Sigilo em processo

Ex-presidente da OAB critica autoritarismo do governo

Autor

28 de outubro de 2004, 15h40

“Fica transparecido o viés autoritário do governo e sua posição, francamente hostil ao direito de defesa, em favor do processo de sigilo absoluto e sua guerra contra a advocacia”. A declaração é do ex-presidente nacional da OAB, José Roberto Batochio, ao informar nesta quarta-feira (27/10), ao presidente nacional da Ordem, Roberto Busato, da tramitação de um Mandado de Segurança por ele subscrito.

Para Batochio, nem os militares ousaram tanto. “Naquele tempo era visível, tinha até cor: verde. Hoje, o arbitrário, o tirano, está disfarçado de democrata. Posa de caminho de liberdade, mas a massacra nos bastidores”.

Batochio reagiu à atitude da Advocacia-Geral da União, de São Paulo, no Mandado de Segurança ajuizado pela OAB para brecar os efeitos da Portaria nº 8/2004, baixada pela diretora do Foro Criminal da Seção Judiciária de São Paulo e juíza da Primeira Vara Criminal Federal, Raecler Baldresca, que impede o acesso dos advogados a processos secretos. Os advogados conseguiram liminar para brecar os efeitos da portaria. Entretanto, a União recorreu. (Leia Histórico)

De acordo com a portaria, nem as pessoas investigadas e nem seus advogados teriam acesso às informações contidas em processos considerados de sigilo absoluto, o que, segundo Batochio, não existe no Código de Processo Penal. A portaria diz que somente os magistrados e servidores investidos em cargo público diretamente relacionados com a investigação podem acessar as informações.

Indignado, ele pediu à Seccional da OAB de São Paulo que impetrasse o Mandado de Segurança e o subscreveu, junto com os advogados Paulo Sérgio Leite Fernandes e Mário de Oliveira Filho. “Se o advogado não puder ter acesso aos autos para combater a prisão temporária em processos tidos como secretos, a advocacia está em xeque”, criticou o ex-presidente da OAB. “Nem no período do regime militar, quando houve o decreto-lei nº 898 – Lei de Segurança Nacional -, existiu essa história de processo secreto”.

Histórico

No dia 17 de setembro, a desembargadora federal Ramza Tartuce acolheu o Mandado de segurança impetrado pela OAB e concedeu liminar para revogar os efeitos da portaria 8/2004. Mas, como o Mandado de Segurança versa sobre a Justiça Federal, a União é litisconsorte necessária e foi intimada.

No último dia 11, os advogados da União ingressaram, então, com agravo regimental para cassar a decisão da desembargadora. Pediram a revogação da liminar, entendendo que os advogados realmente não devem ter acesso a processos considerados de sigilo absoluto.

O entendimento levou a discussão à esfera nacional, daí então o alerta de José Batochio ao presidente nacional da OAB.

“Não posso crer que a AGU autorizaria a sua regional em São Paulo a entrar nos autos, pedir a revogação e sustentar que os advogados não devem ter acesso às informações de um determinado processo”, afirmou José Batochio. “Se admitirmos que os advogados devem ser proibidos de examinar os autos em que estão constituídos e a existência de processos secretos, então acabou a advocacia e morreram todas as liberdades neste país”.

A OAB vai contrarazoar o agravo interposto pela União e pedir pela manutenção da preliminar e a concessão final do Mandado de Segurança. Com o texto da portaria em vigor, o advogado constituído ficaria impossibilitado de impugnar uma prisão no tribunal superior, por exemplo, já que, sendo considerado um processo de sigilo absoluto, o advogado não teria sequer como saber a causa da decretação da prisão de seu cliente.

Na opinião do ex-presidente da OAB, a portaria do Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo atenta contra as liberdades constitucionais e contra o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94). “Não queremos nenhum processo secreto no Brasil”.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!