Bateu na trave

Prefeitura de Atibaia não consegue indenização por danos morais

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26 de outubro de 2004, 19h08

Somente pessoa jurídica de direito privado pode ser vítima de danos morais. Com esse entendimento, o juiz Grakiton Satiro Aragão, da 3ª Vara da Comarca de Atibaia, interior de São Paulo, rejeitou ação de indenização por danos morais da prefeitura do município contra a Editora Globo. Ainda cabe recurso.

Para Aragão “não há que se falar em legitimidade ativa da Prefeitura Municipal para buscar qualquer reparação por danos morais, afinal eventuais atingidos em sua honra seriam somente os seus agentes, e não a pessoa jurídica de direito público interno”.

A prefeitura da cidade alegou que, em janeiro de 2002, a revista Época publicou nota tratando de verba orçamentária do município dedicada a “serviço de inteligência e segurança”. A prefeitura rebateu a nota alegando que a verba é destinada à manutenção do Corpo de Bombeiros local. Alegou, ainda, que a nota foi ofensiva e inverídica e pediu indenização por danos morais.

A editora, representada pelos advogados Luiz de Camargo Aranha Neto e Luis Fernando Pereira Ellio, rebateu as acusações, mencionando não ter exorbitado do direito de informar, além de inexistir prejuízo indenizável. Alegou também que não inventou informações, apenas repercutiu notícia da imprensa local, ressaltando o caráter curioso da destinação da verba municipal para serviços de “inteligência e segurança”.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA COMARCA DE ATIBAIA

Processo nº 427/02

Vistos,

PREFEITURA DA ESTÂNCIA DE ATIBAIA ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais contra EDITORA GLOBO S.A.

Alegou ter havido uma publicação ofensiva realizada pela ré na edição de 14 de janeiro de 2002, tendo exercido o direito de resposta. O nome da Municipalidade foi indevidamente utilizado. Pelo dano moral suportado requereu a fixação de indenização.

O réu foi citado e contestou (fls 192). Mencionou não ter exorbitado do direito de informar e inexistir prejuízo indenizável. Nos termos do artigo 56 da Lei de Imprensa incidiu a decadência, pois não proposta a ação no período de 03 meses após a publicação. A nota originou-se em Circular Interna da Guarda Municipal de Atibaia.

Réplica (fls 220).

Saneador (fls 228) onde a alegação de decadência foi afastada. Na audiência de conciliação, instrução e julgamento, foram colhidos os depoimentos (fls 262/285 e 300). Memoriais (fls 309/311 e 314/317)

Relatados.

DECIDO.

Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.

Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim, embora a lição em sentido contrário de ilustres doutores (Horacio Roitman e Ramon Daniel Pizarro, ‘EI Daño Moral y La Persona Juridica’, RDPC, p. 215) trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento. É certo que, além disso, o dano à reputação da pessoa jurídica pode causar-lhe dano patrimonial, através do abalo de crédito, perda efetiva de chances de negócios e de celebração de contratos, diminuição de clientela etc., donde conclui-se que as duas espécies de danos podem ser cumulativas, não excludentes.

Pierre Kayser, no seu clássico trabalho sobre os direitos da personalidade, observou:

“As pessoas morais são também investidas de direitos análogos aos direitos da personalidade. Elas são somente privadas dos direitos cuja existência está ligada necessariamente à personalidade humana” (Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1971, voI. 69, p. 445).

E a moderna doutrina francesa, recomenda a utilização da via indenizatória para a sua proteção:

“A proteção dos atributos morais da personalidade para a propositura de ação de responsabilidade não está reservada somente às pessoas físicas. Aos grupos personalizados tem sido admitido o uso dessa via para proteger seu direito ao nome ou para obter a condenação de autores de propostas escritas ou atos tendentes à ruína de sua reputação. A pessoa moral pode mesmo reivindicar a proteção, senão de sua vida privada, ao menos do segredo dos negócios” (Traité de Droit Civil, Viney, Les Obligations, La responsabilité, 1982, voI. II, p. 321).

De outra parte, em análise à Lei de Imprensa, verifica-se que em relação à pessoa jurídica de direito público interno, pode ser sujeito passivo das seguintes condutas tipificadas como crime:

Art. 12 – Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem.

Parágrafo único. São meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços noticiosos.

Art. 15 – Publicar ou divulgar:

a) segredo de Estado, notícia ou informação relativa à preparação da defesa interna ou externa do País, desde que o sigilo seja justificado como necessário, mediante norma ou recomendação prévia determinando segredo, confidência ou reserva;

b) notícia ou informação sigilosa, de interesse da segurança nacional, desde que exista, igualmente, norma ou recomendação prévia determinando segredo, confidência ou reserva:

Pena – de 1 (um) a 4 (quatro) anos de detenção.

Art. 16 – Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem:

I – perturbação da ordem pública ou alarma social;

II – desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica;

III – prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município.

IV – sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro:

Pena – de 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários mínimos da região.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, se o crime é culposo:

Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos da região.

Destarte, O que se conclui pelo exposto é que, em regra, somente a pessoa jurídica de direito privado é que pode ser vítima de danos morais, por ter a sua honra objetiva atacada, com o abalo de seu nome comercial e, por conseqüente, de seu crédito.

Já a pessoa jurídica de direito público interno, no caso, a Prefeitura Municipal, a situação é diversa. Como é sabido, o Estado é uma pessoa jurídica, que não pode ter vontade nem ação próprias, afinal ele somente se manifesta por meio de pessoas físicas, que ajam na condição de seus agentes, desde que revestidos desta qualidade. Entende-se que o que o agente público quiser ou fizer, o Estado quis ou fez. Disso resulta que o agente público acusado levianamente de ter agido contra os interesses do Estado, pode ser atingido moralmente na sua honra e por isso agir, contudo, não o Estado como pessoa jurídica. Aliás, a única hipótese que poderia ser ventilada como possível, seria aquela em que notícias falsas veiculadas provocassem prejuízo ou abalo de crédito do Município, o que não é o caso dos autos, afinal, sequer constou na causa de pedir constante da inicial qualquer enfoque nesse sentido. Destarte, não há que se falar em legitimidade ativa da Prefeitura Municipal para buscar qualquer reparação por danos morais, afinal eventuais atingidos em sua honra seriam somente os seus agentes, e não a pessoa jurídica de direito público interno.

Por fim, a verba orçamentária intitulada como “informação e inteligência”, como admitiu a autora, efetivamente existiu, sendo que o documento de fls 213, sequer teve atacada a sua falsidade. O assunto, inclusive, teve discussão no Jornal local (fls 212). Conseqüência, a ré efetivamente somente informou, sem nada aumentar; apenas repassando o que coletou no seio de discussão da comunidade de Atibaia a respeito da pouco esclarecedora intitulação dada à verba orçamentária, a qual, para as pessoas de entendimento meridiano, jamais poderia acreditar vincular-se a verbas destinadas à manutenção do Corpo de Bombeiros local. Logo, por todos os aspectos que se veja a questão, inexiste o que indenizar.

Diante de todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais formulado.

Em face da sucumbência experimentada condeno a autora no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do artigo 20, § 4°, do Código de Processo Civil.

P. R.I.

Atibaia 30 de setembro de 2004.

GRAKITON SATIRO ARAGÃO

JUIZ DE DIREITO

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