Reintegração de terras

STF anula Decreto de Lula para desapropriar fazenda de R$ 5,4 mi

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18 de outubro de 2004, 20h15

O Decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que desapropriou a Fazenda Santa Fé, em Minas Gerais, foi suspenso em liminar concedida pelo ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal. Avaliada em R$ 5,4 milhões, a propriedade de 680 hectares está ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O pedido de liminar em Mandado de Segurança foi impetrado no STF pelo escritório Diamantino Advogados Associados em favor da proprietária da fazenda, Vania Leisa Cecílio Pável e outros, contra o Decreto de 3 de maio de 2004, que declarou o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária.

Velloso acatou a alegação dos advogados, baseada na Lei 8.629/93 (que regulamenta a desapropriação rural no Brasil). O dispositivo proíbe a desapropriação de terras nos dois anos subseqüentes à invasão.

A reintegração da posse havia sido determinada anteriormente pela Justiça Agrária Estadual. Na decisão, foi levado em consideração o fato de em acordo prévio, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ter se comprometido a fazer uma proposta de compra da propriedade. Na época, ela já havia sido invadida e, segundo a lei, não poderia ser desapropriada.

“O Incra não fez proposta alguma e antes que a reintegração fosse feita, o presidente baixou o Decreto”, diz o advogado Diamantino Silva Filho. Segundo ele, as forças policiais do município já foram acionadas para fazer cumprir a saída dos invasores da fazenda. Na liminar, Velloso determinou que a ação seja submetida a parecer da Procuradoria-Geral da República.

Leia a íntegra da liminar

DECISÃO

Vistos

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por VANIA LEISA CECÍLIO PÁVEL e OUTROS, com fundamento no art. 5º, XXXV e LXIX, da Constituição Federal e na Lei 1.533/51, contra ato do PRESIDENTE DA REPÚBLICA, consubstanciado no Decreto de 3 de maio de 2004, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel de propriedade dos impetrantes, denominado “Fazenda Santa Fé”, situado no Município de Uberlândia, Estado de Minas Gerais (fl. 28).

Inicialmente, dizem os impetrantes que o imóvel objeto de desapropriação encontrava-se arrendado ao Sr. Milton Carlini para exploração pecuária e que, em 15.04.2002, foi invadido por integrantes do Movimento Sem Terra – MST, o que ensejou o ajuizamento de ação de reintegração de posse por parte do arrendatário, com pedido de liminar.

Apesar da concessão de medida liminar (fl. 75), essa não teria sido cumprida. Remetidos os autos ao Juízo da Vara de Conflitos Agrários de Belo Horizonte (fl. 97), esse determinou a suspensão da execução da liminar e designou audiência de justificação de posse e conciliação (fl. 104).

Nessa ocasião, determinou-se a expedição de ofícios ao INCRA, indagando-se acerca de seu interesse em eventual aquisição da área ocupada, para fins de instalação de assentamento, bem como ao ITER-MG e à Procuradoria Geral do Estado, indagando-se sobre a disponibilidade de área na região do conflito, pertencente ao Estado, que eventualmente pudesse servir à acomodação dos trabalhadores e disponibilidade ao programa de reforma agrária.

Nesse contexto, ressaltam os impetrantes que o INCRA, na oportunidade da audiência, manifestou seu interesse na aquisição da área, que seria negociada diretamente com os proprietários (fls. 140-143). Todavia, descumprindo o acordo estabelecido em audiência, o INCRA instaurou procedimento administrativo para fins de desapropriação do imóvel. Além disso, estabeleceu-se que, até a consolidação do acordo, os invasores permaneceriam em uma área de 10 (dez) hectares.

Finalmente, aduzem que, no acordo celebrado, ficou estipulado e homologado por sentença que, no caso de não concretização da negociação com o INCRA, a área deveria ser totalmente desocupada. A desocupação foi determinada às fls. 341-343 e, posteriormente, suspensa em razão da expedição do Decreto Presidencial (fl. 359).

Sustentam, mais, em síntese, o seguinte:

a) nulidade da vistoria realizada no imóvel, nos termos do § 6º do art. 2º da Lei 8.629/93, porquanto ele fora objeto de esbulho possessório, consubstanciado na invasão do imóvel por integrantes do Movimento Sem Terra – MST, que nele permanecem desde 15.04.2002. Sobre o tema esta Corte já se manifestou, a exemplo do MS 23.323/PR e do MS 23.018/MS. Nesse contexto, ressaltam que a vistoria realizada “não apurou as reais condições de produtividade e eficiência econômica, que mesmo assim ficaram próximos aos índices legais” (fls. 14-15);

b) configuração de hipótese de força maior, prevista no § 7º do art. 6º da Lei 8.629/93, que impede a classificação do imóvel como grande propriedade improdutiva. Nesse sentido, cita precedentes do Supremo Tribunal Federal: MS 23.563/GO e MS 23.737/SP;

c) ocorrência do fumus boni iuris, representado pela plausibilidade da existência do direito material invocado, qual seja, o da anulação do decreto que declarou de interesse social para fins de reforma agrária o imóvel dos impetrantes;

d) existência do periculum in mora, revelado pela possibilidade de grave lesão ao legítimo interesse dos impetrantes, bem como na impossibilidade de exploração do imóvel em todo o seu potencial.

Ao final, requerem os impetrantes seja concedida medida liminar para “suspender os efeitos do Decreto de 03/05/2004, que declarou de interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural denominado ‘Fazenda Santa Fé’, localizada no Município de Uberlândia-MG” (fls. 19-20).

Requisitadas informações (fl. 674), o Presidente da República as prestou (fls. 679-725), sustentando, preliminarmente:

a) ausência de direito líquido e certo, uma vez que os impetrantes “pretendem usar o presente writ para obter a anulação de um ato presidencial praticado com observância de toda a legislação pertinente, objetivo este que nunca redundará num direito líquido e certo” (fl. 684);

b) necessidade de instrução probatória acerca de matérias fáticas apontadas pelos impetrantes, concernentes às reais condições de produtividade e eficiência econômica do imóvel e à ocorrência de caso fortuito e força maior, elementos esses obstativos da vistoria, o que é inviável em mandado de segurança;

c) inexistência de correlação entre os atos administrativos do INCRA e o Decreto Presidencial, pois “o ato presidencial que declara a área de interesse social, decorrente de atividade discricionária da Administração, não se contamina em razão de eventual irregularidade do laudo agronômico de aferição de produtividade e viabilidade de assentamento e, conseqüentemente, não se insere no foco da discussão da presente ação” (fl. 707). Nesse contexto, ressalta que, “inexistindo na exordial mandamental invocação de nulidades ínsitas ao decreto em si, não há legitimidade a figurar no pólo passivo do mandado de segurança o Exmo. Sr. Presidente da República” (fl. 708).

No mérito, sustenta, em síntese, o seguinte:

a) inexistência de inconstitucionalidade ou ilegalidade no decreto expropriatório;

b) não-demonstração da produtividade da propriedade, uma vez que não consta dos autos o seu registro no Sistema de Cadastro Rural;

c) inexistência de esbulho possessório, porquanto “o arrendatário do imóvel pertencente aos Impetrantes não ficou impedido de exercer a posse sobre o imóvel, podendo explorá-lo economicamente, bem assim dar continuidade as suas atividades, uma vez que o assentamento se restringiu a tão-somente 10 hectares, correspondentes a exatos 1,76% (um vírgula setenta e seis pontos percentuais) da área total do imóvel” (fl. 716);

d) cumprimento do acordo realizado em audiência, pois quando se diz que o INCRA providenciará a aquisição de determinado imóvel rural, entende-se que tal se dará por desapropriação ou compra e venda, sendo que a forma de aquisição dependerá dos resultados obtidos com a vistoria. No presente caso, comprovada a improdutividade do imóvel, através de laudo próprio, não poderia o INCRA proceder de outra forma que não a desapropriação;

e) não-configuração da hipótese de força maior, pois, “inexistente o conflito e sendo ínfima a ocupação dos invasores, não resta configurada força maior que afete os graus de utilização da terra e de eficiência em sua exploração, razão pela qual os proprietários poderiam ter dado caráter produtivo ao imóvel” (fl. 719). Ademais, verifica-se que o INCRA, na elaboração do laudo, considerou período anterior ao da invasão, conforme consta no item 5 do acordo celebrado em juízo entre o arrendatário e os trabalhadores rurais.

Autos conclusos em 20.09.2004.

Decido.

A liminar é de ser deferida. É que a vistoria se realizou, ao que parece, após a propriedade rural ter sido invadida pelo MST. A invasão balburdia a propriedade, é inegável. A questão merece, portanto, melhor exame.

Do exposto, defiro a medida liminar. Oficie-se.

Ao parecer da Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 04 de outubro de 2004.

Ministro CARLOS VELLOSO

– Relator –

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