Acidente de trabalho

Termo de responsabilidade não exime clube de culpa por morte

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28 de outubro de 2004, 21h25

A família do zagueiro Serginho, 30 anos, pode processar o São Caetano nas áreas cível, trabalhista e esportiva. Mas não na criminal. A opinião é de especialistas ouvidos, nesta quarta-feira (27/10), pela revista Consultor Jurídico, que analisaram, do ponto de vista jurídico, a morte do jogador, depois de sofrer uma parada cardíaca durante partida contra o São Paulo, no Morumbi.

Eles foram convidados a responder a questão que inflou novamente uma bola dividida no futebol e reavivou outros casos de morte como os do atacante húngaro Miklos Feher, 24 anos, e do meio campista da Seleção de Camarões, Marc-Vivien Foe, 28 anos, que também foram vítimas de ataques cardíacos em campo. Afinal, de quem é a responsabilidade judicial em situações como essas?

Aos advogados, foi pedido que discutissem o acontecimento em tese. Isso porque, até agora, os fatos que envolvem a morte do jogador não são conclusivos.

Uma das mais relevantes conjecturas é a existência de um termo assinado por Serginho eximindo o clube de quaisquer responsabilidades por fatalidades como a desta quarta. O termo, evidentemente, não tem valor jurídico algum. Segundo noticiado, exames médicos feitos pelos médicos do São Caetano diagnosticaram o problema cardíaco do jogador. O risco de morte seria, de acordo com o goleiro Silvio Luiz, de 1%.

O fato é que a Lei Pelé (9.615) que, apesar de suas inúmeras modificações, ainda regula o esporte no Brasil, dispõe, em seu capítulo 2º, artigo 2º, inciso 11, que deve ser garantida a qualquer participante de modalidade desportiva as integridades física, mental e sensorial.

Sendo assim, se constatado – o que, frise-se, não foi feito até agora – qualquer problema cardiológico prévio com o jogador, o clube pode arcar com a “responsabilidade decorrente de imprudência por saber” do risco de morte, segundo o advogado especialista em direito desportivo Luís Carlos Moro, da Moro e Scalamandré Advocacia. Nesse caso, o problema não seria, ainda, “de probabilidade, mas de possibilidade”, o que eliminaria a isenção pela porcentagem do risco sugerido pelos exames.

De acordo com Moro, há de ser averiguado, no entanto, se a parada cardiorrespiratória teve vinculação com o problema de saúde constatado anteriormente. Caso o problema de coração não tenha causado a morte do jogador, o clube ficaria isento da responsabilidade e seria caracterizada a “fatalidade” do acontecido.

Caso contrário, a existência do termo de responsabilidade não seria suficiente para “exonerar o clube” da culpa, diz o advogado. “O bem que ele está colocando em jogo não é dele [do São Caetano, no caso], a vida dele [de Serginho] não está disponível”, afirma. “A única coisa que pode haver é redução da indenização por co-participação [do jogador]”.

Existem três possíveis práticas do clube de futebol onde pode ser constatada imprudência. Duas delas caracterizam a negligência: quando não é feito nenhum exame ou quando os dirigentes deixam o jogador entrar em capo apesar de problema médico. A outra é a possibilidade de o médico não ter tido capacidade técnica para vislumbrar o que o exame queria dizer, e aí, estaria a imperícia.

Há ainda, do ponto de vista legal, a inexistência, segundo Moro, da possibilidade de recusa do jogador em competir. “Ele só tem o direito de se abster da escalação se não estiver recebendo salário há mais de dois meses”, diz. “A possibilidade não existe no caso de impedimento físico”. A prática do esporte é legalmente colocada como dever.

A questão do pronto atendimento, que dizem, poderia ter salvado a vida de Serginho, não pode, porém, ser levada em consideração nos termos judiciais. Segundo Moro, não há nada que obrigue ninguém a ter um desfibrilador imediatamente ao lado do campo. “Não há como exigir do corpo médico o resultado esperado. A obrigação do socorro é aplicar os instrumentos que estiveram à mão naquele momento, o que foi feito”.

Civilmente, de acordo com o advogado Décio Policastro,

do Araújo e Policastro, o clube também pode ser responsabilizado se constatado que sabia do fato de o jogador padecer de enfermidade e, apesar disso, ter deixado que ele participasse de jogos. Nesse caso, o São Caetano “teria assumido um risco muito grande por deixá-lo continuar em campo sabendo do possível desfecho”, diz.

A família de Serginho, poderia, em tese, pleitear indenização tanto material, que proveja a manutenção de seus membros durante o provável período de vida do jogador, quanto moral, para reparar o sofrimento causado pela morte. Para Policastro, o empregador não pode submeter o funcionário que sofre problemas do coração a esforços físicos, ainda que ele assine um termo de responsabilidade. “Isso seria uma temeridade. Estamos tratando da vida de uma pessoa, que não é patrimônio [do empregador] e não tem preço”.

A morte do zagueiro também pode ser caracterizada como acidente de trabalho, caso seja averiguada negligência do empregador ao não proceder a exames periódicos que a profissão exige e não oferecer atendimento adequado. A opinião é de Marcus Vinicius Mingrone, do Leite, Tosto e Barros Advogados. E, ainda que tais procedimentos façam parte da prática do clube, “ele não pode ser eximido da culpa”, diz.

Na relação de trabalho do jogador, acontece, em muitos casos, a necessidade de exercer a profissão, o que pode ter levado Serginho a “firmar o termo de responsabilidade mediante coação”, diz Mingrone. “Ele só sabe jogar, ou assina ou morre de fome. A coação é implícita na relação de trabalho. O empregador sempre exerce esse poder”, afirma.

Na esfera criminal, no entanto, o clube não poderia ser responsabilizado, diz o professor Luiz Flávio Gomes. “O médico e o clube fizeram tudo correto, alertaram para o perigo”, diz. Para ele, a morte de Serginho, foi, aparentemente, de “auto-colocação em risco pela própria vítima”. O São Caetano só poderia ser indiciado criminalmente caso tivesse ocultado a limitação física do jogador. Nesse caso, “poderia ser processado por homicídio culposo”, diz o advogado Jair Jaloreto Júnior.

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