiros voltassem para suas famílias ou não fossem encaminhadas para abrigos porque seus pais não tinham condições de sustentá-las.

Informatização

Eles saíram na frente

A precariedade do nível de informatização da maioria dos Fóruns paulistas era apontada por juízes de todo o Estado como um dos principais entraves à realização de uma prestação jurisdicional célere. Só agora, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em parceria com a Nossa Caixa, começou a prover as comarcas com computadores e conectá-los rede. No entanto, muitos magistrados, em vez de ficarem de braços cruzados aguardando alguma providência, enquanto o serviço acumulava em suas mesas, decidiram por si mesmos buscar meios para aparelhar os Fóruns onde atuavam.

Pioneira nessa iniciativa, a Comarca de Ribeirão Preto iniciou o seu processo de informatização em 1993, equipando todas as unidades (cartórios, Juizados, anexos fiscais, etc.) com computadores e conectando-os em rede – tudo sob a coordenação do juiz João Agnaldo Gandini. O contentamento foi geral: autoridades judiciais, advogados e jurisdicionados puderam, enfim, usufruir das melhorias proporcionadas pela implementação de recursos tecnológicos no dia-a-dia forense.

A imensa repercussão provocada pelo trabalho de informatização em Ribeirão Preto estimulou diversos juízes paulistas a fazerem o mesmo. Muitas comarcas do Estado, inclusive, adotaram o mesmo programa utilizado pelos magistrados ribeirão-pretanos. Já outras optaram por desenvolver sistemas próprios, como é o caso de Araras. Há três anos, a 1ª vara da comarca substituiu o tradicional controle de processos, feito por meio de anotações em fichas, por um programa de gerenciamento de processos eletrônico. “Hoje posso saber em um minuto quantos processos foram concluídos, quantos estão aguardando sentença, os que estão parados na gaveta de prazos, etc.”, diz o juiz Walter Ariette dos Santos, responsável por orquestrar a implementação do sistema na vara.

Além do programa de gerenciamento, cedido gratuitamente por uma empresa de informática da cidade de São Paulo, Santos conseguiu equipar praticamente todo o 1º ofício, que, até então, apresentava déficit de computadores. “Boa parte das máquinas foram doadas pela iniciativa privada”, informa.

Segundo o magistrado, o programa de gerenciamento da 1ª vara é um sucesso. Prova disso, é que ele já se tornou conhecido nacionalmente. “Durante a apresentação desse sistema num seminário sobre modernização do Judiciário, no Rio de Janeiro, o pessoal do Ministério da Justiça gostou tanto do nosso trabalho que pediu para estudá-lo”, conta, orgulhoso, Santos.


Família

Ajudando a driblar conflitos familiares

De três em três meses, a comunidade da cidade gaúcha de Novo Hamburgo é convidada a se reunir no salão do Júri do Fórum local, ao cair da tarde, para discutir questões relevantes – por vezes, polêmicas – relacionadas à área de Família. “Com isso, pretendemos fomentar uma maior aproximação entre a Justiça e a população, além de esclarecer as dúvidas mais comuns acerca de temas como divórcio, guarda de filhos, pensão alimentícia, entre outros”, explica o juiz Marco Aurélio Martins Xavier, idealizador do programa “Poder Judiciário, Família e Comunidade: uma parceria necessária”.

A rotina da 2ª Vara de Família de Novo Hamburgo, da qual Xavier é titular há cinco anos, serviu de inspiração para o projeto. “Percebemos que certos problemas se repetiam e que, muitas vezes, eles não eram solucionados no âmbito jurisdicional. Decidimos, então, utilizar a experiência que acumulamos com o nosso trabalho de forma preventiva e construtiva, abordando não somente o aspecto jurídico da questão, mas também o psicológico e sociológico”, esclarece o magistrado.

O formato do programa consiste em palestra, ministrada sempre por uma profissional habilitada para tratar da questão, seguida de rápidas explanações do juiz, promotor e advogado sobre o assunto e, por fim, debate. Na primeira edição do “Poder Judiciário, Família e Comunidade: uma parceria necessária”, realizada em julho deste ano, houve até apresentação de uma peça teatral. A encenação remetia-se aos conflitos familiares pré e pós-separação, tema que seria discutido mais tarde.

Devido ao êxito do projeto – a média de público supera 100 pessoas -, o juiz já pensa em ampliar abrangência da iniciativa. Segundo Xavier, o próximo passo é conseguir com que o programa seja transmitido nas rádios e TVs comunitárias locais. Xavier tem planos também de levar o projeto até as comunidades carentes de Novo Hamburgo. “Em vez fazermos os debates no Fórum, iríamos até os bairros”, conta o magistrado, que aponta como principal mérito do projeto o fato dele resgatar a prestação de serviço, na essência de sua concepção. “Uma das principais carências do Judiciário refere-se à eficácia jurisdicional. As pessoas não sabem para que serve o Judiciário. Com esse trabalho, estamos conseguimos fazer com que elas saibam como e quando recorrer a nós. Só isso já me deixa imensamente satisfeito”, finaliza.

Presos/Execução Penal

O reencontro com a cidadania

“Como falar em cidadania para pessoas isoladas da sociedade e privadas de seus direitos mais básicos por uma estrutura estatal que as penaliza pelo descumprimento de leis, e descumpre de forma mais grave outras tantas leis?”, questionou-se juíza Nilda Margarete Stanieski ao decidir realizar um mini-curso sobre Cidadania no Presídio Regional de Pelotas (RS).

Fruto de um projeto de ensino desenvolvido pela magistrada, que cursa mestrado em Ensino na Universidade Federal de Pelotas, o mini-curso consistia inicialmente em palestras com assuntos definidos. Mas após a sua primeira visita ao estabelecimento penal, Nilda decidiu fazer algumas adaptações no conteúdo do programa de ensino original. “Em vez de discorrer sobre temas fechados, decidi prestigiar o diálogo com questões que afligiam os presos”, explica a magistrada. O curso, cujo título era “Direito e Cidadania”, ganhou uma novo nome, “Cidadania no Cárcere” – mais afinado com o seu propósito.

Doze presos foram selecionados por meio de sorteio para participar do mini-curso, promovido durante três meses consecutivos (maio, junho e julho deste ano). Sempre acompanhada por duas estagiárias do curso de Direito e uma estagiária do curso de Serviço Social, a magistrada explicava aos detentos que o intento principal do projeto era torná-los “agentes de transformação”, ou seja, eles seria os responsáveis por repassar os conhecimentos obtidos no curso aos demais colegas da prisão e visitantes (familiares). “Ficava felicíssima quando meus alunos contavam como ensinaram o companheiro de cela a reivindicar um direito que ele desconhecia”, conta Nilda, que atua na área das Execuções Criminais há 18 anos.

Os encontros, realizados três vezes por semana, com duração média cada um de 2 horas, incluíam, além da dinâmica em grupo no final de cada aula, palestras ministradas por profissionais indicados pelos próprios detentos. “Participaram um promotor de Justiça, uma advogada, um médico, um empresário e um psiquiatra”, conta Nilda. Após cerca de quinze minutos de explanação, era aberto um espaço para perguntas e debates, sempre sobre questões acerca do universo carcerário. “Falamos sobre o sistema penitenciário e as leis de execução penal, prevenção da criminalidade na Infância, entre outros temas.”


Ao desenvolver nesses presos a “consciência cidadã”, Nilda conseguiu que eles não somente tomassem conhecimento de certos direitos seus, como também passassem a buscá-los. “Por exemplo, três presos queiram voltar a estudar só que achavam que não lhes era permitido (veja também a matéria “Cadeia também é lugar de estudo”)”, cita. Outro caso lembrado pela magistrada é de uma presa que já podia ir para prisão domiciliar, mas não sabia disso. “Quando tomou conhecimento, ela reivindicou o seu direito e hoje está em casa”, conta Nilda.

Outro benefício produzido indiretamente pela iniciativa: aquisição de documentação por 8 dos 12 “alunos-detentos”. “Uma presa, inclusive, não tinha nem certidão de nascimento”, lembra a juíza.

Mas foi o fato do Cidadania no Cárcere ter inspirado a criação de outro projeto, hoje em curso no Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, é considerado pela magistrada o atestado definitivo e indiscutível do êxito do seu trabalho. “É a grande recompensa por todo esforço”, comemora.

Cadeia também é lugar de estudo

Há seis anos na Comarca de Estrela D’Oeste (interior do Estado de São Paulo), o juiz Evandro Pelarin, mensalmente, comparece à cadeia pública instalada na cidade-sede para acompanhar as necessidades e anseios dos cerca de 30 presos (condenados e provisórios) abrigados no local. Numa dessas visitas, um dos reclusos fez um pedido que surpreendeu o magistrado. “Ele queria estudar”, conta Pelarin.

Assegurado não só pela Constituição Federal, mas como também pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal, o acesso à educação é um direito praticamente desconhecido pelo preso. “Por não saberem, os detentos não reivindicam”, expõe o magistrado. “Além disso, o Estado, embora não seja o único responsável, não toma nenhuma iniciativa para garantir o acesso ao ensino nas unidades prisionais.”

Respaldado pela Lei (artigo 20 da LEP – “as atividades educacionais podem ser objetos de convênio com entidades públicas ou particulares que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados”) e por sua consciência, o juiz Pelarin decidiu se mobilizar para tentar viabilizar uma parceria que permitisse os detentos da cadeia pública de Estrela D’Oeste se alfabetizar e aprimorar seus conhecimentos. Nessa busca, o magistrado encontrou apoio no Sindicato Rural da cidade, cujo presidente, Armando Prato Neto, se interessou bastante pelo projeto. “Ele entrou o contato com a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP), que também se entusiasmou com a proposta e se dispôs a abraçar a nossa causa, cedendo o material didático aos presos e custeando o salário da professora”, relata Pelarin.

Depois de conseguir a autorização do corregedor-geral de Justiça, José Mário Antonio Cardinale, o PJ, em conjunto com o Sindicato Rural e a FAESP, implementaram o projeto na unidade prisional, em maio deste ano. Hoje, cerca de 25 presos freqüentam aulas numa sala improvisada da cadeia. “A adesão foi grande”, considera o juiz. Outra prova irrefutável do êxito da iniciativa é a recomendação por parte do corregedor-geral para que o projeto sirva de modelo a outras comarcas do Estado, incentivando-as a adotá-lo.

Ao ser questionado sobre como se sentia após ver os resultados da ação por ele alavancada, Pelarin responde, modestamente: “O que fiz não foi por caridade. Apenas garanti um direito dos presos, nada além da minha obrigação, que é cumprir a lei.”

Para saber mais sobre as soluções e os caminhos para o futuro da Justiça brasileira clique aqui para informar-se a respeito do I Congresso Internacional de Excelência Judiciária – CIEJ, promovido pelo Instituto Nacional da Qualidade Judiciária – INQJ.

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