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Anúncio em jornal não comprova abandono de emprego

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18 de outubro de 2004, 16h53

Anúncio publicado na imprensa pelo empregador pedindo retorno de empregado ao serviço, sob pena da caracterização de justa causa, não serve de comprovação de abandono de emprego. A decisão é dos juízes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

Segundo eles, a publicação em jornal depois do ajuizamento da ação, ainda que seja considerado o período de 30 dias, “é insuficiente para caracterizar o abandono de forma satisfatória. A prova deve ser robusta e convincente”, afirmou o relator, juiz Sérgio Pinto Martins.

No processo, a Interloc Locação de Veículo Ltda. recorreu ao TRT-SP contra decisão da 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, em São Paulo, que determinou o pagamento de verbas rescisórias a um trabalhador. A empresa alegou que o trabalhador abandonara o emprego apesar da publicação e, por isso, não teria direito às verbas conseqüentes ao rompimento do contrato de trabalho.

Para o TRT-2, no entanto, “a comunicação feita no jornal chamando o empregado ao trabalho não tem qualquer valor, pois o empregado não tem obrigação de lê-lo, nem na maioria das vezes dinheiro para comprá-lo. Poderia ocorrer de o empregador publicar o anúncio num jornal e o trabalhador ler outro”.

De acordo com o voto de Martins, a empresa precisava comprovar a intenção do trabalhador de abandonar o emprego e não mais retornar.

O ideal, segundo ele, é que a comunicação seja feita por meio de carta registrada, informando que o empregado deve retornar imediatamente ao serviço, sob pena de ser caracterizada a justa causa. O juiz afirmou que o empregador tem, inclusive, o endereço do empregado, podendo enviar-lhe comunicação postal com aviso de recebimento.

Outra alternativa apresentada por Martins é a notificação judicial, que é uma medida cautelar (artigos 867 a 873 do CPC). “Tem por objetivo prevenir responsabilidade, manifestando intenção de modo formal quanto ao retorno do obreiro ao serviço. O procedimento gozaria da vantagem de ser feito judicialmente, de o empregado ser citado para retornar ao serviço, apresentando, portanto, maior garantia jurídica”, afirmou.

Leia o voto do relator

PROCESSO N.° 01623.2000.465.02.00-5

5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo/SP

Recorrente: Interloc Locação de Veículos Ltda.

Recorrido: Ricardo Petravicius e Concessionária Ecovias dos Bandeirantes

EMENTA

Abandono de emprego. Publicação em jornal.

O fato de o empregado não atender a comunicação publicada na imprensa pelo empregador, pedindo seu retorno ao serviço, sob pena da caracterização da justa causa, não revela ânimo de abandonar o emprego. O ideal é que a comunicação seja feita por meio de carta registrada, informando que o empregado deve retornar imediatamente ao serviço, sob pena de ser caracterizada a justa causa. O empregador tem, inclusive, o endereço do empregado, podendo enviar-lhe comunicação postal com aviso de recebimento. Se o empregado tem endereço certo, deve a empresa notificá-lo pelo correio com aviso de recebimento ou por telegrama, que podem indicar o recebimento no endereço indicado e não por comunicação em jornal.

I – RELATÓRIO

Interpõe a primeira reclamada recurso ordinário às fls. 173/189 e aditamento às 200/204, insurgindo-se contra a sentença de origem, alegando que a segunda reclamada é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, que são indevidas horas extras e noturnas, que são indevidas diferenças salariais, que é indevida a multa do artigo 477 da CLT, que é indevido o vale transporte, que é indevida a restituição do desconto a título de assistência médica. Em aditamento, aduz que houve abandono de emprego a partir de 1.7.2000, sendo indevidas as verbas rescisórias, que é indevido o vale transporte, que não é devido ticket-refeição ou cesta básica.

Contra-razões às fls. 210/214 e 223/224.

Parecer do Ministério Público às fls. 227.

É o relatório.

II – ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. Houve pagamento das custas e depósito recursal, na forma legal (fls. 191/193). O patrono subscritor das medidas tem poderes outorgados nos instrumentos de fls. 71. Conheço do recurso, eis que preenchidos os requisitos legais.

III – FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

I – Preliminar

1. Ilegitimidade de parte

Incontroverso nos autos que a recorrente foi contratada pela segunda reclamada para prestação de serviços de guincho. A segunda reclamada, enquanto tomadora da prestação de serviços, foi beneficiada pela mão de obra do recorrido e, a teor do entendimento já consolidado no inciso IV do Enunciado 331 do TST, deve permanecer no pólo passivo da presente e responder subsidiariamente pelo crédito exeqüendo, independentemente da existência ou não de vínculo empregatício direto com o recorrido.


A responsabilidade subsidiária trabalhista decorre do fato de que o terceirizante tem culpa in eligendo ou in vigilando, por ter escolhido mal seu parceiro, que é inidôneo ou por não fiscalizá-lo quanto ao recolhimento das verbas trabalhistas de seus empregados. A constatação da inadimplência em relação aos direitos ora postulados é suficiente para a sua caracterização.

Rejeito.

II – Mérito

1. Horas extras e horas noturnas

A prova da jornada de trabalho era do autor, nos termos do artigo 818 da CLT, por se tratar de fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do CPC). Não basta serem feitas meras alegações (allegatio et non probatio quasi non allegatio).

O recorrente apenas impugnou genericamente os cartões de ponto. Todavia, não se desincumbiu de seu ônus de prova, motivo pelo qual não deve ser acolhido o pedido de horas extras e horas noturnas, já que em momento algum restou corroborada a jornada declinada na inicial. Frise-se que deveria, ao menos, ter demonstrado, ainda que por amostragem, diferenças a tais títulos em seu favor, o que lhe era exigível. É a regra do artigo 818 da CLT.

Dou provimento ao recurso para excluir da condenação horas extras e noturnas, bem como seus reflexos.

2. Diferenças salariais

Inconteste que houve continuidade na prestação de serviços do

recorrido e com vistas ao princípio da continuidade da relação de trabalho não é crível desejasse o recorrido ser contratado como empregado para receber salário inferior ao que até então vinha recebendo como autônomo.

O reclamante não era autônomo, tanto que prestava horas extras, como admite a empresa às fls. 181. Assim, tinha jornada de trabalho, indicando subordinação.

A tese favorece o recorrido, já que admitida a prestação de serviços, sem que houvesse prova convincente acerca da alteração nas tarefas desenvolvidas, o que interessaria à recorrente, lhe pertencendo tal ônus de prova.

Mantenho a sentença.

3. Multa do artigo 477 da CLT

Alega a recorrente que houve abandono de emprego, sendo indevida a multa do parágrafo 8.º do artigo 477 da CLT.

As verbas rescisórias foram pagas a destempo e em valores inferiores aos devidos. Ainda que se considere que houve abandono de emprego poderia a empresa consignar o pagamento das verbas reputadas devidas, tal como apontado em defesa, às fls. 66. Todavia, em audiência (fls. 54) deixou de colocá-las à disposição, como disse que faria. Tampouco tratou de consignar o pagamento. Logo, não há como excluir da condenação a multa do parágrafo 8.º do artigo 477 da CLT pelo atraso na quitação das verbas rescisórias. Mantenho.

4. Vale-transporte

A prova do requerimento do vale-transporte era do reclamante, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 818 da CLT e do inciso I do artigo 333 do CPC. A empresa não tem como saber quantas conduções e de que tipo o empregado precisa, se este não faz requerimento indicando a condução necessitada. De outro lado, a empresa não pode fazer prova negativa de que o reclamante não requereu o vale-transporte.

Cabe ao empregado fazer o requerimento do vale transporte, indicando as conduções que necessita, nos termos do artigo 7.º do Decreto n.º 95.247/87.

A Orientação Jurisprudencial n. 215 da SDI do TST mostra que “é do empregado o ônus de comprovar que satisfaz os requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte”.

Dou provimento ao recurso para excluir da condenação o vale-transporte.

5. Descontos de assistência médica

O recorrido comprovou por meio do documento de fls. 20 que deveria ser reembolsado dos descontos efetuados a título do convênio saúde. Portanto, não prevalece a alegação da recorrente.

A sentença analisou a matéria de acordo com o conjunto da prova contida nos autos. Fica mantida a sentença.

6. Abandono de emprego

Incumbia à recorrida comprovar a intenção do autor de abandonar o emprego e não mais retornar, em se tratando de falta grave que lhe aproveita, em atenção ao previsto no artigo 818 da CLT e inciso II do artigo 333 do CPC.

Entretanto, a publicação em jornal após o ajuizamento da ação, ainda que se considere o lapso temporal de 30 dias, é insuficiente para caracterizar o abandono de forma satisfatória. A prova deve ser robusta e convincente.

A comunicação feita no jornal chamando o empregado ao trabalho não tem qualquer valor, pois o empregado não tem obrigação de lê-lo, nem na maioria das vezes dinheiro para comprá-lo.

Poderia ocorrer de o empregador publicar o anúncio num jornal e o trabalhador ler outro.

O fato de o empregado não atender a comunicação publicada na imprensa pelo empregador, pedindo seu retorno ao serviço, sob pena da caracterização da justa causa, não revela ânimo de abandonar o emprego.


O ideal é que a comunicação seja feita por meio de carta registrada, informando que o empregado deve retornar imediatamente ao serviço, sob pena de ser caracterizada a justa causa. O empregador tem, inclusive, o endereço do empregado, podendo enviar-lhe comunicação postal com aviso de recebimento. Se o empregado tem endereço certo, deve a empresa notificá-lo pelo correio com aviso de recebimento ou por telegrama, que podem indicar o recebimento no endereço indicado e não por comunicação em jornal.

A notificação também poderia ser extrajudicial, sendo realizada pelos cartórios de títulos e documentos, pois há fé pública nos atos praticados pelo cartório.

Poderia, ainda, ser feita mediante notificação judicial, que é uma medida cautelar (arts. 867 a 873 do CPC). Tem por objetivo prevenir responsabilidade, manifestando intenção de modo formal quanto ao retorno do obreiro ao serviço (art. 867 do CPC). O procedimento gozaria da vantagem de ser feito judicialmente, de o empregado ser citado para retornar ao serviço, apresentando, portanto, maior garantia jurídica, inclusive quanto ao recebimento da comunicação no endereço do trabalhador.

Na jurisprudência são encontrados acórdãos indicando que nenhum valor tem a publicação em jornal:

Abandono de emprego – publicações em jornais – ineficácia – caracterização desta falta grave – Ao alegar a ocorrência de falta grave ensejadora da dispensa motivada do trabalhador, a empregadora assumiu o ônus de prová-la (art. 818 da CLT), devendo fazê-lo de modo a não restar dúvida da ocorrência do fato, da culpa do empregado e da relação de causalidade. As publicações efetuadas em jornal local, denunciando o abandono de emprego ou incitando o empregado a retornar ao serviço, não produzem nenhum efeito jurídico porque: a- o patrão possui o endereço do empregado, ou devia possuí-lo, pois é elemento que consta do registro de empregados, sendo mais fácil e menos oneroso a chamada via postal; b- não existe imposição legal obrigando quem quer que seja a ler jornal, tanto menos um empregado que, se souber ler, certamente não tem recursos para comprá-los; c- as publicações não possuem os mesmos efeitos jurídicos dos editais, pois o empregador deve possuir o endereço do empregado, inaplicando-se o art. 231 do Código de Processo Civil; d- o empregador deveria ter usado a ação de consignação em pagamento, ao verificar o abandono de emprego, esquivando-se de eventuais responsabilidades futuras. Além do mais, o abandono de emprego caracteriza-se pela ocorrência concomitante de dois elementos: um objetivo, configurado pela ausência concomitante e injusta por um período de trinta dias consecutivos (En. n.º 32 do Colendo TST); outro subjetivo, sendo um ato intencional, traduzido no ânimo de o empregado não mais retornar ao serviço. Recurso desprovido (TRT, 24ª R., RO 1.359/95, j 14.09.95, Rel. Juíza Geralda Pedroso, DJ MS 18.10.95, p. 51).

As convocações de retorno ao trabalho efetivadas por meio da imprensa não têm valor probatório quando dirigidos a empregados que possuem endereço certo e determinado, inclusive conhecido do empregador (TRT, 13ª R., RO 1.572/96, Ac. 30588, j 17.9.96, Rel. Juiz Haroldo Coutinho de Lucena, LTr 61-05/712).

Abandono de emprego. Publicação em jornal.

A comunicação feita no jornal chamando o empregado ao trabalho, não tem qualquer valor, pois o empregado não tem obrigação de lê-lo, nem na maioria das vezes dinheiro para comprá-lo. O ideal é que a comunicação seja feita por meio de carta registrada ou até de notificação judicial. O fato de o empregado não atender a comunicação publicada na imprensa pelo empregador pedindo retorno do trabalhador ao serviço, sob pena da caracterização da justa causa, não revela o seu ânimo de abandonar o emprego. Deve o empregador mandar uma carta com aviso de recebimento, ou telegrama, convocando o obreiro para o retorno ao trabalho. Poderia também ser feita uma notificação judicial ou extrajudicial (TRT, 2ª R., 3ª T., RO 02980509951, Ac. 199990500986, j 21.9.99, Rel. Sergio Pinto Martins, DO SP 5.10.99, p. 34).

A publicação no jornal da convocação do emprego para voltar ao serviço constitui mero indício, mas não prova suficiente de que o empregado abandonou o emprego.

São devidas as verbas rescisórias e guias deferidas na sentença.

7. Ticket refeição ou cesta básica

Não há nos autos recibos de fornecimento de ticket refeição ou mesmo cesta básica. Faz jus o recorrido à indenização deferida na decisão de fls. 194/197. Mantenho.

IV – DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço do recurso, pois preenchidos os requisitos legais, rejeito a preliminar de ilegitimidade de parte e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para excluir da condenação horas extras e noturnas, bem como seus reflexos e o vale-transporte, tudo nos termos da fundamentação. Fica mantido o valor da condenação.

É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz relator

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