Ameaçada de extinção

Exclusão do Simples inviabilizava sobrevivência de pequena empresa

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27 de outubro de 2004, 19h03

Em abril deste ano publicamos artigo abordando a truculência com que pequenas empresas estavam sendo excluídas do Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) e, pior, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se aproveitava dessa situação alegando não estar vinculado às eventuais defesas administrativas impetradas junto à Secretaria da Receita Federal, órgão responsável pela exclusão e pela análise do conseqüente pedido revisional. (Artigo inserido em 18.04.2004 na Revista Eletrônica Consultor Jurídico, www.conjur.com.br, e em 26.04.2004 no site Carta Maior, www.cartamaior.com.br).

Como abordamos à época, no final de 2003 o Governo Federal promoveu a primeira “caçada” de forma sistemática e maciça, excluindo abruptamente pequenas empresas do sistema simplificado e apurando débitos retroativos que praticamente inviabilizava-lhes a sobrevivência. Ademais, muitas exclusões eram calcadas em motivos frágeis ou conseqüência de “enganos” dos agentes do fisco (vide o exemplo abordado no citado artigo).

O INSS e a Cobrança Imediata das suas Contribuições

Preleva notar que o gravame maior não ocorre com a exclusão em si, mas com a posterior intervenção do INSS, que também apura suas contribuições previdenciárias e as exige, muitas vezes, de imediato, ou seja, sem o efeito suspensivo dos recursos interpostos contra o ato excludente. Apenas relembrando: quando o empresário solicita revisão da exclusão do Simples a Receita Federal deixa de tomar medidas coativas contra o excluído, até decisão final do recurso administrativo (efeito suspensivo). Diversamente do que manda a lei, algumas Gerências Executivas do INSS não fazem isso quanto às suas contribuições, apuradas retroativamente. Alegam que diante da exclusão perpetrada pela Receita Federal têm o dever legal de cobrar seus créditos de imediato, não se vinculando à defesa interposta contra aquela mesma exclusão, eis que se tratam de órgãos diversos e independentes! O leitor que ainda não foi vítima deste “modus operandi” pode achar isto absurdo (e é), mas infelizmente já nos deparamos com situações deste tipo, como narrado no citado artigo.

Isto é mais comum quando o contribuinte toma conhecimento tardio da exclusão, por erro da própria Secretaria da Receita Federal (v.g., quando a respectiva notificação é remetida a endereço errado). Descobrindo depois a irregularidade, o contribuinte protocola o seu recurso junto à SRF, dado que o prazo não teria expirado validamente. Mas, como o ato de exclusão já se consolidara na repartição fazendária, o INSS inicia ou continua promovendo as suas medidas de cobrança, sem se importar com a situação então pendente naqueloutro órgão. Nestes casos, costuma ser mais difícil frear administrativamente a autarquia previdenciária, sendo necessária a intervenção do Poder Judiciário.

As Novas Exclusões das Oficinas Mecânicas

Insaciável como dantes, o Governo Federal acaba de engendrar um novo ataque: acolhendo entendimento defendido pelos órgãos de classe dos engenheiros (Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA, vinculados ao CONFEA), para os quais as oficinas necessitariam dos serviços de um “engenheiro mecânico”, a Receita Federal então expediu notificações em massa para esses estabelecimentos, excluindo-os abruptamente do Simples (as oficinas prejudicadas poderiam chegar a 100 mil, segundo o respectivo órgão representativo). Como se dá o nexo causal entre a adoção daquela idéia e o ato excludente? Vejamos:

Adotando o pensamento dos CREA’s, a Receita Federal encontra suporte jurídico para a “caçada” no artigo 9º, inciso XIII, da Lei nº 9.317/96, que assim dispõe:

Art. 9º. Não poderá optar pelo Simples, a pessoa jurídica:

(…)

XIII – que preste serviços profissionais de corretor, representante comercial, despachante, ator, empresário, diretor ou produtor de espetáculos, cantor, músico, dançarino, médico, dentista, enfermeiro, veterinário, engenheiro, arquiteto, físico, químico, economista, contador, auditor, consultor, estatístico, administrador, programador, analista de sistema, advogado, psicólogo, professor, jornalista, publicitário, fisicultor, ou assemelhados, e de qualquer outra profissão cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida;

Trata-se de exceção ao regime instituído pela própria Lei 9.317, que objetivou, dentre outras metas, conferir maior viabilidade econômica e gerencial ao pequeno empresário e retirar da informalidade muitos brasileiros que se viam impossibilitados de suportar os encargos tributários e a burocracia impostos ao empresariado nacional.

Ora, como vedação excepcional que é (ou como qualquer regra restritiva, se assim preferirem), o artigo 9º deve ser aplicado com cautela, sob pena de dispensarmos tratamento não-isonômico a contribuintes que, de fato, encontram-se em pé de igualdade (“par conditio”). Mais: acabaríamos fazendo tábula rasa dos mandamentos constitucionais que prestigiam as micros e pequenas empresas, fonte e razão de ser da própria Lei Federal em tela.

De fato, nossa Constituição Federal já previa “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados” (CF/88, art. 146, d).

E no artigo 179 foi ainda mais enfática:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Sublinhamos “obrigações administrativas” porque, embora muitos não atentem para isso (crendo que o mandamento e a legislação que o regulamentou visavam apenas à diminuição da carga tributária do pequeno empresário), o legislador constituinte quis simplificar não apenas as obrigações tributárias e previdenciárias, mas também suas obrigações administrativas. É de se indagar, então, como ficariam as pequenas oficinas mecânicas se lhes fosse imposta toda a burocracia própria de uma grande empresa? (E estamos aqui a supor que o pequeno estabelecimento conseguiria, por algum milagre!, sobreviver à nova carga tributária, ao titânico passivo decorrente do efeito retroativo da exclusão, e, finalmente, aos honorários mensais de seu engenheiro, tudo isto sem falir e sem sonegar!).

Embora nossa Magna Carta também diga que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II), busca a Receita Federal enfiar goela abaixo dos pequenos mecânicos a necessidade de manterem um engenheiro em suas atividades rotineiras e simplórias, mediante ato de truculência e de moralidade duvidosa, simplesmente notificando-os de que serão excluídos do Simples.

Esposando posicionamento contrário à draconiana tese do Fisco, o 3º Conselho de Contribuintes, por sua 2ª Câmara, Relator o eminente julgador Walber José da Silva, já decidiu favoravelmente às oficinas. Vide ementa:

(…)

SIMPLES. OPÇÃO. OFICINA DE MANUTENÇÃO DE APARELHOS ELETRO-ELETRÔNICAS. POSSIBILIDADE. —As pessoas Jurídicas que exploram o ramo de oficina de manutenção de aparelhos eletro-eletrônicos, igualmente às oficinas de manutenção de veículos, que utilizam mão-de-obra não qualificada e prestam os serviços no próprio estabelecimento, não se assemelham às atividades de engenheiro e podem optar pelo SIMPLES. Recurso provido por unanimidade. (3º CC, Proc. 13894.000203/2001-10, Rec. 128158 (Ac. 302-36086), Rel. WALBER JOSÉ DA SILVA, j. 11.05.2004) (Grifamos)

Ora, é de clareza hialina (menos para o fisco) que pequenas oficinas não realizam mirabolantes cálculos estruturais, medições especiais, desenhos de peças e estruturas veiculares e outras atividades cujo grau de complexidade demandaria a contratação de um engenheiro, quando simplesmente trocam a pastilha de freio de nossos carros, ou quando substituem amortecedores vencidos, limpam velas, retocam pintura, e outras tarefas desse quilate!

Aliás, ainda que uma determinada oficina mecânica precisasse realizar eventualmente (caráter esporádico, note-se) algum serviço de maior complexidade e rigor técnico, próprio dos engenheiros, isso não poderia, por si só, ensejar a sua exclusão do Simples. É que um tal serviço não constitui a atividade típica da oficina, mas um meio eventualmente empregado na consecução de uma outra meta (por exemplo, efetuar determinado reparo na suspensão ou chassi de um veículo). Para o engenheiro ou empresa de engenharia, ao contrário, pode ser que o emprego daquela técnica constitua sua própria atividade-fim ou, noutras palavras, esteja inserido dentre as suas tarefas de rotina e seja parte integrante do objetivo social da empresa.

Neste sentido, aliás, decisão da 1ª Câmara do mesmo Conselho, ao cuidar de pequena empresa que procedia a reparos mecânicos em máquinas e equipamentos de terceiros:

(…)

PRESTAÇÃO ESPORÁDICA DE SERVIÇOS EM MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS DE TERCEIROS – AUSÊNCIA DE SEMELHANÇA COM ATIVIDADE DE ENGENHEIRO – O reparo e manutenção de máquinas e equipamentos de terceiros somente impedem a opção pelo SIMPLES quando constitua atividade típica e inserida no campo das atribuições do profissional de engenharia, ainda que seja irrelevante para a exclusão do Sistema a prestação ocasional do serviço, não impede a opção pelo SIMPLES. Provido por unanimidade. (3º CC, Proc. 10865.000437/00-46, Rec. 124989 (Ac. 301-30581), 1ª C., Rel. Luiz Sérgio Fonseca Soares, DOU 07.05.2004, p. 19) (Grifo nosso)

Graças à união dos órgãos de classe das oficinas mecânicas o Senado já se empenha na aprovação da Medida Provisória nº 191/2004 com uma emenda que possibilita expressamente àquelas a sua inclusão e permanência no Simples.

Mas chamamos a atenção dos eventuais excluídos para dois pontos:

a) A nova lei, se vingar, não afastará de todo os efeitos da exclusão perpetrada pela SRF, eis que a citada emenda prevê efeito retroativo apenas até janeiro/2004;

b) O maior perigo, que merece toda a atenção do contribuinte excluído, é a eventual postura do INSS, conforme explicitado no tópico II deste arrazoado. Assim, se a autarquia previdenciária também acabar autuando as oficinas, muito provavelmente será necessário o socorro do Judiciário, pelos motivos já expostos.

Apenas uma consideração final: a caça rotineira aos micros e pequenos empresários (talvez sejam espécies ameaçadas de extinção), além de ser de duvidosa legalidade é de induvidoso mau gosto político e social, pois inviabiliza justamente a atividade daqueles que mais empregos geram no País, já tão carente nesta seara.

De qualquer forma, preparemo-nos para novos litígios na esfera judicial – alguns apenas contra o INSS. É aguardar para ver.

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