Trânsito caótico

Prefeitura de SP precisa regulamentar atividade de motoboys

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26 de outubro de 2004, 19h03

São Paulo “inventou” o motoboy, a ponto de estar exportando sua invenção. Soube-se outro dia, pela imprensa, que na Inglaterra há mais de 100 deles, e todos made in Sampa. Bem, nenhum inglês quererá viver tão loucamente como vivem os malabarísticos motoqueiros paulistas, que para entregar um envelope de irrisório valor, por exemplo, expõem a risco, a vida. O que se chama aqui de nenhum valor do envelope, logicamente, não é assim para quem faz a encomenda, mas se comparado, o valor do envelope, à vida, será nenhum valor mesmo.

O serviço dos motoboys, é útil, naturalmente, mas esta utilidade não legitima nem atenua a loucura que se vê nas ruas paulistas, na forma de como são conduzidas as motocicletas, e essa visão comum, cotidiana e repetida terá decisiva influência na análise jurídica sobre a presunção de culpa desses motoqueiros, em caso de algum acidente. Naturalmente há os educados, mas percebe-se, claramente, ser exceção à regra suicida de pilotagem deles. E esta tal forma suicida, não é porque simplesmente eles costuram ou andam em zigue zague, o que apavora muita gente que não anda de moto. Não!

Quem pilota motos, sabe que não se cai com facilidade, por uma simples inclinação ou brincadeira sobre as 2 rodas. Mas pretenderem manter uma velocidade padrão de 70 quilômetros por hora em qualquer situação, inclusive descendo a Avenida Rebouças parada, inventando uma via exclusiva de motos, é, isso sim, uma das formas de pilotar suicidamente, porque a qualquer manobra ou descuido natural (!) de um motorista de carro, que não ocasionaria um acidente entre automóveis, poderá levar à morte um motociclista. Assim, a lógica deles é a de que os motorista não têm mais, a faixa inteira de rolamento para dirigir, mas apenas uma parte desta faixa, andando tensionadamente pelos cantos, para dar passagem aos motoboys.

E como não conseguem impor naturalmente a tal via exclusiva, passam a impressão de que declararam guerra, é isso mesmo, guerra uniforme aos condutores de veículos, quando se acham no direito de reclamar pela desordem natural do trânsito caótico, engarrafado etc. Assim, quando são impedidos ou meramente atrapalhados por qualquer movimento normal de um ou outro carro, que “ousa” sair da linha rigorosamente reta para deixar os motoboys passarem, xingam, dão palmadas nos veículos, chutam, acenam com a cabeça fazendo sinal negativo, buzinam insistentemente em violação ao Código de Trânsito, não se sabendo aí, se para abrir passagem ou por pura histeria.

Com esta ação uniforme dos motoboys, enlouquecida e raivosa — quem duvidar que é assim, basta perguntar, a um motorista de táxi –, passam eles uma imagem perfeita e acabada de o que no direito probatório, o ramo do direito processual que visa a estudar a prova a ser utilizada no processo judicial, se chama de fato notório. No caso, de como dirigem, temerariamente, podendo praticar e gerar acidentes, sendo eles mesmos as piores vítimas.

O instituto do fato notório no direito processual, que pode ser entendido como um fato conhecido de forma geral, pelas pessoas que se inserem no mesmo contexto, no caso motoristas de carros, ônibus, táxis em geral, e no lugar em que tramita o eventual processo judicial, faz com que o referido fato não precise ser comprovado, estando o tratamento legal no Código de Processo Civil, artigo 334. Isso não quer dizer, é claro, que todo acidente envolvendo motoboy, não exigiria mais investigação de quem tem a culpa, podendo-se condenar diretamente os condutores de moto. Não é isso, mas o fato notório aí pode estar sendo feito através do tempo, juridicamente, ao longo dos anos, pela observação normal dos motoristas em geral e pelas estatísticas de acidentes envolvendo, em altíssima percentagem de casos, a imprudência dos motoqueiros.

Se se puder, então, falar em fato notório da condução imprudente de motos pelos motoboys, chega-se logicamente à alguma presunção de culpa nos acidentes envolvendo esses trabalhadores que, sabe-se, poderiam ser classificados como miseráveis, pelo regime laboral que se lhes é imposto, ausência de garantia trabalhista e toda uma série de deficiências nas relações com os patrões. Mas, novamente, isso não afasta o modo temerário de como eles conduzem as motos entre os carros, assumindo riscos e efetivamente causando danos, pois que costumam destruir espelhos retrovisores de automóveis, quando não por barbeiragem, por intenção vingativa de quem se pôs em sua frente, impedindo o fluxo de o que eles entendem ser razoável para eles.

A Prefeitura e o Legislativo de São Paulo estão em muito atrasados e em dívida com a população no que toca à regulamentação dos motoboys, uma classe profissional que espantosamente ainda não foi regulada pelo Poder Público, sabendo-se que eles, os motoboys, lutam e lutarão pela não-regulamentação, pois que a identificação será mais fácil, fugir será mais difícil, e uma série de garantias que efetivamente ordenará o trânsito

O Direito não é cego a essas situações urbanas, e o tema, como é posto aqui, da presunção de culpa de acidentes envolvendo motoboys, ainda ostenta fôlego para discussões. O modo de condução das motos empregado por eles, pode-se dizer, está a sedimentar, dia após dia, a noção de fato notório de que eles dirigem temerariamente, devendo-se daí, presumir-se, nalguma medida, uma sempre culpa por parte deles, mesmo quando desgraçadamente se ferem de forma grave ou até morrem, imprensados nalgum caminhão ou entre dois ônibus. A necessidade de trabalho dos motoboys e a desgraça de um eventual acidente não poderão ser invocadas, pura e isoladamente, para se atribuir culpa aos motoristas de automóveis, que nem de longe desafiam tanto e tanto a sorte como os motoboys. A direção temerária por parte deles deve ser a responsável por tantos acidentes.

Ódios devem ser controlados, sob pena de não se fazer uma análise isenta. Tanto motoristas de carros quanto motoboys ostentam discursos, às vezes, beirando à raiva. Isso não serve a ninguém. Mas que, numa análise fria, os motoboys estão a contribuir séria e decisivamente para que sua forma de dirigir seja tida como um fato notório de perigo e geração de acidentes e danos, ninguém começa a duvidar. E este instituto no Direito é severíssimo, vindo a ser uma situação terrível para os ditos motoboys, se assim se aperfeiçoar juridicamente.

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    é advogado, professor de Processo Civil e Direito Econômico da Pós-Graduação da FGV management, da pós-graduação do Inpg, da Uninove, da ESA/OAB-SP. É também diretor geral do portal www.netjuridica.com.br.

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