Dever de indenizar

Juíza manda Metrô pagar R$ 720 mil por morte de passageira

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26 de outubro de 2004, 18h38

A Companhia Metropolitana de São Paulo (Metrô) foi condenada a pagar indenização de R$ 720 mil, por danos morais, para a família de uma passageira. Ela morreu depois de ficar um tempo presa em um dos vagões que parou de funcionar dentro de um túnel. A condenação foi imposta pela juíza Maria Lúcia Riberio de Castro Pizzotti, da 32ª Vara Cível de São Paulo. Ainda cabe recurso.

Clóvis Tavares de Souza Filho, filho da passageira, alegou que houve demora para a retirada dos passageiros do vagão e, por isso, sua mãe passou mal morrendo no próprio local. O Metrô argumenta que não agiu com culpa, o que injustifica o pedido de indenização.

A juíza rejeitou o argumento do Metrô e concedeu a indenização. “Ainda, ressalto o fato de que a vítima foi tirada de dentro do trem, já em condições de saúde debilitadas, o que demonstra, mais uma vez, que houve demora nas providências que deveriam ter sido tomadas pelo metro réu, o que não se deu, vez que fora ela retirada ela do trem, por um dos passageiros, que quebrara o vidro do mesmo, demonstrando-se, assim, falha na prestação dos serviços, sempre destacando que a responsabilidade é objetiva, vez que se trata de contrato de transportes, como já supra anotado”, afirmou.

Leia a íntegra da decisão

Clóvis Tavares de Souza Filho ajuizou Ação de Indenização por perdas e danos morais contra Companhia Metropolitana de São Paulo-Metrô, alegando que sua mãe, aos 30 de agosto de 2.001, encontrava-se no interior de uma das composições da empresa ré, quando este parou de funcionar dentro do túnel, em razão de suposto defeito mecânico, tendo havido demora na retirada dos passageiros do local, o que levou sua mãe a passar mal, vindo a falecer no próprio local, dentro da estação de metrô, razão pela qual, requereu a indenização na seara moral no valor de R$ 720.000,00.

Citado regularmente, a empresa ré contestou a lide alegando, preliminarmente, que o autor não tem interesse de agir, pois a empresa ré não teria causado qualquer dano ao mesmo. No mérito, asseverou que não agiram os agentes da ré com culpa, o que injustifica a postulação indenizatória na forma requerida pelo autor, principalmente, porque deram eles o pronto atendimento a todos os passageiros ali existentes, quando da ocorrência dos fatos, inclusive à mãe do autor. Ainda, asseverou que o IML concluiu que a causa da morte da mãe do autor fora indeterminada. Ainda, alegou que inexistiu norma de segurança violada, o que retiraria, ainda mais, o argumento do autor de postular a indenização pretendida. Ainda, disse que os fatos foram ocasionados por um curto circuito, e que assim tendo ocorrido, representaria fato imprevisível. Ainda, asseverou que não é possível indenizar-se por dano hipotético. Por fim, sustentou suas alegações em julgados que defendem a idéia de que o dever de indenizar não decorre de simples descontentamento, sob pena de ocorrer o enriquecimento sem causa.

Após a oferta de réplica, foi o feito saneado, tendo sido deferida a postulação de prova oral, na forma requerida.

Em audiência de instrução, foram ouvidas três testemunhas do autor e duas da ré. Na seqüência, ambas as partes apresentaram seus respectivos memoriais.

Relatados, passo a decidir.

Trata-se de ação através da qual pretende o autor ver-se ressarcido moralmente, em razão de ter sua mãe morrido no interior da estação de metrô da empresa ré, quando, enquanto passageira, ficara presa em uma das composições da requerida, quando esta parara dentro do túnel, por problemas elétricos. A ré refuta o pedido da autora, asseverando que não tem o autor interesse de agir, por não ter provado a ocorrência de dano, tendo discutido o mérito da demanda, sob a alegação de inexistência de falha na prestação dos serviços, bem como, por ausência de culpa, contestando a ação, ainda, por ausência de dano do qual poderia o autor ter sido vítima, segundo alegara.

A ação é totalmente procedente.

Tangente à questão aduzida em sede de preliminar, é certo que como filho da pessoa falecida, enquanto passageira da ré, tem o autor interesse de agir para demandar contra a ré, nascendo dos fatos o evidente interesse de litigar em face da ré, para postular a indenização decorrente da morte súbita e prematura de sua mãe, segundo alegara na inicial. Assim, descabida a alegação de ausência de interesse de agir enquanto filho, também vítima da ocorrência narrada, que vitimara sua mãe, o que privou do convívio com esta. Por isso, rejeito a preliminar aduzida.

Primeiramente, inobstante tenha a empresa requerida alegado que não incorreu em culpa, defendendo-se do pleito fundado na responsabilidade civil decorrente de culpa subjetiva, depreendo da inicial que, de fato, o pedido do autor fora fulcrado na responsabilidade objetiva, decorrente do contrato firmado entre as partes, na forma verbal, sendo a ré a transportadora de seus passageiros, entre os quais se incluíra, quando da ocasião, a mãe do autor. Desta forma, o argumento sustentado pela ré é desconexo com a causa de pedir e com o fundamento jurídico desta, que alicerçou o pedido indenizatória objeto desta demanda. Por isso, entendo ter restado incontroversa a postulação indenizatória sob o enfoque da alegação de responsabilidade objetiva.


Mas, ainda que assim não o fosse, é evidente que a má prestação dos serviços de transportes metroviários, na forma ocorrida, efetivamente, levou aos fatos que vitimaram a mãe do autor, como a seguir passo a delinear, analisando, precipuamente, as provas documentais e orais, nesta demanda produzidas.

De início, ao analisar as provas dos autores, em conjunto com a controvérsia estabelecida pelos argumentos da ré, noto a fragilidade, e porque não dizer, o descabimento e a inadequação da matéria apresentada como se defensiva fosse, ao sustentar a ré que a causa da morte da mãe do autor fora indeterminada, e principalmente, que não pode o requerente postular dano moral por simples descontentamento, como se a perda de uma mãe pudesse representar a qualquer filho, na ótica da ré, um simples descontentamento, conforme tentou respaldar sua contestação, utilizando-se de um respeitável julgado que, obviamente, não pertine ao presente caso; e, no mesmo sentido, totalmente despropositada a alegação meritória da ré, quando aduz que o fato ocorrido não é passível de indenização na seara moral, sob pena de levar-se ao enriquecimento ilícito e sem causa do autor. Mais uma vez, totalmente desconexa a defesa trazida à colação, com relação aos fatos que embasaram a presente demanda.

Aliás, oportuno destacar que a inexistência evidenciada, não é de nexo causal entre a conduta da ré e o falecimento da mãe do autor, mas sim, entre os fatos articulados e fundamentados na inicial, e a argumentação trazida em contestação.

Mas, para que não se diga que inexiste defesa da ré, por falta de fundamentação em sua contestação, passo a analisar detidamente os fatos ocorridos, e que acabaram por vitimar a mãe do autor, levando a seu incontinente óbito.

De início, ressalto que é incontroverso que a mãe do autor era passageira do trem da ré naquele dia, sendo incontroverso também que, efetivamente, a corporação estagnou em meio ao túnel, por determinado tempo, em razão de falhas mecânicas ou elétricas, tendo sido necessária a retirada dos passageiros em caráter de urgência, dada a excepcionalidade dos fatos. Assim, basta analisar-se outros aspectos fáticos do ocorrido.

O fato de não poder a ré prever quando ocorrerá um curto circuito, como alegou em contestação, não elide o seu dever, enquanto transportador, nos termos da lei que rege os contratos de transportes, se é que, de fato, não poderia a empresa ré, de fato, evitar tais curtos-circuitos.

Ademais, o contrato de transporte previsto pela Lei pertinente, no. 6.149/74, estabelece que a segurança do transporte metroviário incumbe à pessoa jurídica que o execute, respeitando-se o regulamento de serviços e as instruções de operações de tráfego, incluindo-se nas normas de segurança, as medidas técnicas, administrativas e policiais, que visem a regularidade de tráfego, a incolumidade e a comodidade dos usuários. E, no caso em tela, evidenciou-se que ouve falha prestação do serviço de transporte, na forma preceituada pelos artigos 1º.e 2º.da referida lei, já que o trem parou no local por muito tempo, tendo havido demora no acionamento do serviço de segurança para resgate dos passageiros, como também, demora no serviço de liberação e movimentação do trem onde se deram os fatos. Por isto, os fatos ocorridos acabaram por vitimar a mãe do autor, impondo-se a responsabilização pela ré, nos moldes da responsabilidade civil objetiva, decorrente do contrato de transporte, pelo qual a requerida aufere lucros, em decorrência dos serviços por ela prestados.

Outro aspecto relevante que deve ser destacado, envolve a área consumerista, vez que, como se depreende do teor do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, cabe ao prestador e fornecedor de serviços, independente da existência de culpa, responder pelos danos causados aos consumidores, por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como, por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, sendo definido, ainda em seu parágrafo 1º., que o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes. Desta forma, em face da definição preceituada pela legislação consumerista, é certo que responderá o prestador de serviços por todos os defeitos e problemas que deles decorrerem, responsabilidade esta que, induvidosamente, enseja a indenização que, no caso, está sendo pleiteada.

Com respeito aos fatos especificamente ocorridos, restou induvidosamente comprovado que quando o trem foi parado em razão de anúncio de curto circuito, decorreram muitos minutos até que as portas fossem abertas, o que não se justifica, pois ainda que não pudesse a corporação retomar seu movimento, era impositivo que procedesse a abertura das portas, para permitir a circulação de ar dos passageiros, o que não ocorreu. E, acerca estritamente dos fatos, o informante Paulo Sérgio ouvido em Juízo, relatou que o condutor do trem afirmou que estava ocorrendo problemas com o mesmo, mas, ainda assim, insistiu em continuar o trajeto, tendo parado novamente por cinco ou seis minutos, sendo certo que, ainda assim, não era para os passageiros acionarem o alarme, tendo deixado as portas do coletivo fechadas, iniciando-se a fumaça, tendo as pessoas entrado em pânico.


Ainda analisando as circunstâncias fáticas da ocorrência que vitimara a mãe do autor, observo que as informações prestadas pela mesma testemunha já referida, que as pessoas pediam para abrir a porta, o que não chegou a ser feito pelo maquinista ou por qualquer outro funcionário do Metrô, levando um dos passageiros a jogar uma cadeira de rodas contra a janela para quebrá-la, tendo a porta do vagão aberto somente aptos dez minutos em que começara a fumaça, sendo certo que o alarme não chegou a ser acionado. E, neste aspecto, vê-se que houve desídia da empresa ré, na demora da abertura das portas do trem, para liberação dos passageiros, não só pelo longo tempo em que ali permaneceram, na iminência de eventual início de fogo, uma vez que já havia fumaça no local, gerando o indiscutível pânico entre todos que ali se encontravam, como também, pelo perigo de asfixia e falta de ar, a ser gerado pela própria fumaça, sendo que os aproximados dez minutos declarados pelo informante, demonstram que houve falha no serviço de segurança colocado em prática.

Ainda, ressalto o fato de que a vítima foi tirada de dentro do trem, já em condições de saúde debilitadas, o que demonstra, mais uma vez, que houve demora nas providências que deveriam ter sido tomadas pelo metro réu, o que não se deu, vez que fora ela retirada ela do trem, por um dos passageiros, que quebrara o vidro do mesmo, demonstrando-se, assim, falha na prestação dos serviços, sempre destacando que a responsabilidade é objetiva, vez que se trata de contrato de transportes, como já supra anotado.

Dando continuidade à análise das circunstâncias fáticas, é certo que até alguns detalhes trazidos à colação, através do depoimento prestado pelo informante da ré, dão a este Juízo a idéia de que houve demora no socorro às pessoas que se encontravam presas no trem em questão, sendo certo que nenhum dos dois informantes da ré ouvidos em Juízo, confirmaram que as portas dos vagões teriam sido abertas mecanicamente, o que confirma a versão do autor e da testemunha deste, de que a porta teve que ter seu vidro quebrado, o que restou comprovado pelo laudo de folhas 39 dos autos, elaborado pelo Instituto de Criminalística.

Outro aspecto que evidencia o perigo da situação, é que havia uma distancia de aproximados cem metros entre o local, no interior do túnel, em que o trem parou, e a estação, e que nesses cem metros não havia ventilação, conforme informado às folhas 135 dos autos.

Mais uma nuance relevante para o deslinde da demanda, e que também chamou minha atenção, quando da instrução, ao colher o depoimento do terceiro informante da ré, foi o fato de que houve solicitação por rádio para que este informante descesse na plataforma onde ocorriam os fatos, já com o aviso de que havia fumaça no local, o que mais uma vez demonstra que a empresa ré tomou conhecimento dos fatos, vez que os informantes foram chamados a comparecer ao local, o que mais uma vez não explica o motivo pelo qual não foram abertas as portas, liberando os passageiros para movimentar-se e saírem do local onde havia a fumaça concentrada. Assim, a falha na prestação dos serviços de transporte, bem como, a demora no serviço de resgate dos passageiros envolvidos, restaram comprovadas, justificando, assim, a postulação indenizatória na seara moral.

Ainda mais um dado pericial de suma importância deverá ser ressaltado, qual seja, a conclusão do laudo que afirmou que a causa dos fatos foi um curto circuito nos cabos de alimentação do terceiro trilho, o qual fora causado por DETERIORACAO DA ISOLACAO, o que demonstra, novamente, falha no serviço de transporte e de manutenção nas máquinas que prestam o serviço de transporte, com o qual a ré aufere seus lucros, o que por mais este fundamento, leva ao dever de indenizar.

Desta forma, responderá o prestador do serviço e o transportador, pelas falhas que vitimaram os beneficiários e usuários dos serviços por eles prestados.

Tangente ao autor, enquanto filho da vítima fatal dos fatos ocorridos, falecida nas dependências do metrô, quando utilizava-se dos serviços destes, impositiva a indenização, pela perda, pela dor, pelo sofrimento, pela morte abrupta e prematura de sua mãe, nas circunstâncias ocorridas, sendo ela a pessoa de vínculo familiar extremamente próximo do autor, de quem ficara ele privado de conviver em virtude dos fatos, justificando-se, assim, a indenização na seara moral, em vista do sistema capitalista vigente, em razão do qual, até as obrigações de fazer convertem-se em valores pecuniários, como recompensa e recomposição do capital do ofendido, em reparo ao ilícito praticado.

Consigno, derradeiramente, que diversamente do que sustentara a ré, constou do laudo necroscópico elaborado na vítima, mãe do autor, que houve achados de necropsia sugerindo asfixia mecânica por monóxido de carbono, o que traduz, com ainda mais evidência, o nexo de causalidade entre os fatos ocorridos no metrô e a morte da mãe do autor.

Assim, para a fixação dos danos morais, além do dano suportado pela vítima, também deve-se levar em conta a situação econômica das partes, a fim de não dar causa ao enriquecimento ilícito, mas gerar um efeito preventivo, com o condão de evitar que novas situações desse tipo ocorram, e também considerando o porte financeiro daquele que indenizará, não se podendo fixar o valor de indenização em quantia irrisória, sob pena de não vir a surtir o efeito repressivo que se pretende, qual seja, fazer com que a ré perceba, eficazmente, as conseqüências de seu ato ilícito.

Em face de todo exposto, fixo a título de danos morais, a indenização no valor de R$ 720.000,00.

ISTO POSTO, JULGO PROCEDENTE a presente ação, para condenar o réu, ao pagamento da indenização por danos morais no valor de R$ 720.000,00 (setecentos e vinte mil reais), atualizados monetariamente a contar da data do fato, bem como, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar da data da citação. Derradeiramente, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como, aos honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, corrigida a verba sucumbencial nos termos da Lei n. 6.899/81.

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