Combate à criminalidade

Poder investigatório do MP deve ser formalizado, diz Ajufe.

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24 de outubro de 2004, 17h00

Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), nenhuma organização deve ter monopólio da investigação criminal. Na opinião da entidade, o poder investigatório do Ministério Público deveria, então, ser afirmado e reconhecido expressamente, “haja vista que [o MP] muito contribuiu” para o “desmantelamento de organizações criminosas e para o combate à corrupção”.

Estas e outras sugestões fazem parte do relatório entregue pelo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Antonio Maurique, neste domingo (24/10), ao relator especial da ONU, Leandro Despouy. Nele, a entidade traz propostas para diminuir “o abismo que ainda separa milhões de brasileiros” do Estado Democrático de Direito.

No documento, a Ajufe sugere que se promova a especialização técnica dos Poderes, Legislativo, Policial e Judiciário no setor. Isso porque, para a entidade, não é “possível julgar com eficácia os agentes da criminalidade organizada sem conhecimento da dinâmica dessa modalidade delituosa, nem dos recursos tecnológicos de que dispõem”.

A Ajufe defende também os instrumentos já criados para tal fim, como o de produção e proteção de provas, como a delação premiada e a infiltração de agentes em organizações criminosas.

Outra medida nesse mesmo sentido é, segundo a Ajufe, a federalização da competência para julgamento do crime contra os direitos humanos. Com a adoção da medida, a entidade acredita que o aparelho estatal no Brasil possa combater “com mais eficácia” as “graves violações contra os direitos humanos – que maculam a imagem de nosso país, indignam o nosso povo e ameaçam a subsistência da democracia brasileira”.

Leia a íntegra do relatório

SENHOR RELATOR ESPECIAL DA UNIÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, LEANDRO DESPOUY.

Introdução

Este Relatório aborda sinteticamente os principais temas que nos últimos anos têm sido objeto de preocupação da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e que se referem ao funcionamento do Sistema Judicial Brasileiro.

Os assuntos ora tratados chegam a ultrapassar os limites da missão constitucional do Poder Judiciário na República Federativa do Brasil, alcançando o conjunto das instituições essenciais à Justiça. Isto se faz necessário na medida em que a Ajufe concebe o Poder Judiciário em permanente transformação para fazer face à crescente demanda que lhe é submetida, contribuindo para reduzir o imenso abismo que separa milhões de brasileiros que ainda vivem à margem do Estado Democrático de Direito, sem condições de acesso ao Judiciário, ou de fazer valer seus direitos.

2. Ética e transparência no Judiciário

O Judiciário, como Poder de Estado, deve sempre nortear sua atuação de acordo com o princípio da publicidade, inclusive para que a sociedade conheça os mecanismos de controle hoje existentes e o seu funcionamento, devendo ser aberto canal direto e desburocratizado do cidadão com o Judiciário. Nesse sentido, entendemos como medida que devem ser adotadas e/ou valorizadas:

2.1. Publicidade e fundamentação das decisões administrativas de qualquer natureza, inclusive disciplinares, dos órgãos do Poder Judiciário;

2.2. Criação de uma Ouvidoria da Justiça para acolher denúncias ou reclamações com relação a Juízes ou servidores do Judiciário de qualquer instância.

3. Combate à impunidade

O combate eficaz à criminalidade organizada e àquela instalada no âmbito de órgãos estatais envolve adoção de medidas que modernizam a estrutura que cerca a investigação policial, o processo penal e a execução das penas.

O crime organizado no Brasil reveste-se de uma estrutura empresarial infiltrada no poder político e econômico, buscando o controle social em regiões de seu interesse. Como em outros países, o crime organizado avança com o apoio de uma rede institucional que lhe proporcione proteção e impunidade. É nesse ambiente que se verifica a infiltração, a corrupção e a cooptação de agentes do poder público.

Para combater a criminalidade no país é necessário, primeiramente, definir como alvo estratégico o topo da pirâmide da criminalidade, onde se situa o crime organizado. O nível intermediário deve permanecer sob o enfoque policial, mas é urgente que se enfrente o capitalista do crime, aquele que o alimenta, pois do contrário, nenhum êxito será alcançado. Por mais eficiente que possa ser o combate policial nos níveis intermediário e na base da pirâmide, se não houver essa mudança de estratégia proposta, o crime e a violência continuarão crescendo no Brasil.

Nessa mudança de estratégia, dois fatores são essenciais: o conhecimento e a cooperação.

Não é possível legislar sem conhecer o fenômeno da criminalidade organizado. Não é possível investigá-lo sem conhecimento de causa. Finalmente, também não é possível julgar com eficácia os agentes da criminalidade organizada sem conhecimento da dinâmica dessa modalidade delituosa, nem dos recursos tecnológicos de que dispõem. Portanto, é fundamental que se busque a especialização dos atores dos setores legislativo, policial e judiciário, aqui incluído os organismos que exercem funções essenciais à Justiça.


A cooperação internacional se faz necessário porque o crime organizado não conhece fronteiras, é transnacional. Urge, outrossim, estimular a cooperação interna, na própria intimidade do país, superando a destrutiva competição burocrática e corporativa.

Portanto, a Ajufe aplaude os novos instrumentos de produção e proteção de provas, como a delação premiada, a infiltração de agentes em organizações criminosas, a ação controlada e o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas – PROVITA, esperando que a prática judiciária contribua para o seu aperfeiçoamento.

Nessa mesma linha de propósitos, a AJUFE defende:

3.1. Federalização da competência para julgamento dos crimes contra os direitos humanos, a fim de aprimorar os instrumentos disponíveis para que o aparelho estatal no Brasil combata com mais eficácia graves violações contra os direitos humanos – que maculam a imagem de nosso país, indignam o nosso povo e ameaçam a subsistência da democracia brasileira.

Com efeito, as lesões aos Direitos Humanos sempre ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados que, em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais têm marcado sua atuação significativamente distanciada dessa temática. Esse distanciamento apresenta-se ainda mais concreto e evidente nas áreas periféricas das cidades e do campo, em que fatores econômicos e sociais preponderam indevidamente na ação do aparelhamento estatal. Essa fragilidade institucional criou clima propício para cada vez mais freqüentes violações dos Direitos Humanos em nosso País, que ficam imunes à atuação fiscalizadora e repressora do Estado.

Sem dúvida, a Justiça Federal e o Ministério Público da União, no âmbito de suas atribuições, vêm se destacando no cenário nacional como exemplos de isenção e de dedicação no cumprimento dos seus deveres institucionais. Por outro lado, cumpre destacar que a própria natureza dessas duas Instituições, com atuação de abrangência nacional, as tornam mais imunes aos fatores locais de ordem política, social e econômica que, até agora, têm afetado um eficaz resguardo dos Direitos Humanos.

3.2. Construção imediata de estabelecimentos prisionais federais, incluindo casas de custódia para presos cautelares federais, alocando-se recursos orçamentários em patamares condizentes com a gravidade da crise do sistema penitenciário brasileiro. Nesse sentido, no presente ano a Ajufe postulou ao Tribunal de Contas da União a realização de auditoria junto ao Fundo Penitenciário Federal, para que fosse diagnóstico as razões do descumprimento da determinação legal, que existe desde 1990, de construção de penitenciárias federais, haja vista que os recursos angariados permitem, com folga, a construção de tais penitenciárias, como pode ser visto na cópia da representação em anexo.

3.3. Modernização dos instrumentos de cooperação judiciária internacional, visando a maior efetividade e agilidade no combate ao crime organizado internacional e à lavagem de dinheiro.

3.4. Priorização das iniciativas de combate ao trabalho escravo, rural e urbano, dotando-se as agências fiscalizatórias, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal dos meios legais, administrativos, materiais, humanos, técnicos e financeiros, para reprimir este tipo de crime.

A Justiça Federal tem efetuado um trabalho pioneiro no sentido de ampliar o combate à criminalidade organizada, através da criação e instalação de Varas Especializadas no Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro, onde os magistrados tem proferido decisões inovadoras e que muito tem contribuído para o desmantelamento de organizações criminosas, algumas inclusive instaladas dentro do aparelho estatal. Nesse sentido é fundamental todo o trabalho de aproximação e aglutinação desenvolvido com outros órgãos e entidades, como o Ministério da Justiça e a Polícia Federal.

3.5. Afirmação do Poder Investigatório do Ministério Público: É fundamental que ao Ministério Público seja reconhecido expressamente que possui poderes investigatórios, haja vista que muito contribuiu, a partir de investigações iniciadas por membros do Ministério Público, para o desmantelamento de organizações criminosas e para o combate à corrupção. Entendemos que não deve haver monopólio de nenhuma organização na investigação criminal, sendo que a Polícia e as várias Promotorias devem atuar de forma complementar, integradas, pois o interesse da população identifica que o importante é que os crimes cometidos não fiquem impunes, o que significa que o interesse da sociedade é que as investigações sejam feitas das formas mais amplas possíveis, dentro das balisas do Estado Democrático de Direito.

4. Fortalecimento aos Juizados Especiais Federais


A criação dos Juizados Especiais Federais representou uma nova forma de acesso célere e simplificado ao Judiciário Federal. Todavia, apesar de todo esforço dos juízes e servidores envolvidos, que desde a sua criação, há pouco mais de dois anos já julgaram mais de um milhão de processos (estatísticas no quadro anexo), é fundamental que se acelere o processo de sua implantação em todo o país. É necessário, portanto:

4.1. Implantar rapidamente as novas varas federais recentemente criadas por lei, com preenchimento dos respectivos cargos necessários ao seu funcionamento e com dotação correspondente de recursos para imediata abertura de concurso.

4.2 Liberação imediata de recursos para funcionamento adequado da estrutura administrativa dos JEF’s em todo o país, bem como das Turmas Recursais, inclusive com criação dos cargos necessários ao funcionamento destas últimas.

4.3. Instalação imediata dos Juizados Virtuais, assim entendido aqueles em que os processos tramitam através de meios eletrônicos (Internet) em todo o país, com reforço de suas estruturas materiais, de informática, administrativas e de servidores.

4.4. Propiciar condições materiais adequadas para o funcionamento dos Juizados Especiais Itinerantes, para que os serviços da Justiça Federal sejam levados aos locais mais afastados, enfrentando o processo de exclusão, a falta de acesso à Justiça e negação de cidadania.

5. Ampliação imediata da Defensoria Pública da União

A Defensoria Pública da União é órgão do Poder Executivo responsável pela orientação e defesa jurídica dos cidadãos sem recursos para custear um advogado privado perante os órgãos judiciais da União. Criada pela Constituição Federal de 1988 e organizada por Lei Complementar, somente foi instalada em 2001. No entanto, os cargos criados e ocupados são insuficientes, ficando muito aquém do necessário para atendimento da demanda. Urge, portanto, que seja acelerado o processo de implantação da Defensoria Pública da União, para que o cidadão brasileiro que não tenha condições econômicas para contratar advogado reclame seus direitos na Justiça Federal.

Nos últimos anos a AJUFE tem priorizado, em suas campanhas, a ampliação da defensoria pública. Desta forma, na campanha Justiça para Todos, deflagrada no ano de 2001, como na campanha Sede de Justiça, deflagrada no presente ano, um dos eixos foi a ampliação da Defensoria Pública da União.

Nessa campanha temos encontrado aliados, entre os quais o atual Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Roberto Busato, em programa da AJUFE vinculado em agosto de 2004, se manifestou favoravelmente à ampliação das defensorias públicas.

A garantia de que existam defensores em número adequado para que a população mais carente tenha a quem recorrer para o esclarecimento de seus direitos e para que a população possa ter defesa judicial efetiva, é fundamental para o pleno Estado Democrático de Direito. E nesse sentido que a AJUFE apóia que o próximo Defensor Público Geral seja escolhido a partir de listas tríplices elaborada a partir de votações efetuadas pelo conjunto de defensores públicos, pois isso significará que o escolhido terá compromisso efetivo com a ampliação e defesa dessa instituição e melhores condições para exercer a liderança da instituição, posto que legitimado interna e socialmente.

É importante anotar que a Justiça Federal tem buscado experiências inovadoras para a solução de conflitos. É nesse sentido que magistrados federais em todos os locais do Brasil tem utilizado técnicas de mediação e conciliação para garantir a composição em milhares de litígios envolvendo matérias referentes ao direito constitucional de moradia, com excelentes resultados, sempre com benefícios para a parcela mais desfavorecida da população.

A atuação da AJUFE e da Justiça Federal tem se pautado no sentido de afirmação dos princípios generosos que a Constituição Federal insculpiu no que diz respeito às garantias sociais e individuais do cidadão. Acreditamos que o papel do juiz não é um mero repetidor de fórmulas dadas pela legislação, mas que atuando na função de garantidores de direitos reconhecidos pela legislação, mas tem importante papel a desempenhar no desenvolvimento da luta pelo pleno resgate da cidadania, utilizando-se, quando necessários, da força criadora do direito, como, por exemplo, a utilização de experiências inovadoras para a solução de conflitos.

Um pequeno exemplo disso se dá agora, quando magistrados federais em todos os locais do Brasil tem utilizado técnicas de mediação e conciliação para garantir a composição em milhares de litígios envolvendo matérias referentes ao direito constitucional de moradia, com excelentes resultados, sempre com benefícios para a parcela mais desfavorecida da população.

Por fim, necessário gizar que o Brasil passa por um período democrático, com os três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) em pleno funcionamento, cada um atuando na sua esfera precípua como ditado pela Constituição Federal, mas que muitos esforços haverão de ser feitos no sentido de buscar a cidadania plena para todos os cidadãos brasileiros, dos quais 40 milhões na linha de pobreza e mais de 12 milhões na linha de indigência.

Para isso é necessário o comprometimento de todos os operadores judiciais, haja vista que a Justiça não pode ter os olhos vendados para a miséria e a injustiça, pois embora tenhamos muitos problemas, como a morosidade e a insuficiência de meios materiais e humanos, é importante dizer que a magistratura federal é bem consciente de nossas dificuldades, mas acredita na possibilidade de construirmos, no dia-a-dia, uma Justiça melhor para um Brasil melhor.

Brasília, 24 de outubro de 2004.

JORGE ANTONIO MAURIQUE

Presidente da AJUFE

Obs. Esse texto foi construído a partir do texto elaborado pelo Juiz Federal Pedro Francisco da Silva, Diretor de Relações Institucionais da AJUFE.

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