Poder reconhecido

Ministério Público pode conduzir investigação criminal, decide STJ.

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28 de outubro de 2004, 11h43

O Ministério Público pode conduzir investigações criminais. O entendimento, por maioria de votos, é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma acatou recurso contra a decisão que determinou a suspensão da apuração de irregularidades no Procon feita pela 9ª Promotoria de Investigações Penais do Rio de Janeiro.

A decisão que interrompeu as investigações foi tomada pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça fluminense. O TJ afirmou que o caso estava sendo investigado, paralelamente, por meio de inquérito instaurado pela Polícia Civil.

O Ministério Público do Rio alegou que a decisão do TJ-RJ fere o artigo 26, inciso I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (nº 8.625/93) e o artigo 129 da Constituição Federal. O entendimento da Promotoria é o de que esses dispositivos, associados à opinião de diversos juristas e a decisões prévias dos tribunais superiores, autorizam o MP a instaurar quaisquer procedimentos, cíveis ou criminais, na busca de elementos e meios necessários à propositura de ações judiciais. Para reforçar o pedido, argumentou que as polícias civis e federais não têm a função privativa de instauração e condução de investigações criminais.

As alegações do MP-RJ não foram acolhidas pelo relator, ministro Paulo Medina. Dos cinco integrantes da Sexta Turma, o ministro Medina foi o único que rejeitou o Recurso Especial. Para o relator, a interpretação feita pelo Ministério Público com intuito de demonstrar sua legitimidade para investigações penais “estende os limites” de atribuição do órgão, afrontando dispositivos constitucionais.

Medina reconheceu que a Justiça brasileira ainda não sedimentou uma solução para o assunto. Ele observa, no entanto, que o texto da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público não autoriza esse órgão a instaurar inquérito policial, mas somente a requisitar diligências investigatórias e instauração de inquéritos à autoridade policial.

O relator pondera ainda que, embora não autorize o MP a investigar crimes, a Lei Orgânica legitima a atuação conjunta entre promotores, procuradores e a polícia. “A norma preserva a atribuição da polícia judiciária, a quem cabe apurar a prática de infrações penais e, ao mesmo tempo, integra as ações de ambas as instituições, na medida em que ressalva ao Parquet (MP) a faculdade de acompanhar a Polícia Civil no desenvolvimento das investigações”, sustenta o relator, para quem, nos termos da Constituição, a função de polícia judiciária é exclusiva das polícias civis e federais.

Contrário ao entendimento do relator, o ministro Nilson Naves argumentou que as polícias não têm direito exclusivo à investigação criminal. Para exemplificar esse entendimento, ele citou o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição, dispositivo que confere poderes investigatórios às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). O ministro recordou que o projeto da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, presidida pelo jurista e senador constituinte Afonso Arinos, conferia ao MP a função de exercer a supervisão da investigação criminal.

Para Naves, se por um lado não há texto normativo que mencione expressamente a possibilidade de o MP conduzir investigações criminais, por outro não há dispositivo legal em sentido oposto. “Ao contrário da total omissão, há indícios aqui, ali e acolá em direção à legitimidade da atuação”, sustenta. Em sua avaliação, se o MP é responsável pela propositura da ação penal pública, deve ter o direito e os meios de colher elementos que vão sustentar essa ação.

Além de defender o direito de promotores e procuradores apurarem crimes, o ministro teceu comentários sobre a fiscalização da atuação do MP. Para ele, essa tarefa cabe ao Judiciário, Poder ao qual compete a correção de desacertos, de abusos e de quaisquer atos que envolvam ilegalidades. Além do ministro Naves, votaram pelo provimento do recurso do MP-RJ os ministros Paulo Gallotti e Hamilton Carvalhido, que se pronunciou sobre o assunto por meio de voto-vista.

Palavra final

A possibilidade de o Ministério Público conduzir investigações criminais está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal, que vai dar a palavra final sobre o assunto. Está em curso na Corte o julgamento do Inquérito 1.968, no qual o Ministério Público Federal denuncia o deputado federal Remi Trinta, acusado de desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Clínica Santa Luzia, em São Luís, Maranhão, da qual ele é sócio. O deputado sustenta que a investigação é ilegal porque deveria ter sido feita pela polícia e não por integrantes do Ministério Público Federal.

No dia 1º de setembro, um pedido de vista do ministro Cezar Peluso suspendeu o julgamento do inquérito. Os ministros Marco Aurélio, relator, e Nelson Jobim votaram contra o recebimento da denúncia. Os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Ayres Britto entenderam que o Ministério Público tem poder constitucional de fazer investigações criminais.

O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e advogado criminalista, Alberto Zacharias Toron, afirmou que a decisão da Sexta Turma do STJ não traz nenhuma novidade e que o importante, neste momento, é aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal. “Esta decisão só reitera o entendimento que a Quinta Turma da mesma Corte já vinha adotando há muito tempo, não é novidade. O importante mesmo é aguardar a decisão do STF”.

Para Toron, que segue a mesma linha do que decidiu o plenário do Conselho Federal da OAB, os integrantes do Ministério Público não têm autonomia para investigar em matérias de cunho criminal. “A Constituição expressamente atribuiu o poder de investigação à Polícia Federal e às polícias estaduais, não a membros do Ministério Público”, afirmou o conselheiro federal.

REsp 494320

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