Ser ou não ser

Arbitragem não pode ser aplicada em conflitos trabalhistas

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29 de outubro de 2004, 17h35

Uma das questões mais controversas na solução de conflitos foi trazida a debate pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo: a validade da aplicação da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96). Em julgamento de Recurso Ordinário, os juízes entenderam que a lei está direcionada às relações civis e comerciais e, portanto, não se aplica à Justiça do Trabalho.

Para os magistrados da 4ª Turma do TRT-SP, falta à legislação a compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho e nem a presença do sindicato de trabalhadores na negociação afasta a fraude contra o empregado. A Turma julgou ação proposta pela Associação Brasileira de Bancos Estaduais e Regionais (Asbace) contra sentença da 16ª Vara do Trabalho de São Paulo.

Nela, um ex-empregado da Asbase ingressou com ação pedindo que fosse reconhecido seu enquadramento como bancário. No processo, reclamou verbas trabalhistas devidas pela aplicação da norma coletiva da categoria.

A Asbace alegou, em sua defesa, que a Justiça do Trabalho não poderia julgar o processo uma vez que as partes já teriam se submetido ao juízo arbitral, que teria efeito de coisa julgada.

Para o relator do recurso, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, a aplicação da Lei de Arbitragem nas relações trabalhistas “agride o Direito vigente, visto que a norma legal invocada é incompatível com os princípios protecionistas do Direito do Trabalho, que seguem regras próprias de tutela de ordem pública que são indeclináveis, por imperativo constitucional”.

“Se o trabalhador exerce o direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, CF) perante esta Justiça Especializada que tem por escopo precípuo a conciliação e julgamento de conflitos trabalhistas (conforme prelação do art. 114 da CF), beira a litigância de má-fé, a pretensão da parte de extinguir o feito com invocação de norma legal que sequer pode ser considerada como fonte subsidiária do Direito do Trabalho, por incompatível com os seus princípios fundamentais de cunho protecionista”, destacou o relator.

Segundo Trigueiros, “esta Justiça tem repudiado com veemência a tentativa de fraudar direitos trabalhistas impingindo ‘laudos arbitrais’ ou ‘decisões’ com natureza de ‘coisa julgada’ produzidas em instâncias extrajudiciais espúrias, a pretexto da aplicação da Lei 9.307/96”.

A 4ª Turma do TRT-SP acompanhou, por unanimidade, o voto do juiz relator, enquadrando o ex-empregado da Asbace como bancário, e determinando o pagamento das verbas trabalhistas devidas pela aplicação das normas coletiva aos trabalhadores da categoria profissional.

Para o advogado Eduardo Gonçalves, do escritório Barretto Ferreira, Kujawski, Brancher e Gonçalves, o princípio da arbitragem é controverso, mas deve ser analisado caso a caso, de acordo com a matéria concreta. Não se pode generalizar a questão a ponto de extinguir a alternativa criada para resolver conflitos fora do âmbito judicial, segundo ele.

De acordo com o advogado, o entendimento do TRT-SP é muito genérico. “É difícil determinar em abstrato se a relação pode ou não ser decidida em arbitragem. Tanto o juiz estadual quanto o árbitro estão obrigados a aplicar as leis e zelar pelo cumprimento da legislação trabalhista, sob pena de ter a decisão questionada no futuro”, diz.

A arbitragem, para Gonçalves, pode decidir sobre questões relativas a matérias patrimoniais disponíveis. Tanto que o trabalhador pode negociar valores indenizatórios e até renunciar a parte deles. O empregado “só não pode renunciar a seus direitos fundamentais, em questões como a licença maternidade”, diz. O conceito seria, então, totalmente válido no caso de negociação remuneratória. “Não há razão plausível para não possibilitar que isso possa ser resolvido por arbitragem”.

Mesma opinião tem a advogada Silvia Maria Munari Ponte, do escritório Trevisioli Advogados Associados. Para ela, a decisão demonstra o conservadorismo e uma certa incoerência dos juízes em relação à arbitragem. “Se é possível solucionar conflitos no comitê de conciliação prévia, porque não fazê-lo por meio da arbitragem?”, questiona.

De acordo com Silvia, não há porque repelir o conceito se ele for feito de forma regular. Há, segundo ela, a necessidade, sim, de separar o joio do trigo. Mas não existe ilegalidade alguma de as “partes procurarem um árbitro para solucionar conflitos. O argumento [da indisponibilidade do Direito do Trabalho] joga por terra os dispositivos da arbitragem”, instituídos pelo legislador e que possibilita maior celeridade na efetivação de acordos entre as partes.

Leia a íntegra do voto

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP NO: 00958200201602005 (20030321942)

RECURSO:

RECURSO ORDINÁRIO

1º) RECORRENTE: ASSOCIAÇÃO BRAS BANCOS EST REG ASBACE e OUTRA (1)


2º) RECORRENTE: GILDETE VASCONCELOS SÃO FELIX

RECORRIDO: OS MESMOS

ORIGEM:

16ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: (1) JUÍZO ARBITRAL. LEI Nº 9.307/96. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO DO TRABALHO. A Lei nº 9.307/96 está direcionada às relações civis e comerciais e portanto, não tem aplicação subsidiária no âmbito desta Justiça Especializada pelo portal do artigo 8º consolidado, eis que lhe falta a conditio essencial da compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Nem a presença de um sindicato de trabalhadores por trás dessa aparente “negociação” afasta a manifesta fraude (art. 9º, CLT), até porque a entidade que se prestou a esse papel sequer detém o munus representativo dos bancários, tendo a reclamante sido reconhecida como tal, à luz da prova produzida.

(2) ASSOCIAÇÃO PARA TERCEIRIZAR SERVIÇOS BANCÁRIOS. ATIVIDADE-FIM. FRAUDE. CONDIÇÃO BANCÁRIA RECONHECIDA. A compensação de cheques, como reconhece a própria FENABAN, é atividade caracteristicamente bancária. Assim, configura fraude (art. 9º, CLT) a criação por instituições financeiras, de “associação” através da qual se procede a terceirização ilegal deste serviço e de outros afetos à atividade-fim dos Bancos, com indisfarçável escopo de negar a bancários os direitos insculpidos no art. 224 e seguintes da CLT e nas normas coletivas que lhes são aplicáveis.

Contra a respeitável sentença de fls.402/405 recorreu ordinariamente a reclamada argüindo em preliminar coisa julgada, porquanto as partes se submeteram ao juízo arbitral. Alega também em preliminar, nulidade por negativa de prestação jurisdicional, no tocante ao enquadramento sindical. Alega que o ordenamento jurídico vigente determina que o enquadramento sindical deve ser efetuado levando em consideração as atividades exercidas pelas empresas e não as individualmente realizadas por cada empregado. Aduziu que apesar do corpo da r.sentença ter reconhecido a condição de bancário, o decisum é omisso nesse aspecto.

Argumenta que os instrumentos coletivos de trabalho não poderiam ser aplicados ao extinto contrato de trabalho por força do artigo 611 da CLT e diante da Orientação Jurisprudencial nº 55 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho. Afirma a reclamada que não é instituição financeira e nem a elas se equipara, sendo certo ainda, que é uma associação que congrega os bancos, tendo portanto, objetivos sociais diversos das instituições financeiras. Alegou também que as disposições compreendidas na Orientação Jurisprudencial da SDC nº 37 não se aplicam a hipótese dos autos No que toca à participação nos lucros e resultados afirma que a r.sentença não limitou a condenação ao pagamento na forma pretendida pela reclamada. No mérito, sustenta a prescrição total sob o argumento de ato único.

No que toca ao vale refeição alega a reclamada que sempre forneceu ticket e vale-refeição sendo certo, ainda, que nunca ocorreu a alegada redução dos valores. Aduziu ainda que como esta parcela da reivindicação está arrimada nos instrumentos da categoria profissional dos bancários a absolvição é medida que se impõe. No que diz respeito ao adicional por tempo de serviço, reajustes salariais e multas normativas, alegou a reclamada que essas questões decorrentes do correto enquadramento sindical autorizam a reforma da r.sentença.Quanto à participação nos lucros, em não sendo absolvida, propugna pela delimitação da pretensão nos exatos termos do articulado na inicial. No que toca às horas extras pretende a reforma com arrimo nas compensações de jornadas ajustadas e portanto, pretende que sejam consideradas com extraordinárias as horas trabalhadas após a 36ª semanal em face da compensação ajustada, ou caso contrário, invoca a incidência do Enunciado 85 do C.TST.

Contra-razões fls.525/531.

Recorreu ordinariamente a reclamante alegando que a reclamada é confessa quanto às férias, vez que em seu depoimento, a preposta não soube informar quando a reclamante gozou férias. No que diz respeito às horas extras, afirmou que pelo depoimento da testemunha Sr. Arilson ficou cabalmente provado que a reclamante fazia jornada extraordinária e que os controles de jornada eram manipulados. Assim sendo, propugna pela reforma da r.sentença.

Contra-razões fls.532/537

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls.538, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

Opinou o Digno representante do Ministério Público do Trabalho, às fls.538 pelo provimento parcial do apelo.

É o relatório.

V O T O

Conheço de ambos os recursos porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

RECURSO DA RECLAMADA

DO JUÍZO ARBITRAL

A pretensão da reclamada de extinguir o feito porque a reclamante firmou compromisso perante Juízo arbitral, com arrimo na Lei 9.307/96, agride o Direito vigente, visto que a norma legal invocada é incompatível com os princípios protecionistas do Direito do Trabalho, que seguem regras próprias de tutela de ordem pública que são indeclináveis, por imperativo constitucional.


Definitivamente, o Direito do Trabalho não encampou o Juízo arbitral como meio de solução dos conflitos.

O legislador infraconstitucional, quando pretendeu implementar meio extrajudicial de solução de conflitos individuais, fê-lo através da Lei 9958/00, e não, através da norma legal invocada pelo recorrente, inaplicável para esse fim.

Se o trabalhador exerce o direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, CF) perante esta Justiça Especializada que tem por escopo precípuo a conciliação e julgamento de conflitos trabalhistas (conforme prelação do art. 114 da CF), beira a litigância de má-fé, a pretensão da parte de extinguir o feito com invocação de norma legal que sequer pode ser considerada como fonte subsidiária do Direito do Trabalho, por incompatível com os seus princípios fundamentais de cunho protecionista.

Ora, não há dúvida que se o legislador pretendesse impor efeitos da coisa julgada no que fosse pactuado extrajudicialmente tê-lo-ia feito de forma expressa no comando legal, como ocorreu no artigo 625-E, parágrafo único, da CLT, disciplinando ainda, de forma expressa, a incidência daquela norma no âmbito das relações trabalhistas.

É manifesto que a Lei nº 9.307/96 está direcionada às relações civis e comerciais, de sorte que não se cogita de sua aplicação subsidiária no âmbito desta Justiça Especializada pelo descabido portal do artigo 8º consolidado, eis que lhe falta a conditio essencial da compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. A presença de um sindicato de trabalhadores por trás dessa aparente “negociação” não afasta a manifesta fraude aos direitos da reclamante (art. 9º, CLT), até porque a entidade que se prestou a esse papel sequer detém o munus representativo dos bancários, tendo a reclamante sido reconhecida como tal, à luz da prova produzida.

Outrossim, a pactuação na esfera civil arrima-se nos princípios da igualdade e autonomia das partes, o que não incide no Direito do Trabalho, tendo este, cunho de indelével protecionismo seja pela natureza pública e indisponível da maioria dos direitos, seja em face da reconhecida inserção constitucional do princípio da prevalência da norma mais favorável, no caput do artigo 7º da Constituição Federal.

Esta Justiça tem repudiado com veemência a tentativa de fraudar direitos trabalhistas impingindo “laudos arbitrais” ou “decisões” com natureza de “coisa julgada” produzidas em instâncias extrajudiciais espúrias, a pretexto da aplicação da Lei 9.307/96.

Nesse sentido é a Jurisprudência deste Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região “in verbis”:

EMENTA Juízo Arbitral. Coisa julgada. Não há falar-se em “coisa julgada” no caso de “acordo” feito em associação de arbitragem onde, à evidência, o requerido, ora reclamante, em nada contribuiu na escolha do árbitro (art. 3º, da Lei 9.307/96), demonstrando-se, sem muito esforço, que a avença de fls. 79 apenas beneficia a reclamada que pretendia eximir-se do pagamento de direitos patrimoniais indisponíveis do Autor (v. art. 1º, da Lei 9.307/96), como horas extras, rescisórias e multa de 40% do FGTS, pagando-lhe soma irrisória – R$ 500,00 – por “eventuais” diferenças do período laborado. Acordo espúrio, arbitragem apenas na roupagem, escamoteando fraude trabalhista em sua essência.

Apelo patronal a que se nega provimento. PARTES RECORRENTE(S): SEBIL SERVS ESPECS VIGIL INDL BANC LTDA. RECORRIDO(S): CLÁUDIO DA SILVA NUNES RELATORA ROSA MARIA ZUCCARO REVISOR(A) NELI BARBUY CUNHA MONACCI TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20020515523 DECISÃO: 25 07 2002 ÓRGÃO JULGADOR – SEGUNDA TURMA FONTE DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 13/08/2002

EMENTA Arbitragem – A Lei 9307/96 trata especificamente dos litígios que envolvem direitos patrimoniais disponíveis. Não pode, via de conseqüência, ser aplicada no âmbito das normas trabalhistas, que reúnem garantias mínimas imperativas das quais o empregado não pode renunciar (artigo 444 da CLT). PARTES RECORRENTE(S): ANTONIO ANDÚ DA SILVA e PIRES SERVIÇOS DE SEGURANÇA LTDA RELATOR ROBERTO BARROS DA SILVAREVISOR(A) JONAS SANTANA DE BRITO ACÓRDÃO NUM: 20020807885 DECISÃO: 10 12 2002 ÓRGÃO JULGADOR – SEXTA TURMA FONTE DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 17/01/2003

EMENTA: LAUDO ARBITRAL. Esta relatora adota entendimento no sentido de que a arbitragem é meio de solução dos conflitos coletivos (artigo 114, §§ 1º e 2º da Constituição Federal), sendo inadmissível a aplicação deste instituto no âmbito das relações individuais de trabalho, mormente quando não verificada qualquer forma de assistência ao trabalhador, hipótese dos autos. De fato, não obstante a necessidade de adoção de formas alternativas de solução dos conflitos para descongestionar a Justiça do Trabalho, a arbitragem disciplinada pela Lei 9.307/96 é instituto de natureza comercial que tem como pressupostos a igualdade das partes e autonomia da vontade (artigo 21), opondo-se diretamente ao sistema de proteção do trabalhador e aos princípios que regem a legislação laboral, sobretudo o da indisponibilidade, que objetiva superar a fragilidade do trabalhador em face de seu empregador. PARTES RECORRENTE(S): YELLOWBALL COMUNICAÇÃO DIGITAL LTDA RECORRIDO(S): RICARDO ZILLI FERREIRA RELATORA YONE FREDIANI REVISOR(A) LUIZ ANTONIO MOREIRA VIDIGAL ACÓRDÃO NUM: 20020791326 DECISÃO: 02 12 2002 ÓRGÃO JULGADOR – SÉTIMA TURMA DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 17/01/2003


EMENTA Dissídio Coletivo. Cláusula compromissória de arbitragem. Ilegalidade. A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, no artigo 1º, taxativamente, restringe o alcance da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sem força, portanto, para alcançar direitos de natureza alimentar ou sociais como são aqueles que compõem a reparação devida ao trabalhador pela rescisão imotivada do contrato de trabalho. Ao contrário da Justiça Comum, a Justiça do Trabalho foi pensada para proteger a parte mais fraca da relação de emprego, assim hipossuficiente, segundo a definição de Cesarino Jr.. Se a lei civil parte da suposição da plena igualdade dos contraentes, a legislação trabalhista tem feição nitidamente protecionista, em que pese a reação do pensamento neoliberal. Desse modo, o propósito assumido equivocadamente por sindicatos profissionais, de obstar o acesso dos trabalhadores do manto protecionista da Justiça do Trabalho ofende a garantia inscrita no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição.

PARTES SUSCITANTE(S): CONSIGAZ DISTRIBUIDORA DE GÁS LTDA.SUSCITADO(S): SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO DE MINÉRIOS E DERIVADOS DE PETRÓLEO DO ESTADO DE SÃO PAULO – SIPETROL E SINDICATO DOS MOTORISTAS E TRABALHADORES DO RAMO DE TRANSPORTES DE EMPRESAS DE CARGAS SECAS E MOLHADAS, E DIFERENCIADOS DO COMÉRCIO, INDÚSTRIA, GÁS, ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS E FINANCEIROS DE OSASCO E REGIÃO – SIMTRATECOR REDATOR DESIGNADO JOSE CARLOS DA SILVA AROUCA REVISOR(A) JOSE CARLOS DA SILVA AROUCA ACÓRDÃO NUM: 2003001547 DECISÃO: 22 05 2003 ÓRGÃO JULGADOR – Secretaria de Dissídios Coletivos DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 08/08/2003

Por outro lado, a condição de bancária ostentada pela autora é incontornável. Fazia serviços de compensação de cheques, que consistem, juntamente com o labor dos caixas, a espinha dorsal do sistema bancário. Não se pode pois, admitir como válido o procedimento de um grupo de bancos de terceirizar atividade-fim com o indisfarçável escopo de fugir ao âmbito protetivo das normas legais especiais e coletivas destinadas aos trabalhadores que integram a categoria bancária.

Ineficaz, portanto, no âmbito deste processo, a decisão proferida pelo juízo arbitral, razão porque rejeito a preliminar de coisa julgada.

Assim, entendo que incensurável a decisão de origem neste tópico.

Mantenho.

DA PRELIMINAR DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

Rejeito a preliminar de nulidade suscitada, pois o remédio jurídico utilizado não se presta a travar debate de matéria deferida e que não atenda aos anseios da parte. A matéria dos embargos declaratórios restringe-se a omissão, contradição e obscuridade, admitindo efeito modificativo, nos termos do artigo 897-A, nos casos de omissão e contradição e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.

Escorreita, portanto, a decisão de primeiro grau, inexistindo nulidade a ser declarada.

DA PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO

Rejeito, outrossim, a preliminar de não conhecimento do recurso ordinário, sob o argumento de que o reconhecimento da condição de bancário não se encontra na parte dispositiva, visto que o decisum fez menção expressa “nos termos explicitados na fundamentação, que fica fazendo parte integrante desta decisão.”

Ademais, o apelo das reclamadas versa exatamente sobre debate quanto à condição de bancário, evidentemente porque consideram que o dispositivo alcançou sim, o reconhecimento desta situação. Rejeito assim, também essa preliminar.

ENQUADRAMENTO SINDICAL DIANTE DA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE COMPENSAÇÃO.

Como regra, o enquadramento sindical do empregado é feito em razão da atividade preponderante da empresa (CLT, art. 570) e o sindicato representativo da categoria profissional do empregado é aquele que se contrapõe ao sindicato representante da atividade econômica do empregador.

Todavia, não se pode olvidar que o Direito Coletivo Brasileiro dispõe que a organização dos trabalhadores e a respectiva representação sindical são feitas de forma objetiva, por categorias. Daí porque não pode o empregador, por seu único alvedrio e interesse, determinar o enquadramento profissional e sindical de seus empregados, através do direcionamento da contribuição sindical destes para entidade diversa daquela que efetivamente os representa.

O que identifica o órgão de representação dos trabalhadores não é simplesmente o endereçamento da contribuição sindical, já que esta é facilmente manipulável pelo empregador interessado em contracenar com entidade menos combativa. Há outros elementos igualmente relevantes, indicativos daquela associação que detém o munus representativo dos trabalhadores e que devem ser examinados de modo a que não se permita que a empresa escolha, unilateralmente, outra entidade sindical que tão-somente atenda seus interesses menores.


O ponto de partida para essa investigação é a própria lei. Com efeito, a inserção dos trabalhadores na chamada base profissional e sindical se faz levando em conta a similitude de vida oriunda do trabalho em comum, em situação de emprego em determinada atividade econômica, sendo este o conceito jurídico-sociológico de categoria profissional que se extrai do art. 511, § 2º, da CLT.

Fixada esta premissa maior, cabe descer ao exame da prova dos autos.

Com a devida vênia, afigura-se descabido o argumento desenvolvido pelas reclamadas visto que ambas têm por objeto social, de executar serviços de apoio administrativo e operacional aos bancos em geral realizando inclusive serviços de compensação de cheques (fls.276 e fls.293).

E o documento de fls.139 da FENABAN (Federação Nacional dos Bancos) dá-nos conta de que as tarefas específicas de compensação de cheques e outros papéis constituem atividades caracteristicamente bancárias.

No exame desta questão temos que a própria testemunha da reclamada, Sr. Márcio Cirqueira Sobrinho, às fls.398, menciona o manejo de cheques afirmando o seguinte: “11) a reclamante trabalhou no setor de devolução mas também auxiliava no serviço de digitação e expedição de cheques.”

O depoimento da primeira reclamada às fls.396 esclareceu a questão informando também, que “….tanto o setor do paradigma como da reclamante pertencem à área de compensação”.

Nessa moldura, temos como indisfarçável a terceirização dos serviços de compensação, com viés fraudulento (art. 9º, CLT) vez que até mesmo por definição da própria FENABAN (Federação Nacional dos Bancos) tais serviços são tipicamente bancários.

Daí temos a presença de descabida terceirização dos serviços bancários, praticada de forma sibilina já que urdida por um grupo de bancos com indisfarçável escopo de ocultar a condição bancária dos trabalhadores envolvidos em tais serviços.

É bem verdade que a terceirização é uma realidade e um fenômeno mundial e não se pode duvidar que sob certos parâmetros influi na geração de novos empregos e novas empresas, desverticalizando-as para que possam dedicar-se com mais aprimoramento apenas à atividade-fim, delegando a terceiros a execução dos serviços voltados à atividade-meio, ou apenas de apoio e acessórias. Tanto é assim que surge a partir do momento em que há desemprego na sociedade. Essa terceirização pode envolver tanto a produção de bens como de serviços. Mas de forma alguma pode constituir objeto principal da empresa e nem ser aplicada no âmbito da atividade-fim da empresa tomadora dos serviços, sob pena de desvirtuar-se todo o sistema de relações do trabalho submetendo-o apenas a escusos interesses de mercado.

Assim, a terceirização aceitável há de envolver uma contratação em que se agregue a atividade-fim de uma empresa (prestadora de serviços) à atividade-meio de outra (tomadora dos serviços).

O objetivo principal da terceirização feita dentro dos parâmetros legais não poderá ser o da mera redução de custos e tampouco a diminuição de encargos trabalhistas e previdenciários como pretendem os empresários, porque essa prática, levada ao limite, passa a ter efeito perverso no tocante ao desemprego no setor e precarização dos direitos sociais. O objetivo principal da terceirização é trazer agilidade, flexibilidade e competitividade à empresa, através da transformação dos custos fixos em variáveis, aumentando os lucros, gerando eficiência, economia e eliminando desperdícios, de maneira a poder destinar recursos para pesquisa de tecnologia e criação de novos produtos.

Certamente nada disso diz respeito à atividade dos bancos, que nas últimas décadas têm apresentado as mais altas margens de lucratividade e já praticaram o enxugamento e aggiornamento tecnológico, sem contar com a incorporação da mão-de-obra gratuita dos clientes, através do sistema internet e consultas on-line. Devem estar achando pouco, e agora engendram novas formas de “redução de custos”!

A terceirização não é ilícita nem proibida, estando inclusive permitida e prestigiada em nosso ordenamento jurídico nas hipóteses de trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), serviços de vigilância, segurança e transporte de valores para estabelecimentos bancários e de crédito (Lei nº 7.102/83), de conservação e limpeza ou serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador da mão de obra.

O que não se admite e se tem coibido é a fraude e o abuso. Sob o rótulo e a pretexto de suposta terceirização de determinada atividade empresarial, tem-se verificado a prática indiscriminada e intolerável da “marchandage” com supressão de direitos previstos em lei e normas coletivas, como ocorreu no caso vertente.

Com efeito, na situação dos autos fica bem patenteado que os serviços tipicamente bancários foram terceirizados ilegalmente, já que, como destacado em linhas anteriores, através do artifício da criação de uma “associação para prestação de serviços”, vários bancos, em autêntico conluio, retiraram formalmente do âmbito das instituições financeiras a mais bancária de suas atividades, qual seja a da compensação de cheques, negando aos compensadores os direitos insculpidos no art. 224 e seguintes da CLT e nas normas coletivas que lhes são aplicáveis.


O procedimento é manifestamente nulo (art. 9º, CLT), e não tem o condão de alterar os direitos dos compensadores contratados mediante tal estratagema. Nesse sentido é a manifestação jurisprudencial desta mesma E. 4ª Turma:

4ª TURMA ACÓRDÃO Nº: 20020374938 Nº de Pauta:121 PROCESSO TRT/SP Nº: 12183200290202001 AGRAVO DE INSTRUMENTO – 51 VT de São Paulo AGRAVANTE: JOSÉ MAURO QUIRINO DE SOUZA AGRAVADO: ASSOC BRASILEIRA BANCOS ESTADUAIS REG. EMENTA: A atividade de compensação de cheques e de outros papéis é inerente aos estabelecimentos bancários, não podendo ser “terceirizada” por empresas prestadoras de serviços bancários, sendo considerado “bancário” o empregado destas últimas, exercentes da função de compensador. RELATORA JUÍZA VILMA MAZZEI CAPATTO. Publicado em 14 de junho de 2002

Logo, ante o princípio da primazia da realidade que deve preponderar na solução do litígio e levando-se conta a patente ilegalidade da terceirização sub examen, da qual não podem ser beneficiárias as reclamadas responsáveis pela prática ilegal, não vinga a invocação da Orientação Jurisprudencial nº 37 da SDC do C.TST, diante do caráter fraudulento da terceirização perpetrada.

Desta forma, indisfarçável que as reclamadas, responsáveis pela prática ilegal, equiparam-se a instituições bancárias, enquadrando-se a reclamante como bancária para todos os efeitos, com os direitos emergentes dessa categoria, tanto legais como convencionais.

Incensurável a sentença de primeiro grau que bem aplicou o direito vigente.

Mantenho.

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS.

Afasto de plano, a alegação de que o dispositivo não alcançou o titulo em exame, visto que conforme acima destacado o dispositivo (fls. 404) fez menção expressa “nos termos explicitados na fundamentação, que fica fazendo parte integrante desta decisão.”

De outra parte, temos que a reclamante postulou o pagamento da Participação nos Lucros e resultados de 1.999 e proporcional ao ano de 2.000.

A condenação deste título tem arrimo nas normas coletivas diante do enquadramento sindical.

É evidente que no tocante ao pedido da alínea “2.d”, quanto ao pagamento deve ser observada a proporcionalidade para o ano de 2.000, tal como formulada a pretensão.

Dessa forma, a questão fica ressalvada na forma postulada pelas reclamadas.

Reformo parcialmente, tão-somente para assegurar a proporcionalidade deste pedido para o ano de 2.000.

PRESCRIÇÃO TOTAL

O libelo persegue reparações provenientes da alteração contratual praticada em violação às disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. que ocasionou prejuízos à obreira.

Tratando-se, portanto, de pedido que enfeixa prestações sucessivas sonegadas, decorrentes de alteração do pacto laboral, e que estão asseguradas por preceito de lei (art. 224 e seguintes, CLT), porquanto em afronta a disposições que asseguram regime distinto à categoria dos bancários, não se aplicando à hipótese o Enunciado sumular nº 294 do Tribunal Superior do Trabalho.

Assim, o direito de ação não vem fulminado pela prescrição total bienal, posto que inaplicável, a prescrição qüinqüenal que abarca exclusivamente as parcelas vencidas anteriormente a 03.05.97, contado o respectivo lapso retroativamente à data da propositura da ação, de sorte que não apanha a matéria litigiosa.

Correta portanto, a r. sentença de origem, também neste tópico.

Mantenho.

DO VALE-REFEIÇÃO.

As reclamadas, em contestação (fls.368), afirmaram que forneceram vale-refeição e tickets refeição.

A reclamante, em réplica, não se pronunciou quanto a esta questão.

O apelo mostra o seu inconformismo reiterando o fornecimento do benefício.

O exame da documentação encartada no Volume de documentos dá conta do fornecimento do benefício conforme se verifica do Volume em apartado, todavia, constato que o valor do benefício era inferior àquele assegurado aos bancários. Desta forma, remanescem diferenças em prol da autora.

Assim sendo, reformo parcialmente a r.sentença para assegurar diferenças do benefício em tela.

Reformo parcialmente.

ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO E REAJUSTES SALARIAIS.

Afasto, de plano, a alegação de que o dispositivo não alcançou o

títulos em exame, visto que, conforme acima destacado, o dispositivo (fls., 404) fez menção expressa “nos termos explicitados na fundamentação, que fica fazendo parte integrante desta decisão.”

O enquadramento sindical assegura os benefícios acima destacados e, não pode a reclamada valer-se da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1, visto que o Direito do Trabalho não agasalha alegação extraída da própria torpeza quanto ao modus operandi para o enquadramento sindical, em beneficio daquele que promoveu a ilegalidade anteriormente analisada.


Desta forma, mantenho a r.sentença de origem.

MULTAS NORMATIVAS

O enquadramento sindical reconhecido judicialmente assegura a incidência dos dispositivos da norma coletiva, visto que as reclamadas equiparam-se a entidades bancárias.

Mantenho.

HORAS EXTRAS.

No que diz respeito às questões quanto à incidência do Enunciado nº 85, fixação da jornada semanal e alegação de compensação ajustada, verifico que as matérias não foram examinadas pelo D. Juízo de origem, e não foram objeto dos embargos declaratórios, pelo que esses temas foram atingidos por incontornável preclusão, tornando-se impossível o seu exame sem que ocorra inadmissível supressão de instância. Prejudicado, portanto, o exame.

RECURSO DA RECLAMANTE.

FÉRIAS NÃO GOZADAS.

No que diz respeito ao pedido de férias não gozadas, sustenta que a reclamada é confessa, pois a preposta da primeira reclamada, em depoimento, não soube informar quando a reclamante gozou férias.

Todavia, a pretensão não pode ser acatada diante do aviso de férias subscrito pela autora e que por esta não foi impugnado.

Incensurável a r.sentença de origem neste tópico.

Mantenho.

HORAS EXTRAS

A reclamante, na inicial, informou que cumpria jornada das 19:00 às 05:30 horas, sendo que 4 (quatro) vezes por mês prorrogava essa jornada até as 06:30 horas, sem intervalo para refeição.

A defesa sustenta que os horários efetivamente laborados são aqueles constantes dos controles juntados com a defesa e que as horas extras laboradas foram quitadas

A reclamante, em depoimento pessoal, no que diz respeito à jornada de trabalho informou que ” 4) reconhece como suas as assinaturas constante das fls. de controle de horário acostados aos autos com a defesa; 5) esclarece contudo que nem sempre representam a veracidade uma vez que por vezes marcava horário de saída e retornava ao trabalho….” (grifamos).

Todavia, a própria testemunha da reclamante, Sr. Arilson de Melo Correia, às fls.397, além não confirmar a alegação da autora apresentou uma outra versão, patenteando indisfarçável intenção de favorecimento ao informar que: “1) era o próprio empregado quem marca o ponto tanto no horário de entrada quanto na saída, contudo, o ponto eletrônico era adulterado uma vez que quando assinava a folha de ponto constatava que os horários não estavam corretos o mesmo ocorrendo quando recebia as horas extraordinárias….”

Assim sendo, não há como acatar a reivindicação da autora, quando a prova na qual se arrima não se mostra firme ou mesmo confiável para impor qualquer condenação.

Mantenho.

Do exposto, conheço de ambos os apelos e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário da reclamante e de outra parte rejeito as preliminares por negativa de prestação jurisdicional e de não conhecimento do recurso ordinário e, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamada para que sejam deduzidos os valores dos tickets/cesta alimentação recebidos pela autora conforme documentação encartada no volume de documentos daqueles valores efetivamente devidos à categoria dos bancários na forma estipulada nas normas coletivas, bem como para que o pagamento da participação nos lucros seja observada a proporcionalidade para o ano de 2.000, tal como formulada a pretensão na inicial, mantendo-se no mais a r.sentença de origem tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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