Vida privada

Jornal é condenado a pagar indenização para transexual

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21 de outubro de 2004, 11h32

O jornal “O Correio”, do Rio Grande do Sul, está obrigado a indenizar um transexual em R$ 10 mil por danos morais. O jornal publicou uma reportagem, sem autorização, com informações constrangedoras como uma cirurgia feita para troca de sexo. A decisão é da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho. Cabe recurso.

Os desembargadores entenderam que, ao publicar a reportagem sobre a intimidade de alguém, sem autorização, a empresa jornalística responsável age com imprudência, causando danos pela exposição da vida particular. A liberdade de imprensa não deve ser confundida com uma atuação imprudente que expõe os valores constitucionalmente protegidos, tais como a honra, a imagem e a vida privada, segundo o juiz.

O autor da ação relatou que, após a publicação da reportagem com sua foto, ele e sua família sofreram inúmeras humilhações e ocorreram desentendimentos. Por isso, requereu o pagamento de indenização no valor de 400 salários mínimos pelos danos morais, e R$ 2,5 mil a título de participação nos lucros obtidos com a publicação. A primeira instância condenou o jornal ao pagamento de danos morais no valor de R$ 10 mil.

A empresa apelou sob o argumento que a notícia não fugiu do que já era de conhecimento público e invocou ainda a Lei de Imprensa. Assegurou que a elaboração da notícia foi fundamentada em fatos verdadeiros, conhecidos do público porque já tinham sido abordados anteriormente em outro jornal da região (Jornal do Povo).

Além disso, segundo o TJ-RS, a empresa afirmou que o trabalho foi feito com total consentimento e incentivo dos familiares e que, somente depois de divergência com seu pai, o autor procurou evitar outras preocupações com o futuro.

Outro aspecto apontado pela empresa foi a pretensão em relação aos lucros obtidos pela venda. De acordo com a defesa da empresa, ficou subentendido que a reportagem foi favorável ao autor. Também considerou excessiva a quantia a que foi condenada a pagar por danos morais, levando-se em conta as condições financeiras do autor e a reduzida tiragem do jornal do interior, quase sem lucro. Requereu, assim, a reforma integral da decisão da Justiça de primeiro grau ou, se reconhecida a existência do dano, a redução do valor.

O relator do processo, desembargador Artur Arnildo Ludwig, lembrou que no próprio texto veiculado consta a declaração de contrariedade do autor, que afirmava não mais querer publicidade em torno de seu caso. O aspecto encerraria o ponto fundamental acerca da responsabilização do jornal que, mesmo diante da discordância do envolvido, publicou a notícia.

Conforme o desembargador, a empresa não avaliou o aspecto íntimo da pessoa envolvida e, com o objetivo da repercussão do caso, assumiu os riscos e publicou a reportagem, na capa da edição, com fotografia em tamanho considerável. Nesse contexto, para o magistrado, ficou configurada a responsabilidade da ré, proprietária do jornal que causou evidentes prejuízos a sua moral, impingindo sofrimento intimo e angústia. “Caso o requerente desejasse algum tipo de publicidade não teria se humilhado comparecendo até a sede do jornal para pedir que não o importunassem”.

O fato de mais de dois anos antes ter sido publicada notícia na qual o autor teria concedido uma entrevista sobre a decisão de fazer a cirurgia não exime a empresa da responsabilização, já que na ocasião mais recente o jornal não só não tinha a autorização para a publicação, como desrespeitou a contrariedade manifestada claramente pelo autor. A situação de a comunidade local conhecer a decisão do requerente de se submeter à cirurgia e dos familiares terem prestado informações apenas serve como atenuante do quantum indenizatório.

O relator considerou acertado o valor de R$ 10 mil e negou provimento ao recurso. Os desembargadores Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura acompanharam o voto.

Processo nº 70008966111

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