Fumaça e fogo

MPF quer impedir Anvisa de vender cigarros não-cadastrados

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20 de outubro de 2004, 13h12

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode ser obrigada a proibir a venda de cigarros não-cadastrados. O Ministério Público Federal, em Marília, ajuizou Ação Civil Pública contra a Anvisa para que a instituição proíba a venda e recolha, em cinco dias, todas as marcas de cigarro “em exigência técnica”, “em cadastramento” ou em fase de “renovação de cadastro”, independentemente da fase em que se encontrarem os procedimentos administrativos para a regularização das marcas.

Para o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, a resolução (RDC 346), de 2003, editada pela própria Anvisa e que dispõe sobre o assunto, já é bastante clara e só permite a comercialização no Brasil de marcas de cigarro cadastradas.

Durante um inquérito policial federal para apurar contrabando de cigarros, o MPF descobriu que, até a semana passada, a Anvisa autorizava a venda de 33 marcas de cigarro de cinco diferentes empresas, ainda sem cadastro junto ao órgão e, portanto, sem controle sobre a qualidade desses produtos.

Numa nota em seu site oficial (www.anvisa.gov.br), a Anvisa dá interpretação diferente à resolução e informa que “as marcas que constam na lista com pedido de cadastro ou de renovação em exigência não estão impedidas de comercialização” e que o impedimento da venda de tais marcas só ocorrerá caso as adaptações exigidas não sejam cumpridas dentro do prazo.

Para o procurador, a Anvisa interpreta erroneamente a resolução que ela mesma criou e viola a lei 9.782/99, que criou a agência e que prevê que ela deve proibir a fabricação de produtos que violem a lei. “Foge do razoável a liberação da comercialização de marcas de cigarro sem o prévio deferimento do cadastro. Pensar o contrário é admitir que se coloque qualquer conteúdo dentro de um papel enrolado”, escreveu Dias na ação.

O MPF afirma na ação, ajuizada na Justiça Federal de Marília, que o parágrafo primeiro do artigo 19 da resolução é claro. O texto diz: “É proibida a comercialização, em todo o território nacional, de qualquer marca de produto derivado do tabaco, fumígeno ou não, que não esteja devidamente regularizada na forma desta resolução e, por conseguinte, não conste da relação de marcas cadastradas”.

Leia a íntegra da Ação Civil Pública

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA EM MARÍLIA (SP).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, vem perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 127, caput e art. 129, da Constituição Federal, no art. 6.º, inciso VII, alínea “d”, da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993, bem como na Lei n.º 7.347/85, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com pedido de tutela antecipada,

em desfavor da

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA), autarquia federal, criada pela Lei n.º 9.782/99, com endereço SEPN 515, bloco B – Edifício Ômega , Brasília (DF);

pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.

DOS FATOS

Primeiramente, algumas estatísticas cumprem ser expostas:

– No Mundo, cerca de 1 bilhão e 200 milhões de pessoas são fumantes;

– Mais de 4 milhões e 900 mil pessoas morrem em virtude do uso de tabaco em todo o Mundo, o que corresponde a mais de 10 mil mortes por dia;

– No Brasil, existem cerca de 38 milhões de fumantes;

– 200 mil óbitos ocorrem no Brasil em virtude de doenças relacionadas ao uso de cigarros;

– O Brasil é o principal exportador e o quarto maior produtor de fumo do Mundo;

– No ano de 2001, no País, o impacto que doenças relacionadas ao fumo geraram na economia foi expressivo, já que os gastos com internações, exames e medicamentos somaram R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais);

Os fumantes apresentam, em relação aos não fumantes, risco 10 vezes maior de adoecer de câncer de pulmão, 5 vezes maior de sofrer infarto, 5 vezes maior de sofrer de bronquite crônica e enfisema pulmonar e 2 vezes maior de sofrer derrame cerebral.

Tais números refletem o grau de importância a ser atribuída à presente lide e justificam a preocupação social no desfecho desta.

Após esta breve introdução, vamos aos fatos.

Nos autos do inquérito policial n.º 2004.61.22.000521-2, que teve como investigado João Polato, foi apurada a ocorrência do crime de contrabando, pela comercialização de cigarros de origem estrangeira.

Encerrada a instrução criminal, não foi possível comprovar, com plena certeza a origem estrangeira dos cigarros e o dolo na conduta do investigado, e o feito foi arquivado.

Contudo, veio à tona uma questão de extrema importância: na ocasião, o investigado foi surpreendido comercializando cigarros da marca “2000” e “Indy” (doc. 01), os quais adquiriu da empresa “Distribuidora de Cigarros Santo Eduardo de Marília Ltda.”, com endereço na Rua Julio Mesquita, n.º 555, em Marília (SP) (doc. 02).


Após uma consulta ao “site” da ré, verifica-se que os cigarros da marca “Indy” estão “EM EXIGÊNCIA TÉCNICA”, enquanto que os cigarros da marca “2000 KS”, tiveram indeferida a sua renovação de cadastro (doc. 03).

Além disto, no mesmo “site”, pode-se obter a orientação de que (doc. 04):

“De acordo com a RDC 346/03, as marcas que constam na lista com pedido de cadastro ou de renovação EM EXIGÊNCIA não estão impedidas de comercialização.” (destaquei).

Contudo, pela análise da Lei n.º 9.782/1999 e da própria Resolução – RDC n.º 346, de 2 de dezembro de 2003 (doc. 05), esta interpretação que supostamente estaria autorizada a venda de cigarros sem o devido cadastro junto à ANVISA, além de ser totalmente ilegal, tem colocado em risco a saúde daquelas pessoas que, incapazes de deixarem de fumar, ainda são obrigadas a consumir produtos de péssima qualidade, que agravam o seu vício e comprometem a sua saúde com maior intensidade, tudo em razão da total omissão da ANVISA e, ainda, de uma interpretação que não possui qualquer base legal.

DO DIREITO

A Lei n.º 9.782, de 26 de janeiro de 1999, instituiu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde e com a finalidade institucional, por força do art. 6.º do mesmo diploma legal, de “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras”.

Nesse diapasão, no exercício de suas funções institucionais, a ANVISA editou a mencionada Resolução – RDC n.º 346 (doc. 05), que estabeleceu a obrigatoriedade do cadastro anual de todas as empresas beneficiadoras do tabaco e de todas as empresas fabricantes nacionais, importadoras ou exportadoras de produtos derivados do tabaco, bem como o cadastro anual de todos os seus produtos.

Ainda, por força da aludida Resolução, a comercialização de qualquer produto derivado do tabaco ficou condicionado ao seu regular cadastramento junto à ANVISA e à sua conseqüente aprovação, de forma a constar da Relação de Marcas Cadastradas.

Confira-se o que dispõe a citada Resolução:

“Art. 1.º É obrigatório o cadastro anual de todas as empresas beneficiadoras de tabaco e de todas as empresas fabricantes nacionais, importadoras ou exportadoras de produtos derivados do tabaco, fumígenos ou não, bem como o castro anual de todos os seus produtos.

(…)

Art. 19. O deferimento do pedido de castro ou de renovação de cadastro somente será concedido às marcas de produtos derivados do tabaco que estejam cumprindo os requisitos desta resolução, sendo assegurada sua publicidade através de divulgação na Relação de Marcas Cadastradas, disponibilizada na página eletrônica da ANVISA.

§1.º É proibida a comercialização, em todo território nacional, de qualquer marca de produto derivado do tabaco, fumígeno ou não, que não esteja devidamente regularizada na forma desta Resolução e, por conseguinte, não conste na Relação de Marcas Cadastradas, publicada pela ANVISA em sua página eletrônica, ainda que a marca se destine a pesquisa de mercado”.

2.º Toda marca comercializada no território nacional, que tiver seu cadastro cancelado ou seu pedido de renovação de cadastro indeferido, deverá ser retirada do mercado de consumo pela empresa responsável pela marca, seja ela fabricante nacional ou importadora.” – negritei.

Como se pode facilmente perceber pela exegese dos dispositivos acima transcritos, a situação é bem simples: a comercialização de produtos derivados do tabaco é condicionada ao seu cadastramento junto à ANVISA, de modo que os produtos derivados do tabaco que não tiverem seu pedido de cadastramento deferido não podem ser comercializados.

Confirmando a situação exposta acima, o § 2.º da citada Resolução determina que toda marca comercializada no território nacional, uma vez cadastrada, deverá ser retirada do mercado de consumo se tiver seu cadastro cancelado ou seu pedido de renovação de cadastro indeferido. Isso vem comprovar que o multicitado cadastro é pressuposto indispensável à comercialização do cigarro.

Nestes termos, para dar publicidade aos resultados da fiscalização das marcas de produtos derivados de tabaco, a ANVISA disponibilizou, em seu site, uma lista de “MARCAS CADASTRADAS”, listando, ainda, as demais marcas em “MARCAS COM PEDIDOS EM EXIGÊNCIA TÉCNICA” e “MARCAS INDEFERIDAS”.

Ocorre que, singularmente às disposições legais, marcas de cigarros não cadastradas junto à ANVISA vêm sendo comercializadas normalmente, sob a omissão desta e, o que é pior, sob a sua cumplicidade.


De fato, são 33 (trinta e três) marcas de cigarros de 05 (cinco) empresas diferentes que, em que pese ainda não terem sido cadastradas junta à ANVISA, estão sendo comercializadas normalmente, sem nenhum tipo de controle de qualidade (doc. 03).

Contrariando os ditames da Resolução em tela e ofendendo os interesses e direitos de toda a sociedade, a ANVISA, estranhamente, não só age com complacência diante da situação das empresas fabricantes e comerciantes de marcas de cigarros ainda não cadastradas que continuam a comercializar seus produtos, como, ainda, inconseqüentemente, tenta lhe atribuir aparência de legalidade, como se pode denotar do já mencionado aviso, existente no site da ANVISA, onde se lê:

“De acordo com a RDC 346/03, as marcas que constam na lista com pedido de cadastro ou de renovação EM EXIGÊNCIA não estão impedidas de comercialização.

O impedimento passará a ocorrer caso as exigências não sejam cumpridas dentro do prazo, ocasionando assim, o indeferimento do pedido e imediata publicação no site da Anvisa.”

Esta interpretação que vem sendo dada à Resolução RDC n.º 346/2003, além de ilegal, expõe o consumidor a riscos ainda maiores. Ora, se o consumo de cigarros gera diversos efeitos maléficos para a saúde dos usuários, o que dirá então do consumo de cigarros produzidos sem qualquer preocupação com sua composição?

Ora, admitir a comercialização de cigarros não cadastrados, aceitando a inexistência de diferença na qualidade dos cigarros, desconsiderando-se a qualidade e a quantidade dos produtos que os compõem, a ponto de afirmar que todos produzem as mesmas conseqüências independentemente do nível de tabacos, de nicotina, de alcatrão e de outros aditivos utilizados, bem como de possíveis impurezas, além de demonstrar a total despreocupação com a saúde da população, constitui hipocrisia tão gritante quanto a tentativa de justificar a inexistência de qualquer controle de qualidade dos cigarros, que são comercializados livremente.

A situação é gravíssima e não pode continuar!!! É o que conclama toda a sociedade.

Tais atos e assertivas ferem de morte dispositivos constitucionais e legais atinente à saúde, à vigilância sanitária e à proteção do consumidor. Trata-se de ilegalidade flagrante, escancarada, e pior, figura como mentora de sua perpetração Agência federal que deveria proteger o cidadão.

A esse respeito, veja-se o que dispõe a Constituição Federal:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…)

II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemológica, bem como as de saúde do trabalhador;”

Já o art. 6.º da Lei n.º 8.080/90, estabelece:

“Art. 6.º

(…)

§1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:

I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo;”

Para dar concreção a estes dispositivos constitucionais e legais é que foi criada pela Lei 9.782/99 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, dispondo que:

“Art. 3.º Fica criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro no Distrito Federal, prazo de duração indeterminado e atuação em todo território nacional”

(…)

Art. 6.º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Art. 7.º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2.º desta Lei, devendo:

(…)

VII – autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 6.º desta Lei;

(…)

IX – conceder registro de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;

(…)

XV – proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde”


Foi baseada no seu poder normatizador e regulador que a ANVISA editou a Resolução – RDC n.º 346, de 02 de dezembro de 2003, que estabelece:

“Art. 19. O deferimento do pedido de cadastro ou renovação de cadastro somente será concedido às marcas de produtos derivados do tabaco que estejam cumprindo os requisitos desta resolução, sendo assegurada sua publicidade através da divulgação na Relação de Marcas Cadastradas, disponibilizada na página eletrônica da ANVISA.

§ 1º É proibida a comercialização, em todo o território nacional, de qualquer marca de produto derivado do tabaco, fumígeno ou não, que não esteja devidamente regularizada na forma desta Resolução e, por conseguinte, não conste da Relação de Marcas Cadastradas, publicada pela ANVISA em sua página eletrônica, ainda que a marca se destine a pesquisa de mercado.”

Dessa forma, não poderia o aplicador da Resolução ter dado interpretação diversa desnaturando o instituto protetivo. Faz ela tabula rasa à sua finalidade institucional, qual seja, a de promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária.

Isto é, o deferimento do cadastro tem por finalidade condicionar a liberação da produção e comercialização de cigarros à adequação das exigências técnicas. Ou seja, não possui o cadastro somente fins estatísticos, mas sim oportunidade para a ANVISA aferir se o produto está em consonância com a legislação de regência.

Criou, embora não tendo poderes para tanto, um instituto jurídico com o escopo de legitimar a comercialização de cigarros desqualificados.

Foge do razoável a liberação da comercialização de marcas de cigarro sem o prévio deferimento do cadastro. Pensar o contrário é admitir que se coloque QUALQUER conteúdo dentro de um papel enrolado, e submeta-o à solicitação de cadastro, e já se pode estar comercializando-o, como se cigarro fosse.

O suposto ato administrativo que autorizou a venda de cigarros “EM EXIGÊNCIA TÉCNICA” desalinhado dos requisitos legais, consta eivado dos seguintes vícios: ilegalidade do objeto e desvio de finalidade.

A Lei n.º 4.717, de 29 de Junho de 1965, que regula a ação popular, traz em seu art. 2.º, parágrafo único, os elementos do ato administrativo, dos quais dois interessam à presente ação. Confira-se:

“c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

(…)

e) o desvio da finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”

A ilegalidade do objeto é evidente e decorre do não cumprimento ao art. 7.º, inciso XV, da Lei n.º 9.782/99, consistente no dever de proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente.

Já o desvio de finalidade exsurge-se do fato da ANVISA ter desnaturado completamente o instituto do CADASTRO de marcas de cigarro, transformando-o num NADA para fins de vigilância sanitária, indo na contramão do interesse público previsto em lei.

Na realidade, o deferimento do cadastro é uma condição suspensiva e, portanto, enquanto a ANVISA não deferir o cadastramento da marca, com a conseqüente inclusão na Lista de Marcas Cadastradas, não é lícita a comercialização dos cigarros.

Mui pertinente, também, ao presente fato as seguintes considerações.

A ordem econômica brasileira se sustenta com base em alguns princípios. Confira o que dispõe o art. 170, da Constituição Federal:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresa de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

São estas as pilastras jurídicas sustentadoras do regime econômico capitalista. Ou seja, permite-se a todas as pessoas físicas ou jurídicas desenvolverem atividade econômica (princípio da livre iniciativa), desde que não atentem contra estes fundamentos.


O exercício da atividade econômica é livre, independentemente de autorização estatal. Essa liberdade sofre restrições somente quando impostas por lei.

E a lei, atendendo a questões de saúde pública restringe essa liberdade no que diz respeito à fabricação e comercialização de cigarros. Em se tratando de substância altamente prejudicial à saúde, é legítimo o Estado estabelecer restrições e exigências. É por isso que as empresas têm o dever de demonstrar a observação de todas as normas técnicas pertinentes para, só então, poderem incluir no mercado de consumo tais produtos.

Na contraface da ordem econômica encontra-se o consumidor, com seus direitos garantidos pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor.

Elevada a proteção do consumidor à estatura constitucional, com as cláusulas genéricas insertas nos arts. 5.º, inciso XXXII, e 170, inciso V, ambos da Constituição Federal, fez-se mister estabelecer seus delineamentos pelo legislador, o que ocorreu com o advento da Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor).

E logo no art. 4.º define a Política Nacional de Relações de Consumo, baseando-a num tripé a ser seguido permanentemente pelo Estado e pelos agentes econômicos, ou seja, o respeito à dignidade, à saúde e à segurança do consumidor.

Tais proteções têm como corolário direto e interessante ao presente caso o disposto no art. 4.º, II, d, assim descrito:

“Art. 4.º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

(…)

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho;

Prosseguindo, o mesmo Codex dispõe em seu art. 6.º:

“Art. 6.º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;”

Dessa forma, não se pode conceber a comercialização de cigarros, que por si só já é prejudicial à saúde, sem o controle de qualidade do órgão sanitário competente.

O mínimo que o Estado pode e deve fazer no que atine à liberação do cigarro é controlar e fiscalizar as quantidades de componentes químicos que o compõe, sob pena de se achincalhar toda proteção dada por lei aos consumidores.

DO ÂMBITO DE PRODUÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES (1)

A presente ação civil pública visa combater uma atuação lesiva da ré que gera efeitos em âmbito nacional.

Assim, as decisões que obrigarem-na a agir de forma diversa também deverão ter âmbito nacional, afastando-se o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública que, ao restringir os efeitos da sentença aos “limites da competência territorial do órgão prolator” é ineficaz e inconstitucional.

Sobre o tema, muito bem aduziu o Procurador da República André de Carvalho Ramos:

“Esta é a sistemática da tutela coletiva em nosso país, que traduziu-se pela adoção da teoria da coisa julgada secundum eventum litis.

A eficácia ultra partes e erga omnes da coisa julgada relacionam-se com os limites subjetivos desta, já que os interesses tratados pela ação coletiva são em geral indivisíveis pela sua natureza ou pela política legislativa favorável a uma efetiva tutela de direitos.

Tal teoria da coisa julgada, adotada pelo legislador infraconstitucional (CDC e LACP), dá substância ao princípio constitucional da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

E a decorrência do tratamento coletivo das demandas é o sistema de substituição processual (ou legitimação adequada, concorrente e disjuntiva), que possibilita a tutela destes interesses transindividuais por entes como Ministério Público.

Se o autor é substituto processual de todos os interessados, não se pode limitar os efeitos de sua decisão judicial àqueles que estejam domiciliados no estrito âmbito da competência territorial do Juiz.

Como salienta o douto Ernane Fidélis dos Santos, ‘nas hipóteses de substituição processual, sujeito da lide é o substituído, sofrendo as conseqüências da coisa julgada’.

Isso pois o caso de limitação seria não de competência, mas de jurisdição. Se o Juiz de 1º Grau pode conhecer da ação de um substituto processual como o Ministério Público, deve sua decisão valer para todos os substituídos.

Isso pois, como esclarece a douta Juíza Federal Marisa Vasconcelos, ‘não é critério determinante da extensão da eficácia da coisa julgada material, na ação civil coletiva, a competência territorial do órgão julgador, mas o contrário, o critério determinante dessa extensão reside na amplitude e na indivisibilidade do dano ou ameaça de dano que se pretende evitar(2)’ .

Nas lides coletivas fica patente que o Juiz, ao prolatar decisão benéfica, atinge com isso todos que se encaixem na situação objetiva analisada. Destarte, a real extensão da aplicação da decisão judicial, seja ela definitiva, seja ela provisória, não deve limitar-se ao âmbito regional de competência territorial do órgão prolator. Tal competência territorial só é utilizada para fixar qual Juiz deve conhecer e julgar a causa.

(…)

Assim, o efeito erga omnes da coisa julgada é conseqüência da aceitação da forma coletiva de se tratar litígios macrossociais. Não pode ser restringido tal efeito por lei ou por decisão judicial sob pena de ferirmos a própria Constituição do Brasil.

(…)

Com isso, fica demonstrado que se a Constituição Brasileira, dentro do modelo do Estado Democrático de Direito abraçado, busca, antes de tudo, o acesso à justiça, sendo decorrência disso o tratamento coletivo das demandas. Nada mais certo que a ampliação dos efeitos benéficos de decisão judicial para todos os interessados.

Ainda são atendidos outros princípios constitucionais, em virtude da identidade de prestação jurisdicional a indivíduos que se encontram em condições iguais, respeitando-se, então, o princípio da isonomia.

Assim sendo, a Lei 9.494/97, que converteu em lei a Med Prov 1.570 é inócua. A competência territorial serve apenas para fixar a competência do juízo. Os efeitos da decisão do Juiz são limitados somente, como frisei, pelo objeto do pedido, que quando for relativo aos interesses transindividuais, atingem a todos os que se encontram na situação objetiva em litígio, não importando onde o local de seu domicílio.

Competente o juízo, então, devem os efeitos da decisão espalharem-se para todos os substituídos, tendo em vista todos os argumentos acima expostos.

(…)

Urge, então, a desconsideração do art. 2º da Lei 9.494/97, para a preservação da tutela coletiva de direitos no Brasil.”


(A Abrangência Nacional de Decisão Judicial em Ações Coletivas: O caso da lei 9.494/97 in Revista dos Tribunais, v. 755 (set/98), p.115)

O brilhante Procurador cita dois precedentes jurisprudenciais a corroborar a sua posição:

“O Banco Mercantil de São Paulo S/A ajuizou a presente reclamação, alegando que, na Ação Civil Pública 580.262-2, que lhe moveu o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC, o 1º TACivSP, pela sua 11ª Câm., declarou a inconstitucionalidade, em relação a alguns aspectos da Lei 7.730/89, com efeito erga omnes, para todo o território nacional, ampliando, assim, a competência da Justiça local e dando-lhe a possibilidade de fixar normas para todo o Brasil em matéria de inconstitucionalidade de lei.

(…)

Afastadas que sejam as mencionadas exceções processuais — matéria cujo exame não tem aqui cabimento — inevitável é reconhecer que a eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas fora da jurisdição do órgão julgador, o que não poderá causar espécie, se o Poder Judiciário, entre nós, é nacional e não local. Essa propriedade, obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública, revestindo, ao revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança coletivo, que pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas da federação e também fundar-se em alegação de inconstitucionalidade de ato normativo, sem que essa última circunstância possa inibir o seu processamento e julgamento em Juízo de primeiro grau que, entre nós, também exerce controle constitucional das leis.”

(STF, Reclamação n.º 602-6/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão).

“Entretanto, há que ser analisadas quais seriam as conseqüências da alteração legislativa engendrada pelo Poder Executivo por intermédio da Lei n. 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 7.347/85, para limitar seu poder de ação aos limites de competência territorial do órgão prolator. (…)

Não há dúvida que, em certos casos, tal restrição aos limites objetivos da coisa julgada em ação civil pública traduz-se em flagrante retrocesso, especialmente quando se tem em mente que esse tipo de processo é essencial à manutenção da Democracia e do Estado-de-direito. Por outro lado, ele tem o condão de evitar que decisões conflitantes surjam ao redor desse país continental, inviabilizando políticas públicas relevantes, tomadas no centro do poder.

(…)

No caso em exame, entretanto, não me parece que esteja havendo abuso na concessão da liminar ora atacada. É preciso ter em mente que o interesse em jogo é indivisível, difuso, não sendo possível limitar os efeitos da coisa julgada a determinado território.

Perceba-se que a portaria impugnada foi editada por autoridade com competência nacional e sua área de ação também pretende ser nacional. Por sua vez, ou autor da demanda é o Ministério Público Federal, que é uma entidade una, cuja área de atuação, por sua vez, também abrange todo o território nacional.

Assim, não me parece atender aos encômios da boa jurisdição exigir-se a propositura de tantas ações civis públicas quantas forem as subsidiárias da TELEBRAS.

Isso posto, recebo o presente recurso em seu efeito meramente devolutivo”

(TRF-3.ª Região, 4.ª Turma, Agin n.º 98.03.017990-0, Relator Juiz Newton de Lucca).

NO MESMO SENTIDO, TAMBÉM JÁ DECIDIU O EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DA 4.ª REGIÃO:

“ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE REMUNERAÇÃO. ACRÉSCIMO DE 9,56%. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO DENEGADO. AGRAVO REGIMENTAL.

A modificação da redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da alteração do art. 103 da Lei n.º 8.078/90, por parcial restou ineficaz, inexistindo por isso limitação territorial para a eficácia “erga omnes” da decisão prolatada em ação civil pública, baseada quer na própria Lei nº 7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90.

Decisão recorrida que se mantém por ausência de razões que determinem sua reforma.”

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1999.04.01.091925-5/Rs, Relator Juiz Valdemar Capeletti).

Para fazer frente a esses argumentos, alguns juristas costumam se utilizar do texto do art. 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. A esse respeito, necessário se faz tecer algumas considerações adicionais.

“Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil nos casos de competência concorrente.”


Conforme se depreende do referido preceito, o disposto no artigo 93, da Lei nº 8.078/90 não se aplica aos processos de competência da Justiça Federal, graças ao que consta expressamente no caput: Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente …

Considerando que a lei não contém palavras inúteis, conclui-se que com a ressalva pretendeu o legislador remeter a outro texto legal a disciplina da competência para as ações coletivas na Justiça Federal e, enquanto não existir lei específica ou dispositivo normativo especial tratando do tema, há de se observar, neste caso, o que preceitua o artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347 de 24/07/1985 – DOU 25/07/1985):

“Art. 2.º As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”

* § único acrescido pela Medida Provisória nº 2.102-28, de 23/02/2001 (DOU de 26/02/2001 – em vigor desde a publicação).

No caso, o local do dano pode ser qualquer ponto do território nacional, motivo pelo qual mister se faz a observância do parágrafo único, a fim de delimitar o Juízo competente pelo critério da prevenção. Parece ter sido este o sentido do quanto restou consignado no voto condutor do Conflito de Competência nº 22.693/DF, no qual o Eminente Relator Ministro José Delgado, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, adotou parte do parecer do Ministério Público Federal, da lavra da Subprocuradora-Geral da República, Excelentíssima Dra. Gilda Pereira Carvalho Berger:

“(…)

Acrescento, ao pronunciamento supra parte do parecer do Ministério Público Federal, de autoria já identificada, por concordar, integralmente, como foram postos (fls. 760/763):

‘É preciso definir a existência ou não da conexão entre as 06 (seis) ações interpostas. Como verificado através da leitura das petições iniciais e pelo gráfico abaixo delineado, todas as ações têm causa de pedir e pedido semelhantes sendo que também possam sugerir a continência, (art. 104 do CPC) pois algumas delas podem ter, em análise mais acurada, pedido ou objeto mais amplo abrangendo o das outras.

(…)

Trata-se de ações civis ajuizadas no Estado de São Paulo, Brasília e Fortaleza. Tenho entendido que a competência disposta no art. 2º da LAC é regra de competência relativa, e ainda presente que a defesa de interesses difusos, onde o suposto dano tem reflexo no país, não há que se pontificar que o foro competente é o do local do dano, como quer a União, porque o dano que se vislumbra possa ocorrer no patrimônio público teria amplitude nacional. Tampouco se pode dizer que, em sendo ação para coibir supostos danos em patrimônio nacional (porque da União) esta deva ser proposta obrigatoriamente no Distrito Federal, porque a União pode ser demandada em qualquer dos Estados, onde tem representação própria, através da Advocacia-Geral da União, que recebe as respectivas citações. Acertado me parece, é conceber-se em casos como tais, pelo princípio da equiparação, que ação civil pública proposta com objeto que transcende a localidade possa ter como foro competente para apreciá-la qualquer dos juízos federais onde foi intentada

(…)” G.N.

Essa possibilidade, aliás, também foi reconhecida pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, ao julgar o Agravo de Instrumento n.º 2001.03.00.015707-9, referente à Ação Civil Pública n.º 2001.61.11.001422-9, que teve curso perante a 2.ª Vara da Justiça Federal em Marília e dizia respeito ao Racionamento de Energia Elétrica:

“Ultrapassada a questão preliminar, posto que cristalino o interesse social que permeia a situação que ora se analisa, a outra conclusão não se poderia chegar senão a de que, tendo tais atos normativos sido expedidos por autoridade com competência nacional, cujos efeitos serão sentidos pela sociedade como um todo e ao mesmo tempo, a antecipação dos efeitos da tutela poderia ser estendida para o âmbito do território nacional, evitando-se, assim, decisões conflitantes que relegariam às desigualdade, indivíduos sob a mesma situação jurídica.”

Diante de todo o exposto, reconhecida a necessidade de se obstar a ANVISA, de continuar liberando a comercialização de cigarros sem qualquer controle sanitário, a tutela antecipada e a sentença proferidas na presente ação deverão produzir efeitos em âmbito nacional.

DA TUTELA ANTECIPADA

O objeto da presente ação é que não se comercialize marcas de cigarro que não obtiverem deferimento na solicitação de cadastro junto a ANVISA.


Porém, para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, além da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, necessária a concessão de tutela antecipada para determinar à ANVISA que somente permita a comercialização de marcas de cigarros CADASTRADAS, proibindo a venda e determinando o recolhimento, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, dos cigarros com marcas “em exigência (técnica)”, “em cadastramento” ou “em renovação de cadastro”, qualquer que seja a fase que estes procedimentos se encontrem, com a cominação de multa diária pelo descumprimento, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), até o julgamento definitivo da presente demanda.

A Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao dar nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pleito inicial:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Sobre o tema em tela, o ilustre processualista Cândido Rangel Dinamarco aduz:

“O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males do tempo no processo.” (in “A Reforma do CPC”, 2.ª ed., ver. ampl., São Paulo, Malheiros Editores, 1995).

Por conseguinte, trata-se o instituto da tutela antecipada da realização imediata do direito, já que dá ao autor o bem por ele pleiteado. Dessa forma, desde que presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Assim, verificamos que as condições para que o magistrado conceda a tutela antecipada, são: a) verossimilhança da alegação; b) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e, comentando tais requisitos, o Juiz Federal Teori Albino Zavascki pondera que:

“Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição à direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b)verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob este aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (…) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade” (Antecipação da Tutela, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, fls. 75-76).

Araken de Assis, em sua obra “Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela”, Ed. Revista dos Tribunais, p. 30, assevera que “a verossimilhança exigida no dispositivo se cinge ao juízo de simples plausibilidade do direito alegado em relação à parte adversa. Isso significa que o juiz proverá com base em cognição sumária”.

Assim, o juízo de verossimilhança reside num juízo de probabilidade, resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta.

Mister analisar que na ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior, já que com ela visa-se tutelar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens de vida de toda sociedade, como ocorre no presente caso.

Nessa esteira, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, em seu monumental Código de Processo Civil Comentado, comenta:

“3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461, §3.º, com a redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer. V. comente. CPC 273, 461, §3.º e CDC 84, §3.º.” (3.ª edição, revista e ampliada, Revista dos Tribunais, 1997, p. 1.149).


No caso em tela, os requisitos exigidos pelo diploma processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se devidamente preenchidos.

Além disto, também estão presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.

O fumus boni iuris se evidencia diante da flagrante ilegalidade da referida interpretação da ANVISA, consistente em liberar as marcas de cigarro somente com a mera solicitação de cadastro das marcas, com os princípios insculpidos na Constituição Federal e na legislação atinente à saúde, à vigilância sanitária e ao consumidor, como ficou evidenciado nesta peça.

O periculum in mora, por sua vez, decorre das substâncias altamente nocivas que estão sendo comercializadas sem nenhum controle sanitário, à título de cigarro. Os efeitos deletérios têm como prejudicados direto os fumantes, ativos e passivos, e indiretamente, toda a sociedade, que arcará com os altos custos a serem suportados pela saúde pública.

Não se pode mais esperar!!! A situação calamitosa exige pronta atuação do Poder Judiciário, guardião da Constituição Federal e das leis.

Aliás, dispondo sobre o Papel do Judiciário no Controle da Omissão Administrativa, leciona o eminente Procurador da República Luís Roberto Gomes (in, O Ministério Público e o Controle da Omissão Administrativa, p. 283):

“Daí que o ponto de partida e o papel da magistratura no Estado Social e Democrático de Direito devem ser buscados sempre na Lei Suprema, principalmente nos princípios, que são inspirações norteadoras para interpretação constitucional, o que permite ao juiz brasileiro tornar efetivas as promessas do constituinte, não sendo ele apenas um guardião das promessas, mas sim um implementador das mensagens normativas fundantes (NALINI, p. 171)

Na verdade, o juiz é o principal destinatário dessa normatividade fundante dirigente, uma vez que é ele o concretizador das mensagens normativas do constituinte, dele dependendo implementar a Constituição “ou torná-la mera proclamação retórica, destituída de sentido” (NALINI, p. 33).

Diante do exposto, requer o Ministério Público Federal, com fincas no art. 12 da Lei n.º 7.347/85, a concessão de medida liminar para determinar à ANVISA que somente permita a comercialização de marcas de cigarros CADASTRADAS, proibindo a venda e determinando o recolhimento, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, dos cigarros com marcas “em exigência (técnica)”, “em cadastramento” ou “em renovação de cadastro”, qualquer que seja a fase que estes procedimentos se encontrem, com a cominação de multa diária pelo descumprimento, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), até o julgamento definitivo da presente demanda.

DOS PEDIDOS

Após apreciada e, se espera, concedida a tutela antecipada, o Ministério Público Federal requer:

a) a citação da ré, para, querendo, contestar a ação, sob pena de revelia;

b) a publicação do edital, nos termos do art. 94 da Lei n.º 8.078/90, para que eventuais interessados se habilitem como litisconsortes ativos na presente ação;

c) seja o pedido julgado procedente, confirmando a tutela antecipada, para condenar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária a autorizar a comercialização apenas das marcas de cigarros CADASTRADAS, proibindo a venda e determinando o recolhimento, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, de marcas “em exigência (técnica)”, “em cadastramento” ou “em renovação de cadastro”, qualquer que seja a fase que estes procedimentos se encontrem;

d) seja cominada multa diária para o caso de descumprimento da decisão proferida, individualmente, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 11 da Lei n.º 7.347/85.

Protesta pela produção posterior de outras provas juridicamente admitidas.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins fiscais.

Termos em que,

pede deferimento.

Marília, 18 de outubro de 2004.

JEFFERSON APARECIDO DIAS

Procurador da República

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