Olho por olho

Advogado do PCC é condenado a sete anos de prisão

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14 de outubro de 2004, 16h41

A juíza Marcia Helena Bosch, de São Paulo, condenou o advogado Mario Sérgio Mungioli a sete anos e seis meses de prisão. Ele é acusado de compor e “linkar” a chefia do PCC, o Primeiro Comando da Capital.

Ele estava advogando para os detentos Marcos William Herbas Camacho, vulgo Marcola, e Julio César Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, apontados como líderes supremos do PCC — fundado em 1993, no sistema penal paulista, para compor um fundo de extorsões de presos, tráfico e homicídio.

As investigações contra o advogado são tocadas pelo promotor Roberto Porto, do Gaeco, grupo de elite do MP paulista.

Conheça trechos da decisão:

QUINTA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO PAULO

Processo n° 050.03.078176-0 – cinco volumes

Controle n° 1546/2003

VISTOS.

MARIO SERGIO MUNGIOLI, qualificado nos autos, foi denunciado pela JUSTIÇA PÚBLICA como incurso nas penas do artigo 288, parágrafo único, do Código Penal c.c. artigo 8°, da Lei 8072/90.

Narra a denúncia que o acusado, na condição de advogado dos presos Marcos Willian Herbas Camacho, vulgo Marcola e Julio Cesar Guedes de Moraes, vulgo Julinho Carambola, tinha a função de visitar as lideranças da organização criminosa “PCC – Primeiro Comando da Capital”.

Esta organização – PCC – segundo a denúncia, se formou a partir do ano de 1993, com o objetivo de praticar extorsões contra detentos e seus familiares, determinado execuções de outros presos, a fim de se atingir a liderança nos sistemas prisionais, estendendo suas operações, com o passar dos anos, para a realização de crimes fora do sistema prisional, ai inserido 0 tráfico de drogas e outros tantos crimes graves.

O acusado, então advogado de integrantes desta facção, conforme nomes acima mencionados, comparecia no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, na cidade de Presidente Bernardes, com o fim de propalar mensagens relacionadas às decisões tomadas pelos líderes e demais integrantes desta organização em outras unidades prisionais e fora do sistema prisional.

Consta que no dia 06 de junho de 2003, o acusado, ao encerrar visita a Julio Cesar Guedes de Moraes, seu cliente e integrante da organização “PCC”, deixou cair um manuscrito contendo os seguintes dizeres: ” Vou continuar trazendo notícias da PE — o pessoal pergunta se é melhor com você ou com o M. “, sendo que neste bilhete informava que continuaria trazendo informações da Penitenciária do Estado, indagando aos presos daquele estabelecimento, se era melhor dirigir estas notícias ao Julinho Carambola ou a Marcola, integrante desta organização criminosa. ‘

Consta também na denúncia que o acusado, segundo registros, visitava sistematicamente vários líderes da organização, apesar de defender somente alguns deles em juízo.

Segue a denuncia narrando que o acusado visitou o preso Alexandre Francisco Sandof, vulgo X no estabelecimento prisional em Avaré e que este preso determinou que o acusado se comunicasse com o líder da organização (PCC), o Marcola, pretendendo que se realizasse uma série de atividades criminosas como represália ao isolamento dos líderes no Regime Disciplinar Diferenciado, como por exemplo, explosões de bombas em locais públicos e scqüestnos, conforme informações escritas deste episódio passadas pelo então Diretor Técnico da Penitenciária de Avaré.

No dia 30 de setembro de 2003, o acusado, ao deixar o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, momento em que visitava seus clientes 1Warcos Willian Herbas Camacho, vulgo Marcola e Julio Cesar Guedes de Moraes, vulgo Julinho Corczmbola, foi surpreendido portando manuscritos e mensagens datilografadas dirigidas a ele e à massa carcerária, comprovando que de fato atuava para estabelecer comunicação entre a massa carcerária e os líderes desta organização criminosa.

A denúncia foi recebida dia 24 de outubro de 2003 (fl. 175).

O acusado foi citado e interrogado (fls.157.259.)

A defesa prévia foi oferecida as fls.

Em instrução foram tomados os depoimentos de três testemunhas arroladas pela acusação e de cinco testemunhas arroladas pela defesa (fls. 459/474, 475/482, 502/503, 5861587, 588, 589, 614 e 615).

As fls. 192/206 e 609/619 foram juntados aos autos os laudos de exame das peças (manuscritos e bilhetes) apreendidos com o acusado.

Superada a fase do artigo 499, do Código de Processo Penal as partes apresentaram suas alegações finais em forma de memoriais.

O representante do Ministério Público pugnou pela procedência da ação penal nos exatos termos da denúncia (fls. 845/926).

A defesa, por seu turno, postulou pela improcedência da ação, com a absolvição do acusado, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, alegando, preliminarmente: a) nulidade dei autorização judicial expedida pelo DIPO para escuta no relatório do CRP de Presidente Bernardes por confrontar as Leis 9z96/96 e 8906/94; b) nulidade elo flagrante,- c) ausência de instauração de inquérito policial para apurar os juntos; c) contradição nos depoimentos da testemunha Marco Aurélio de Souza; d) suspeição da, testemunha Rui Ferra-7 Fontes, conforme artigo 214 do Código de Processo Penal,- e) inépcia da denúncia, pois acusei individualmente o acusado como integrante de quadrilha ou bando, sendo que não existe qualquer decisão judicial quanto a responsabilidade criminal de qualquer membro da propalada organização criminosa que o acusado, faz parte; f) está provado nos autos que no momento da prisão do acusado, havia um cinegrafista no local, o qual não,foi identificado; g) a prisão do acusado foi para encobri- os desvios e corrupção por parte da polícia paulista, o que vinha sendo noticiada semanas antes da prisão do acusado pela imprensa; h) u acusado, foi mantido preso por cinco meses e doze dias indevidamente no Regime Disciplinar Diferenciado.


Quanto ao mérito da ação penal, a defesa alegou que: o acusado, quando preso, estava no estrito cumprimento de suas funções profissionais-; dentre os inúmeros nomes mencionados na denúncia, o acusado tem como clientes apenas dois deles; a denúncia contém apenas generalidades e conclusões claudicantes e imperfeitas; a conduta do acusado em hipótese alguma se amolda ao tipo previsto para o crime de quadrilha ou bando; as conversas mantidas entre o acusado e seus clientes no parlatório do presídio de Presidente Bernardes somente vêm a confirmar sua inocência; os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, os policiais, são imprestáveis, inverídicos e contraditórios, pois mentiram deliberadamente em Juízo; toda a prova acusatório é tendenciosa; cr interceptação por áudio e vídeo da entrevista entre o acusado e seu cliente, no parlatório do presídio de Presidente Bernardes é nula; o acusado está sendo vítima de perseguição política, retaliação e sua prisão tem caráter puramente político e isto porque vinha denunciado e exigindo providências contra maus tratos dos presos nos diversos estabelecimentos prisionais; nus buscas realizadas no escritório e na residência do acusado, nada , foi encontrado que pudesse incriminá-lo; o acusado é primário, sem qualquer antecedente criminal, excelente pessoa e profissional, conforme confirmaram.

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Quanto às nulidades argüidas pela defesa em suas alegações finais (nulidade da autorização para escuta no parlatório e nulidade do flagrante), tem-se que as mesmas não podem ser acatadas.

O flagrante não é nulo como defende a defesa, pois o acusado foi preso enquanto visitava clientes seus no presídio de Presidente Bernardes e isto porque, conforme já desconfiava e investigava a polícia, trazia manuscritos e bilhetes datilografados comprovando sua ligação com membros da organização criminosa conhecida por “PCC”.

Não se trata também de flagrante nulo, por ser provocado ou preparado, conforme alegou a defesa, o que não se confunde com o flagrante esperado, pois é sabido que o primeiro (provocado), trata de crime putativo por obra do agente provocador e o segundo (esperado), trata de atividade policial consistente no aguardo do cometimento do crime, sem qualquer induzimento ou instigação.

Igualmente engana-se a defesa quando alega que os fatos deveriam ter sido objeto de investigação

através de instauração de inquérito policial dia 17 de ,junho,’ cíc2003.

Ainda que a autoridade policial contasse com elementos e convicção de prática de crime por parte do acusado e isto após ele ter deixado cair um manuscrito no dia 06 de junho de 2003, contendo mensagem comprometedora, somando-se a informação escrita passada pelo Diretor do Presídio de Avaré, onde o acusado esteve visitando um preso, conforme menciona a denúncia, poderia perfeitamente ter esperado, como de fato esperou, o melhor momento para desencadear as investigações contra o acusado, assim como poderia perfeitamente esperar o melhor momento para agir, buscando inclusive a prisão em flagrante do acusado, como de fato ocorreu.

Pela análise dos autos, apura-se que antes da prisão do acusado, diversas diligências (procedimentos), vinham sendo requeridas pela Autoridade Policial, como por exemplo a escuta no parlatório do presídio de Presidente Bernardes, requerimento este que foi dirigido ao Poder Judiciário.

Pela leitura do auto de prisão em flagrante, dúvidas não restam de que a polícia, sabendo que o acusado estaria visitando seus clientes no presídio de Presidente Bernardes e já bastante desconfiada da sua conduta, para lá se dirigiu e sem qualquer provocação ou indução, após revistá-lo e com ele achar manuscritos e bilhetes naquele local, o prendeu em flagrante.

Também não se trata de flagrante forjado, conforme sugere a defesa (criação de provas inexistentes pela polícia) e tampouco de flagrante nulo pelo fato das testemunhas de acusação terem mentido, o que melhor será analisado juntamente com o mérito desta ação penal.

Assim, tem-se que, dentro na nossa ordem jurídica e valei-ido-se dos princípios dum negócio o processo penal, poderia o acusado ter contra ele instaurado inquérito policial; poderia ter sido preso por meio de prisão temporária ou preventiva, decretada no curso destas investigações ou no curso do processo ou poderia ser preso, como de fato foi, em flagrante delito, não sendo obrigação legal da Autoridade Policial, tal como postula a defesa, a instauração de inquérito policial contra o acusado antes de qualquer ato de restrição à sua liberdade.

Quanto à escuta ambiental colocada no parlatório do presídio de Presidente Bernardes, com o que se debate a defesa, sustentando ser ilegal este procedimento e isto porque ofende as disposições das Leis 9296/96 e 8906/94, a resignação não procede.


O primeiro ponto que deve ficar esclarecido é quanto ao diploma legal que regula este tipo de escuta, pois por óbvio que não se trata de interceptação de comunicações telefônicas, regulada pela Lei 9296/96, conforme coloca a defesa.

A escuta ambiental, mediante autorização judicial, conforme ocorreu neste caso, tem sua previsão na Lei 9034/1995, a qual dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, conforme se extrai do seu artigo 2°, inciso IV.

Portanto, esta escuta autorizada no parlatório do presídio de Presidente Bernardes, onde o

acusado comparecia para visitar seus clientes, conforme se apura pelo documento de fls. 937/939, foi judicialmente autorizada e deferida (por meio de decisão suficientemente fundamentada do DIPO), com respaldo na Lei 9034/1995, perfeitamente aplicável ao caso.

Também engana-se a defesa quando sustenta que esta escuta ofende a Lei 8906/94, a qual garante o sigilo das conversas entre advogados e seus clientes, sem qualquer ressalva, pois todos os direitos dos cidadãos, incluindo-se ai os advogados, garantidos pela nossa Constituição, são direitos desde que não ofendam a lei, o que vale dizer que a lei assegura o sigilo das conversas entre os advogados e seus clientes, mas não assegura o sigilo das conversas entre criminosos, podendo perfeitamente um deles ser e estar no momento da infração, na condição de advogado.

Esta escuta, instrumento de investigação utilizada pela autoridade policial, não tinha por objetivo investigar crimes dos clientes do acusado apenas, muito mais do que isso, buscava provas de que o acusado, por acaso advogado, também compunha uma associação criminosa com atos praticados por ele exatamente no momento em que visitava seus clientes, donde o direito ao sigilo das conversas entre ele e seus clientes (também comparsas), foi superado pelo direito-dever do Estado em investigar crimes e responsabilizar os culpados por estes crimes.

Com relação às demais nulidades argüidas pela defesa nas suas alegações finais (inclusive inépcia da denúncia), tem-se que as mesmas abordam questões ligadas unicamente ao mérito da presente ação e a este título serão analisadas.

O acusado está sendo processado por crime de formação de quadrilha ou bando, o que reputa impossível a defesa, alegando várias matérias de ordem prática e outras de ordem científica.

Entendem as defensoras do acusado que seria impossível a sua condenação nestes autos, pois o acusado foi denunciado individualmente por formação de quadrilha ou bando, além do fato de que quanto aos nomes mencionados na denúncia, todos eles de presos que cumprem pena em diversos presídios, inexiste qualquer decisão condenatória contra eles.

Quanto a esta parte das alegações da defesa, cabe o esclarecimento de que em primeiro lugar, o tipo do artigo 288, do Código Penal, prevê a associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

Com isto inegável que é irrelevante para a caracterização deste tipo o fato dos membros desta quadrilha ou bando terem praticado efetivamente o crime, pois trata-se de crime permanente e autônomo , o que já afasta a alegação da defesa de que nenhum dos membros desta suposta associação, da qual pertence o acusado, foram responsabilizados judicialmente pela prática de crimes nesta condição.

Outra alegação que não se pode admitir da defesa é quanto à ausência dos demais nomes dos membros desta quadrilha ou bando, pois o acusado foi denunciado individualmente, conforme se extrai da denúncia.

Ainda que se admita o sensacionalismo de que parte da imprensa e até mesmo algum exagero de sua parte ao veicular notícias policiais, hoje é fato público e notório a existência do Primeiro Comando da Capital – PCC, sendo pacífico, após anos de investigações por parte do serviço de inteligência da polícia do Estado de São Paulo, que se trata de uma organização criminosa, composta por detentos que ocupam uma ordem hierárquica (fundadores, pilotos, soldados, etc).

Esta organização é composta por um sem número de integrantes, sedo certo que exatamente por se tratar de crime organizado, a polícia não conta com a qualificação de todos os seus integrantes, fato perfeitamente compreensível.

Tão pacífica e certa é a existência do PCC, que os próprios presidiários gabam-se em pertencer a ele, logicamente que não admitindo os crimes que praticam ou mandam praticar em nome do PCC, mas os próprios integrantes desta associação não negam a existência dela e tampouco, os riscos que ela representa para a ordem pública.

A Megarrebelião que ocorreu simultaneamente em diversos presídios do Estado de São Paulo em 2001, deixou muito clara a atuação desta facção, a qual chamou para si e chama em diversas ocasiões, a responsabilidade pela organização deste fato.


Após anos de investigação e estudo sobre o crime organizado, a polícia do Estado de São Paulo conseguiu identificar alguns (e os principais) líderes desta facção, a sua composição, a distribuição de tarefas que existe dentro dela, seus objetivos e ainda, a autoria e responsabilidade de diversos crimes graves que ocorreram.

Contra este dado não existe argumento e tampouco necessitaria a acusação trazer provas disto, pois é sabido que os fatos públicos e notórios dispensam provas, segundo a teoria geral do processo.

Pois bem, superada e sendo certa a questão da existência do PCC como uma organização criminosa, composta por mais de três pessoas, para o fim de cometer crimes, independentemente das qualificações de todos os seus integrantes, pois se trata de crime organizado, resta apreciar a associação do acusado nesta facção, tal como colocado pela denúncia.

Uma questão que deve, em poucas linhas, ser esclarecida de uma vez por todas neste caso, é a insistente alegação da defesa de que o acusado somente encontra-se preso e sofrendo tão pesada acusação por questões de perseguição, política, complô, animosidades com o delegado arrolado como testemunha da acusação, dentre outras.

Ora, esta alegação da defesa, mas precisamente, esta linha que adotou desde o início da instrução, inclusive quando insistiu a juntada nestes autos dos termos de audiências realizadas em outras varas, onde o acusado atuou como advogado e o delegado Dr. Ruy Fontes foi testemunha de acusação, pretendendo demonstrar este alegado mal estar, subestima a capacidade deste juízo e do Poder Judiciário como um todo.

Por óbvio que uma pessoa somente é mantida presa cautelarmente e processada, diante da existência de fortes indícios de autoria e materialidade contra ela.

Ainda que uma prisão seja arbitrária, ou até mesmo movida por sentimento de vingança, perseguição, ou motivos políticos, tão logo preso qualquer cidadão, este procedimento é remetido ao Ministério Público que, com prazo definido por lei, oferece a denúncia, opina pelo arquivamento do feito ou requer diligências.

Oferecida a denúncia e dando início ao processo, a questão passa para a análise do Poder Judiciário, que logicamente tem poderes (e dever) para avaliar constantemente qualquer ato ilegal, abuso, ou exagero nas providências até então tornadas contra o acusado, especialmente se sua prisão é conveniente, legal e necessária ou não no curso do processo.

O acusado aqui conta com defensoras constituídas, as quais não se cansaram em buscar sua liberdade provisória, o relaxamento da sua prisão em flagrante, tanto nesta instância quanto na instância superior, desde o momento em que foi preso.

Com isto se tem como insubsistente a alegação de que tudo não passa de uma armação e perseguição contra o acusado, pois acaso realmente houvesse provas ou ao menos indícios deste fato nos autos, certamente este … já teria providenciado a liberdade provisória acusado e há muito.

A questão da animosidade entre o acusado e o delegado ouvido como testemunha de acusação, neste e em outros processos onde o acusado atuou como advogado, não conta com apoio nos autos.

Ainda que exista antipatia ou outro sentimento similar entre o acusado e esta testemunha, até porque o acusado afirmou no seu interrogatório que se sente inimigo do delegado, o que vale analisar aqui é se esta relação entre eles extrapolou a esfera íntima das partes, tomando feições de provas criadas contra o acusado, o que realmente não se constata.

Ademais, segundo o acusado, toda a antipatia e reprovação alimentada por ele por parte do Delegado de Polícia que o prendeu, assim como dos Promotores de Justiça que presenciaram sua prisão, seria porque constantemente e na defesa dos direitos humanos dos presos, reclamava sobre os maus tratos aos presos e sobre as mazelas carcerárias.

Esta alegação e pseudo-motivo encontrado pelo acusado para justificar sua prisão e tão injusta acusação contra ele não conta com amparo lógico, pois os maus-tratos e ofensas a direitos dos presos, caso confirmados, jamais poderiam ser imputados ao Delegado Dr. Ruy Fontes e mesmos os Promotores de Justiça que o acompanharam a Presidente Bernardes.

O acusado foi preso em flagrante delito assim que terminada suas visitas a dois clientes seus, presos em Presidente Bernardes, Marcos Willian Herbas Camacho e Alio César Guedes de Moraes e isto porque, tal como suspeitava a polícia, portava manuscritos e anotações datilografadas que comprovaram a sua associação com membros do PCC.

Em outros processos onde o acusado atuou como advogado, não conta com apoio nos autos.

Ainda que exista antipatia ou outro sentimento similar entre o acusado e esta testemunha, até porque o acusado afirmou no seu interrogatório que se sente inimigo do delegado, o que vale analisar aqui é se esta relação entre eles extrapolou a esfera íntima das partes, tomando feições de provas criadas contra o acusado, o que realmente não se constata.


Ademais, segundo o acusado, toda a antipatia e reprovação alimentada por ele por parte do Delegado de Polícia que o prendeu, assim como dos Promotores de justiça que presenciaram sua prisão, seria porque constantemente e na defesa dos direitos humanos dos presos, reclamava sobre os maus tratos aos presos e sobre as mazelas carcerárias.

Esta alegação e pseudo motivo encontrado pelo acusado para justificar sua prisão e tão injusta acusação contra ele não conta com amparo lógico, pois os maus-tratos e ofensas a direitos dos presos, caso confirmados, jamais poderiam ser imputados ao Delegado Dr. Ruy Fontes e mesmos os Promotores de Justiça que o acompanharam a Presidente Bernardes.

O acusado foi preso em flagrante delito assim que terminada suas visitas a dois clientes seus, presos em Presidente Bemardes, Marcos Willian Herbas Camcrcho e Afio Céscrr Guedes de Moraes e isto porque, tal como suspeitava a polícia, por-tava manuscritos e anotações datilografadas que comprovaram a sua associação com membros do PCC.

Os depoimentos das testemunhas de acusação prestados em juízo, os quais apenas confirmaram os depoimentos que prestaram no auto de prisão em flagrante não deixam dúvidas da forma como se deu a ação do acusado e dos motivos legais que levaram à sua prisão.

Presentes naquele presídio, o Delegado de Polícia Dr. Ruy Fontes, acompanhado de dois Promotores de Justiça e de um investigador de Polícia, todos envolvidos nestas investigações, valendo-se de escutas judicialmente autorizadas no parlatório daquele presídio, assim como de outros elementos de investigação, cientes de que o acusado estaria naquele dia visitando dois de seus clientes, abordaram o acusado no final das visitas e com ele apreenderam os bilhetes e anotações que comprovaram a prática delituosa por parte dele.

Diferentemente do que alega a defesa também não se pode afirmar que estas testemunhas (de acusação) mentiram em juízo, pois ainda que os seus depoimentos prestados em juízo, quando comparados com aqueles que prestaram à Autoridade Policial, não sejam idênticos, decorados e reproduzidos – o que aí sim este juízo teria motivos para desconfiar deles – dúvidas não restaram de que tão logo saía das visitas, o acusado foi preso portando os mencionados bilhetes datilografados e manuscritos.

Em nada macula a ação policial o fato de ter sido dada voz de flagrante ao acusado no próprio parlatório ou em uma sala ao lado deste parlatório, tal como insistiu a defesa nas suas reperguntas, pois efetivamente esta questão não interessa ao deslinde da ação.

Os manuscritos apreendidos com o acusado, conforme cópias de fls. 37140, os quais foram submetidos a perícia grafotécnica, momento em que se confirmou ter partido do punho do próprio acusado (laudo de f1s. 192/206), não deixam dúvidas de que, valendo-se da sua condição de advogado, levava e trazia informações (e ou recados), para presos de presídios variados, sendo que alguns destes presos, conforme é de conhecimento público e notório, pertencem ao PCC.

Igualmente os bilhetes datilografados encontrados com o acusado, após regular perícia, partiram de sua máquina mecânica de escrever, conforme comparação realizada entre estes bilhetes e diversas petições e procurações apresentadas e subscritas pelo acusado em diversos processos que atua como advogado.

O teor destes bilhetes (tanto os manuscritos como os datilografados), depois de “traduzidos” da “linguagem carcerária” para a linguagem coloquial, ofício bem desempenhado pela polícia, a quem compete o contato direto e diário com presos e sua forma própria de se comunicar, não deixam dúvidas de que o acusado servia de comunicação (contato) entre diversos presos, de sistemas penitenciários distintos e alguns certamente integrantes do PCC.

Estas mensagens, levadas e trazidas pelo acusado, valendo-se da sua condição de advogado de alguns destes presos (já considerado que dentre os diversos nomes de presos mencionados na denúncia, o acusado era advogado de apenas dois deles), sem dúvidas travavam diálogos entre os criminosos dos mais variados assuntos, tais como: vingança contra presos jurados de morte, corretivos em presos que desobedeceram as regras.

Impostas pela própria população carcerária, integrantes do PCC, compra de armamento pesado.

Ao lado destas mensagens que a polícia conseguiu decifrar, existem ainda anotações não decifradas, como por exemplo, os lançamentos de fls. 38139 (Ok, procede, agrad. P. Bird e+, plenale concordo, etc.), as quais, exatamente pela forma grafada, misteriosa e codificada que foi lançada, o que não se pode admitir como normais e lícitas quando partidas de punho de advogado, também provam se tratar de comunicação entre presos que não podem ser reveladas e conhecidas por parte da polícia e Justiça.

Dos bilhetes datilografados (conforme cópias de fls. 48/54), os quais foram apreendidos com o acusado, apura-se comunicação entre os presos, donde se extrai, dentre as várias comunicações:


-promessa de vingança e morte contra o preso que tomou uma atitude drástica em relação à visita de um companheiro e foi cobrado com rigor, exclusão e um abração firmão e fortão – 3′ anotação de fl. 48; aquisição de armas pesadas, Pegamos um L. recar-regável e 2 bicudos 47 e daremos continuidade neste sentido – ou seja, aquisição de mais armas – 2° anotação de fl. 48; perdão de presos, A respeito da caminhada do Sarará, chegou um salve que o Bola deu uma oportunidade para ele e voltou ele para a caminhada. Procede? – 5° anotação de fl. 48; morte por espancamento de um dos presos do CDP da Vila Prudente, o qual era portador de problemas mentais, sendo que os “pilotos” não apuraram isso e cometeram uma injustiça ao baterem nele até levá-lo a morte – 1″ anotação de fl. 49;

Quanto aos bilhetes manuscritos encontrados com o acusado no dia da sua prisão, a versão apresentada por ele no seu interrogatório chega a ser pueril, pois não se pode imaginar que um advogado, com qualificação acima da média dos advogados, pois o acusado, além de advogado é sociólogo e escritor de livros, possa lançar anotações codificadas e ainda, coincidentemente, com imensa semelhança da forma de comunicação da população carcerária e isto simplesmente por motivo de pressa ou gosto.

Anotações em inglês por parte de quem não conhece e tampouco domina a língua inglesa, conforme informado por ele no seu interrogatório, também é inacreditável…

Anotações de preso, que não trabalha, não tem renda (ou não deveria ter), cliente seu, integrante do PCC, pretendendo presentear um primo seu com um tênis doze molas, de alto custo, e ainda atribuindo ao seu advogado, contratado para defender seus direitos e buscar sua liberdade, esta missão de presentear seu primo com um par de tênis, também é inacreditável…

Realmente a versão do acusado sobre os seus manuscritos, aqueles que foram apreendidos com ele quando de sua prisão em flagrante, não tem como convencer este juízo de que aquilo não se trata de comunicações entre presos, dentre eles, alguns integrantes do PCC.

Quanto aos bilhetes datilografados, onde se provou que partiram da máquina de escrever utilizada pelo acusado para as suas petições e preenchimento de procurações, tem-se que o álibe do acusado para isto não prospera.

Segundo o acusado e sua defensora, estes bilhetes foram criados pela polícia, valendo-se da máquina de escrever que misteriosamente teria desaparecido do escritório do acusado, logo após a sua viagem para Presidente Bernardes, sendo que o seu escritório estava trancado, sem que ele tenha secretária ou outro empregado permanecido ali.

Da análise dos autos e das investigações iniciadas contra o acusado, até se chegar a sua prisão em flagrante, realmente não se tem como crível esta alegação, pois a polícia, munida de um mandado de busca domiciliar para efetuar buscas no escritório e na residência do acusado, nada encontrou nestes dois locais.

Não se pode imaginar a utilidade da criação desta prova (consistente na confecção fraudulenta destes bilhetes), por parte da polícia, pois não se pode perder de vista que além destes bilhetes datilografados, a policia contava com os bilhetes manuscritos pelo próprio acusado, os quais, por si só, já são bastante elucidativos sobre a sua associação com alguns “clientes” seus, integrantes do PCC.

Esta tentativa do acusado e sua defesa em pretender incriminar a polícia – consistente na criação desta prova contra ele – mais parece ser argumento para quem não tem argumento, levando-se em conta o teor altamente comprometedor e esclarecedor destas anotações, donde não sobrevive qualquer dúvidas sobre a associação criminosa por parte do acusado com diversos presos, dentre eles vários integrantes do PCC.

E ainda, conforme ofício de fl. 103 e bilhete de fl. 104, o acusado, logo quando terminou sua visita ao seu cliente Julio César Guedes de Moraes, no dia 03 de junho de 2003, deixou cair um bilhete escrito: “Vou continuar trazendo notícias da P.E. 0 pessoal pergunta se é melhor c/ você ou com o M ” (fl. 104).

O teor deste bilhete, segundo a denúncia, é mais uma confirmação que o acusado servia para levar e trazer mensagens dos presos de presídios distintos, sendo que nele o acusado indaga ao seu cliente Julio César se as notícias que ele continuaria trazendo na Penitenciária do Estado deveriam ser repassadas ao próprio Julio César ou ao “Marcola”, alcunha do preso e também cliente seu, apontado como o atual líder do PCC, Marcos Willian Herbas Camacho.

Quando indagado a respeito deste bilhete, o acusado, confirmando que realmente este bilhete é de sua autoria, alegou que este bilhete foi escrito para ele mesmo, sendo que o “M” representa a inicial do seu próprio nome e isto quando solicitou transferência de um preso chamado Gilmar.


Outra explicação por parte do acusado absolutamente pueril e improvável, até porque contra este bilhete, manuscrito por ele mesmo e bastante objetivo, cabe pouquíssima explicação, tamanha objetividade e clareza que representa.

Quanto à testemunha arrolada pela acusação Marco Aurélio de Souza, a qual em juízo alegou nada saber e nada ter dito contra o acusado, logicamente que estando preso esta testemunha e conhecendo bem a lógica carcerária, especialmente para aqueles considerado pelos presos como “dedo duro”, nada falaria contra o acusado, fato este absolutamente previsível e lógico.

Quanto ao material colhido na fase das investigações, ou seja, a escuta ambiental autorizada pela Justiça no parlatório de Presidente Bernardes, bem como a gravação de cenas neste mesmo local, material este que a defesa ataca como imprestável e viciado, tem­se que o mesmo serviu de importante subsídio para as investigações por parte da Autoridade Policial, a qual, valendo-se destes elementos, logrou prender o acusado em flagrante contendo bilhetes manuscritos e datilografados onde resta patente a sua ligação com a associação criminosa conhecida por Primeiro Comando da Capital – PCC, formada seguramente por mais de quatro pessoas, para a prática reiterada de crimes.

E finalmente, quanto às testemunhas de defesa ouvidas em regular instrução, ainda que as mesmas tenham confirmado sobre os antecedentes e a personalidade do acusado, estas informações não lograram enfraquecer o robusto conjunto probatório que se formou contra ele após regular instrução processual, com a garantia dos princípios da ampla defesa e do contraditório, dentre outros.

Assim, da análise de tudo o que sé colheu nos autos e principalmente, da análise de toda a matéria trazida pela defesa, o reconhecimento do crime descrito na denuncia por parte do acusado é incontestável.

A condenação do acusado aqui, após as provas colhidas contra ele, as quais a sua defesa não logrou refutar, ainda que não calcada em um método cientifico, mas certamente, dentro da sistemática processual fornecida pela nossa ordem jurídica, é medida de rigor.

Assim, procedente a ação penal, passo a dosar a pena prescrita para o delito previsto no artigo 288, parágrafo único, do Código Penal, c.c. artigo 80, da Lei 8072/90.

Na análise das circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal, verifica-se que o acusado não ostenta antecedentes criminais.

Ocorre que, não se pode perder de vista, que o artigo 59 acima citado, prescreve ao julgador a análise de vários elementos (conduta social do acusado, as circunstâncias e conseqüências do crime, etc), para a fixação da pena base, a qual deve ser fundamentadamente individualizada.

O acusado é advogado e valendo-se desta condição praticou o crime descrito na denúncia. Além da sua formação em Ciências Jurídicas, também é formado em Ciências Sociais, o que certamente lhe oferece maiores elementos para o discernimento do certo e errado e principalmente das conseqüências de crime tão grave.

A sua superioridade intelectual, quando comparada a grande massa dos infratores, logicamente que trouxe maiores riscos para a sociedade em geral e maiores esforços por parte da polícia, que bem sabe a distinção de investigar o agente analfabeto ou semi-analfabeto e aquele formado em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, tal como ocorre no caso.

Além disso, o acusado, valendo-se da honrosa profissão de advogado, a quem a Constituição Federal outorgou papel de indispensável para a administração da Justiça, em total desvio da sua finalidade e aproveitando-se de uma série de prerrogativas conferidas a ele e a todo aquele que estiver sendo processado (clientes seus), usou destes direitos, prerrogativas e condição de indispensável para cometer crime, pois apresentando-se como advogado comparecia nos estabelecimentos prisionais, levando e trazendo notícias, ordens, determinações, orientações, advertências e outras mais, à população carcerária.

Soma-se a isto o tipo de associação criminosa que compôs o acusado, de altíssima e especial periculosidade, com raios de atuação inimagináveis e exatamente por conta da colaboração e do trabalho daqueles que estão foram da tutela penitenciária, tal como o acusado, elementos estes que, somados, certamente impõe a fixação da reprimenda na sua primeira fase acima do mínimo legal.

Portanto, com estes fundamentos, fixo a pena base acima do mínimo legal, ou seja, três anos e nove meses de reclusão (aumento de um quarto).

Para a segunda fase do cálculo dá pena, não existem circunstâncias atenuantes e agravantes a serem consideradas.

Na terceira fase do cálculo da pena, não existem causas de diminuição, mas como causa de aumento especial, presente a hipótese descrita no parágrafo único, do artigo 288, do Código Penal (aplicação da pena em dobro se a quadrilha ou bando é armado).

Para a consideração desta causa de aumento especial, vale dizer que não restam dúvidas quanto esta qualidade da associação denominada PCC, sendo que dentre os próprios bilhetes apreendidos com o acusado, contendo mensagens recíprocas para integrantes desta associação, existe a menção de aquisição de armamento pesado.

Assim, a pena acima fixada deve ser dobrada, totalizando sete anos e seis meses de reclusão, a qual torna definitiva.

Na análise das diretrizes dos artigos 59 e 33, ambos do Código Penal, fixam o regime FECHADO para o cumprimento da pena, posto que o único compatível com o crime em questão.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos termos do artigo 43 e seguintes do Código de Processo Penal.

Ante o exposto e por tudo o que dos autos consta JULGO PROCEDENTE a ação penal que a

JUSTIÇA PÚBLICA moveu contra MARlO SERGIO MUNGIOLI, fìlho de Mário Mungioli e Olga Parada, incurso nas penas do artigo 288, parágrafo único do Código Penal, c.c. artigo 8°, da Lei 8072/90 e o faço para condená-lo ao cumprimento da pena de SETE ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO no regime inicial FECHADO.

O acusado aguardou preso esta decisão, estando nesta condição desde a data do fato, por força da sua prisão em flagrante e assim deverá permanecer caso pretenda recorrer desta decisão. Expeça-se mandado de prisão.

Após o trânsito em julgado, lance-lhe o nome do rol dos culpados.

MARCIA HELENA BOSCH

Juíza de Direito

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