Paz entre muros

Vizinho sinaliza que não quer mais brigar com Marta Suplicy

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25 de outubro de 2004, 21h41

A política da boa vizinhança voltou a reinar na rua Dinamarca, no Jardim Europa, bairro nobre de São Paulo. Endereço da residência da candidata a prefeita Marta Suplicy, a rua não exibe mais a faixa “Contra a Prepotência e a Corrupção do PT, pela República e pela Democracia voto em José Serra”, fixada no sábado (23/10). E, pelo que sinalizou o autor da frase, o advogado Geraldo de Figueiredo Forbes, nem voltará a exibir.

Vizinho de Marta, Forbes afixou a faixa em frente à sua casa, mas a viu ser removida horas depois por oficiais da Justiça em resultado da decisão do juiz da 1º Zona Eleitoral, José Joaquim dos Santos, de conceder liminar em favor da candidata a prefeita. O advogado impetrou defesa no domingo (24/10), mas segundo ele, chegou “à conclusão” de que seria melhor parar com a ação “pelo bem da ordem pública”.

De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, o advogado fez uma manifestação informal propondo acordo. Mas como o pedido não foi feito por escrito, o juiz deve apreciar os argumentos de Forbes nos próximos dias. Procurado pela revista Consultor Jurídico, o advogado do PT paulista, Hélio Freitas Silveira, preferiu não comentar o assunto.

Na defesa, Forbes afirma que a matéria é mais “para psiquiatra especializado em delírio persecutório do que para cultores da Lei e do Direito”. Mas rebateu, ponto a ponto, os argumentos apresentados pelo representante da candidata a prefeita no pedido de concessão da liminar para que seja “salvaguardado o meu Direito”.

Apesar de ter diferenças de opinião com Marta Suplicy, ele alegou que, nem por isso, sente-se ofendido pela visão dela “nem muito menos tento cercear o seu direito de exprimi-las, dentro da Lei”. Ele afirma ter ficado surpreso por ela ter sentido que sua honra foi ofendida, já que na faixa não existe “nenhuma menção pessoal àquela respeitável senhora”.

Forbes também questiona, na defesa, qual a distância mínima da residência da candidata que permita o seu direito de expressão. “E se eu me declarar torcedor do Santos Futebol Clube e a prefeita preferir o Boca Juniors, serei eu proibido de colocar uma faixa declarando minha preferência pelo time de meu coração, só porque sou seu vizinho e isto poderia ser tido como provocação?”.

Por fim, o advogado afirma que a faixa não pode ser caracterizada como propaganda, pois lá não está expresso o pedido para que “vote ou votem” no candidato tucano, mas sim que “voto em José Serra”. Forbes alega que não é afiliado de qualquer partido e que, assim, o juiz “exorbitou de suas funções a cassar” o seu direito “de cidadão de expressar livremente o meu pensamento”.

Leia a íntegra da defesa

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 1ª. Zona Eleitoral do Estado de São Paulo

Eu, GERALDO DE FIGUEIREDO FORBES, cidadão brasileiro, advogado inscrito na OAB sob n° 19.853, residente à rua Dinamarca 91, CEP 01449-040, Capital, venho respeitosa mas indignadamente à presença de Vossa Excelência, solicitar a urgente reconsideração de sua LIMINAR e MANDADO DE INTIMAÇÃO, referente à Representação nº 378/2004 (com pedido de liminar), datados de 23 de outubro de 2004, pelas límpidas razões de DIREITO que exponho a seguir:

1- Vossa Excelência houve por bem acolher, com raríssima rapidez, que honra o nosso injustiçado Judiciário, uma representação da cidadã MARTA TERESA SUPLICY, de qualificação desconhecida, assinada por seus representantes legais, que, a julgar pelo seu claudicante vernáculo e infantil arrazoado, foram diplomados por alguma dessas escolas de fim de semana.

2- Inobstante a dificuldade de se entender o que pretendem os dignos causídicos, que em sua petição, nomeiam tanto a mim, quanto à cidadã Marta como “Representado”, Vossa Excelência conseguiu vislumbrar em uma legítima manifestação de opinião, que me é assegurada pelo art 5º, IV, da Constituição Federal, ofensa à lei eleitoral e mandou que aspas QUALQUER DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA ETC PROCEDA NAQUELE LOCAL (minha residência e abrigo inviolável do indivíduo cf C.F. art 5º, XI) À CONSTATAÇÃO, BUSCA E APREENSÃO DO MATERIAL DESCRITO NA INICIAL. RESSALTO QUE O OFICIAL DE JUSTIÇA ESTÁ AUTORIZADO A SOLICITAR APOIO POLICIAL ETC aspas

3 – Afinal de que se trata? Que enorme crime mereceu tão taxativo quanto sobrenatural despacho, a despeito de tão precárias informação e petição? Apenas o seguinte: ontem contratei a feitura de uma “faixa” que mandei afixar no muro de minha casa com os seguintes dizeres, em três linhas:

Aspas

CONTRA A PREPOTÊNCIA E A CORRUPÇÃO DO PT, PELA REPÚBLICA E PELA DEMOCRACIA VOTO EM JOSÉ SERRA.

Aspas

4 – A cidadã Marta Suplicy, candidata à prefeitura de São Paulo, insurgiu-se contra esta manifestação estritamente pessoal, repita-se, assegurada pela Constituição Federal, e recorreu a este Juízo argumentando, em síntese, que:

a- minha opinião lhe é ofensiva;

b- é ainda mais ofensiva porque moramos em casas vizinhas e a imprensa poderia notar este fato

c- que o termo PREPOTÊNCIA (ressalve-se, do PT) lhe é pessoalmente ofensivo

d- que o termo CORRUPÇÃO (ressalve-se, do PT) lhe é pessoalmente ofensivo

e- que a expressão pública de minha opinião estritamente pessoal, afixada no muro de minha residência, constitui propaganda eleitoral (ressalve-se que não escrevi “vote” em José Serra, mas sim, “voto” em José Serra.

5-Gostaria agora de rebater, ponto a ponto, isto que é mais matéria para psiquiatra especializado em delírio persecutório do que para cultores da Lei e do Direito, mas a tanto sou obrigado, para salvaguardar o meu DIREITO.

6-Quanto à letra 4 a acima – Certamente tenho opiniões muito diversas da cidadã Marta Suplicy, mas nem por isto sinto-me ofendido pelas dela, nem muito menos tento cercear o seu direito de exprimi-las, dentro da Lei.

7-Quanto à letra 4 b acima – Gostaria que me fosse informado qual é a distância mínima a partir do perímetro da residência da cidadã Marta Suplicy, em que me seria restaurado o direito à livre opinião. Um quarteirão? Dois? Mil metros? Será que a parte contrária não enxerga, nesta mesma representação, a sua CLARA PREPOTÊNCIA? E se eu me declarar torcedor do Santos Futebol Clube e a prefeita preferir o Boca Juniors, serei eu proibido de colocar uma faixa declarando minha preferência pelo time de meu coração, só porque sou seu vizinho e isto poderia ser tido como provocação?

8-Quanto à letra 4 c acima: Ensina o excelente dicionário Houaiss : ASPAS PREPOTÊNCIA: (3) ABUSO DO PODER, OU DE AUTORIDADE, OPRESSÃO, TIRANIA, DESPOTISMO (4) TENDÊNCIA PARA O MANDONISMO ESPECIALMENTE SE SE POSSUI ALGUMA VANTAGEM COMO RIQUEZA. PODER, FORÇA FÍSICA – sinonímia: AUTORITARISMO ASPAS. Em minha opinião pessoal, sim, Excelência, o Partido dos Trabalhadores é um agrupamento partidário prepotente e por isto mesmo e por amor à República e à Democracia, foi que mandei, simples cidadão, sem afiliação partidária, afixar a faixa ora objeto desta contenda. E pergunto com todo o respeito: Posso ou não pensar assim?

9- Quanto à letra 4 d acima: Como muitos outros cidadãos, li que figuras chaves da administração, filiadas ao PT, estão envolvidas em escândalos de corrupção. Cito apenas os mais notórios: o caso da morte do prefeito Celso Daniel; o caso Waldomiro Diniz e o caso da concessão, a perder de vista, de coleta do lixo em São Paulo. Não são apenas intrigas a que me refiro; tudo isto tem sido objeto de investigações pelo Ministério Público e também de processos que correm no JUDICIÁRIO. Agora, o que mais me surpreendeu foi a cidadã Marta Suplicy, sentir-se atingida em sua honra, ou acervo moral, por esta manifestação, já que não fiz qualquer menção pessoal àquela respeitável senhora.

Por que deveria a cidadã Marta Suplicy incorporar-se, de moto próprio, a este cordão de corruptos? É realmente algo surpreendente e entristecedor, pois, guardadas as divergências, até hoje sempre imaginei que a conduta da cidadã Marta Suplicy, no trato dos dinheiros públicos, fosse absolutamente inatacável e que portanto jamais poderia ela se sentir atacada, pessoalmente, por essa frase. Não quero nem supor, pois não era este o meu intuito, que a cidadã Marta Suplicy tenha tomado a si dores de pessoas próximas, já que isto não faz parte do que escrevi e que foi por Vossa Excelência, célere e injustamente, censurado.

10- Finalmente e muito importante: Mandei escrever em minha faixa: VOTO em José Serra. Não escrevi VOTE ou VOTEM, não pedi que “votem”; não quis fazer propaganda; não sou membro de qualquer partido; não sou nem mesmo amigo do candidato em questão. Portanto, não fiz publicidade eleitoral e portanto, data venia, Vossa Excelência exorbitou de suas funções a cassar, contra legem et contra Magnam Legem, o meu direito de cidadão de expressar livremente o meu pensamento.

Por todo o exposto, peço a Vossa Excelência que reconsidere, COM IGUAL PRESTEZA, a sua LIMINAR e devolva-me, junto com a faixa apreendida, a minha CIDADANIA e a minha LIBERDADE DE EXPRESSÃO, que tanto prezo e pela qual estou disposto a enfrentar os prepotentes de todos os poderes e os comprometidos de todos os setores da vida pública.

Termos em que

Peço deferimento

São Paulo, 24 de outubro de 2004

GERALDO DE F. FORBES

OAB/SP 19.853

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