Consultor Jurídico

Governo desviou foco da reforma da Previdência

27 de outubro de 2004, 13h32

Por Grijalbo Fernandes Coutinho

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Sempre houve no seio da magistratura do trabalho refletida convicção sobre a inconstitucionalidade da norma que estabeleceu a contribuição previdenciária para os servidores inativos, que dentre outras cláusulas, desrespeita a do direito adquirido. Não obstante a tendência brasileira de alterar a Carta Magna para atender circunstâncias artificiais lançadas pela santa aliança entre o governo e o mercado, limites de reforma do texto constitucional foram fixados com o objetivo de preservar a vontade do constituinte originário, verdadeiro detentor do poder político para escrever os princípios e fundamentos do ordenamento jurídico maior.

No particular, outro foi o entendimento do Supremo, cabendo à Anamatra lamentar a solução encontrada, pois coloca em xeque a matriz da segurança jurídica constitucional, respeitando a entidade dos juízes do trabalho o decidido como atribuição própria do Estado Democrático de Direito. Sabemos que o precedente do STF revela-se extremamente danoso ao primado do respeito à cláusula pétrea e à limitação do poder de reforma do constituinte derivado.

Pois bem. Não conseguindo entender a profundidade dos votos dos senhores ministros do Supremo, bem como emprestando outro significado à livre convicção externada por todos eles, o Presidente do Partido dos Trabalhadores, empolgado com a taxação dos inativos, declarou “que o Ministro Jobim irá alinhar o STF e o Poder Judiciário”. Era como se pudesse dizer: “não há mais juízes no Brasil, o Executivo Federal conseguiu dobrá-los”. O comportamento domesticado e servil pode ser requisito ao funcionamento de instituições partidárias, democráticas e não democráticas, ou ao aparelhamento de Estado na esfera do Poder Executivo, mas é notoriamente incompatível com o exercício do cargo de magistrado, cujas prerrogativas constitucionais lhe são conferidas para o desempenho da função de maneira independente e livre de quaisquer pressões.

O ex-parlamentar José Genoino, constituinte em 1988, parece ter esquecido o que ajudou a escrever na Carta Política atual, em relação ao capítulo do Poder Judiciário, cuja idéia de hierarquia entre juízes ou eventual submissão a qualquer poder, seja qual for o grau de jurisdição a que estejam investidos, contraria o espírito de todo o texto. E foi por ter lutado tanto na oposição, muitas vezes contra adversários cruéis do infame regime militar, que o dirigente maior do PT deve ter percebido a importância de garantir aos membros do Poder Judiciário, independência e razoável distância das correntes partidárias. Após conquistar o merecido espaço político, tenciona fazer da carreira dos juízes mero prolongamento do bonapartismo presidencial.

Os magistrados, indignados com as pretensões totalitárias manifestadas, sabem que, para rasgar o seu papel de agente político da sociedade e da cidadania, os novos gerentes do poder não possuem instrumentos minimamente adequados para tal fim. O alinhamento dos juízes brasileiros é, na verdade, com a Constituição Federal e com a livre convicção autorizada pelas normas jurídicas vigentes.

Com o objetivo de transferir os efeitos negativos pelo fim do regime público de previdência e pela taxação dos inativos, o Governo Lula desvia o foco do debate para a decisão do STF, quando deveria assumir a responsabilidade por ter patrocinado a reforma da Previdência dos sonhos dos conglomerados financeiros, nacionais e internacionais, sem que tivesse anunciado previamente essa e outras medidas surpreendentes adotadas nos últimos meses. O resto é desejo inconfessável de afastar a perturbadora atuação dos juízes na análise imparcial das múltiplas questões que sempre afligem os governos.