Caso concreto

Procurador conta detalhes da operação que prendeu Arcanjo

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26 de outubro de 2004, 12h36

Fatos e cifras impressionantes. Foi essa a definição dada pelo procurador da República em Mato Grasso, José Pedro Taques, para a Operação ‘Arca de Noé’, que resultou na condenação de João Arcanjo Ribeiro (o “Comendador”) e de outras noves pessoas envolvidas em operações criminosas. Os detalhes da operação foram contados durante o Encontro Nacional sobre o Combate e a Prevenção à Lavagem de Dinheiro.

“Não adianta ficarmos discutindo doutrina e teoria, temos de discutir casos práticos”, afirmou Taques.

João Arcanjo Ribeiro é ex-policial em Mato Grosso e se tornou dono de jogo do bicho e dono de empresas de “factoring” e de uma rede de hotéis. Taques participou da mega-operação montada pelo Ministério Público do MT, com a participação da Polícia Federal, para indiciar o João Arcanjo e desmontar sua organização criminosa.

Na operação, foram mobilizados 160 policiais federais, trinta policiais rodoviários federais, três procuradores da República, vinte promotores de justiça e seis fiscais federais. “Fizemos buscas em vinte lugares diferentes e reunimos uma série de documentos que comprovaram a prática do crime de lavagem”, conta Taques. A prisão de Arcanjo foi decretada pelo juiz federal Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara Federal de Mato Grosso. Ele está preso no Uruguai.

Dentre os bens de Arcanjo já apreendidos na operação, estão 2.303 imóveis, sendo 1.384 apartamentos em construção e outros 710 já prontos; uma fazenda de psicultura com 3.768 hectares e outra de soja, com 8.260 hectares; um “shopping center”; três hotéis no país e um em Orlando, nos EUA. Além dos imóveis, foram apreendidos uma aeronave Cessna Citation, no valor de US$ 6 milhões; trinta outros veículos, 105 bens móveis, dentre jóias e barras de ouro; e mais de seis mil itens correspondentes a ativos financeiros no país, que totalizam mais de R$ 38 milhões. Foram indisponibilizados também cerca de R$ 8,6 milhões que estavam depositados em contas correntes bancárias no país em nome do criminoso.

Taques informou durante o evento que o inventário desses bens foi um processo extremamente trabalhoso, porque abrangia uma enorme quantidade de bens, envolvendo muitas pessoas físicas e jurídicas que tinham participação na sua propriedade. Um auditor da Receita Federal foi nomeado inventariante e a Advocacia Geral da União (AGU) em Mato Grosso foi intimada a assessorá-lo, nomeando diversos advogados para opinar sobre as dúvidas de natureza jurídica.

Como o volume de trabalho era muito grande para um só inventariante, foram requisitados servidores da AGU e do Serviço de Patrimônio da União para auxiliar nos trabalhos. Além de problemas materiais e operacionais enfrentados nessa fase, Taques ressalta que o funcionário nomeado inventariante não tinha poderes para ter acesso a informações fiscais e patrimoniais dos condenados.

As autoridades envolvidas na Operação “Arca de Noé” estão tentando tornar indisponíveis outros bens e valores de Arcanjo no exterior. Arcanjo Ribeiro, em sociedade com sua esposa, Silvia Chirata, é dono de duas empresas offshore no Uruguais, a Lyman e a Aveyron SA. Essas empresas recebiam dinheiro de atividades ilícitas e utilizavam esses valores para garantir empréstimos feitos por bancos no Uruguai às empresas de Arcanjo em Cuiabá.

As autoridades também foram diversas vezes aos Estados Unidos para tentar indisponibilizar outros bens localizados naquele país, mas ainda não tiveram sucesso, segundo Taques. Apenas na Suíça elas já conseguiram tornar indisponível cerca de US$ 1 milhão. “O juiz suíço determinou em sua sentença que esse dinheiro seja utilizado na capacitação de juízes e procuradores criminais brasileiros”, observa o procurador.

De acordo com o procurador, inúmeros são os questionamentos jurídicos que podem ser extraídos do caso “Arca de Noé”, e que podem servir de base para as discussões sobre esse tipo de crime. Um dos questionamentos diz respeito aos bens adquiridos pelo condenado antes da edição da Lei n. 9.613 — persiste uma dúvida se esses bens devem ou não ser incluídos no inventário. Outra questão refere-se à necessidade ou não de individualizar todos os bens cujo perdimento foi declarado em favor da União na sentença condenatória.

Na opinião de Taques, a sentença poderia ser genérica e, numa medida cautelar específica ou em uma “espécie de liquidação de sentença”, os bens seriam discriminados um a um. “Temos de sanar essas dúvidas, porque a lei de lavagem não contempla mecanismos para tanto”, afirma.

Outra questão importante suscitada por Taques a partir do caso diz respeito ao envolvimento de advogados em organizações criminosas desse tipo. “Saibam que é possível lavar dinheiro através de grandes escritórios de advocacia”, diz o procurador. Ele conta que, em uma das apreensões feitas na operação, foram encontrados contratos firmados entre Arcanjo e seus advogados, nos quais consta que eles ganhariam R$ 3 milhões para fazer sua defesa, e mais 5% de todo o patrimônio que eles conseguissem livrar da apreensão judicial.

Na sua opinião, pessoas como Arcanjo Ribeiro não deveriam ter a liberdade de escolha dos seus advogados de defesa.“A Constituição Federal garante o direito de defesa, mas omite sobre o direito de escolha do advogado”, comenta. Ele entende que em casos como esse o Estado é quem deveria escolher o advogado do acusado.

O Encontro sobre Lavagem de Dinheiro está sendo promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF, em parceria com o Ministério da. O evento reúne juízes federais das varas criminais especializadas no combate à lavagem de dinheiro e autoridades do Ministério da Justiça, do Ministério Público e de outras instituições interessadas no tema.

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